“Precisamos de um longo período de luta de classes que vá além do período de um governo. Às vezes, as massas demoram a entender o que está acontecendo”, disse em entrevista ao Fórum de Comunicação para a Integração da Nossa América (FCINA)
por Mariano Vásquez no Diálogos do Sul – Sociedade, crise política e ambiental global
Crise do capitalismo e da democracia global
Estamos em um
quadrante da história de uma crise estrutural do modo de produção capitalista
que afeta todo o Ocidente. O capitalismo está em uma grave crise econômica
porque não consegue mais produzir os bens necessários para a população, embora
os capitalistas estejam ficando bilionários.
Há uma crise
política porque o Estado burguês não está interessado na democracia, o capital
financeiro trans-nacionalizado não está interessado na democracia, por isso
financiou golpes de Estado, promoveu grupos fascistas, financiou a
extrema-direita.
Há também uma crise
ambiental muito grave em todos os países e o capital tem operado como uma
ofensiva sobre os bens da natureza que deveriam pertencer a todos, mas eles
tentam se apropriar da natureza de forma privada. No Brasil, tivemos quatro
golpes antidemocráticos nos últimos seis anos. Nesse período, chegamos a 70
milhões de trabalhadores fora da estrutura produtiva.
O
governo Lula o papel da extrema-direita e as massas
Sabemos que este é um governo de coalizão, uma
frente ampla, mas ainda estamos tentando pressioná-lo para que cumpra o
programa mínimo, o plano emergencial com o qual se comprometeu na campanha:
combater a fome distribuindo alimentos; construir as moradias necessárias e
adotar um plano econômico que nos leve à re-industrialização e à produção de
alimentos com base na agricultura familiar camponesa.
Mas a direita fascista, que perdeu as eleições, se
instalou no Parlamento, que é uma trincheira da direita. A esquerda tem apenas
130 deputados garantidos em um total de 513. Por isso, dessa tribuna, a direita
impôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para acusar o MST de crimes
pela ocupação de terras, mas a ocupação de terras não é um crime, é um direito
do povo. É por isso que Lula terá dificuldades em levar adiante suas políticas
e será muito difícil promover mudanças estruturais sem o apoio das massas.
200
anos da Doutrina Monroe e o papel de exploração dos EUA
Há 200 anos eles [Estados Unidos] nos tratam como
colônia, só querem matérias-primas, commodities, nossos mercados e nos explorar
com o dólar.
Com esses papéis verdes, compram governos, fábricas.
Eles compram tudo na nossa América Latina, saqueando nossas riquezas e nosso
trabalho.
Lula está conscientemente fazendo relações
bilaterais, levantando sua voz contra o dólar, que é o centro de exploração de
nossos povos, para começar a usar nossas moedas.
Lula pede para construir a paz, mas os Estados
Unidos querem guerras para vender sua principal mercadoria, que é a indústria
bélica.
Os problemas de nossos países latino-americanos não
podem ser resolvidos isoladamente, mas recuperando os pensamentos dos
clássicos, como José Martí, Hugo Chávez, Fidel Castro, que enfrentaram a teoria
de Monroe. Lula enfatiza que os problemas da América Latina só serão resolvidos
se construirmos a integração regional.
Situação
dos movimentos sociais e a solidariedade internacional
O internacionalismo é nosso princípio, é
uma necessidade. Ou nos unimos como classe trabalhadora ou não
venceremos.
O MST é herdeiro daquela vontade
política que aprendemos com a Revolução Cubana, aprendemos que a solidariedade
é um princípio, não é caridade, é uma forma política fundamental de agir. Não
há como construir uma civilização humana mais desenvolvida, não conseguiremos a
mudança sem derrotar o capitalismo financeiro, sem derrotar o império.
Para isso, precisamos de um longo
período de luta de classes que vá além do período de um governo. A maioria das
forças de esquerda que chegaram aos governos não entende os tempos em que
vivemos. São tempos de mudança, não são tempos de conciliação e, às vezes, as
massas demoram a perceber o que está acontecendo.
Iniciativa
de Pepe Mujica em palestra, sobre o trabalho
Na área de integração popular, que
envolve os Movimentos da ALBA, CLOC-Via Campesina, coletivos de esquerda,
Movimiento de Participación Popular (MPP) e a CSA (Confederação Sindical das
Américas), planejamos com Pepe Mujica uma espécie de aula magna 'Pensando o
futuro', aproveitando seu pensamento e suas ideias.
Estamos convocando vocês para
participarem, no dia 23 de junho, na forma de uma rede continental para que o
velho Mujica possa nos dizer quais são os dilemas da humanidade nesse quadrante
que é a luta da classe trabalhadora.
*João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra do Brasil (MST), concedeu uma extensa entrevista colaborativa nesta
quarta-feira (7/jun/2023) ao Fórum de
Comunicação para a Integração da Nossa América (FCINA), na qual discutiu a
situação dos movimentos populares no Brasil; o terceiro governo de Luiz Inácio
Lula da Silva; o avanço da extrema-direita no continente e no mundo; as
iniciativas de integração; a aliança da classe trabalhadora no campo e na
cidade; a crise do capitalismo e o papel dos Estados Unidos na região no marco
dos 200 anos da quando a Doutrina Monroe, que definiu a América Latina como
quintal de exploração dos Estados Unidos.
Stédile
é o líder do maior movimento de trabalhadores camponeses do mundo. O MST, cujos
embriões remontam à luta pela terra na década de 1970, foi fundado em 1984,
durante o 1º Encontro Nacional em Cascavel, no estado do Paraná, com o objetivo
de lutar pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais no Brasil.
"Queremos ser produtores de alimentos, cultura e conhecimento. Queremos
ser construtores de um país socialmente justo, democrático, com igualdade e em
harmonia com a natureza", proclamaram à época. Hoje, o movimento está
organizado em 24 estados das cinco regiões do país. Mais de meio milhão de
pessoas já conquistaram seu território por meio da organização.
Tradução:
Diálogos do Sul
Publicado
no Diálogos do Sul:
7 de jun de 2023
Fonte:
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