A preservação das terras e das vidas indígenas é a preservação da vida como um todo e do futuro do nosso país e do planeta
O Marco Temporal é um projeto que
coloca em risco 63% das reservas indígenas atuais, deixando essas terras
expostas ao garimpo ilegal, ao desmatamento, à mineração e outro agentes
comprometedores para a saúde do planeta
por Alva Rosa
Tukano* nojornalggn@gmail.com – Sociedade e Sobrevivência da Vida na Face da Terra
Fabio Rodrigues Pozzebom – Agência Brasil
A demarcação de terras indígenas tem sido uma pauta bastante discutida no Brasil nos últimos anos. Após quatro anos com o tema tendo sido colocado de lado pelas autoridades governamentais, 2023 já ficou marcado por uma série de acontecimentos que reaqueceram o debate. Um desses eventos foi a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 490/2007, que estabelece o Marco Temporal como limite no tempo para a demarcação de terras indígenas.
Esse
projeto de lei coloca em risco diversas conquistas e a própria existência dos
povos indígenas, além de ameaçar a fauna e a flora brasileiras e a existência
desses povos, comprometendo o futuro do nosso clima, das nossas águas e
florestas, da nossa alimentação, da nossa saúde. Tamanho retrocesso resultaria
do fato de que o Marco Temporal tem como premissa redefinir a forma como uma
terra indígena (TI) é demarcada. O PL propõe que a demarcação dessas terras só
aconteça uma vez que seja comprovada a presença de povos originários vivendo
nela na data da promulgação da Constituição brasileira, do ano de 1988.
A questão
do Marco Temporal deixou de ser uma pauta nacional para ser abordada
globalmente. No dia 13 de junho, o relator da ONU sobre os direitos dos povos
indígenas, José Francisco Calí Tzay, afirmou que aprovar o projeto de lei seria
contrário aos padrões internacionais e que é preciso proporcionar uma maior
proteção para as comunidades indígenas. Diante deste contexto, é necessário
enfatizar que o projeto coloca em risco
63% das reservas indígenas atuais, deixando essas terras expostas ao garimpo
ilegal, ao desmatamento, à mineração e outro agentes comprometedores para a
saúde do planeta.
Por isso,
é necessário ter em mente o papel das organizações e comunidades indígenas como
as grandes aliadas para o enfrentamento do aquecimento global e a preservação
do ecossistema brasileiro. De acordo com o levantamento divulgado em 2022 pelo
Instituto de Recursos Mundiais e Climate Focus, o Brasil não será capaz de
cumprir as metas climáticas definidas pela Agenda 2030 da ONU, plano global
para promover um planeta melhor até o tempo pré-determinado, a não ser que
proteja os territórios indígenas.
Segundo a
mesma pesquisa, 92% das zonas protegidas absorvem mais carbono do que emitem, e
cada hectare é responsável pela captura de cerca de 30 toneladas desse gás de
efeito estufa por ano. Isso ocorre, principalmente, devido às comunidades
adotarem uma economia de subsistência, respondendo somente por 1,6% do
desmatamento da Amazônia nos últimos 36 anos, segundo o estudo lançado pelo
MapBiomas no ano de 2021. Em contrapartida, os locais ocupados pelo grande
setor da agropecuária totalizam 52,3% da degradação do ecossistema, de acordo
com o censo do IBGE de 2010.
O PL
490/2007, que ainda vai passar pela apreciação do Senado, agora chamdo PL
2903/2023, também é preocupante para as aldeias isoladas. Dados de um estudo
do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em parceria com a
Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) divulgado
em 2023, revelam que 34% das 44 reservas com presença dos povos isolados
não tiveram seus processos de regularização de demarcação de terra
concluído, sendo que 12 estão sob grande ameaça de garimpo e queimada
ilegal.
A
história dos povos indígenas no Brasil, assim como suas conquistas, é marcada
pela luta contínua contra todas essas violações de direitos. Hoje, a defesa dos
nossos direitos tem ganhado cada vez mais visibilidade, mas é preciso reforçar
a necessidade da participação de toda a sociedade nessa luta. Para isso há
diversos mecanismos e entidades que ajudam a fazer a conexão com a nossa causa,
como o Fundo Brasil de Direitos Humanos, que sistematicamente promove campanhas
a favor dessa e de outras iniciativas emergentes.
A
preservação das terras e das vidas indígenas é a preservação da vida como um
todo e do futuro do nosso país e do planeta. Por isso, enquanto não houver
garantia de sobrevivência e da manutenção da qualidade de vida dos povos
indígenas, continuaremos nos mobilizando e ocupando mais espaços na política
para, desse modo, garantir liberdade e dignidade aos nossos povos e
proteção às florestas brasileiras.
*Alva Rosa Tukano – Professora,
primeira mulher indígena a obter o título de doutora pela Universidade Federal
do Amazonas (UFAM), e presidente do Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena
do Amazonas (FOREEIA)
Publicado no GGN: 5 de julho de 2023
Fonte: https://jornalggn.com.br/questao-indigena/os-povos-indigenas-sao-essenciais-na-luta-pelo-meio-ambiente/
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