Alçapão anti-democrático do congresso brasileiro torna indispensável o recurso ao mais tradicional instrumento da luta política: a mobilização popular, Paulo M. Leite
por Paulo Moreira Leite no Brasil 24/7 - Sociedade e Elite Brasileira Fora de Contrôle
Após golpe jurídico-parlamentar-militar-empresarial em 2016 e sob comando de Artur Lira, entre 2020 e 2022 o congresso brasileiro instituiu uma camisa-de-força institucional, capaz de estrangular a luta parlamentar do terceiro governo administrado sob a agenda petista a partir de 2023.
Invisível
para o cidadão comum, um pacote de mudanças anti-democráticas foi deixado como
herança institucional na câmara de deputados. Pela ação conjunta de Arthur Lira
e Jair Bolsonaro entre ao longo de dois anos – 2021 e 2023 – configurando um
muro de concreto destinado neutralizar a soberania popular e instituir uma
ditadura parlamentar, na qual o poder executivo seja esterilizado e
desfigurado.
Esta
situação foi denunciada na reportagem "Cúpula do Congresso concentra força
inédita e cria desafio para governo Lula", de André Shalders e Daniel
Weterman, que contém as principais informações reunidas neste texto. (Estado de
S. Paulo, 24/10/2023).
Para
entender melhor a mudança, convém fazer uma comparação.
Em
2003, início de seu primeiro mandato presidencial no planalto em Brasília pela
administração petista, o governo federal contava com uma bancada de 376
deputados – ou 73% do plenário, proporção espetacular – e não sofreu uma única
derrota.
Já
em 2023, a soma nominal de parlamentares aliados chega a 389 deputados
federais. Só parece muita coisa. Numa estimativa que dispensa os casos notórios
de falsidade parlamentar, a contabilidade fica em 283. Para aprovar uma emenda
à constituição, indispensável para realizar mudanças essenciais ao desmonte da
herança nefasta, um de seus principais compromissos de campanha, o governo
necessitará de pelo menos 308 votos.
Num
balanço das relações do governo federal com o congresso, é possível enxergar
duas situações. No primeiro mandato, em 2003, foi possível aprovar 54 medidas
provisórias (mp’s) e não se perdeu nenhuma. Em 2023, apenas 17 já perderam a
validade e apenas 7 foram aprovadas.
Outra
comparação: em 2003, 28% dos projetos que se tornaram lei no período nasceram
de iniciativa da presidência da república. Nos primeiros dez meses de 2023,
essa presença foi reduzida a 18%.
Não
custa sublinhar a importância fundamental das medidas provisórias na ordem constitucional
nascida a partir da constituição de 1988. Num sistema político que assegurou
uma nova musculatura a um congresso que ambicionava recuperar poderes
suprimidos ao longo da ditadura de 64, as mp’s destinam-se a cumprir uma função
essencial.
Servem
de garantia à ação governamental, encarnada pelo presidente da república, única
autoridade escolhida por sistema no qual cada eleitor ou eleitora vale 1 voto,
num contraponto indispensável ao congresso, onde a força fora do comum das
oligarquias regionais (elites locais) assegura um oxigênio escandaloso à
direita política ou as elites. Enquanto um deputado federal por São Paulo
representa -- matematicamente -- os interesses de 650 000 eleitores e
eleitoras, aquele que foi eleito em Roraima fala por 72 000. Um parlamentar do
Amazonas fala por 510 mil, da Bahia, 379 mil, de Minas Gerais, 396,9 mil,
enquanto um mesmo colega de Roraima precisa de 72 000 votos para se eleger, 103
300 no Amapá e 100 600 no Acre. Para conhecer a lista completa, Estado por
Estado, ver portal da câmara de deputados. Por essa representação parlamentar,
é possível entender a discrepância democrática brasileira, herança da ditadura
militar de 1964.
Em
entrevista ao Estadão, a professora Graziella Testa, da Escola de Políticas
Públicas e Governo, da Fundação Getúlio Vargas, descreve a situação. "São
dois processos concomitantes. Um deles é o fortalecimento do legislativo em
relação aos outros poderes. E o outro é o de centralidade (das decisões) na
câmara. No senado, o processo ocorre residualmente, mas na câmara isso tem um
impacto maior", diz a professora Graziella.
Nessa
operação de concentração de poderes, Artur Lira conseguiu transformar as votações
on-line em decisões que têm validade – ou não – conforme sua vontade como
presidente da câmara. Em novo sintoma de seus poderes imperiais, cabe ao
presidente da câmara definir pela validade ou não, de uma votação remota, onde
um parlamentar "só precisa de um celular com internet", diz Graziella
Testa.
Para
um governo eleito com a missão necessária de desfazer o edifício de mudanças
reacionárias produzidas em período recente de golpe e retomar um projeto de
desenvolvimento econômico e distribuição de renda, o alçapão anti-democrático
do congresso torna indispensável o recurso ao mais tradicional instrumento da
luta política – a mobilização popular, capaz de modificar uma relação de forças
desfavorável.
Alguma
dúvida?
Publicado no Brasil 24/7:
1 de novembro de 2023
Fonte:
https://www.brasil247.com/blog/aviso-aos-navegantes-lula-enfrenta-uma-ditadura-parlamentar
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