Há quem diga que uma das mudanças comportamentais
mais interessantes dos últimos anos é o novo papel do homem como pai. E
seu desejo crescente de ser mais ativo no cuidado diário e na formação
dos filhos. Não faltam tentativas de encontrar um termo que dê conta
dessa transformação, ainda um tanto lenta – paternidade participativa,
paternidade ativa, novo pai, pai cuidador, pai presente, paizão... Mas
trata-se de um fato contemporâneo que tem tudo para afetar profundamente
a sociedade, considerando que a maior participação dos pais no
cotidiano dos filhos ajuda a romper o ciclo cultural de que cabe à
mulher, mesmo a que trabalha fora, dedicar-se à prole e à casa.
Essa nova postura do homem também contribui para a emancipação das
mulheres a partir da divisão mais igualitária das funções, como acontece
com o casal Perrota, o advogado Julio, de 40 anos, e a economista
Bruna, de 37. "Sempre gostei do meu trabalho, me esforcei muito para
passar em concurso público, tive oportunidade de crescimento e quando me
tornei mãe não quis ter de abrir mão de tudo que conquistei", diz
Bruna, que eventualmente viaja a trabalho e, com frequência, participa
de reuniões que excedem o expediente.
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THIAGO RIPPER/RBA
- Julio e as filhas: descobertas
Perrota, que tem um negócio próprio, conta que busca ao máximo
dar o suporte necessário para que a mulher continue a trilhar o caminho
dela. "Tenho certeza de que nossas filhas terão orgulho da mãe. Penso
que para a formação das meninas também será muito positivo ter dentro de
casa essa referência de uma mulher bem-sucedida e realizada
profissionalmente", defende. O advogado se surpreendeu com a própria
habilidade nos cuidados diários com Gabriela, de 6 anos, e Giovana, de
3. "Eu não ligava para crianças. Quando perdemos a primeira gestação de
gêmeas, a ideia da paternidade amadureceu muito. Chorei uma semana.
Quando a Bruna engravidou de novo, acompanhava as consultas de
pré-natal, ultras, participei de tudo", lembra.
Com a possibilidade de ter uma rotina profissional mais flexível,
Julio assumiu tarefas como levar as filhas e buscá-las na creche, dar
comida, banho, arrumar, acompanhar nas festinhas e consultas. "Foi o
Julio que deu banho na Gabi até o sexto mês. Ainda grávida, fizemos um
curso no hospital e fiquei com muito medo dessa aula. Depois, com a Gabi
nos braços, eu pós-operada, o Julio quis dar o primeiro banho. Ficou
todo orgulhoso, fez tudo certo e aí foi indo. Ele também trocava
fraldas, colocava as roupinhas, sempre fez o que fosse preciso", conta
Bruna.
Em 2013, a família mudou de bairro para que a mãe pudesse ficar mais
próxima do trabalho e ganhar tempo com as meninas e o marido. "É puxado,
mas sempre fiz tudo com prazer", diz Julio. "Agora, elas estão maiores,
nós nos mudamos. Está mais tranquilo. Quando ela chega mais tarde, as
meninas já jantaram e tomaram banho."
Grupo de mães
O palhaço Vinicius Daumas, de 41 anos, gestor da ONG Circo Crescer e
Viver, é o único pai do grupo de mães do WhatsApp da classe de Pedro, de
9 anos. Diariamente revisa os deveres, leva e busca, acompanha a
festinhas infantis. Para Vinicius, sempre será melhor duas pessoas
cuidando: "São dois olhares, duas visões de mundo. Esse convívio é
gratificante, uma troca interessante. Em cada fase que o Pedro entra, eu
a redescubro com ele. O cuidado cotidiano que tenho com ele,
certamente, fortalece a nossa ligação".
Caçula da família, crescido em meio às irmãs e "titio" com apenas 6
anos, Vinicius despertou desde cedo para o ato de cuidar. Por quase um
ano, chegou a cuidar praticamente sozinho do filho enquanto a mãe, que é
atriz, gravava uma novela em outro estado. "Pedro estava com 3 anos, eu
preparava tudo. Foi um suporte importante para que Carol (sua mulher à
época) pudesse dedicar-se à carreira. Isso também aconteceu em outros
momentos com as peças de teatro e gravações de filmes", conta o
palhaço-gestor. Depois da separação, há dois anos, Pedro passou a morar
com a mãe e a avó materna. Depois de uma viagem por três países da
Europa, durante um mês, em companhia do filho, Vinicius se recuperou da
dor da separação. "Foi enorme a cumplicidade, o acolhimento e a
afetividade. Nunca esqueceremos o que passamos juntos."
Há três anos, o gestor participou da Campanha de Paternidade e
Cuidado Você é meu Pai. Na ocasião, foi montada uma exposição
fotográfica sobre paternidade, no Rio de Janeiro. A ação foi parte da
campanha global MenCare, promovida por uma organização não
governamental, Instituto Promundo, que atua em diversos países
promovendo a igualdade de gênero e a prevenção da violência, com foco no
envolvimento de homens e mulheres na transformação de masculinidades, e
incentiva as relações afetivas e de cuidado entre pais e filhos.
Cenário desigual
De acordo com dados do instituto, em todo o mundo mulheres, que
representam 40% da população ocupada, e meninas continuam a assumir a
maioria das atividades familiares. A participação limitada dos homens em
cuidados com as crianças continua a ser uma grande barreira para a
igualdade de gênero e a autonomia das mulheres. No Brasil, elas gastam,
em média, 20 horas por semana cuidando dos filhos e do lar, enquanto os
homens dedicam pouco mais de dez horas. "A direção está certa, mas nesse
ritmo lento só daqui a 50 anos se chegará à equidade", afirma o
psicólogo Gary Barker, diretor internacional do Promundo.
Durante dois anos, integrantes da organização se debruçaram em
pesquisas sobre a participação dos homens na paternidade nos sistemas da
Organização das Nações Unidas (ONU), do Banco Mundial, do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de universidades. "A falta de
dados consistentes revela a invisibilidade do tema, que é muito grave,
pois o que você não consegue mensurar, não existe, com exceção dos
países escandinavos, Canadá, Inglaterra, Estados Unidos e Austrália,
onde há pesquisas", diz Barker.
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- “Ser pai mudou o meu jeito de pensar”, diz Marcio, com Maria Luiza no colo
Segundo ele, o ciclo da desvalorização na remuneração da mulher,
que ganha 24% menos que os homens, em média, é o principal entrave no
mundo inteiro para uma sociedade mais igualitária. "Se alguém precisar
se retirar do mercado de trabalho para cuidar dos filhos, fatalmente
será quem ganha menos. Para quebrar esse ciclo, é fundamental valorizar o
trabalho feminino, aumentar o número de creches subsidiadas e o período
de licença-paternidade", afirma o psicólogo. Ele destaca experiências
testadas nos países escandinavos nos anos 1980, como a licença-parental
com períodos destinados aos pais, às mães e podendo ser divididos entre
eles. Porém, como o pagamento baseava-se no salário das mulheres, o que
implicaria num corte no orçamento familiar, muitos homens não quiseram
usufruir de tal direito.
Na década seguinte, dois ajustes fizeram a diferença, segundo Barker,
à impossibilidade de transferir o tempo destinado ao homem, assim como à
aplicação da remuneração que cada um recebia. O percentual de homens
que usava a licença-paternidade, que era de 10% a 20%, saltou para 90%.
Islândia, Noruega e Suécia têm sistemas parecidos, um ano de
licença-parental – dois meses no mínimo são destinados exclusivamente
aos pais, e a partir daí cada casal faz a combinação que preferir. "Para
o mundo fica o exemplo de que é possível avançarmos nesse caminho, pois
essas economias ricas não caíram aos pedaços porque os pais estão tendo
um tempo remunerado para cuidar de seus filhos."
No Brasil, a licença-paternidade é de apenas cinco dias. Há alguns
projetos de lei no Congresso que visam a aumentar esse período para 15 e
30 dias, ainda um abismo gigantesco perto dos 120 a 180 dias a que as
mulheres têm direito. Para Mariana Azevedo, socióloga e
coordenadora-geral do Instituto Papai, avanços vêm sendo incorporados em
diversos setores da sociedade, como a inclusão do tema nas negociações
de acordos coletivos de trabalho ou o estímulo à inserção dos homens nas
consultas de pré-natal das companheiras, parte da Política Nacional de
Saúde do Homem do Ministério da Saúde desde 2009. "É preciso
sistematizar essa política e capacitar profissionais de saúde para lidar
com essa conquista da sociedade", reforça Mariana.
A socióloga destaca a guarda partilhada entre casais separados como
meio de desconstruir a ideia de que a mãe é única pessoa responsável ou
capaz de cuidar dos filhos. Ela admite que é crescente o debate público
em torno do novo papel do pai, da licença-paternidade e da divisão de
tarefas nos lares. Mas considera que também mulheres – esposas, mães e
sogras – ainda precisam abrir a guarda e encorajar os pais. Muitas ainda
insistem com aquela velha opinião de que o homem não combina com
cuidados e tarefas domésticas, e acabam atropelando o pai.
Não há um consenso sobre essa prática no lar do gerente de marketing
Marcio Vellozo, de 42 anos, e da advogada Andréa Luiza Belém Gouveia, de
43. Andréa se sente sobrecarregada, mas Vellozo diz que ela e a sogra
fazem quase tudo em relação à filha Maria Luíza, de 2 anos, e à casa.
"Ele gosta de passear com a Malu, o que ajuda, porque só assim consigo
fazer alguma coisa para mim", resume a advogada.
Vellozo defende-se: "Já troquei fraldas, dei de mamar, fazia arrotar,
sabia fazer o melhor embrulho na Maluzinha. Só não faço mais porque a
Malu é louca pela mãe e cola nela", justifica. Quanto aos passeios: "Eu
não ando na rua com a Malu, eu desfilo. É a maior felicidade ser pai, a
gente entra num outro mundo. Mudou meu jeito de pensar, não consigo nem
explicar", diz. "Quero levá-la no primeiro dia na escola, na aula de
natação. Ao pediatra eu já vou e continuarei indo. Todo final de semana
levo a Malu ao parquinho do Fluminense e quando ela estiver maior vai
comigo ao Maracanã", avisa.
Psicólogo com doutorado em desenvolvimento infanto-juvenil, Gary
Barker ressalta que a participação efetiva do pai nos cuidados das
crianças, assim como nas tarefas domésticas, reduz o nível de estresse
ao eliminar a sobrecarga que recai sobre a mulher. "Num lar sem
estresse, identificamos maior rendimento escolar e desenvolvimento
cognitivo entre crianças. Os homens se sentem mais felizes quando
conseguem cuidar dos filhos, percebem relações mais próximas e tendem a
cuidar mais da própria saúde."
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- “Sempre gostei de
crianças”, diz Edson, pai de Maria Clara (foto) e de Pedro. “Quando me
tornei pai, quis aproveitar cada instante”
O produtor de cinema Edson da Silva Costa, de 50 anos, lembra
que ainda na infância sua mãe costumava dizer que ele nasceu para ser
pai. "Sempre gostei de crianças. Quando me tornei pai, quis aproveitar
cada instante. Estar junto, fazer comida, cuidar, dar banho. Não consigo
entender um homem que não fique feliz em cuidar dos filhos", diz Edson,
que tem Pedro, de 23 anos, e Maria Clara, de 13, de dois casamentos. O
menino tinha 3 anos quando ficou viúvo. "Jamais passou pela minha cabeça
deixá-lo com os avós. Eu já cuidava de muita coisa em casa, era só
continuar", relembra.
Na segunda união, também participou de cada fase de Maria, mesmo com
as idas e vindas do casal, que acabou se separando. "Nunca faltei ou
cheguei atrasado nos meus dias com a minha filha, inclusive a Maria,
quando a mãe se mudou para São Paulo, não quis ir e passou a morar
comigo e com o Pedro em Niterói, por um ano e meio", destaca. Maria
concorda com o pai e diz sentir saudades desse tempo.
Hoje, Pedro faz faculdade em Minas Gerais, a mãe de Maria voltou a
morar no Rio, com a adolescente e a nova família, e Edson deixou
Niterói. "Não existe isso de eu escolher um ou outro. Todo mundo dizia
que o meu lugar era ao lado da minha mãe. Mas meu pai sempre cuidou
muito bem de mim e do meu irmão. O que me incomodava era eu ter de me
explicar porque eu vivia com ele e não com ela. Puro machismo. No fundo e
de um jeito diferente, meu pai e minha mãe querem a mesma coisa, que eu
me torne uma pessoa cada vez melhor", diz a adolescente.
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/109/da-licenca-que-sou-pai-7408.html