A
velocidade da acumulação mistura legalidades e ilegalidades no mesmo prato. As
mesmas pessoas continuam nos mesmos postos da crise de 2008
por Jessé Souza na Carta Capital – Sociedade e Lucro Selvagem
Pixabay
EUA estão no comando deste
processo e se locupletam do controle econômico, político e militar dos fluxos
de capitais legais e ilegais
O
capitalismo para se legitimar criou, desde o início, uma justificação
filosófica, social e política. Primeiro transformou a ganância individual que
estimula nos indivíduos em coisa boa, como na fábula dos vícios privados e
virtudes coletivas, onde a ganância serviria, ao fim e ao cabo, ao bem comum.
Depois,
criou a noção de mercado honesto, na medida em que o processo de acumulação
primitiva e de ganhos com o saque e a rapina direta passou a ser percebido como
uma fase “imatura” do capitalismo, cujo processo maduro seria, por
contraposição, contratual, puro e honesto. Até Marx
deu uma palhinha para este engodo.
Finalmente,
criou a noção de “crime” e de “criminoso” que a sociedade inteira iria acolher.
O crime capital passa a ser o crime contra o patrimônio desde que seja o roubo
pequeno do ladrão de galinhas ou do batedor de carteiras.
Se você
assalta um país inteiro por meio de ataque especulativo, e deixa alguns milhões
de pessoas sem aposentadoria e previdência, não só não é preso como aparece
glorificado como “investidor do ano” na capa em revistas como The Economist.
Sem este trabalho prévio de legitimação secular que nos rouba a capacidade de
reflexão não existiria capitalismo.
A fase de
ouro do capitalismo industrial de meados do século XX deixou essas
virtualidades do capitalismo invisível por vários motivos. Tolhido pelo arranjo
democrático vigente em vários países, a produtividade do capitalismo em muitos
casos passou a servir efetivamente para a melhoria das condições de vida da
maioria da população.
A base
era o Estado fiscal onde quem pagava mais era quem mais possuía. Nenhum
capitalista podia chantagear o Estado já que não se passa uma planta industrial
de um país a outro de um dia para o outro. O capitalismo financeiro, ao assumir
o comando do processo de acumulação de capital, pode, ao contrário, controlar o
fluxo de capitais de dado fundo de investimento e transferi-lo num piscar de
olhos de um país a outro.
E pode
chantagear o Estado e a política ao criar um sistema paralelo de fluxo
financeiro por paraísos fiscais possibilitando a sonegação fiscal em grande
escala de milionários e empresas. Com isso o Estrado tributador se torna Estado
devedor já que agora o que antes era imposto devido se transforma em empréstimo
a ser pago com juros.
Os
capitalistas não só deixam de pagar imposto, como cobram agora pelo imposto
sonegado com juros sob a forma de empréstimos aos Estados sem fonte de
arrecadação. Isso sem se falar nos títulos fraudulentos das dívidas públicas
como a auditoria grega deixou claro. Nem todos os Estados são, no entanto,
enfraquecidos.
Os EUA
estão no comando deste processo na dimensão global e se locupletam do controle
econômico, político e militar dos fluxos de capitais legais e ilegais, do
controle sobre os ativos reais em matérias primas internacionais como o
petróleo e provocam crises e golpes de Estado, como no caso recente do Brasil,
sem sujar as mãos com sangue de soldados americanos.
A
velocidade do processo de acumulação e lucros cada vez maiores mistura
legalidades e ilegalidades no mesmo prato. As mesmas pessoas continuam ocupando
os mesmos postos chaves que ocupavam na crise de 2008.
Não
existe qualquer indício de que as práticas tenham mudado desde então. A mesma
“desregulação” do mercado do mercado financeiro impera como antes criando uma
“legalidade” específica que é apenas o eufemismo para a corrupção real de
processos opacos para o grande público nas relações entre a política e a
economia em todos os níveis.
Fundamental
para este processo é a compra da imprensa pelo mercado financeiro. Essa compra
pode ser direta como ela o é efetivamente em inúmeros casos, mas pode ser
também indireta e não menos eficiente quando os lucros das grandes companhias
de comunicação são financeirizados e seus anunciantes principais são os grandes
bancos.
O público
então é bombardeado com ameaças de um “mercado” tão opaco quanto suas práticas.
Mantras de “preços de mercado”, como se houvesse qualquer competição real nessa
dimensão, são jogados perversamente sobre uma audiência indefesa, como as
políticas atuais da Petrobras comprovam tão bem.
Na
verdade, se forma entre mercado financeiro e sua mídia comprada e sem nenhuma
independência um complexo de obscurecimento sobre como o mundo funciona em
todos os níveis. Enquanto o mercado financeiro assalta a população como um todo
por meio de mecanismos de mercado, como lucros e juros extorsivos, e por
mecanismos de Estado, como controle do orçamento e via inúmeras formas de
privatização dos lucros e socialização dos prejuízos, a imprensa mente e
distorce uma realidade já de difícil compreensão.
https://www.cartacapital.com.br/economia/o-capital-financeiro-a-face-mais-destrutiva-do-capitalismo