O Brasil ocupa uma
posição elevada em nível de desigualdade no
contexto mundial, estando entre as primeiras posições deste vergonhoso ranking.
O Brasil tributa
proporcionalmente mais os mais pobres e menos os mais ricos, encontrando poucos
paralelos no mundo, como o caso da Arábia
Saudita, país rico em petróleo e extremamente desigual
por Ricardo
Machado para revista IHU – Sociedade
e Dívida Social Brasileira
Para compreender a desigualdade no Brasil terá
que se ver os profundos desajustes nas cargas tributárias,
isso porque a política tributária se caracteriza por ser intensamente
regressiva. O que isso significa? Que os mais pobres pagam mais impostos, à
medida que a taxação nos produtos compromete mais sua renda que a das
populações mais abastadas. “O Brasil já teve uma tributação mais
progressiva, entretanto, os governos militares mudaram as alíquotas máximas de imposto de renda, que já
atingiram 65%, foram reduzidas até o patamar atual de 27,5%. Na Alemanha
a alíquota chega a 45%, na Suécia 56,7%, na Turquia 35% e no México
30%”, descreve Róber Iturriet Avila, em
entrevista por e-mail à IHU On-Line.
Uma
confusão muito comum que ocorre é comparar o Brasil e a Suíça,
que possuem percentuais de arrecadação semelhantes, mas rendas per capita muito
distintas. “Não faz sentido comparar a carga tributária do Brasil,
que é de 32,98%, com outro país que possua a mesma carga tributária e um nível
de renda per capita cinco vezes maior. A Suíça tem uma arrecadação per capita
cinco vezes maior, o que faz com que os serviços públicos sejam sensivelmente
melhores, ainda que a carga fiscal seja a mesma. É interessante saber que nosso
país não é rico e somos muito desiguais, não somos a Suíça, e comparar
nossos serviços com os suíços é comparar coisas incomparáveis com argumentos sem
valor”, cita Róber.
Róber Avila durante palestra, no IHU
Foto: João Vitor Santos | IHU
Foto: João Vitor Santos | IHU
Róber Iturriet Avila é doutor em Economia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e professor do Departamento
de Economia e Relações Internacionais da UFRGS. Foi professor da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, pesquisador da Fundação de Economia e
Estatística - FEE e diretor sindical do Sindicato dos Empregados em Empresas de
Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do
Rio Grande do Sul - Semapi.
Confira a
entrevista.
IHU
On-Line – Como a política tributária brasileira ajuda a explicar nossos níveis
de concentração de renda e desigualdade?
Róber
Iturriet Avila – A cobrança de tributos é uma
das maneiras constituídas para reduzir a tendência de concentração de renda e de riqueza
nas sociedades capitalistas. Uma tributação progressiva é aquela em que
os impostos sobre renda e patrimônio são mais elevados, ou seja, os
indivíduos mais ricos contribuem mais para financiar os serviços públicos. Uma
tributação mais regressiva tem participação maior dos tributos sobre consumo de
bens e serviços, os quais incidem sobre todos indivíduos sem distinguir seu
poder aquisitivo. Entretanto, os mais pobres consomem uma parcela maior de sua
renda, dessa maneira acabam contribuindo relativamente mais. O Brasil já
teve uma tributação mais progressiva, entretanto, desde os governos militares
as alíquotas máximas de imposto de renda, que já atingiram 65%, foram
reduzidas até o patamar atual de 27,5%. Na Alemanha a alíquota chega a
45%, na Suécia 56,7%, na Turquia 35% e no México 30%.
Cabe
destacar que as isenções de dividendos beneficiaram 2,1 milhões de pessoas,
dentre elas as 20,9 mil mais ricas do Brasil (0,01%) - Róber Iturriet Avila
Em 1995,
instituiu-se os “juros sobre o capital próprio” (JSCP). Trata-se de uma
dedução que as empresas podem efetuar, contabilizando como “custo”, que seria a
remuneração do capital inicial, através de juros. Enquanto custo, portanto, é
isento de imposto para as empresas. A partir de 1996, não ficariam mais
sujeitos ao imposto de renda os lucros ou dividendos. Antes
dessa isenção, os dividendos eram tributados de forma linear e exclusiva na
fonte, com uma alíquota de 15%.
Averiguando-se
as alíquotas máximas de dividendos de alguns países, é verificado que na Dinamarca
é de 42%, na França de 38,5%, no Canadá de 31,7%, na Alemanha
é de 26,4%, na Bélgica é de 25%, nos Estados Unidos de 21,2% e na
Turquia 17,5%.
Cabe
destacar que as isenções de dividendos beneficiaram 2,1 milhões de
pessoas, dentre elas as 20,9 mil mais ricas do Brasil (0,01%), que
possuem patrimônio médio de R$ 40 milhões (declarados) e que pagaram de imposto
1,56% de sua renda total, uma vez que boa parcela de sua renda vem de
dividendos e é isenta de imposto.
Atualmente,
51,3% dos impostos recolhidos nas três esferas de governo têm origem no consumo
de bens e serviços, 25% na folha de salário, 18,1% na renda, 3,9% na
propriedade e 1,7% em demais impostos. Na Dinamarca e nos Estados
Unidos, por exemplo, metade da arrecadação está centrada em impostos sobre
a renda e lucros. No Peru, Chile e Colômbia tais tributos representam,
respectivamente, 39,9%, 35,8% e 33,5% da arrecadação.
Os impostos sobre patrimônio
compõem 3,9% da carga tributária. No Reino Unido, na Colômbia e
na Argentina os impostos sobre patrimônio representaram,
respectivamente, 12,3%, 10,6% e 9,2% da carga total. O quinto maior país do
mundo em extensão recolhe tributos sobre áreas rurais que compõem 0,04% da arrecadação.
A tributação sobre heranças é
também muito baixa em termos internacionais. O Imposto sobre Transmissão
Causa Mortis e Doação representa 0,2% da arrecadação brasileira e a
alíquota varia por estado, mas a média é de 4%. No Reino Unido é de 40%.
Em outros países, ela é variável: nos Estados Unidos, a média é de 29%;
no Chile, 13%.
A
tributação no Brasil é uma das mais injustas do mundo e há vasto espaço para
reduzir as desigualdades crônicas do país através de uma reforma tributária -
Róber Iturriet Avila
Em suma,
a tributação no Brasil é uma das mais injustas do mundo e há vasto
espaço para reduzir as desigualdades crônicas do país através de uma reforma
tributária, que sempre encontrou muita resistência de forças conservadoras, na
grande imprensa, nas federações empresariais e no Congresso Nacional.
IHU
On-Line – Por que a alternativa de comgelar gastos públicos é um tiro no pé do
ponto de vista das políticas públicas?
Róber
Iturriet Avila – A Emenda Constitucional 95 é
uma profunda alteração do Estado, que se dará paulatinamente nos
próximos 20 anos. Como a despesa está congelada em termos reais, à medida que o
PIB aumentar, a relação despesa pública/PIB irá cair. Atualmente,
a União arrecada 19,8% das receitas tributárias em relação ao Produto
Interno Bruto. As despesas com INSS e com inativos da União
representam 7,93% do PIB. Quando se consideram os gastos dos estados e
municípios, as despesas com inativos chegam a 13,15% do PIB.
Nos
próximos 20 anos este valor vai aumentar, mesmo que haja mais de uma reforma da Previdência, uma
vez que estamos em um processo de envelhecimento populacional. Além disso, até
2030 estima-se que a população brasileira será 20,8 milhões maior do que é
hoje, 10% maior, e os gastos públicos estarão congelados e com tendência
crescente nos gastos previdenciários. Ou seja, os demais serviços públicos
terão que ser reduzidos em termos absolutos e a despesa pública per capita irá
se reduzir de maneira acentuada, necessariamente.
As
maiores despesas públicas são, nesta ordem: previdência, juros, educação
e saúde, mas os juros não são despesas primárias, portanto, não fazem parte da
conta. As despesas com educação e saúde devem ser as
mais afetadas. Se o Brasil crescer em média 2,5% ao ano nos próximos 20
anos, as despesas da União serão de 12% do PIB em 2036, ao passo que hoje são
de 19,8%. A Emenda Constitucional 95 é uma redução do Estado
imposta constitucionalmente.
IHU
On-Line – O que a opção do Brasil, em taxar mais o consumo que a renda, revela
em termos de política econômica? Quais são os impactos disso na economia
nacional?
As
empresas no Brasil têm uma carga fiscal relativamente mais elevada - Róber
Iturriet Avila
Róber
Iturriet Avila – A configuração
dos tributos é estabelecida pelas forças políticas dominantes que disputam
as funções do Estado e seu financiamento. Os diferentes estratos da
sociedade estão organizados politicamente e possuem seus respectivos
interesses, valores, ideias, narrativas, corpos teóricos e representantes.
O Imposto de Renda de Pessoa Física
representa 2,7% do produto brasileiro. Nos países que integram a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, esse valor corresponde a
8,5%, em média. Na Turquia, por exemplo, é 13,5% e no México
13,6%.
Isso quer
dizer que as camadas de renda mais elevadas, os grandes proprietários de
áreas rurais, acumuladores de ativos financeiros, os grandes empresários e a
alta burocracia obtiveram maior sucesso em fazer valer seus interesses, ideias,
valores e narrativas.
O
resultado é que o Brasil está entre os países com maiores
desigualdades do mundo, que tributa proporcionalmente mais os mais pobres e
menos os mais ricos, encontrando poucos paralelos no mundo, como o caso da Arábia
Saudita, país rico em petróleo e extremamente desigual.
IHU
On-Line – Como a política de desonerações às grandes empresas impacta na
desigualdade? Medidas como essa ilustram despreparo estratégico ou, ao
contrário, uma política que privilegia a concentração de renda?
Róber
Iturriet Avila – Este
ponto é também bastante controverso. Até aqui tratamos da tributação
sobre a pessoa física. As empresas no Brasil têm uma carga fiscal
relativamente mais elevada. Entretanto, o investimento delas é indispensável
para o crescimento econômico. Nessa medida, poderia haver uma ampliação da
tributação sobre as pessoas físicas e uma redução dos impostos sobre as pessoas
jurídicas, de forma a estimular o reinvestimento dos lucros. Na mesma linha, o Brasil
precisa ter grandes players capazes de inserir o país nas cadeias
globais de valor; precisamos de grandes multinacionais.
Historicamente,
o Brasil se desenvolveu com o apoio do Estado, através de
políticas industriais, crédito subsidiado etc. Tais políticas estão em
crescente questionamento e é preciso estudar esses temas com responsabilidade.
De outro lado, estudos recentes de Rodrigo Orair,
Fernando Siqueira e Sérgio Gobetti apontam que o multiplicador do
gasto público nos subsídios e nas desonerações é virtualmente zero, seja
nos momentos de recessão, seja nos momentos de expansão econômica; ao contrário
do que ocorre com o investimento público, que possui uma resposta muito elevada
em momentos recessivos. Não é possível também deixar de apontar que o governo
de Dilma Rousseff [1] apostou muito nas desonerações e no crédito
subsidiado para gerar crescimento econômico através do apoio estatal a grandes
empresas e a eficácia é questionável. As desonerações fizeram falta no
orçamento e a taxa de investimento não cresceu tanto.
IHU
On-Line – O que há de verdade e de mentira sobre o gasto público? Como se
divide o orçamento da União e quais são nossos principais gargalos? Afinal
gastamos muito ou gastamos mal nossos recursos?
Há um
mito de que o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo - Róber
Iturriet Avila
Róber
Iturriet Avila – Há
muitos mitos repetidos de modo reiterado e que se tornam falsas noções
disseminadas generalizadamente. Há um mito de que o Brasil tem uma das
maiores cargas tributárias do mundo. Não é das mais baixas, mas existem
países com carga fiscal muito maior. Há outro mito de que ela vem crescendo de
forma persistente, mas na verdade ela está relativamente estável desde 2002 e
com uma ligeira queda desde 2005.
Há um
mito de que houve uma “gastança” nos governos petistas. Quando
se observam os dados, é possível perceber que houve uma elevação de 3 pontos
percentuais do gasto da União neste período. A despesa com pessoal é estável em
participação do Produto. Houve aumento em gastos de assistência social,
políticas de transferência de renda, por exemplo, de 1 ponto percentual do PIB
e há uma tendência, desde 1997, de ampliação dos gastos previdenciários, em
decorrência da Constituição de 1988 e do envelhecimento populacional,
independentemente dos governos de plantão.
Desde
2009, houve uma ampliação das desonerações e subsídios, incluindo
créditos, os quais apresentaram resultados duvidosos. Nos governos Lula,
houve ampliação do investimento público, que contribuiu para o crescimento
econômico consistente daquele período.
Nos
estados, o gasto com pessoal ativo é também estável em participação do PIB.
Já nos municípios, houve uma ampliação dos gastos com pessoal, em parte porque
alguns serviços públicos foram municipalizados, como é o caso da saúde pública.
Em síntese, a despesa que tem crescido sistematicamente é mesmo oriunda de
benefícios sociais, com destaque para a previdência.
Entretanto,
temos problemas, é claro. A agenda de eficiência no gasto público deve
ser permanente. Ao contrário do que se imagina, o governo Dilma Rousseff
arroxou parte do funcionalismo público, sobretudo do judiciário. Já o governo Michel
Temer preferiu impor um ajuste de longo prazo, através da Emenda 95, e no curto prazo
aumentou os gastos, como a reposição salarial para o judiciário (41,4%) e
ministério público (12%). Entretanto, ao se observar as despesas com
servidores, chama atenção que justamente estes setores possuem rendimentos
muito superiores à média dos demais. Nosso judiciário é caríssimo, quando
comparado a outros países. Os rendimentos são 22,3 vezes superiores à renda
média do brasileiro. Ao mesmo tempo, do ponto de vista previdenciário, as
reformas de 2003 e de 2012 corrigiram distorções, de modo que os novos servidores
públicos têm direitos previdenciários semelhantes aos do setor
privado.
De todo
modo, quando se efetuam comparações internacionais sobre os serviços
públicos, geralmente não há ponderação acerca do nível de renda per
capita no Brasil, que é relativamente baixo. Assim, não faz sentido
comparar a carga tributária do Brasil, que é de 32,98%, com outro país
que possua a mesma carga tributária e um nível de renda per capita cinco vezes
maior. O segundo obterá uma arrecadação per capita cinco vezes maior, o que
fará com que os serviços públicos sejam sensivelmente melhores, ainda que a
carga fiscal seja a mesma. É preciso ter ciência que nosso país não é rico e
somos muito desiguais, não somos a Suíça, e comparar nossos serviços com
os suíços é comparar coisas incomparáveis com argumentos falaciosos.
IHU
On-Line – Como as políticas de ajuste econômico baseadas na chamada
“austeridade” impactam os níveis de desigualdade?
Concretamente,
a austeridade fiscal contribuiu para o PIB se contrair 6,9% em dois anos -
Róber Iturriet Avila
Róber
Iturriet Avila – A austeridade fiscal é também
um tema controverso e os economistas são divididos nesta questão. Entretanto,
muitos dos economistas que compõem o mainstream estão revendo suas posições.
Uma redução do gasto público tem efeitos recessivos. O Estado é o
maior agente da economia. Suas despesas fazem parte do PIB, uma redução
do gasto impacta na demanda, na produção, na renda, no investimento, no nível
de emprego. Alguns autores da corrente mainstream defendem que uma contração
fiscal possui efeitos expansionistas por melhorar as expectativas dos
agentes e reduzir as taxas de juros, estimulando o investimento privado e o
crescimento econômico. Entretanto, autores como Olivier Blanchard, em artigo publicado
pelo FMI, chamam atenção de que a política fiscal é, sim, um
instrumento importante de política anticíclica, ou seja, para reverter
recessões, por exemplo. Já a política monetária (como redução de juros) tem um
espaço escasso na conjuntura atual.
Citei
autores dentre aqueles que defendem a austeridade. Entretanto, há uma
longa tradição que sempre defendeu que a austeridade fiscal traz efeitos
importantes na atividade econômica, no nível de emprego, no valor dos salários,
são os autores de tradição keynesiana [2] ou
pós-keynesiana. Eles não recomendam austeridade fiscal em momentos em que a
economia está desacelerando.
Os fatos
recentes no Brasil são bastante didáticos. A atividade econômica estava
em desaceleração em 2014. Havia uma pressão do mercado financeiro e de atores
políticos para que o governo efetuasse um ajuste fiscal. Isso foi
implementado por Joaquim Levy em 2015, houve
o maior corte de gastos desde que existe a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Seus defensores diziam que a redução do gasto melhoraria as contas públicas,
por reduzir o déficit e traria crescimento econômico, pela melhoria das
expectativas dos agentes e pela redução das taxas de juros.
Concretamente, a austeridade fiscal contribuiu para o PIB se contrair
6,9% em dois anos (o que é esperado, os economistas sabem que corte de gastos
desacelera a economia).
A austeridade
foi implementada em um momento que a economia já estava em desaceleração, o
resultado foi a explosão das taxas de desemprego e a consequente redução
expressiva do salário real. Houve aumento de 11% nas taxas de extrema pobreza,
retrocedendo aos índices de dez anos atrás. A relação Dívida/PIB saiu de
um patamar de 56,7% do PIB para 74,5% em pouco tempo, isso ocorreu a despeito
da redução do gasto público, já que se trata de uma relação. O PIB
caiu e a relação aumentou. As expectativas dos agentes melhoraram e as taxas de
juros caíram, mas a economia não se recuperou, não houve crescimento econômico,
o salário caiu, a demanda caiu, a dívida pública aumentou, a desigualdade
cresceu e o impacto social foi muito intenso. Apenas a inflação obteve
resultado positivo. O resultado foi desastroso. Não deu certo, definitivamente.
Muitos economistas já apontavam, desde 2014, que esse não era o caminho, dentre
os quais me incluo.
IHU On-Line
– Deseja acrescentar algo?
O cenário
da redução do Estado projetada para os próximos vinte anos é de uma profunda
ampliação de nossas elevadas desigualdades sociais - Róber Iturriet Avila
Róber
Iturriet Avila – Quando
se trata de Estado o debate
público é muito poluído e pouco informado. Não raro há a veiculação da
dissociação entre a arrecadação dos governos e o retorno de bens e serviços
estatais. O intento, sistematicamente alardeado, é bem-sucedido em formar a
opinião pública. Há um proposital obscurecimento e uma naturalização das ações
estatais, os quais, claramente, atendem a interesses específicos.
É preciso
ter em mente que a abrupta redução da mortalidade infantil no Brasil não
ocorreu por acaso. Para além das manchetes sensacionalistas, o Estado
está na luz dos postes, nas estradas, nos calçamentos, no transporte urbano, no
transporte aéreo, no recolhimento do lixo, na destinação do esgoto, na escola
pública, no policiamento, na defesa territorial, na vigilância sanitária, na
prevenção e na reconstrução diante de desastres naturais, na assistência aos
desabrigados. Há também Estado na forma de subsídios que garantem a energia
elétrica, a produção de alimentos, a erradicação da pobreza, a promoção da
cidadania, o zelo e a proteção de crianças e adolescentes vulneráveis, o
cuidado de pessoas insanas, o investimento em conhecimento, a aquisição de
imóveis e o avanço técnico. Há Estado nas políticas de geração de emprego e de
desenvolvimento econômico. Ele está também na seguridade social, ou seja, nas
aposentadorias, nas pensões por morte, nos auxílios-maternidade e nas
aposentadorias por invalidez. O Estado permite a mediação e o julgamento dos
conflitos, a reclusão de malfeitores, a orientação jurídica aos necessitados,
além da própria organização das regras que permitem ao cidadão viver de forma
civilizada e não no caos e na guerra, como foi marcada a história humana.
Em
síntese, não há um dia sequer que o Estado não beneficie inúmeras vezes
a qualquer cidadão. Ele tem muitos problemas de eficiência, de desperdício, de
corrupção, de distorções salariais, que precisam constantemente de correções
legais e administrativas. Entretanto, não tenho dúvidas de que sua redução,
como está projetado para os próximos 20 anos, deixará boa parte da população
mais pobre, enquanto que os mais ricos se beneficiarão. Este cenário é de uma
profunda ampliação de nossas elevadas desigualdades sociais.
Notas: [1] Dilma Rousseff
(1947): economista e política brasileira, filiada ao Partido dos Trabalhadores
– PT, eleita duas vezes presidente do Brasil. Seu primeiro mandato iniciou-se
em 2011 e o segundo foi interrompido em 31 de agosto de 2016. Em 12 de maio de
2016, foi afastada de seu cargo durante o processo de impeachment movido contra
ela. No dia 31 de agosto, o Senado Federal, por 61 votos favoráveis ao
impeachment contra 20, afastou Dilma definitivamente do cargo. O episódio foi
amplamente debatido nas Notícias do Dia no sítio do IHU, como, por exemplo, a
Entrevista do Dia com Rudá Rici intitulada Os pacotes do Temer alimentarão a
esquerda brasileira e ela voltará ao poder. Durante o governo
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a chefia do Ministério de
Minas e Energia e posteriormente da Casa Civil. (Nota da IHU On-Line)
[2] John
Maynard Keynes (1883-1946): economista e financista britânico. Sua Teoria
geral do emprego, do juro e do dinheiro (1936) é uma das obras mais importantes
da economia. Esse livro transformou a teoria e a política econômicas, e ainda
hoje serve de base à política econômica da maioria dos países não-comunistas.
Confira o Cadernos IHU Ideias n. 37, As concepções teórico-analíticas e as
proposições de política econômica de Keynes, de Fernando Ferrari
Filho . Leia, também, a edição 276 da Revista IHU On-Line, de 06-10-2008,
intitulada A crise financeira internacional. O retorno de Keynes. (Nota
da IHU On-Line)
http://www.ihu.unisinos.br/578690-austeridade-a-maquina-estatal-de-produzir-desigualdades-entrevista-especial-com-rober-iturriet-avila
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