"Não temos transporte ferroviário, nem
fluvial, e nós temos um setor empresarial que ganha mais dinheiro com operações
financeiras do que na sua atividade-fim", diz geógrafo Vladimir Milton
Pomar
por Tiago Pereira na Rede Brasil Atual – Sociedade e Comparação entre o Brasil e China
Arquivo/EBC
Trabalhador industrial chinês
ganha US$ 3,60, por hora, enquanto o brasileiro recebe US$ 2,90, segundo consultoria
Euromonitor
De
"oficina do mundo" a uma das líderes da atual fase de inovações
tecnológicas conhecida como indústria
4.0, a China continua a suscitar espanto e temor. Sua
participação nas exportações mundiais foi multiplicada por 10 nas últimas três
décadas, saltando de 1,2% para 12,1%, e, desde 2009, o país é o maior parceiro
comercial do Brasil. As trocas comerciais entre os dois chegaram a US$ 58,5
bilhões, em 2016.
Enquanto
os chineses vêm expandindo a compra de ativos no Brasil, que vão desde a
participação em terminais portuários para o escoamento de matérias-primas e alimentos
rumo à China a empresa que gerencia aplicativo de táxis, cada vez mais
empresários brasileiros vão ao Oriente e trazem para cá produtos manufaturados
de todo o tipo.
A
desculpa é que não é possível competir com o preço dos produtos industriais
ofertado pelos chineses, que seria decorrência dos baixos salários e jornadas
exaustivas dos trabalhadores. Contudo, a realidade é mais complexa. Ainda antes
da dita "reforma" trabalhista do governo Temer, o custo
do trabalho no país asiático já era 16% maior que o
brasileiro.
Para o
geógrafo Vladmir Milton Pomar, que atua como consultor e palestrante sobre
assuntos chineses há mais de 20 anos, o que diferencia a China não é mais o
baixo custo da mão de obra, mas o planejamento estatal de longo prazo e
massivos investimentos em infraestrutura e desenvolvimento tecnológico.
Segundo
ele, não é a competição com os chineses a principal responsável pelo processo
de desindustrialização brasileiro. De acordo com dados do IBGE, a
participação da indústria no PIB caiu para 11,8% e é hoje a menor desde os anos
1950. Nos anos 1980, esse percentual chegou a superar a casa dos 20%.
O
problema é o peso desproporcional ocupado pelo sistema financeiro no conjunto
da economia brasileira. Além das altas taxas de juros cobradas pelos bancos,
que dificulta a tomada de crédito para investimentos em produtividade, os
empresários brasileiros decidiram fazer o caminho inverso. Retiram recursos da
produção para investir na ciranda financeira, com lucros garantidos – ou quase.
"Há
uma quantidade muito grande de empresas que vão até lá comprar e trazem os
produtos para cá. Tem indústrias que vão lá para comprar máquinas e
ferramentas, de modo a reduzir o custo de produção no Brasil. E tem indústrias
que vão para fabricar lá. Esses caminhos que os empresários brasileiros
têm feito são sempre para desindustrializar", aponta Pomar.
"A
lógica é ganhar dinheiro. Se aqui no Brasil consigo lucrar 3%, e produzindo na
China e vendendo aqui consigo 10%, dane-se o emprego no Brasil. Cada um vai
pensando exclusivamente no seu caso, e vai matando não só o mercado consumidor
como cria uma situação de empobrecimento do país", complementa.
Infraestrutura
Para
competir com os chineses e inclusive ter acesso ao seu mercado consumidor, é
preciso que o Brasil invista
em infraestrutura, diz o especialista. "Se pegar os
países continentais – Rússia, China, Canadá, Estados Unidos e Brasil –, todos
têm malha ferroviária enorme, menos o Brasil. Não se transporta nada grande e
pesado, com custo baixo, que não seja via fluvial ou ferrovia."
Os 30 mil
quilômetros da malha ferroviária brasileira são comparáveis, por exemplo, aos
da Itália, que tem dimensões similares ao estado do Maranhão. Já a China, com proporções
comparáveis ao Brasil, a malha viária ultrapassa os 120 mil quilômetros, quatro
vezes maior que a nossa.
"É
evidente que a gente sempre vai ter um custo maior na hora de colocar a
mercadoria no porto, ou, quando importa, para internalizar a mercadoria. Com
isso, a gente tem uma perda de 20 a 30% no que importa e exporta. Vale para o
agronegócio, para madeira, minério", aponta.
Financeirização
Outro
problema para competir no mercado internacional, segundo Pomar, é o "custo
do dinheiro" no Brasil. Não bastassem as altas taxas de juros cobradas
pelos principais bancos privados, o atual governo vem promovendo o esvaziamento
do BNDES, e o fim da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) complica ainda mais a
oferta de crédito para o setor produtivo. "Estamos completamente
desarmados para nos relacionar com a China."
Enquanto
isso, a China vem expandindo as suas ferramentas de crédito, com o
fortalecimento do Banco de Desenvolvimento da China (equivalente ao nosso
BNDES), além do Banco Asiático de Desenvolvimento e do banco dos Brics. Mesmo
os bancos considerados privados da China têm um mínimo de 50% de participação
estatal.
"Temos
uma taxa de juros no rotativo do cheque especial que chega a 380% ao ano. No
cartão de crédito, de 540%. Isso não existe em lugar nenhum no mundo. Mas
parece que, por aqui, todo mundo já se acostumou, porque já existe há tanto
tempo que ficamos sem vergonha. Não tem como o setor industrial do Brasil sair
do lugar tendo um custo financeiro como esse."
Industriais especuladores
A situação
fica ainda mais grave, pois, de acordo com Pomar, os empresários brasileiros se
acomodaram com essa situação de transferir o máximo possível da sua produção
para a China, e não o fazem mais de maneira improvisada ou temporária, mas como
parte de um projeto liderado pelas principais entidades representativas do
setor.
"Não
são ações de improviso, são ações coordenadas pela CNI (Confederação Nacional
da Indústria). Esses caras vão a feiras na China para comprar, visitar
empresas, acertar a produção, e essas viagens são promovidas pelo centro
internacional de negócios da CNI. É um crime o que esses caras estão fazendo,
desde 2004 pelo menos. É uma situação aberrante."
Mais
aberrante ainda é que os industriais brasileiros não têm plano de médio ou
longo prazo para mudar esse cenário. "Alguém já viu industrial ou
comerciante protestar contra a taxa de juros?", indaga Pomar. A resposta,
segundo ele, é que "a burguesia industrial brasileira é muito mais
rentista que empresarial. Essa é a questão. Enquanto tivermos um setor da
economia predando os demais, a gente não vai para frente."
Ele cita
levantamento apontando que, das 500 maiores empresas brasileiras, 254 tinham
auferido a maior parte dos seus lucros com operações financeiras, e não com a
produção. "Quando a gente vê um país em que as empresas deixam
de ganhar dinheiro com a sua atividade-fim e passam a lucrar no cassino
financeiro, aí nós estamos fritos. A questão não é a China, ou qualquer
outro país. A questão é aqui. Não temos transporte ferroviário, nem fluvial, e
nós temos um setor empresarial que ganha mais dinheiro com operações
financeiras do que na sua atividade
http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2018/06/o-problema-da-industria-nao-e-a-china-e-o-nosso-sistema-financeiro
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