O mundo ultrapassa os pontos de segurança, a situação climática se
agrava e as lideranças mundiais continuam se (des)responsabilizando e adiando
ações necessárias para evitar um grande desastre ambiental, já desenhado no
horizonte cada vez mais próximo
por José
Eustáquio Diniz Alves no Desacato – Sociedade e Terra em Alto
Risco
“O ponto de não retorno não está
mais no horizonte.
Ele já está à vista e avançando na nossa direção”
António Guterres (02/12/2019)
Ele já está à vista e avançando na nossa direção”
António Guterres (02/12/2019)
O fenômeno do aquecimento global já devasta o
Planeta, causa danos crescentes e está apenas em seu começo. Seguindo as
tendências das últimas décadas, a Terra caminha para um “ponto de inflexão
global” que pode ser o início de um efeito dominó – capaz de gerar uma série de
acontecimentos em cascata – que representa um perigo existencial à civilização
e uma ameaça à sobrevivência da vida humana e da vida não humana.
De fato, o mundo está passando por um ponto de
mutação, pois o aquecimento global não é mais um problema como outro qualquer,
mas sim o evento que engloba e potencializa todos os demais e obriga a
humanidade a repensar suas prioridades diante da possibilidade de um armagedon
ecológico.
Indubitavelmente, uma catástrofe ambiental será o
prenúncio de uma catástrofe social. O Planeta vive uma situação de emergência
climática, pois se o caos ambiental não for evitado, um colapso ecossocial será
inevitável. Atingindo as condições denominadas “Terra Estufa” tornaria diversas
áreas do Planeta inóspitas e inabitáveis.
Não faltam alertas e estudos científicos. A
publicação mais recente não tergiversa sobre as ameaças que temos pela frente.
Um grupo de renomados pesquisadores do clima, publicou o artigo “Climate
tipping points — too risky to bet against”, na influente revista Nature
(27/11/2019), mostrando as crescentes evidências de que mudanças irreversíveis
já estão ocorrendo nos sistemas ambientais da Terra gerando um “estado de
emergência planetária”.
Os autores mostram que mais da metade dos pontos
críticos do clima identificados há uma década estão agora em um ponto de não
retorno. Há evidências crescentes de que esses eventos são mais prováveis do
que nunca e estão mais interconectados do que se pensava anteriormente, podendo
levar a um ameaçador efeito dominó. A situação é crítica e requer uma resposta
de emergência.
Precisa haver uma descarbonização imediata da
economia internacional. Contudo, o consumo de combustíveis fósseis continua
crescendo e é improvável que as emissões de CO2 sejam zeradas até 2050, pois
necessitaria uma redução de 7,6% ao ano a partir de 2020. A temperatura da
biosfera já subiu 1,1º C acima dos níveis pré-industriais e é provável que
cruze a barreira de proteção de 1,5º C antes de 2040. Os autores concluem que
apenas isso sugere o desencadeamento de desastres em cascata.
Os nove pontos de inflexão ativos (mostrados na
figura acima) são: Gelo marinho do Ártico; Manta de gelo da Groenlândia;
Florestas boreais; Permafrost; Circulação Meridional do Atlântico; Floresta
amazônica; Corais de água quente; Manta de gelo da Antártica Ocidental e Partes
da Antártica Oriental.
Por exemplo, o colapso das principais camadas de
gelo da Groenlândia, Antártica Ocidental e parte da Antártica Oriental geraria
uma aumento de cerca de 10 metros de elevação irreversível do nível do mar ao
longo do terceiro milênio. Isto colocaria em grave risco bilhões de pessoas que
moram em áreas costeiras ou que dependem das áreas litorâneas para a
agricultura e para o transporte.
O degelo dos polos e dos glaciares, juntamente com a
perda das florestas tropicais, do permafrost e das florestas boreais
representam pontos de inflexão da biosfera que, se cruzados, resultarão na
liberação de gases de efeito estufa adicionais, amplificando e retroalimentando
o aquecimento global. O quadro, portanto, é de piora do que já está ruim.
Os eventos climáticos e ambientais desastrosos
abundam e se alastram em efeito dominó. Os 6 anos mais quentes já registrados
aconteceram entre 2014 e 2019. Ondas de calor excepcionais deixaram muitas
mortes inclusive na rica Europa, incêndios gigantescos atingiram a Sibéria, a
Califórnia, diversos países da Europa e, principalmente, a Austrália (com a
morte de milhares de Coalas).
O furacão Dorian destruiu completamente algumas das
ilhas das Bahamas, enquanto o ciclone Idai deixou milhares de mortes e
desabrigados em Moçambique. Inundações atingiram vários países e deixaram a
cidade de Veneza debaixo d’água, na maior inundação em décadas.
A acidificação dos oceanos e o acúmulo de plásticos
ameaça a vida marinha. Erosão e degradação dos solos compromete a fertilidade
dos ecossistemas. A desertificação e as secas ganham proporções épicas. A
poluição do ar nas grandes cidades da China e da Índia provocam mortes e
doenças respiratórias, dificultando as mais simples atividades ao ar livre. O
desmatamento das florestas tropicais e as queimadas ameaçam a biodiversidade e
eliminam os sumidouros de carbono. A crise hídrica deixa milhões de pessoas sem
água potável e muitas culturas ficam sem os meios de irrigação necessários. Um
milhão de espécies estão ameaçadas de extinção e a morte das abelhas e o
colapso das colmeias ameaça a polinização das plantações, gerando escassez de
comida, além de alimentar o espectro da fome.
A gravidade da situação é inquestionável. O artigo
da revista Nature diz: “Em nossa opinião, a evidência dos pontos de inflexão
sugere que estamos em um estado de emergência planetária: tanto o risco quanto
a urgência da situação são acentuados” (Timothy Lenton et. al. 27/11/2019).
Portanto, a crise climática é uma emergência global que representa uma ameaça
existencial para a humanidade. Ela prejudica as atuais gerações e rouba o
futuro das gerações que ainda nem nasceram.
Tudo isto torna a meta do desenvolvimento
sustentado e sustentável apenas um conto de fadas. Não dá mais para manter o
crescimento continuado da população e da economia global num quadro de um
Planeta finito e sobrecarregado. O abismo está perigosamente próximo. Há uma
necessidade e um clamor geral para que todos os países reduzam rapidamente e
profundamente suas emissões de CO2, pois senão, o colapso ecossocial será
inexorável.
Contudo, a governança global não tem se colocado à
altura do momento atual, marcado pela emergência climática. A COP25
Chile-Espanha – Hora de Agir – prevista para terminar no dia 13 de dezembro,
prolongou suas discussões durante o fim de semana e teve um fim melancólico. A
diplomacia brasileira só atrapalhou. Numa época em que cada vez mais cientistas
alertam sobre consequências terríveis da crise climática e a juventude
protestam nas ruas aos milhões, o que houve em Madrid pode ser considerado uma
traição.
A jovem eco-ativista ugandesa, Hilda Nakabuye,
defendendo a bandeira da justiça ambiental e climática, disse: “Chego a pensar
que a crise climática é uma outra forma de racismo, um apartheid ambiental,
pois somos profundamente afetados pelas ações, palavras e ganância dos que
estão no poder”.
O Secretário-geral da ONU, António Guterres disse
que o evento foi uma “oportunidade perdida”: “Estou decepcionado com os
resultados da COP25. A comunidade internacional perdeu uma importante
oportunidade de mostrar maior ambição em mitigação, adaptação e financiamento
para enfrentar a crise climática”.
Não foram tomadas medidas para aprofundar os cortes
nas emissões de gases de efeito estufa e a regulamentação do mercado de carbono
– com todos os seus problemas – ficou para o ano que vem. Há, como última
esperança, a promessa de metas mais ambiciosas para 2020, na COP26, em Glasgow,
para evitar o efeito dominó.
Em síntese, o mundo ultrapassa os
pontos de inflexão, a situação climática se agrava e as lideranças mundiais
continuam se desresponsabilizando e adiando ações necessárias para evitar um
grande desastre ambiental, já desenhado no horizonte cada vez mais próximo.
José Eustáquio
Diniz Alves, colunista do EcoDebate. Doutor em demografia. Link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
LENTON, Timothy M. Climate tipping points — too risky to bet against,
Nature, 27/11/2019
https://www.nature.com/articles/d41586-019-03595-0
https://www.nature.com/articles/d41586-019-03595-0
Staff Reporter. Near-term collapse, The Ecologist,11th December 2019
https://theecologist.org/2019/dec/11/near-term-collapse
https://theecologist.org/2019/dec/11/near-term-collapse
Hilda Nakabuye na
COP25, 11/12/2019 https://www.youtube.com/watch?v=cg4pPPKc2_Y
https://africatimes.com/2019/12/10/ugandan-activist-demands-climate-justice-at-cop25/
https://africatimes.com/2019/12/10/ugandan-activist-demands-climate-justice-at-cop25/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/12/2019
http://desacato.info/aquecimento-global-pontos-de-inflexao-climatica-os-pontos-de-nao-retorno/
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