O
petróleo é a forma mais amplamente utilizada de energia comercial. Junto com o
gás natural e o carvão, representa mais de 80% da fonte de energia utilizada em
todo mundo. São os chamados combustíveis fósseis, pois todos os três possuem
origem da decomposição de compostos orgânicos antigos (fóssil)
por Gualter Pedrini* no site (O)Ecco – Sociedade, Ser Humano, Petróleo e Destruicão do Planeta
Praia do Baixio, foz do Rio
Inhambupe Município de Esplanada, Bahia. Foto: cedida cordialmente por Rosalvo
de Oliveira Junior
Existem
pessoas que não acreditam na sorte. No mundo acadêmico, essa palavra sempre vem
acompanhada de careta ou nariz torcido. Aos mais céticos sobre poder do acaso,
existe uma história que gosto de contar. A história do petróleo.
Tudo
começou durante a consolidação da vida no planeta Terra ainda primitivo, quando
o mar estava transbordando de pequenos seres que se multiplicavam em um ritmo
alucinante, mas também morriam muito rápido e, assim, afundavam até o leito do
oceano, onde eram enterrados por sedimentos de argila antes mesmo de se
decomporem. Agora imaginem quantos microrganismos são necessários, nesse
processo, para formarem um galão de petróleo bruto?
No
entanto, não basta enterrar uma quantidade absurda de organismos para que isso
ocorra. É necessário que os falecidos seres estejam abaixo de mais de 2 mil
metros de sedimentos para o processo começar, o que leva milhões de anos de
movimentações do leito marinho, além da existência de certos tipos específicos
de sedimentos que não são tão comuns.
A partir
desse ponto, precisamos de condições muito específicas de calor e pressão para
cozinhar esse material orgânico que vai se liquefazer e escoar por entre as
fissuras e os poros das rochas. E nada disso será suficiente se toda
essa matéria orgânica não encontrar um grande reservatório entre as rochas que
depois é lacrado por uma camada de sal ou xisto a quilômetros abaixo da
superfície.
Mas
existem lugares do planeta em que o óleo simplesmente aflora por entre o solo,
principalmente no Oriente Médio, onde há registros da utilização do petróleo
que remontam a 4.000 a.C. Os povos da Mesopotâmia, do Egito, da Pérsia e da
Judeia já utilizavam seus derivados para pavimentação de estradas, calafetação
de grandes construções, aquecimento e iluminação de casas, bem como
lubrificantes e até laxativo. Os chineses já perfuravam poços, usando hastes de
bambu, no mínimo em 347 a.C., ou seja, muito antes do primeiro poço perfurado
nos EUA pelo aclamado Edwin Drake – que acabou ficando com a fama de inventar a
indústria petrolífera em 1859 e iniciar uma nova era de industrialização,
quando as pessoas do mundo ocidental ainda caçavam baleias para manterem suas
lamparinas acesas enquanto liam estarrecidos “A Origem das espécies” de Charles
Darwin, que havia sido publicado naquele mesmo ano.
A Febre
do Ouro Negro
O petróleo bruto é constituído por diferentes hidrocarbonetos (compostos
formados por carbono e hidrogênio) e pequenas quantidades de enxofre e
nitrogênio. Depois de extraído do solo e transportado para refinarias,
ele é aquecido para que sejam separados os diversos componentes com pontos de
ebulição distintos. A cada ponto do processo, surgem os chamados compostos
petroquímicos, que são matéria prima para uma variedade infinita de produtos
como fluídos de limpeza, pesticidas, fibras sintéticas usadas em roupas,
tintas, medicamentos e o material polimérico que trouxe inúmeras facilidades à
vida moderna e tornou-se fonte de um enorme problema ambiental: o plástico.
Enfeites de plástico invadem as
casas nessas época do ano – alguns itens não duram uma temporada. Foto: Gualter
Pedrini
Geralmente,
associamos o petróleo apenas a combustíveis para os mais diversos maquinários,
do cortador de grama ao transatlântico. Mas hoje, a nossa vida está
fundamentada na posse de bens quase sempre fabricados a partir de polímeros
derivados do petróleo, incluindo peças de carros elétricos, bicicletas e
turbinas eólicas.
Com
tantas finalidades, o consumo mundial de petróleo tem aumentado rapidamente
desde 1950. Em 2010, se contabilizava um consumo anual de 34 bilhões de
barris – sendo que um barril contém 159 litros de petróleo – que, se colocados
lado a lado, se estenderiam por cerca de 31 milhões de quilômetros. O
suficiente para ir à Lua e voltar cerca de 40 vezes..
O petróleo é a forma mais
amplamente utilizada de energia comercial. Junto com o gás natural e o carvão,
representa mais de 80% da fonte de energia utilizada em todo mundo. São os
chamados combustíveis fósseis, pois todos os três possuem origem da
decomposição de compostos orgânicos antigos (fóssil).
Em 2019,
a da demanda global de petróleo ainda sobe vertiginosamente, com destaque para
o Oriente Médio, EUA, países da Ásia e China. Em paralelo, a oferta tem
apresentado alta, com a expectativa de crescimento da extração financiada por
países como EUA, Brasil, Noruega, Rússia, Canadá, Cazaquistão e Austrália.
Novas tecnologias como a perfuração em águas profundas e o fracking,
também conhecido como fraturamento hidráulico, permitiu a extração de petróleo
e gás natural em lugares e em condições inimagináveis há 20 anos.
Mas esse
padrão de consumo financiado por um constante incremento da exploração pode
estar com seus dias contados. Fato é que o planeta Terra contém um suprimento
finito de petróleo. Algum dia o fluxo de óleo cru atingirá seu ponto máximo, e
a partir daí passará a diminuir. Alguns estudos no começo dos anos 2000
afirmavam que seria em 2016, outros apontam para 2040 e existem aqueles que
dizem que já estamos vivenciando o pico. Seja como for, não sabemos se estamos
próximos do limite.
Trânsito em São Paulo – Sábado
pela manhã. Foto: Gualter Peldrini
A
dependência econômica mascarada de liberdade
Em um
passado não tão distante, no começo da década de 1970, os EUA viviam uma
economia totalmente dependente do petróleo, mas os poços texanos começavam a
secar. Em 1973, os líderes árabes impuseram um embargo aos norte americanos, em
retaliação ao apoio dado ao Estado de Israel naquele mesmo ano. Com a lei da
oferta e da demanda, os postos tiveram que elevar o preço da gasolina e filas
quilométricas de charmosos cadilacs esperando por reabastecimento impuseram uma
dura lição ao país sobre a fragilidade da economia embasada em combustíveis
fósseis.
Em 1978, a
Revolução Iraniana comprometeu novamente as exportações de petróleo, promovendo
a segunda crise naquela década. A nova alta dos preços incentivou o governo
americano a buscar novas alternativas. Energia renovável? Não. A busca e
exploração de novas jazidas no Alasca, no México e no mar do Norte.
A cada
nova descoberta, o preço destes combustíveis cai ao ponto das grandes
indústrias frearem a extração por um ou dois anos apenas para esperar a alta
dos preços e voltar a explorar em maior intensidade. Tivemos algumas outras
crises de fornecimento protagonizadas por países como Venezuela, Nigéria e
Iraque, mas nada que tenha alterado o crescimento, ano após ano, da demanda
dentro dos EUA, que segue como principal consumidor mundial, referente a um
quarto do petróleo do planeta (algo em torno de 11 litros diários por pessoa),
embora tenha apenas 5% da população mundial. O imposto médio sobre a gasolina é
5 vezes menor do que é praticado no Brasil, com um galão de gasolina custando
menos que uma garrafa d’água, o que leva a maioria dos americanos a não se
darem o trabalho de economizar.
Devemos
reconhecer que a sorte do nosso planeta mudou drasticamente a partir do momento
em que redescobrimos como extrair o ouro negro que emana de dentro da terra. Da
extração ao consumo final, os combustíveis de origem fóssil resultam em vários
impactos ambientais, como destruição do solo, emissões de gases do efeito
estufa, poluição da água e ameaças à biodiversidade.
Se antes
a justificativa para se abater focas e baleias era a extração de óleo para
gerar luz e calor, hoje a busca por combustíveis fósseis não só mata
incontáveis seres marinhos, como também destrói montanhas, rios e mares. Mais
que uma ironia, os próprios combustíveis fósseis possibilitaram avanços
científicos que acabaram nos mostrando que o nosso futuro depende da rápida
substituição da nossa matriz energética.
Existe
luz no fim do túnel?
Mesmo com
tudo que já foi escrito sobre mudanças climáticas, o desafio realmente se
resume ao triste fato de que os combustíveis fósseis são extremamente úteis,
valiosos e importantes geopoliticamente, no entanto, combater o aquecimento
global implicaria deixar a maior parte do petróleo sem ser extraída. Embora
muitas vezes ouçamos mais sobre tecnologia verde, níveis de consumo ou
crescimento populacional, deixar o combustível no subsolo é o cerne da questão.
Afinal, para o clima global, não importa quantidade de energia renovável ou
nuclear que usamos, nem a eficiência de nossos carros e nossas casas, nem
quantas pessoas existem no planeta ou como administramos a economia. Para o
clima, só importa o quanto de CO² estamos emitindo.
Se
desistíssemos de todas as novas minas e jazidas com as quais as empresas estão
gastando bilhões tentando acessar para novas extrações e apenas queimássemos as
reservas de petróleo, carvão e gás que já foram descobertas até então, mesmo
assim, as emissões atuais já consistiriam em quase 3 toneladas de dióxido de
carbono. Ninguém pode dizer exatamente o quanto de aquecimento global isso
causa, mas provavelmente já basta para arruinar todos os acordos mundiais do
clima feitos até agora.
Nos
últimos anos, os defensores da energia limpa estão cada vez mais empolgados com
a queda dos preços da energia solar e eólica, na esperança de impulsionar uma
revolução energética. Mas nada disso freou as emissões mundiais de CO².
Emissões
de CO2 desde 1850 (vermelho);
crescimento
exponencial (azul); cortes para atingir a meta climática (pontilhada
Graça
às políticas e tecnologias verdes, as emissões vêm diminuindo na Europa, nos
EUA e em muitos outros países. Turbinas eólicas e painéis solares são cada vez
mais comuns, não apenas no ocidente, mas também na China, que hoje figura como
uma dos maiores produtoras de placas solares. Então, por que a curva de emissão
carbono não está mostrando nenhuma melhora?
Alguns
podem querer culpar a crescente população. Porém, a velocidade do crescimento
populacional caiu intensamente desde a década de 1960 e não acompanha há tempos
o crescimento das emissões mundiais de carbono, que por sua vez não se abalou
nem com o Protocolo de Kyoto, nem com as conferências do clima promovidas pela
ONU. Por alguma razão, reduzir as emissões de carbono tem sido até agora como
apertar um balão: os ganhos obtidos em um local foram cancelados por aumentos
em outros lugares.
Para
entender o que está errado, é necessário analisar o crescimento exponencial do
consumo de combustíveis fosseis. Podemos comparar com a dívida do cartão de
crédito de uma pessoa física, que cresce de forma parecida, pois os juros são
aplicados em cima de mais juros. Nesse sentido, as emissões de carbono seguem a
mesma tendência acelerada, impulsionada por um tipo semelhante de
retroalimentação em loop, que está cancelando aparentes ganhos das
medidas verdes.
A
Revolução Industrial, que desencadeou o início da grande interferência do homem
no clima do planeta, foi impulsionada por esse processo. O motor a vapor nos
permitiu drenar as minas de carvão, fornecendo acesso a mais minério, o qual
poderia alimentar mais motores a vapor, capazes de extrair ainda mais carvão.
Isso nos levou a desenvolver novas tecnologias e materiais que eventualmente ajudaram
na exploração do petróleo. Porém, o petróleo não substituiu o carvão, ele nos
ajudou a extraí-lo de forma mais eficaz e propiciou o desenvolvimento de novas
tecnologias, as quais estimularam a demanda de energia em geral. Portanto, o
uso de carvão também aumentou o uso de petróleo, por sua vez, aumentou à medida
que gás, energia nuclear e hidrelétrica entraram em operação, ajudando a era
digital e que trouxe tecnologias mais avançadas capazes de abrir reservas de
combustíveis fósseis em lugares antes inexploráveis.
De fato,
embora nossos governos agora subsidiem fontes de energia limpa e incentivem a
redução do consumo de energia, eles paradoxalmente continuam a prejudicar essas
medidas ao extraírem o máximo possível de petróleo, carvão e gás do subsolo.
Lembremos do caso dos EUA de Obama, que se orgulhava de que as emissões
americanas estavam caindo devido aos padrões crescentes de eficiência
automotiva e à substituição do gás de carvão por fontes mais limpas. No
entanto, os americanos aumentaram a exportação de carvão para outros países
como a China, que por sua vez o utiliza para produzir produtos para os mercados
dos EUA.
Cobra caninana faz reconhecimento
em carvoaria ilegal em área de Mata Atlântica
Outro
exemplo é a Austrália, no mesmo ano, que, por um lado, introduziu um imposto
sobre o carbono e, por outro, começou a debater planos para uma série de
“mega-minas”, as quais aumentariam enormemente suas exportações de carvão,
ajudando a criar confiança entre as empresas que planejavam nada menos que
1.200 novas usinas de carvão. Até o Reino Unido, com suas metas de emissões
mundiais, oferece incentivos fiscais para incentivar a exploração de petróleo e
gás, o que tem aumentado sua pegada de carbono total. E não é só isso. Embora
raramente seja comentado, a Grã-Bretanha, junto com outras nações supostamente
verdes como a Alemanha, regularmente pedem à Arábia Saudita e aos outros países
da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) para que produzam
mais petróleo e, assim, promovam uma queda nos preços, impulsionando suas
economias.
O mundo
parece ignorar o fato de que já existe muito mais combustível acessível do que
pode ser queimado com segurança. Os gestores de fundos de pensão e outros
investidores estão permitindo que as empresas de combustíveis fósseis gastem
perto de US$ 1 milhão por ano para encontrar e explorar ainda mais reservas. Se
e quando emergirmos dessa insanidade, a bolha de carbono estourará e esses
investimentos serão tão tóxicos quanto o óleo que ainda invade a costa brasileira
neste exato momento.
Como
mudar esse quadro? Desde 2016, economistas e professores do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT) publicaram inúmeros trabalhos que provam que
as reduções de custos em tecnologia, impulsionados pelos combustíveis fósseis
nos levarão a continuar usando todo o petróleo, gás e carvão que pudermos, a
menos que os governos criem novos impostos sobre as emissões de carbono.
“Se não
adotarmos novas políticas, não deixaremos combustíveis fósseis no solo”, diz
Christopher Knittel, economista de energia da MIT Sloan School of Management.
“Precisamos de uma política como um imposto sobre carbono e colocar mais
dinheiro em fontes renováveis”.
Para
taxar as emissões de carbono, precisamos aceitar que quase tudo que envolva
combustíveis fósseis para ser produzido ou utilizado precise ter seu valor de
venda dez vezes maior do que é praticado atualmente. Principalmente se você
mora nos EUA ou na China. Com um barril de petróleo custando US$ 40,00, fica
difícil vender um carro elétrico com custos de US$ 325 quilowatt-hora, apenas
para manter a bateria. Por mais que se invista em novas tecnologias e
fontes de energia renováveis, não tem como competir com a gasolina custando US$
0,60 o litro nos EUA, onde o governo atualmente se nega até a discutir sobre
mudanças climáticas. Resumindo, para diminuir as emissões de carbono, a
gasolina precisa ficar muito mais cara para que as alternativas ecológicas se
tornem viáveis e rentáveis.
Como
último exemplo, vamos recordar dois momentos distintos que passamos em nosso
País. Em maio de 2018, o Brasil parou diante da greve dos caminhoneiros que
contestavam os constantes reajustes no valor dos combustíveis. Um ano e meio
depois, ficamos estarrecidos com a nossa vulnerabilidade e o despreparo do nosso
governo diante de toneladas de óleo cru que invadiram o litoral brasileiro.
Infelizmente, estes dois fatos estão interligados e correlaciona-los é tão
urgente quanto entender e aceitar que as mudanças são necessárias e que serão
muito dolorosas e demandarão coragem que nenhum líder, de qualquer nação ou
império jamais imaginou exercer. Muito menos nos dias atuais.
Referências para esse texto e leitura complementar:
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“Will We Ever Stop Using Fossil Fuels?” Journal of Economic Perspectives 30,
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Published, http://dx.doi.org/10.1257/jep.30.1.117
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Quéré, G P Peters. Persistent fossil fuel growth threatens the Paris Agreement
and planetary health. Environmental Research Letters, 2019; 14 (12): 121001
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RB Jackson, C Le Quéré, RM Andrew, JG Canadell, JI Korsbakken, Z
Liu, GP Peters e B Zheng. O crescimento global da energia está superando
a descarbonização . Cartas de Pesquisa Ambiental , 2018 DOI: 10.1088 /
1748-9326 / af303
*Gualter Pedrini - professor universitário,
fotógrafo e mergulhador desde 1995. Fundador do Projeto Antrópica, que ajuda a
divulgar ONGs e pesquisa científica em prol dos oceanos.
https://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/a-maldicao-do-ouro-negro/
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