“Em um país de violência contra mulher tão múltipla
e naturalizada, seu combate merece atenção prioritária e debate honesto sobre o
tema”
por Enfermeira Nazaré Lima* na Carta Capital - Sociedade e Violência no Brasil Contra as Mulheres
Mulheres seguram cartaz em
protesto contra a violência contra as mulheres. Foto: Fernando Frazão/Agência
Brasil
A
violência contra as mulheres representa violação de direitos humanos que ocorre
independente de raça, credo religioso, etnia, orientação sexual e faixa etária.
Dentre essas violações estão o estupro, o abuso sexual, o feminicídio, o
lesbocídio, a violência física, familiar, obstétrica, patrimonial,
institucional e ainda a violência moral caracterizada por qualquer conduta
que configure calúnia, difamação ou injúria.
Sua
presença tão marcante na sociedade brasileira é reflexo da ausência de
políticas públicas eficazes no enfrentamento e prevenção da violência. Os
governos em suas diversas esferas: Federais, Estaduais e Municipais, precisam
comprometer-se com essa pauta, tão essencial para a qualidade de vida, principalmente
das mulheres, que perdem seus direitos básicos, como até mesmo o de trabalhar.
Como exemplo, cito o fato de recentemente ocorrido em Marituba, região
metropolitana de Belém do Pará, onde várias mulheres foram violentadas
sexualmente por homens que praticavam crimes de estupro, sendo que destas, duas
foram assassinadas, quando elas estavam indo para o trabalho.
Marcha das mulheres negras contra
o racismo, a violência e pelo bem viver (Foto: Tiago Zenero/PNUD Brasil)
Na
Amazônia, crimes que violam os direitos humanos, sobretudo das mulheres são
comuns, em virtude de ser uma região invisibilizada e as autoridades não tomam
providências para resolução e enfrentamento destas violações. O Marajó é um
exemplo no qual ocorre exploração sexual de crianças e adolescentes nas balsas
e nas ilhas de cidades ribeirinhas. Os grandes projetos como a Hidrelétrica de
Belo Monte, em Altamira no Pará, trouxeram para a região a promessa de
progresso e riqueza, que no final das contas, contribuiu para o aumento de
exploração humana, com mulheres em situações de subemprego, vulneráveis à
exploração sexual, aumentando inclusive a incidência de infecções sexualmente
transmissíveis entre as mulheres no estado nos últimos anos.
Na zona
urbana, o reflexo da violência na vida das mulheres repercute em diversos
espaços sociais, até mesmo onde deveria ser de proteção e cuidado, como o
próprio lar, lugar onde é praticada principalmente pelo marido ou companheiro.
Geralmente, esta mulher que sofre violência doméstica tem uma dependência
financeira, sobretudo, como também emocional que contribuem para que a mesma
não denuncie e permaneça neste ciclo de violências que se repetem, trazendo
repercussões na saúde física e mental.
Soma-se a
isso, a cegueira no debate público que finge não ver essa realidade, ou quando
ela se mostra manifesta busca atenuar com formas de tentar justificar o
injustificável, atribuindo à responsabilidade da agressão ao tipo de vestimenta
de mulher, a exemplo do motorista do aplicativo em um estado do Sul do país, o
qual culpou o short “à la Anita” da vítima do assédio, ou ainda quanto ao
horário em que ela estava na rua, como que acusando as mulheres pelo mal
provocado a si próprias. Afinal, “homem é assim mesmo”.
A culpa
nunca é da vítima, como sempre é dito incansavelmente pelos movimentos de
mulheres. Parece óbvio, mas sempre procuram formas de colocar o violentador
como alguém que teve justificativa para violar o corpo e a saúde mental das
mulheres.
Uma
cegueira que encoberta a violência contra crianças no ambiente doméstico,
praticada em sua grande maioria por homens pertencentes ao seio familiar.
Mulheres nascem muitas vezes em um ambiente inseguro e passam a vida com esse
alvo nas costas, mas para essa sociedade machista, lesbofóbica, racista e patriarcal,
a violência se justifica colocando a culpa nas mulheres ou fechando os
olhos. Pois eu sou mais uma voz, entre muitas, que insiste em dizer: a
culpa não é nossa. Mulher, a culpa não é sua!
➤ Leia também na Carta Capital
- Nascer bem faz bem: pelo fim da violência obstétrica
O intuito
de colocar a mulher como a culpada da própria violência é uma estratégia do
patriarcado de duplamente violentar as mulheres, deixando-as à margem da
sociedade, minimizando a auto estima, provocando danos irreparáveis na sua
saúde física e mental, fazendo que muitas delas não reconheçam a violência que
estão expostas ou sintam-se culpadas, o que as leva a não denunciar e não
conseguir sair da situação de violência. Nota-se ainda a dúvida paira quando se
trata de homem branco e com elevado poder econômico, destacando-se aqui que
homens pobres e negros parecem, para a sociedade, mais tendenciosos a praticar
a violência.
A
violência de gênero, não escolhe cor, etnia ou classe social, atinge todas as
mulheres, porém, o tipo de violência que a mulher negra pobre da periferia,
lésbica e transexual vivenciam são carregadas de marcadores sociais que
transcendem o limite do fenômeno de gênero, tranversalizando pela questão de
raça, classe e sexualidade, ou seja, para além do machismo, as mulheres também
sofrem com o racismo, transfobia e lesbofobia, as quais devem ser pontuadas
enquanto problema a ser enfrentado pelas políticas públicas.
A urgência dos homens debaterem masculinidade
Na foto, ato no Rio de Janeiro contra a violência sofrida pelas mulheres,
realizado em junho de 2016
É preciso
que os homens discutam a masculinidade e compreendam a sua responsabilidade
nessa pauta. Não adianta apenas se indignar como uma mulher ou criança que foi
violentada ou agredida, se não repreendem o amigo que assedia mulheres na
festa, aquele “brother” que bate na esposa, aquele que adora desprezar as
colegas de trabalho em rodas de conversas masculinas privadas. Não adianta se
indignar, mas não se manifestar, pois é briga de marido e mulher, e não se quer
perder a amizade. Entendemos que a prática de misoginia, do assédio e do
abuso, quer físico ou moral, tem a ver com a estrutura sobre a qual foi
organizada a sociedade. Em alguns países mais que em outros, mas sempre
presente, o patriarcado ainda apresenta raízes fortificadas.
Isso é
tão patente e a postura machista chega a ser ratificada inclusive pelo
presidente do Brasil, o qual desqualificou a jornalista que investiga e
questiona a sua eleição. Nesse caso, trata-se de violência moral por difamação,
haja vista a conotação sexual que visa abalar, inclusive, sua credibilidade
como jornalista, como profissional. Imaginem a pressão pela qual passa a mulher
violentada, principalmente quando essa violência vem da maior autoridade do
país, eleita para governar para todas e todos, promovendo igualdade e justiça.
Muito mais que dizer que é solidário às demandas das mulheres, é preciso pôr em
prática o discurso contra a violência, pois o silêncio em meio a uma situação
de violação expressa o discurso, não de solidariedade, mas da conivência. No
caso da jornalista, omissão foi a tônica.
Entender
que a sociedade, do jeito que se formou, é injusta e além da sensibilização dos
adultos, a educação de crianças e adolescentes é importante para a
desconstrução de atitudes, padrões hegemônicos de poder, heteronormativos e
tóxicos que violentam as mulheres não só fisicamente, mas também
simbolicamente.
*Enfermeira
Nazaré Lima
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/as-varias-faces-da-violencia-contra-as-mulheres/
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