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12.31.2013

Pleno emprego e Bolsa Família desmobilizam luta pela terra no Brasil, diz estudo

Relatório aponta que conjuntura econômica e transferência de renda afastaram trabalhadores rurais das ocupações de terra. Como consequência, assentamentos apresentam queda.
Por Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual 
Jonas Oliveira/Folhapress
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Acampamento do MST no Paraná 
Apesar da desmobilização no campo, movimento do MST no Paraná lidera ocupações.

São Paulo – A conjuntura econômica favorável dos últimos anos, com baixos índices de desemprego, e os programas assistenciais do governo federal, têm desestimulado os trabalhadores rurais brasileiros a embarcarem na luta pela reforma agrária. Essa é uma das principais conclusões do Relatório Dataluta 2012, que será publicado em janeiro/2014, na próxima segunda-feira (6).
“Há disponibilidade de formas de aquisição de renda por meio do trabalho. Mesmo que não seja emprego formal, bem remunerado, há disponibilidade de trabalho no país. As pessoas passam a ter alternativas para obter pelo menos o mínimo. Isso desmobiliza a luta pela terra”, explica Eduardo Girardi, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Presidente Prudente (SP) e um dos coordenadores do estudo.
Em entrevista à Rede Brasil Atual, Girardi explica que a possibilidade de sobreviver, ainda que seja com o pouco dinheiro distribuído pelo Bolsa Família, é uma das principais responsáveis pela redução no número de ocupações de terras no país. Em 2012 foram registrados 253 episódios. É um número baixo, se comparado com os índices de 1999, quando houve 856 ocupações, mas demonstra crescimento se observarmos os números de 2010, com 184.
O baixo número de ocupações reflete no baixo número de novos assentamentos construídos no país em 2012: apenas 117. De acordo com o Relatório Dataluta, o auge da destinação de terras para a reforma agrária ocorreu em 2005, com 879 novos assentamentos. “Podemos afirmar que a partir de então tem havido um decréscimo constante no número”, explica Girardi. “O Estado faz assentamento mediante pressão dos movimentos sociais.”
O estudo aponta ainda que no ano passado 436 mil pessoas se envolveram em manifestações que pediam acesso à terra no país. Apesar de ter se afastado do noticiário, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ainda é o grupo que mais promove ocupações no país, seguido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). No total, há 116 movimentos sociais organizados no campo brasileiro. Apenas 23 organizaram ocupações em 2012.
Girardi aponta que o país destina cada vez mais terras à agricultura, mas ressalva que o crescimento da estrutura fundiária ocorre de maneira concentrada. “A maior disponibilidade de terras ocorre paralelamente à manutenção dos níveis de concentração”, pontua. “Ou seja, novas terras estão indo para as mãos das mesmas pessoas que já são proprietárias.”
O relatório apontou um crescimento de 6,3 milhões de hectares na estrutura fundiária brasileira. A que se deve esse aumento?
Basicamente, à expansão da fronteira agrícola, regularização fundiária e grilagem de terras. Esse número não é obtido por detecção via satélite, mas por novas terras registradas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e que passaram a ter documentos legais ou pessoas que se declaram como suas donas. O avanço da fronteira agrícola não significa necessariamente desmatamento imediato. A pessoa pode se declarar posseira de uma área que ainda é floresta, mas, a partir do momento em que ela consegue a propriedade da terra, ela vai desmatá-la para transformá-la em capital. Porque a agricultura tradicional ainda é predominante.
O relatório mostra que as ocupações de terra diminuíram no país. Isso está relacionado a uma possível perda de força política dos movimentos do campo, como MST?
Essa é uma questão que inclusive discutimos no último encontro da Rede Dataluta. Uma das razões para essa diminuição é a própria conjuntura econômica do país. Há disponibilidade de formas de aquisição de renda por meio do trabalho. Mesmo que não seja emprego formal, bem remunerado, há disponibilidade de trabalho no país. As pessoas passam a ter alternativas para obter pelo menos o mínimo. Isso desmobiliza a luta pela terra.
Ou seja, tem a ver com as conquistas sociais dos últimos dez anos?
Não sei se seriam conquistas sociais, mas há possibilidade de obtenção de renda via trabalho. A maior parte desses empregos paga apenas um salário mínimo. E a gente sabe que um salário mínimo não supre todas as necessidades de uma família. Outra razão para a queda no número de ocupações tem a ver com os programas de assistência social, que servem para que as pessoas pelo menos não passem fome, porque o valor também é muito baixo. Também é outro fator que contribuiu para a diminuição do número de pessoas dispostas a se sujeitar à luta pela terra – porque a luta pela terra é árdua. Fazer acampamentos por anos, em condições precárias, enfrentar pessoas armadas etc. Acaba que essa situação toda desencoraja as pessoas a participarem das ocupações.
Houve uma espécie de pacificação da luta pela terra no país?
Pacificação tem a ver também com redução da violência. E não trabalhamos com dados de violência. A violência normalmente recai sobre os movimentos de resistência. Mas o fato é que o número de ocupações diminui bastante a partir dessa conjuntura de crescimento econômico. Isso não quer dizer que os problemas no campo foram solucionados: concentração, exploração do trabalhador rural etc. Também não quer dizer que as ocupações possam voltar a crescer. Em um cenário em que não haja essa conjuntura econômica favorável, podemos ter um novo momento de crescimento das ocupações no campo.
A redução no número de ocupações também se relaciona à redução no número de assentamentos?
Justamente. O Estado faz assentamento mediante... se pegarmos a partir da década de 1990, temos a criação de assentamentos mediante pressão dos movimentos sociais. Diminuindo a pressão, também diminui o ritmo de criação de assentamentos. Uma coisa está relacionada à outra. O auge do número de assentamentos ocorreu em 2005. Podemos afirmar que a partir de então houve um decréscimo constante no número de assentamentos. Foram de 879 em 2005 para 117 em 2012.
Houve alguma mudança de orientação no governo para essa redução?
A principal explicação é mesmo a redução no número de ocupações e de reivindicações dos movimentos. Criar assentamento tem implicações em relações de poder, orçamento, tudo isso. Mas a presidenta Dilma Rousseff declaradamente disse que preferia dar melhores condições aos assentamentos existentes em vez de criar novos assentamentos e deixá-los nas mesmas condições dos atuais. Mas a gente não está vendo nenhum tipo de melhoria nos assentamentos que já existem.
A criminalização da luta pela terra também contribuiu para a redução dos assentamentos?
Os movimentos têm atribuído à ação judicial um peso muito importante para que a luta se tornasse mais tímida. Em conversa com os membros dos movimentos, dizem que essa maior atuação do Judiciário com relação à luta pela terra é um dos motivos para explicar o número de ocupações e, por consequência, de assentamentos.
O MST ainda é o principal movimento no campo. Qual é seu papel hoje?
O MST está sofrendo com a diminuição do número de pessoas dispostas a lutar pela terra. Seu impacto e sua visibilidade pública também acabam diminuindo, porque o número de ações diminui. O MST foi uma grande referência para os movimentos sociais no período em que o número de ocupações era bastante significativo. Talvez, no futuro, com uma possível retomada das ocupações, o MST retome essa dimensão.
Como o sr. avalia a política agrária do governo Lula e Dilma?
Eu esperaria algo mais reformador.
Quantas famílias se estima que sejam a clientela da reforma agrária no país?
Mas não é possível conhecer esse número, porque, afinal, quem seria a clientela da reforma agrária? Essa pessoa que vive com salário mínimo e Bolsa Família, por exemplo, é cliente da reforma agrária? É um cliente em potencial? Se a conjuntura econômica favorável desaparece, ela vai ser novamente um potencial beneficiário? Difícil saber. Outra questão: os potenciais beneficiários são apenas aqueles que lutam, que fazem ocupação, ou aqueles que podem jamais ter feito ocupação, mas que se enquadram nas características socioeconômicas? Temos nos assentamentos brasileiros 933.836 famílias. Esse número, na verdade, é a capacidade dos assentamentos. Pode haver mais ou menos. Há lotes com assentados e agregados. E há lotes vazios.
No relatório também entram dados sobre a luta pela terra dos indígenas?
Sim, entra o número de ocupações de terra feitas por indígenas, que tem aumentado. Primeiro, aumentou o conflito porque o agronegócio, principalmente com a expansão do setor sucroalcooleiro e madeireiro, está avançando sobre as terras indígenas, e os indígenas passaram então a requerer demarcação, porque as áreas não estavam demarcadas. Aí você tem o surgimento de ocupações de terras por indígenas. Chamamos de ocupações de terras, mas na verdade são retomadas, que ocorrem sobretudo no Mato Grosso do Sul, noroeste do Paraná e algumas regiões do Nordeste, como o sul da Bahia.
Uma análise geral do relatório apontaria que a reforma agrária e a distribuição de terras está avançando ou retrocedendo no país?
Está paralisada. Tanto a concentração, quanto a luta, quanto os assentamentos. Estão todos paralisados, mas paralisados no contexto brasileiro: 400 mil pessoas lutando pela terra é significativo. Mas não é tão significativo quanto já foi no passado.
Quando foi o auge de mobilização?
Começamos a fazer o levantamento em 2000. O maior número entre 2000 e 2012 foi em 2007, quando havia 629.029 pessoas envolvidas em manifestações no campo. Antes de 2000, não temos os dados. Mas, provavelmente, nos momentos de pico das ocupações de terras tivemos efetivos de pessoas maior do que esse.
http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/12/pleno-emprego-e-assistencia-social-desmobilizaram-luta-pela-terra-no-brasil-2900.html/view

Pobres São Proibidos de Entrar nos Estádios de Futebol no Brasil

Walmyr Jr*
Um samba que embalou carnavais de diversos foliões por todo o Brasil, “Domingo, eu vou ao Maracanã.” de Neguinho da Beija-Flor, que tem sua letra original uma alusão ao flamengo, virou um canto dos demais cariocas, botafoguenses, tricolores e vascainos, assim como torcedores ou torcedoras de outros estados, vão ao delírio ao cantar essa melodia sagrada.  O grito entoado com muito orgulho pelos torcedores(as) em estádios de todo o Brasil, se adaptando a cada realidade cultural e local, a alegria expressa se assemelha a um fenômeno religioso.
A música traz uma reverencia o torcedor(a) brasileiro(a), ao povo brasileiro, e cultura do futebol em nosso país. Essa cultura ligada diretamente ao trabalhador(a) e as classes mais populares, que se matam de trabalhar durante a semana e aos domingos, vão ver o seu clube do coração no estádio de futebol. Essa classe social é onde estão Josés, Franciscos, Marias, Julianas, Pedros, Joãos, Claudias etc., tem no futebol uma das poucas oportunidade de lazer e diversão.
A sensação de fazer o ritual dominical, de acordar cedo, prosear sobre a rodada do campeonato no boteco já com a camisa da sorte, abrir um refrigerante ou cerveja, brincar com o amigo(a) sobre o jogo passado, comer um frango assado, pegar um ônibus ou trem lotado rumo ao estádio, encontrar o amigo ou amiga da arquibancada duas estações ou pontos depois, chegar e comprar uma bandeira do ambulante e entrar para empurrar e jogar junto com os 11 jogadores(as) do clube de coração, é a felicidade do torcedor ou torcedora.
Durante muito tempo, essa era uma rotina de muitos trabalhadores(as) e operários(as) das comunidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e de outros estados do Brasil. Porém nos últimos anos, o fantasma da "elitização dos estádios", vem acabando com essa cultura, grandes investidores estão começando a tomar conta. Vem sendo construído nos estádios brasileiros uma verdadeira política de embranquecimento e higienização, centralizado na cultura européia como padrão de espetáculo. As inúmeras proibições como à venda de bebidas, o uso de instrumentos musicais, fim das gerais e a implantação do mito das cadeiras numeradas, são alguns dos exemplos daquilo que vem sendo chamado de “novas arenas”.
Para Wescrey Pereira, Diretor da União Estadual dos Estudantes (UEE-RJ), “o grande aumento do preço do ingresso tem criado um futebol cada vez mais sem povo. O alto custo para assistir um jogo de futebol está selecionando o consumidor,  e o futebol está sendo padronizado por abaixo”. Fica a seguinte indagação: “O que será dos estádios de futebol sem a irreverência do povo humilde?  A população humilde terá que achar outro lazer no domingo? Estão tirando das mãos da população seu patrimônio histórico”.
Hoje o futebol em que o povo humilde participava está agonizando, é preciso repensar o que nós brasileiros(as) somos e a importância do futebol assistido de pé sem a cadeira numerada. Pelo caminho que se tem traçado, precisaremos fazer um releitura do samba do Neguinho da Beija-Flor e cantar “Domingo, NÃO vou ao Maracanã.”
* Walmyr Júnior é graduado em História pela PUC-RJ e representou a sociedade civil em encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.
http://www.jb.com.br/juventude-de-fe/noticias/2013/12/30/domingo-nao-vou-ao-maracana/

12.30.2013

O Encontro da Pessoa com o Outro Ser

Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é autor de diversos livros.
No meio do inegável mal-estar mundial, irrompeu, surpreendentemente,  neste ano, uma figura que nos devolveu esperança, alegria e gosto pela beleza: o papa Francisco. Seu primeiro texto oficial leva como título Exortação pontifícia 'Alegria do Evangelho'. Ele vem perpassado pela alegria, pelas categorias do encontro, da proximidade, da misericórdia, da centralidade dos pobres, da beleza, da “revolução da ternura” e da “mística do viver juntos”.
Tal mensagem faz o contraponto à decepção e ao fracasso face às promessas do projeto da modernidade de trazer bem-estar e felicidade para todos. Na verdade está colocando o futuro da espécie em risco por causa do assalto avassalador que continua fazendo sobre os bens e serviços escassos da Mãe Terra. Bem diz o papa Francisco: “A sociedade técnica multiplicou as possibilidades de prazer mas tem  grandes dificuldades de engendrar alegria” (Exortação, n.7). Prazer é coisa dos sentidos. Alegria é coisa do coração. E nosso modo de ser é sem coração.
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                                                   O encontro da pessoa com o outro
 Essa alegria não é de bobos alegres, que o são sem saber por quê. Ela brota de um encontro com uma Pessoa concreta que lhe suscitou entusiasmo, lhe produziu enlevo e simplesmente o fascinou. É a figura de Jesus de Nazaré. Não se trata daquele Cristo coberto de títulos de pompa e glória que a teologia posterior lhe conferiu. Mas é o Jesus do povo simples e pobre, das estradas poeirentas da Palestina, que trazia palavras de frescor e de fascínio. O papa Francisco testemunha o encontro com essa Pessoa.  Foi tão arrebatador que mudou sua vida e lhe criou uma fonte inesgotável de alegria e de beleza. Para ele, evangelizar é refazer esta experiência, e a missão da Igreja é resgatar o frescor e o fascínio pela figura de Jesus. Evita a palavra já feita oficial de “nova evangelização”. Prefere “conversão pastoral” feita de alegria, beleza, fascínio, proximidade, encontro, ternura, amor e misericórdia.
Que diferença com os seus predecessores de séculos! Apresentavam um cristianismo como doutrina, dogma e norma moral. Exigia-se adesão irrestrita e sem qualquer laivo de dúvidas,  pois  gozava das características da infalibilidade.
O papa Francisco entende o cristianismo em outra chave. Não é uma doutrina. É um encontro pessoal com uma Pessoa, com sua causa, com sua luta, com sua capacidade de enfrentar as dificuldades sem fugir delas. Agradam sobremaneira as palavras contidas na Epístola aos Hebreus, na qual se diz que Jesus “passou pelas mesmas provações que nós… que foi cercado de fraqueza… que entre clamores e lágrimas suplicou àquele que o  podia salvar da morte e que não foi atendido em sua angústia”, consoante os estudos de dois grandes sábios nas Escrituras — A. Harnack e R. Bultmann — que dão essa versão no lugar daquela que está na Epístola (“e foi atendido em sua piedade” — eusebeia — em grego, que pode significar, além de piedade, também angústia)…“que teve que aprender a obedecer mediante o sofrimento” (Hebreus 4,15; 5,2.7-8).
Na evangelização tradicional tudo passava pela inteligência intelectual (intellectus fidei) expressa pelo credo e pelo catecismo. Na Exortação, o papa Francisco chega a dizer que “aprisionamos Cristo em esquemas enfadonhos…e assim privamos o cristianismo de sua criatividade”(n.11). Em sua versão, a evangelização passa pela inteligência cordial (intellectus cordis), porque aí têm sua sede o amor, a misericórdia, a ternura e o frescor da Pessoa de Jesus. Ela se expressa pela proximidade, pelo encontro, pelo diálogo e pelo amor. É um cristianismo-casa-aberta para todos, “sem fiscais de doutrina”, e não uma fortaleza fechada e intimidada.
Pois é desse cristianismo que precisamos, capaz de produzir alegria, pois tudo o que nasce verdadeiramente de um encontro profundo e verdadeiro gera a alegria que ninguém pode tirar. É como a alegria dos sul-africanos no sepultamento de Mandela: nascia do fundo do coração e movia todo o corpo.
Falta-nos em nossa cultura mediática e internética esse espaço do encontro, do olho  no olho, de cara a cara, da pele a pele. Para isso temos que realizar “saídas”, palavra sempre repetida pelo papa. “Saída” de nós mesmos para o outro, “saída” para as periferias existenciais (as solidões e os abandonos) “saída” para o universo dos pobres. Essa “saída” é um verdadeiro “Êxodo” que trouxe alegria aos hebreu livres do jugo do faraó.
Nada melhor que lembrar o testemunho de F. Dostoiévski ao “sair” da Casa dos Mortos na Sibéria: “Às vezes, Deus me envia instantes de paz; nestes instantes, amo e sinto que sou amado; foi num desses momentos que compus para mim mesmo um credo, onde tudo é claro e sagrado. Esse credo é muito simples. Ei-lo: creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais humano, de mais perfeito do que o Cristo; e eu o digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se encontra nele, prefiro ficar com Cristo a ficar com a verdade”.
O papa Francisco faria suas estas palavras de Dostoiévski. Não é uma verdade abstrata que preenche a vida, mas o encontro vivo com uma Pessoa, com Jesus, o Nazareno. É a partir dele que a verdade se faz verdade. Se 2014 nos trouxer um pouco desse encontro (chamem-no de Cristo, de o Profundo, o Mistério em nós, de o Sagrado de todo o ser), então teremos cavado uma fonte donde jorra alegria, que é infinitamente melhor do que qualquer prazer induzido pelo consumo.
http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2013/12/30/no-meio-do-mal-estar-mundial-ha-lugar-para-a-alegria/

12.23.2013

ONU reconhece racismo como problema estrutural da sociedade brasileira

Grupo da ONU reconhece racismo como problema estrutural da sociedade brasileira


Por Geledes
 
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O Grupo de Trabalho das Nações Unidas (ONU) sobre Afrodescendentes apontou na última semana, ao encerrar visita de dez dias ao Brasil, um grande contraste entre a precariedade da situação dos negros e o elevado crescimento econômico do país. A comitiva das Nações Unidas esteve em cinco cidades, reuniu-se com autoridades e representantes da sociedade civil, visitou favelas e quilombos.
Em comunicado à imprensa, os especialistas da ONU destacaram que, entre negros e brancos, existem desigualdades de acesso à educação, à Justiça, à segurança e a serviços públicos. O grupo identificou também racismo “nas estruturas de poder, nos meios de comunicação e no setor privado”. Segundo os representantes da ONU, apesar de serem metade da população brasileira, os negros estão “subrrepresentados e invisíveis”.
“Os afro-brasileiros não serão integralmente considerados cidadãos plenos sem uma justa distribuição do poder econômico, político e cultural”, disseram a francesa Mireille Fanon-Mendes-France e argelina Maya Sahli, integrantes do grupo de trabalho ONU. Elas apresentaram à imprensa conclusões preliminares, que vão compor um relatório com recomendações ao governo brasileiro
Mireille e Maya reconheceram o esforço do governo brasileiro para enfrentar o problema, citando a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 2010, depois de dez anos de tramitação, e a decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação às cotas nas universidades. Outra ação elogiada foi o projeto de lei que reserva vagas para negros no serviço público.
Para as especialistas, no entanto, o caminho para o fim do racismo e da discriminação pela cor de pele no Brasil é longo. “Não é que o governo não esteja fazendo o suficiente. Ele faz o que é possível. A correlação de forças é que ruim”, afirmou  Mireille.
No projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional, o governo propõe que 20% das vagas dos concursos públicos sejam reservadas para pretos e pardos. O projeto recebeu emendas de deputados que sugeriram a reserva para 50% das vagas, com objetivo de se aproximar do total de negros na população brasileira (50,7%) e para o preenchimento de cargos em comissão.
O grupo da ONU, que está no Brasil a convite do governo federal, passou por Brasília, Recife, Salvador e São Paulo. A viagem terminou no Rio e o relatório conclusivo será apresentado no ano que vem.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) não se pronunciou.
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2013/12/16/onu-reconhece-racismo-como-problema-estrutural-da-sociedade-brasileira/

12.19.2013

Como a Mídia Errou Feio ao Mostrar a Mulher na Propaganda

Mídia

A representação da mulher na mídia e em produtos*

por Nádia Lapa publicado 18/12/2013
 
Em comerciais de televisão, produtos e marcas, a mulher é tratada como brinde, imbecil ou hipersexualizada
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Na publicidade da NET, a mulher fica extasiada ao transformar um sapo em cartão de crédito
 
Todo mundo já sabe: em comerciais de cerveja, estará sempre muito calor e as mulheres vestirão um biquini fio dental nos corpos belíssimos. Corpos esses sem língua, diga-se, porque elas nunca falam nada. Quer vender detergente, sabão em pó ou qualquer outro produto de limpeza? Direcione as propagandas paras mulheres, porque elas ainda não saíram da cozinha.
Vemos isso o tempo todo, tomamos como verdade absoluta, e nem ligamos muito para a representação da mulher nos comerciais. Fúteis, vazias, competitivas com outras mulheres, rainhas do lar, vaidosas em nível tóxico. "É só propaganda", diriam alguns. Alguns muitos. Outros vários diriam que quem vê problema nessa má representação da mulher está é "falta do que fazer". "Vai lavar uma louça", os engraçados de Twitter responderiam. Na verdade, o sistema é esse, feroz, que se retroalimenta dos pensamentos da sociedade. As propagandas são ruins porque o público alvo é ruim, ou é o contrário? Difícil dizer.
Nos Estados Unidos há uma iniciativa chamada The Representation Project, que cuida justamente de analisar como a mídia mostra as mulheres. Aqui no Brasil não temos nada parecido, mas grupos feministas online costumam questionar as empresas quanto aos seus anúncios sexistas e muitas, muitas vezes misóginos.
Foi o que aconteceu durante a Copa das Confederações. A Ariel, marca de sabão para lavar roupas, lançou uma propaganda no Facebook com quadrinhos mostrando como a mulher também gosta de futebol. Seria ótimo quebrar o estereótipo de que só homem gosta do esporte, enquanto as mulheres são histéricas que só gritam nas partidas da seleção brasileira e não sabem nem o que é um escanteio, mas a marca, pertencente à Procter & Gamble, reiterou na série de quadrinhos como a mulher vê futebol por causa das pernas dos jogadores e que "torce". Torce roupa. Porque mulher esquenta barriga no fogão e esfria no tanque.

Falei com a assessoria de imprensa sobre os quadrinhos, e recebi a seguinte resposta: "a P&G informa que em  maio desse ano postou na fanpage de Ariel um pedido de desculpas pela tirinha criada para a Copa das Confederações. Vale ressaltar que a empresa valoriza a diversidade, assim como o papel de importância da mulher em nossa sociedade. A empresa informa ainda  que levará em conta todos os comentários e considerações que foram postados na época em sua fanpage para as próximas campanhas da marca.".
Eles, pelo menos, assumiram que foi uma bola fora (e sim, nós sabemos quando é lateral ou escanteio nesses casos). A cerveja Crystal, do Grupo Petrópolis, infelizmente não fez o mesmo. Tentou mais ou menos fugir da velha fórmula mulheres de biquini na praia (tem algumas à beira da piscina, ora pois!), e colocou uma mulher... como brinde!
 Não, Crystal, apenas não. Mulher nunca é um brinde. Ou não deveria ser. A resposta da marca foi: "O Grupo Petrópolis sempre respeitou as mulheres e, em nenhum momento, teve a intenção de tratá-la como objeto.  A propaganda trabalha com humor e respeito.". Interessante observar o uso da palavra brinde, que não só é um objeto, como é um objeto que a pessoa ganha, sem maior esforço. A saída escolhida pela Petrópolis foi dizer que isso, comparar uma mulher a algo que se ganha, é piadinha. Humor é seeeeempre a desculpa para qualquer erro.
Quer ver como é sempre tudo muito, muito engraçado? A resposta da NET ao meu questionamento sobre o comercial abaixo parece até ter sido escrita pela assessoria da Crystal: "As campanhas da NET se caracterizam pela irreverência e bom humor. A empresa busca trazer novidades e frescor em sua forma de se comunicar e para isso se utiliza de temas ou situações que auxiliem neste fim.  Especificamente no filme citado, seguimos com a mesma intenção e em momento algum houve o intuito de denegrir a imagem da mulher ou imprimir qualquer outra conotação, apenas utilizou-se de um contexto usado no dia a dia das pessoas e em tom de brincadeira.".


Que coisa engraçada tratar a mulher como 1) desesperada por um príncipe; 2) interesseira a ponto de trocar um príncipe por um cartão de crédito. Hum... não.
Outra tática utilizada pelas empresas é dizer que algo - produto ou comercial - simplesmente caiu no colo delas. É preciso apontar que antes de ir ao ar ou aparecer nas araras das lojas, o produto ou propaganda passa por uma série de pessoas. Tudo está sujeito à criação, aprovação, produção. Há muito tempo e incontáveis oportunidades para alguém nesse ciclo simplesmente dizer "ei, isso aqui está errado, não vamos colocar no ar/colocar à venda".
No entanto, se alguém tem tal iniciativa nesse processo, certamente sua voz não está sendo ouvida. Enquanto isso, as empresas lavam as mãos a respeito da responsabilidade acerca da equidade de gêneros. A Luigi Bertolli está vendendo, neste momento, uma camiseta que diz:
Look like a girl
Act like a lady
Think like a man
Work like a boss

Pareça uma garota, se comporte como uma dama, pense como um homem, trabalhe como chefe

Pense como um homem? O que há de tão diferente no pensamento de um homem para que eu, mulher, deseje ser como ele? Não está bom ser do jeito que eu sou e pensar do meu jeito? Ou homens são mais inteligentes?
"A camiseta mencionada não tem qualquer objetivo machista, feminista ou político. Trata-se apenas de mais uma estampa de moda que combina frases irreverentes com as cores da estação. Sendo assim, a Luigi Bertolli não teve intensão ou pretensão de sugerir nenhum tipo de comportamento."
Ah, está tudo bem agora, então, ufa! Que bom que uma marca denunciada por trabalho escravo e que não faz roupa para gorda não está me dizendo como viver. Sinto um grande alívio agora.
É evidente que isso não é verdade. Uma marca vende não só um produto, tangível, mas também um estilo de vida. O consumidor, então, compra algo de acordo com o que lhe é vendido. Não é só a camiseta ou o sabão em pó. Quando se trata de autoestima, então, ataca-se um ponto fraco das mulheres. Até supermodelos dizem que às vezes não se sentem tudo isso, imagine uma mulher comum, que trabalha, vai à faculdade, cuida dos filhos, lava louça, entra em fila de banco.
As mensagens que ela recebe são de que ela precisa ser bonita, atraente, sexy, ter a aparência de uma garota e comportamento de uma dama. Ela precisa. É isso que é cobrado o tempo todo dela. E, se não der pra ser tudo isso por si mesma, só resta competir com as outras mulheres, tratando-as como café-com-leite.

(A assessoria da Eudora ainda não se pronunciou a respeito do comercial.)
As mulheres precisam se unir e se empoderar, juntas, sem essa coisa de competir entre si. É triste ver uma empresa voltada às mulheres com esse tipo de discurso. No fim, se você não tiver uma aparência de capuccino e for um mero café-com-leite, você não será a escolhida pelo gatinho da balada. Não foi por causa dele que você saiu de casa?

Viu? Amigos de verdade não deixam os amigos saírem com meninas feias, diz a camiseta da Hering. Melhor ser um capuccino, garota, se não você está perdida. Segundo a assessoria da empresa, "em relação ao caso das estampas questionadas por consumidores, a Cia. Hering esclarece que já tomou as providências necessárias para evitar estes temas em seus produtos futuramente. A empresa reforça ainda que a estampa não condiz com os princípios e os valores defendidos pela marca".
Antes de eu questioná-los acerca da estampa, consumidores já o tinham feito por meio das redes sociais. Eles disseram que tirariam as camisetas das araras, mas dias depois as lojas continuavam vendendo. Sabem o motivo? Porque não importa. O sistema todo é assim. Este post poderia ser infinito, porque todos os dias nos deparamos com a péssima representação das mulheres na mídia.
O problema é que acreditamos nisso tudo. Mais do que comprar o sabão, a camiseta ou a maquiagem, nós compramos a ideia. E vivemos com ela, repetindo-a, sentindo-a na pele. Você é café-com-leite, você não é bonita o suficiente, você não será amada, você está gorda demais. E compre isso aqui para diminuir o buraco que eu, empresa, criei em você.

* Como a mídia errou ao representar as mulheres em 2013 (em inglês). Vídeo do The Representation Project. 
http://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/a-representacao-da-mulher-na-midia-e-em-produtos-7011.html

12.17.2013

O Brasil e a Mentira Sobre o Comunismo

Por Mauro Santayana, jornalista do Jornal JB, Rio
A ascensão irracional do anticomunismo mais obtuso e retrógrado, em todo o mundo — no Brasil, particularmente, está ficando moda ser de extrema direita — baseia-se em manipulação, com que se tenta, por todos os meios, inverter e distorcer a história, a ponto de se estar criando uma absurda realidade paralela.
Estabelecem-se, financiados com dinheiro da direita fundamentalista, surgem por todo mundo, como nos piores tempos da guerra fria, redes de organizações anticomunistas, com a desculpa de se defender a democracia; atribuem-se, alucinadamente, de forma absolutamente fantasiosa, 100 milhões de mortos ao comunismo na Rússia (ou União Soviética) socialista.
Busca-se associar, o marxismo ao nacional-socialismo, quando, se não fossem a Batalha de Stalingrado na Segunda Guerra Mundial, em que os alemães e seus aliados perderam 850 mil homens, e a Batalha de Berlim, vencidas pelas tropas do Exército Vermelho — que cercaram e ocuparam a capital alemã e obrigaram Hitler a se matar — a Alemanha nazista teria tido tempo de desenvolver sua própria bomba atômica e não teria sido derrotada.
Espalha-se, na internet — vários autores que não conhecem a história, uns por ingenuidade, outros por falta de caráter mesmo, ajudam a divulgar isso — que o Golpe Militar de 1964 — apoiado e financiado pelos Estados Unidos — foi uma contrarrevolução preventiva. O país era governado por um rico proprietário rural, João Goulart, que nunca foi comunista. Vivia-se em plena democracia, com imprensa livre e todas as garantias do Estado de Direito, e o povo preparava-se para reeleger Juscelino Kubitscheck presidente da República em 1965.
1964 foi uma aliança de oportunistas, desde empresários, imprensa, clero políticos,etc. Civis que há anos almejavam chegar à Presidência da República e não tinham votos para isso, segmentos conservadores que estavam alijados dos negócios do governo e oficiais — não todos — golpistas que odiavam a democracia e não admitiam viver em um país livre.
Em um mundo em que há nações, como o Brasil, em que padres fascistas pregam abertamente, na internet e fora dela, o culto ao ódio, e a mentira da excomunhão automática de comunistas, as declarações do papa Francisco, lembrando que os marxistas são pessoas normais, como quaisquer outras — e não são os monstros apresentados pela extrema-direita, sob a farsa do “marxismo cultural” — representam um apelo à razão e um alento.
Depois de anos dominada pelo conservadorismo, podemos dizer, pelo menos até agora, que Habemus Papam, com a clareza da fumaça branca saindo, na Praça de São Pedro, em dia de conclave, das  chaminés do Vaticano.
http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/12/17/habemus-papam-2/

12.12.2013

Nelson Mandela foi Banalizado pela Imprensa Mundial

SIMON JENKINS
Jornalista do jornal The Guardian

A publicidade da morte e do funeral de Nelson Mandela tornou-se absurda. Mandela foi um líder político africano com qualidades que foram apropriadas para um momento crucial nos assuntos de seu país. Foi apenas isso.
No entanto, sua reputação foi parar entre ladrões e cínicos. Sequestrado por políticos e celebridades que vão de Barack Obama a Naomi Campbell e Joseph Blatter, foi preciso endeusá-lo para que outros pudessem ser iluminados por sua glória.
Nesse processo, ele foi desumanizado. Ouvimos falar tanto sobre a banalidade do mal. Às vezes deveríamos perceber a banalidade do bem.
Parte disso se deve à mecânica grosseira da mídia. Milhões de dólares foram desembolsados nos preparativos para a morte de Mandela. Profissionais foram despachados, quartos de hotel foram reservados, cabanas foram alugadas em vilarejos do Transkei.
Teria sido possível construir hospitais com os valores que devem ter sido gastos. A mídia inteira enlouqueceu.                                                               
Na semana passada vi um apresentador da BBC, gemendo de tédio, pedir a um convidado que comparasse Mandela a Jesus. Consta que a emissora já teria recebido mais de mil queixas sobre a cobertura excessiva. Estaria ela se preparando para uma ressurreição de Mandela?
Mais séria é a obrigação que o culto ao evento de mídia deveria ter com a história.
Quando eu visitava a África do Sul e escrevia sobre o país durante os últimos anos do governo branco, na década de 1980, tinha consciência aguda de que a grande luta não se dava tanto entre os sul-africanos brancos e o CNA de Mandela, cujos líderes estavam na prisão ou no exílio, mas dentro do próprio campo dos africâneres que mantinham o poder branco na África do Sul.
Não era uma rebelião contra uma potência estrangeira. Era um conflito potencial entre uma maioria impotente (negros) e uma minoria potente (brancos), no qual a probabilidade de a última ceder diante da primeira parecia ser mínima --e desnecessária no curto prazo.
  Participava dessa luta o então primeiro-ministro, F.W. de Klerk. A compreensão de que seu grupo deveria ceder o poder a um governo negro foi um convencimento moral.
Os africânderes capitularam não porque alguma força poderosa (como as sanções da ONU) os tivesse esmagado, nem devido à mais importante queda da Rodésia e do império português que apoiavam os brancos. Seus padres e intelectuais lhes disseram que o apartheid tinha perdido a discussão.
Os africâneres tinham perdido a vontade política [de continuar com o apartheid]. O apartheid tinha sido "um erro terrível", disse De Klerk. Mesmo assim, a tarefa de passar para um governo da maioria negra era hercúlea, e o êxito estava longe de garantido.
De Klerk poderia ter levado a batalha adiante por mais uma década, com cada vez mais sangue derramado. Mas a revolução tribal de Mandela teve êxito, como foi relatado pelo historiador do nacionalismo africânder Hermann Giliomee.
Mandela foi crucial para a tarefa de De Klerk. Ele era um africano que conhecia muito bem seu país, alguém que articulou as aspirações de seu povo, um reconciliador, alguém que perdoou males passados da ditadura branca.
Mandela parecia encarnar a travessia da divisão racial, com isso viabilizando a tarefa impossível a De Klerk. Lançando olhares nervosos para Desmond Tutu e outros, os sul-africanos brancos juravam que Mandela era o único líder negro que os fazia sentir-se em segurança.
A África do Sul em 1993 não era nenhum paraíso de férias pós-colonial. Era uma barganha entre um grupo de tribos e outro grupo. Apesar de todas as crueldades da luta armada, derramou-se menos sangue que se esperava, graças a sabedoria de Mandela.
A África do Sul não foi um Paquistão, um Sri Lanka ou um Congo. A ascensão do governo da maioria no país foi um dos momentos mais nobres da história africana.

Mas a história é uma disciplina, não uma fé. O mundo pode ter sede de um "ícone do tipo de Mandela", mas com que finalidade? Que veículos sérios de mídia discutem Mandela ao lado de Gandhi e Jesus de Nazaré é pura e simples perda de tempo.
Ele foi Nelson Mandela e ponto final. Depois de assistirem a seu ex-presidente ser banhado em virtude e ter sua glória extraída para ungir uma multidão de celebridades mundiais, os sul-africanos deveriam repatriar sua reputação.
Mandela lhes prestou um serviço ímpar por alguns anos breves na década de 1990, e, se lhes convém reverenciá-lo como símbolo de unidade, bondade e paz, que assim seja. Isso é questão deles.
Mas a característica sul-africana que eu me recordo de Mandela possuir em plena medida não era a santidade --era um senso de ironia temperada. Duvido que neste momento ele esteja usando o endeusamento que a mídia lhe forjou. Aposto que ele está dando gargalhadas.
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/12/1384536-opiniao-nelson-mandela-nao-foi-

um-santo.shtml

  • Nelson Rolihlahla Mandela foi um advogado, líder rebelde e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado como o mais importante líder da África Negra, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1993, e Pai da Pátria da moderna nação sul-africana.
  • Falecimento: 5 de dezembro de 2013

  • Prêmios: Nobel da Paz, Bharat Ratna, Pessoa do Ano
  • Cônjuge: Graça Machel (de 1998 a 2013)
     

    12.10.2013

    Desafio: O Brasil Terá Capacidade para Solucionar a Miséria?

    Enviado por on 09/12/2013 do blog Cafezinho
    A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) decidiu criar uma nova metodologia para classificar as classes sócio-econômicas no Brasil. Segundo o novo modelo, há bem mais pobres do que se pensava. As classes D e E, que correspondiam a apenas 18% no modelo antigo, irão representar 37% no novo modelo. . A classe C, por sua vez, corresponderá a 42% da população brasileira.
    Os dados são importantes para entendermos que ainda precisamos de sólidos programas sociais, e que o problema do saneamento urbano constitui uma das mais graves urgências da sociedade.
    arte09emp-101-pesquisa-b10
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    População pobre é maior do que se pensa
    Por Cynthia Malta | no Valor
    Empresas de pesquisa especializadas em detectar hábitos de consumidores vão mudar o modelo usado para classificar os domicílios que compõem suas bases de dados e ele mostra que a camada mais pobre da população é maior do que imaginavam. Formada pelas classes D e E, essa parcela equivale a 37,3% dos domicílios no país e não 18,2%, segundo a metodologia atual.
    Ao todo, 180 companhias reunidas na Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) deverão aposentar o atual Critério Brasil e passar a usar um modelo mais amplo, que considera, além de posse de bens, acesso a rede de água, esgoto e rua pavimentada. (…)
    132031518497_opt
      http://www.ocafezinho.com/2013/12/09/brasil-tem-mais-pobre-do-que-se-pensava

    A mulher e o homem são o ponto fraco da exploração do corpo

    Leonardo Boff*

    Somos seres complexos, vale dizer, sobre o que representa um sem-número de fatores, materiais, biológicos, energéticos e espirituais. Temos uma aparência com a qual nos fazemos convivemos uns com os outros e pertencemos ao universo dos corpos. Nosso interior é habitado por vigorosas energias positivas e negativas que formam a individualidade psíquica. Somos portadores da dimensão do profundo, assim rondam as questões mais significativas do sentido de nossa passagem por este mundo.
    Estas dimensões convivem e interagem permanentemente, uma influenciando a outra e moldam aquilo que chamamos o ser humano.
    Tudo em nós tem que ser cuidado, caso contrário perdemos o equilíbrio das forças que nos constroem e acabamos por perder a humanidade interior.
    Ao abordar o tema do cuidado do corpo, antes de mais nada, devemos opor-nos conscientemente as duas coisas importantes  que a cultura mantem: por um lado o “corpo”, sem o espírito e por outro o “espírito” sem o corpo. Pensando e vivendo assim, perdemos a unidade da vida humana em corpo e espírito.
    A propaganda comercial explora estes dois aspectos, apresentando o corpo não como a totalidade exterior do humano, mas sua parte separada entre corpo e espírito; enfim seus músculos, suas mãos, seus pés, seus olhos, o corpo físico separado do espírito, emocional.
    A principal vítima desta verdadeira retaliação são as mulheres, pois o machismo secular se refugiou no mundo da comunicação, da propaganda, do marketing,da imprensa, expondo  partes da mulher, seus seios, seus cabelos, sua boca, seu sexo  e outras partes, continuando a fazer da mulher um “objeto de consumo” de homens machistas. Devemos nos opor firmemente a esta deformação cultural.
    Importa tambem rejeitar o “culto do corpo” promovido pelo sem número de academias de ginástica e outras formas de trabalho sobre a dimensão física, como se a mulher-corpo ou o homem-corpo fossem uma máquina destituída de espírito, buscando performances musculares cada vez maiores.
    Com isso não queremos desmerecer os exercícios dos vários tipos de ginástica a serviço da saúde e de uma integração maior corpo-mente. Pensamos nas massagens que revigoram o corpo e fazem fluir as energias vitais, particularmente, as ginásticas orientais como o yoga que tanto favorece uma postura meditativa ou emocional da vida. Ou no incentivo à uma alimentação equilibrada e sadia, incluíndo também o jejum, seja como opção voluntária ou seja como forma de equilibrar as energias vitais.
    O vestuário ou a roupa que se usa merece consideração especial. Não possui apenas uma função utilitária ao nos proteger das intempéries da natureza ou do ambiente. Ele pertence ao cuidado do corpo, pois o vestuário ou a roupa representam uma linguagem, uma forma de revelar-se no teatro da vida. É importante cuidar  que a roupa seja expressão de um modo de ser e mostre o perfil estético da pessoa mesmo na moda. Especialmente significativo é na mulher, pois ela possui um relação mais íntima com o próprio  corpo e sua aparência.
    Nada mais ridículo a demonstração de anemia de espírito, que as belezas construídas à base de botox e de plásticas desnecessárias, enfim da estética artificial, forçada. Sobre este embelezamento artificial está montada toda uma indústria de cosméticos e práticas de emagrecimento em clínicas e SPAs, que dificilmente servem a uma dimensão mais integradora do corpo. Entretanto não há que se invalidar as massagens e os cosméticos importantes para pele e para o justo embelezamento das pessoas.
    Mas cabe reconher que há uma beleza própria de cada idade, um charme que nasce da existência feita de luta e trabalho, que deixaram marcas na expressão “corporal” do ser humano. Não há photoshop ou fotografia camuflada que substitua a beleza rude de um rosto de um trabalhador(a), talhado(a) pela dureza da vida e com traços faciais moldados(as) pelo sofrimento. A luta de tantas mulheres trabalhadoras, nas cidades,  no campo e nas fábricas  deixou em seus corpos um outro tipo de beleza, não raro,  com uma expressão de grande força e energia. Falam da vida real e não da artificial e construída. As fotos trabalhadas dos ícones da beleza convencional, são quase todos moldados, por tipos de beleza da moda e mal disfarçam a artificialidade da figura e a vaidade fria que aí se revela.
    Tais pessoas são vítimas de uma cultura ou um estilo de viver que não cultiva o cuidado próprio de cada fase da vida, com sua beleza e irradiação do espírito, mas também com as marcas de uma vida vivida que deixou estampada no rosto e no corpo as lutas, os sofrimentos, as superações. Tais marcas criam uma beleza singular e uma irradiação específica, ao invés de engessar as pessoas num tipo de perfil de um passado irrecuperável.
    Positivamente, cuidamos do corpo regressando à natureza  e à Terra das quais, há séculos, nos havíamos exilado ou afastado, imbuídos de uma atitude de sinergia e de comunhão com todas as coisas. Isso significa estabelecer uma relação, de amor, de biofilia e de sensibilidade para com os animais, as flores, as plantas, os climas, as paisagens e para com a Terra. Quando esta é mostrada a partir do espaço exterior, com essas belas imagens do globo terrestre, transmitidas pelos grandes telescópios ou pelas naves espaciais, irrompe em nós um sentido de reverência, de respeito e de amor à nossa Grande Mãe, de cujo útero todos viemos.
    Ela é pequena, no espaço cósmico já envelhecida, mas irradiante, irreverente, viva.
    Talvez o desafio maior para a mulher-corpo ou o homem-corpo consiste em ter um equilíbrio entre a auto-afirmação, sem cair na arrogância e no menosprezo dos outros e entre a integração no todo maior, da família, da comunidade, do grupo de trabalho e da sociedade, sem deixar-se massificar e cair no aceitar sem a mínima noção do que acontece. A busca deste equilíbrio não se resolve uma vez por todas, mas deve ser assumido no dia-a-dia,  pois, ele nos é cobrado a cada momento.
    Há que se encontrar o equilíbrio adequado entre as duas forças que nos podem destruir ou fazer viver.
    O cuidado em nossa aceitação no estar-no-mundo, envolve nossa dieta: o que comemos e o que bebemos. Fazer do que comemos um ato de nutrição, um rito de celebração e de comunhão com os outros que se alimentam e com os frutos  da generosidade da Terra. Saber escolher os produtos orgânicos ou os que tem menos química. Daí resulta uma vida saudável, que assume o princípio da precaução contra eventuais enfermidades, que podem se originar do ambiente danificado, degradado.
    Assim a mulher-corpo ou  o homem-corpo deixam transparecer sua harmonia interior e exterior, como membro da grande comunidade de vida.
    * Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é autor, também, de 'Proteger a Terra e cuidar da vida: Como escapar do fim do mundo' (Record, Rio de Janeiro, 2011).
    http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2013/12/09/cuidado-do-corpo-contra-o-culto-do-corpo/

    12.05.2013

    Os Óculos e Minhas Filhas

                por Luiz Carlos Azenha

    Nunca fui desprezado por uma garota do Leblon, como cantavam os Paralamas. Nunca namorei uma delas. Mas cheguei perto – ela era do bairro vizinho, São Conrado, e nunca se importou com meus óculos. Nem eu. Entrei agora numa fase que é comum a muitos de nós, os quatro-olhos. Tiro os óculos ao chegar em casa e, quando preciso deles de novo, lá vou eu apalpar os móveis em busca de minhas gafas.
    É assim que se fala óculos em espanhol. Glasses – vidros, em inglês. Quando perco o celular em casa, é só discar o número na linha fixa para encontrá-lo. Gostaria de poder fazer o mesmo com meus óculos. Por precaução, tenho dois pares além daquele que vive equilibrado entre meu nariz e minhas orelhas.
    Guardo também os óculos antigos, com lentes que um dia serviram a olhos mais jovens e aguçados. Através deles, vi coisas belas e trágicas. Muita gente já me perguntou qual foi a reportagem mais bonita que fiz. Sempre respondi de sopetão, puxando pelo primeiro caco da memória. Mas agora, que estou aqui sozinho, diante do computador – e sem óculos – páro para refletir e descubro: nunca transformei em reportagem as cenas mais belas que vi.
    Eu estava lá quando minhas duas filhas nasceram, ambas de parto natural. E me lembro bem das veias que irrigavam a placenta. Que surpreendente a beleza daquela embalagem de onde sairam Ana Luisa e Manuela, cada qual em seu tempo. A médica americana, do hospital novaiorquino, segurou com a pinça o cordão umbilical e eu mesmo, com meus óculos e um tesourão, cortei o troço e entreguei as meninas ao mundo.
    Mas eu estou aqui para falar de óculos, não de partos. Atribuo a eles o maior sucesso de minha carreira de repórter. Aos óculos, sim; não os meus, os de Alexander Yakovlev. Ele foi um poderoso líder da extinta União Soviética. Braço direito de Mikhail Gorbatchev. A dupla bolou e colocou em prática a abertura política e a reforma econômica que levaram ao fim do comunismo soviético, ainda que não era bem isso o que pretendiam. Foi nos tempos da Rede Manchete que tive a sorte de encontrá-los em Moscou, num dos pátios do Kremlin – ainda hoje a sede do poder russo.
    Aos berros – e resistindo aos safanões dos seguranças – nossa equipe arrancou a primeira entrevista improvisada de um líder soviético. Uma notícia tão inusitada que correu o mundo. Nada teria acontecido não fosse a ajuda de Yakovlev.
    Ex-embaixador no Canadá, fluente em inglês, ele serviu de tradutor improvisado para que Gorbatchev entendesse minhas perguntas – e eu, as respostas dele. Até hoje conservo a fita completa, que registra a rebeldia dos óculos de Yakovlev. No início da entrevista e no meio de uma multidão, os óculos do embaixador caíram no chão.
    Todos nos abaixamos, ao mesmo tempo, para apanhá-los, num movimento que quase me levou a bater cabeça com Mikhail Gorbatchev. E pensar que eu poderia ter nocauteado, com uma cabeçada involuntária, um dos dois homens então capazes de detonar o mundo numa guerra nuclear. Há dúvidas se o outro todo-poderoso da época, o presidente americano Ronald Reagan, tinha mesmo um cérebro – ou se só emprestava dos outros.
    Mas eu estou aqui para falar de óculos, não de cérebros. Os de Yakovlev, encontramos sãos e salvos, depois de alguns segundos de busca. Pelo bem da Humanidade não haviam sido pisoteados. Restaurada a ordem, pudemos enfim avançar na entrevista.
    Nunca imaginei que iria causar tal rebuliço: as redes americanas ABC e CNN nos procuraram para pedir cópias, a tv estatal russa exibiu a entrevista na íntegra e até a TV Globo pôs no ar um trecho, no Jornal Nacional, reconhecendo o êxito da emissora concorrente.
    Como deixei de acreditar em coincidências, atribuo hoje àquele incidente prosaico – ou seja, aos óculos de Yakovlev – o furo de reportagem. Foi ali, quando todos nos agachamos – Yakovlev, eu, Gorbatchev – que nos igualamos. Éramos simples mortais, tentando resgatar um objeto que sabíamos fundamental.
    Eu tinha perguntas a fazer, Gorbatchev tinha respostas a dar. O mais importante é que Yakovlev tinha resgatado os óculos, desconfio até que agradeceu esticando a conversa, em meu benefício.
    Sem aquela armação robusta, que sustentava as grossas lentes de Yakovlev, quem sabe nem estivessemos mais aqui, pulverizados pela miopia temporária de um dos homens que tinham o dedo no gatilho nuclear.
    Texto reproduzido pelo jornal Bom Dia Bauru no dia 27 de novembro de 2005
    http://www.viomundo.com.br/bau/oculos.html

    11.27.2013

    TV corrói o cérebro das crianças

    Por Kiko Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

    No século passado, antes de as crianças ficarem reféns de games, smartphones e iPads, havia outro inimigo dos pais: a televisão. Acreditava-se que ela fazia mal para a visão, para a educação, para o comportamento. Logo se passou a acreditar que era lenda urbana.

    Não era.

    Uma nova pesquisa da Universidade de Ohio constatou que meninos em idade pré-escolar que tinham uma TV no quarto, ou cujos pais deixavam o aparelho ligado de maneira inercial, tiveram um desempenho pior nos níveis mental e emocional. Sua compreensão dos sentimentos de outras pessoas era superficial - crenças, desejos, intenções etc.

    O estudo foi com 107 crianças na faixa entre 38 e 74 meses. A capacidade cognitiva estava prejudicada. A faculdade de “ler” os demais, dizem eles, um passo fundamental para a maturidade, estava comprometida.

    “Tanto a TV ligada sem ninguém assistir quanto sua simples presença no quarto têm um impacto negativo”, afirma o relatório. “A TV expõe as crianças a personagens e situações sem profundidade e que requerem um processo superficial de entendimento”.

    Isso acontece, entre outras razões, porque é uma mídia muito menos interativa do que, por exemplo, a Internet ou os videogames. É feita sob medida para o chamado couch potato.

    A boa notícia é que ela está morrendo. De acordo com um levantamento do Citi Research, tanto as emissoras abertas quanto fechadas tiveram, em 2013, seu pior ano na história nos EUA. Todos os principais canais a cabo perderam pelo menos 113 mil assinantes no terceiro quadrimestre deste ano — é o fenômeno dos cord-cutters. No Brasil, a tendência não é diferente (o Ibope bate recordes negativos há 13 anos).

    Sim, ainda é possível ver coisa boa por assinatura. Mas a situação se complica quando você tem a possibilidade de, com serviços de streaming na Internet, como o Netflix, assistir o que quiser, como quiser e na hora em que quiser.

    Ou seja, quando seu filho estiver ali, em seu mundo, com o laptop e o iPad abertos, trocando mensagens ao mesmo tempo, não se desespere. Ele podia estar vendo o Big Brother, tornando-se um pequeno robô anti-social e comentando sobre o próximo capítulo da novela das 9.
    http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/11/tv-corroi-o-cerebro-das-criancas.html

    11.23.2013

    Alimento é Saúde ou é Comércio?



    ‘Apenas 5% dos consumidores brasileiros podem ser considerados conscientes’.
    Entrevista com Moacir Darolt



    "Atualmente o cultivo de alimentos está dominado pela semente transgênica (no caso da soja e do milho). O princípio da precaução não foi observado no caso do Paraná e do Brasil. As consequências, saberemos no futuro próximo", afirma o pesquisador e agrônomo. 
    O cultivo de alimentos orgânicos, sem produtos químicos está muito prejudicado.



    No primeiro momento da chegada dos transgênicos no Brasil, ainda no final da década de 1990, o Paraná se mostrou um estado bastante resistente à entrada dessas sementes, especialmente com a atuação do então governador Roberto Requião. No entanto, com a liberação dos transgênicos no território brasileiro, em 2003, o estado logo se tornou um dos maiores produtores brasileiros em matéria da tecnologia. Para o pesquisador e agrônomo do Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR, Moacir Darolt, "a liberação levou em conta apenas a questão produtiva e econômica, passando por cima das questões de saúde e riscos ambientais”. E continua: "O princípio da precaução não foi observado no caso doParaná e do Brasil. As consequências, saberemos no futuro próximo”.
    Uma resposta a este movimento hegemônico são as produções alternativas, orgânicas e agroecológicas. Além disso, há também o movimento do consumo consciente, que busca valorizar produtos desenvolvidos em condições sociais e ambientais adequadas e sem risco à saúde humana. No entanto, ainda que o interesse sobre o tema venha crescendo, Darolt estima que "apenas 5% dos consumidores brasileiros podem ser considerados conscientes”. Há várias dificuldades envolvidas nesse tipo de produção, especialmente na forma como a cadeia produtiva sem rastreabilidade oferece pouca segurança para o consumidor. Ainda assim, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele ressalta: "É preciso acreditar que a capacidade do consumidor em mudar hábitos de consumo tem reflexos em outros segmentos da economia, construindo mercados locais mais fortes”. E conclui: "Nós somos o reflexo de nosso sistema de produção”.
    Moacir Roberto Darolt é graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, possui especialização no Institut de l'Elevage, na França, com um trabalho sobre engenharia de projetos e desenvolvimento rural, e doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural também na UFPR. Atualmente é agrônomo do Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR. Darolt é autor de vários livros que abordam a agricultura orgânica e a ecologia, muitos voltados para leigos ou para o público infantil. Destacam-se, entre outros, Alimentos Orgânicos: um guia para o consumidor consciente (Londrina: IAPAR, 2007) e Conexão Ecológica: novas relações entre agricultores e consumidores (Londrina: IAPAR, 2012).

    Confira a entrevista.
    IHU On-Line – Você acredita que a produção orgânica ou agroecológica é capaz de substituir a produção convencional?
    Moacir Darolt - Pelas projeções mundiais de crescimento da produção orgânica, que ainda é muito baixa (cerca de 2% das áreas cultivadas no mundo são orgânicas), tão logo não deve haver substituição, mas pode haver uma complementariedade e dar oportunidades de escolhas às pessoas para que tenham uma melhor qualidade alimentar. Não podemos ficar reféns do modelo industrial de agricultura, que padroniza sabores, diminui a diversidade biológica e destrói nossa cultura alimentar. Nosso desafio é saber de fato qual o papel dos produtores, dos consumidores e do estado (como regulador) nessa busca por um alimento de qualidade. Será preciso criatividade para manter as especificidades e diversidade dos produtos de cada região agrícola, evitando uma padronização e preservando os valores, a cultura e a tradição de cada local.

    IHU On-Line – O que é o consumo consciente? Que tipos de pessoas buscam esta alternativa?
    Moacir Darolt - Uma alimentação consciente tem relação direta com a forma de produção sustentável, com hábitos alimentares saudáveis e de consumo responsável. Busca mais do que uma alimentação isenta de aditivos químicos, procura observar técnicas de plantio sustentáveis, realçando o problema dos agrotóxicos, dos produtos transgênicos e dos problemas sociais. Observa com atenção os rótulos de produtos industrializados, preocupa-se com a forma de conservação dos alimentos, enfatiza a importância da hora das refeições e da diversidade na elaboração do prato. Em suma, a alimentação consciente preocupa-se com o alimento desde a sua produção até o momento de ser consumido.
    As pessoas que buscam essa alternativa, normalmente, são pessoas com bom nível de formação e informação, que fazem suas escolhas alimentares preocupadas com a saúde e com a qualidade de vida, assim como com aspectos ambientais e sociais. Todavia, apenas 5% dos consumidores brasileiros podem ser considerados conscientes. Essas pessoas se diferenciam da maior parte da população por transformar em prática valores com os quais se identificam, têm uma preocupação com a comunidade onde vivem e exercem o seu poder de escolha como consumidores cidadãos.
    IHU On-Line – Você acredita que o consumidor e mesmo o produtor paranaense são conscientes do tipo de alimento que consomem ou produzem?
    Moacir Darolt - A grande maioria não conhece a procedência do alimento que está levando à mesa. A maior parte dos consumidores e também produtores abastece a sua cozinha em um supermercado, com alimentos prontos e altamente processados, num distanciamento cada vez maior entre quem produz e quem consome. A maioria não sabe que quase todos os derivados de milho e soja consumidos no país já são transgênicos, por exemplo. A letra T em um triângulo amarelo (indicando presença de pelo menos 1% de ingredientes transgênicos) não tem sido eficiente para informar os consumidores. Mesmo em relação a outros alimentos consumidos cotidianamente como hortigranjeiros, a maioria dos produtos a granel não é identificada em relação ao local de origem. Numa cadeia longa, a identidade do alimento (quem produziu? como e onde foi cultivado?) se perde, de modo que a única informação comunicada entre consumidores e produtores é o preço.
    Em relação a quem produz, é mais fácil ser um produtor convencional do que ser um orgânico, por exemplo. Um produtor orgânico passa por um rígido processo de certificação e inspeção da propriedade, tudo é fiscalizado. Um produtor convencional não precisa declarar quantas pulverizações fez com agrotóxicos, se está causando erosão do solo ou se planta transgênicos, porque isso é o normal. Nós somos o reflexo de nosso sistema de produção.
    A educação para o consumo deveria começar na escola básica, e esse é um dos grandes desafios desse século e uma das premissas para tornar o consumidor protagonista e elemento articulador de mudanças. É preciso acreditar que a capacidade do consumidor em mudar hábitos de consumo tem reflexos em outros segmentos da economia, construindo mercados locais mais fortes.
    IHU On-Line – Pensando pelo lado da produção: todo produtor rural é capaz de produzir alimentos orgânicos ou de forma alternativa? Existe algum perfil para quem deseja escapar da produção de transgênicos?
    Moacir Darolt - Quem busca esse caminho, considero "produtores conscientes”. Normalmente, são produtores inovadores, que buscam conhecer os processos ecológicos envolvidos na sua produção e estão sempre se atualizando. Para quem deseja fazer a conversão de um sistema convencional para um orgânico, é necessário promover a mudança estrutural da propriedade considerando-se alguns aspectos:
    1) Informação e treinamento: dizem respeito ao aprendizado, por parte dos agricultores e dos funcionários, dos conceitos e técnicas de manejo que viabilizam a agricultura orgânica;
    2) Instruções normativas: as normas da agricultura orgânica precisam ser seguidas para que o produto final possa receber o selo orgânico de qualidade;
    3) Ajustes técnicos: pelo menos dois ajustes são fundamentais: o dos insetos, doenças e invasoras (que acontece num período mais curto); e a melhoria da fertilidade do sistema (que é um trabalho de prazo mais longo). O prazo máximo para a conversão é de quatro anos;
    4) Aspectos comerciais: sendo um mercado diferenciado, convém que os canais de comercialização sejam definidos anteriormente à produção. O ideal é optar pelos circuitos curtos (feiras, cestas em domicílio, vendas para governo, pequenos mercados) e formar uma clientela fiel.
    IHU On-Line – Que dificuldades um produtor que opta pela produção alternativa enfrenta tendo em vista financiamento, qualidade do solo, distribuição e outros elementos da cadeia produtiva?
    Moacir Darolt - No Brasil todo agricultor enfrenta dificuldades, sobretudo os pequenos produtores familiares. Em todo caso, seguem algumas sugestões para quem quer produzir organicamente e minimizar os problemas: visite outras experiências bem-sucedidas na sua região ou proximidades antes de começar a produzir e escolha uma cultura ou criação que tenha afinidade; saiba que a fase mais difícil é o período de conversão, que pode durar de um a quatro anos, por isso, tenha uma reserva financeira e faça um bom planejamento nesta fase inicial, quando os produtos ainda não podem ser vendidos como orgânicos; siga corretamente as normas de produção, processamento, envase e comercialização da produção orgânica; tenha um bom controle administrativo e planejamento técnico de sua produção; saiba que a transformação agrega valor ao produto e aprenda a comercializar parte de sua produção de forma direta; faça contato com associações ou grupos de produtores orgânicos da sua região, tentando fazer um trabalho de divulgação em conjunto para venda e promoção da produção; tenha pelo menos dois a três canais de comercialização, preferentemente de venda direta, fazendo uma boa investigação dos melhores canais antes de começar a produzir; dê preferência à certificação participativa ou à certificação por auditoria em grupos, que tem custo mais acessível.
    IHU On-Line – Existe espaço mercadológico para uma produção alternativa de produtos orgânicos? É possível escoar a produção, ou é uma opção mais indicada para a segurança alimentar?
    Moacir Darolt - O espaço para esse tipo de produção é crescente. A tendência é de valorização dos produtos ecologicamente corretos, tanto que tem despertado o interesse econômico de empresas do "negócio verde ou biobusiness”, que se organizam em todo o planeta. É notório o espaço para a produção ecológica também em escala. Do outro lado, cada vez mais agricultores familiares, comunidades rurais e pequenas cooperativas de produtores defendem uma agricultura tradicional e tipos de sistemas agroecológicos que privilegiem a produção com uma dimensão humana, respeitando a biodiversidade e a soberania alimentar. Esse embate entre a produção industrial e a artesanal ou tradicional é uma disputa política que impõe regras na qual os pequenos produtores tradicionais encontram dificuldades em responder às exigências legais em termos de estrutura sanitária e aspectos fiscais, por exemplo.
    É incoerente aplicar critérios semelhantes para a produção em larga escala e a produção artesanal, visto que as práticas tradicionais de produção de alimentos estão enraizadas socialmente e vinculadas a uma cultura e um modo de vida específico. Assim, a melhor alternativa para produtores familiares é optar por circuitos curtos de comercialização, mercados locais e de proximidade. Existem várias alternativas, como feiras do produtor, lojas especializadas, programas de governos, merenda escolar, restaurantes, vendas na propriedade, vendas em circuitos de turismo rural, entregas em domicílio, além de lojas virtuais pela internet

    IHU On-Line – Em 2013, completam-se dez anos da entrada das sementes transgênicas no Brasil. Neste primeiro momento o Paraná foi um Estado que resistiu bastante à entrada deste tipo de cultivo. Por que isso aconteceu?
    Moacir Darolt - O tema causou muita polêmica entre o final dos anos 1990 e início do novo século no Paraná e continua sendo alvo de discussões acaloradas, sobretudo por parte de entidades da sociedade civil organizada que rejeitam os transgênicos. Na época houve uma posição contrária do governador do Paraná, Roberto Requião, que através da Secretaria da Agricultura e Abastecimento montou um esquema de fiscalização para barrar a comercialização de sementes transgênicas no Estado, que vinham sendo contrabandeadas da Argentina desde o fim dos anos 90. Os plantios clandestinos (não autorizados) levaram à interdição das lavouras e dos produtos pelos órgãos de defesa vegetal a partir de 2001.
    As lavouras transgênicas no Sul do Brasil no período foram implantadas com material desconhecido, grãos não adaptados ao solo e ao clima brasileiro. A primeira medida do governo do Paraná para desestimular o uso do grão contrabandeado foi obrigar o comércio e a circulação de soja a vir acompanhados de certificado atestando a inexistência de sementes transgênicas. A medida foi importante, mas não conseguiu barrar a entrada dos transgênicos no Paraná a partir de 2003. Atualmente o estado está dominado pela semente (no caso da soja e do milho). O princípio da precaução não foi observado no caso do Paraná e do Brasil. As consequências, saberemos no futuro próximo.
    IHU On-Line – Hoje a briga contra os transgênicos arrefeceu e já há várias áreas no Estado onde se planta com o uso de sementes transgênicas. O que levou a esta mudança?
    Moacir Darolt - A liberação de uso pelo Supremo Tribunal Federal, em 2003, estimulou o plantio de sementes transgênicas no Paraná e no Brasil, a ponto de haver um domínio absoluto das sementes transgênicas, totalizando mais de 90% da área plantada com soja, com tendência similar para o milho. Apenas as áreas próximas a parques e reservas naturais, de agricultores orgânicos ou de produtores convencionais que comercializam produtos livres de transgênicos é que escapam dessa invasão. A liberação levou em conta apenas a questão produtiva e econômica, passando por cima das questões de saúde (houve liberação sem testes definitivos que provassem a segurança dos OGMs) e riscos ambientais; portanto, desconsiderando o que se entende por sustentabilidade, que busca um equilíbrio entre diferentes dimensões (produtiva, econômica, social e ambiental).
    As promessas de redução de custos de produção com transgênicos não se confirmaram e hoje quem paga é o produtor, que ficou refém das sementes transgênicas. Para quem deseja produzir livre de transgênicos, o problema é ainda maior, em função de possíveis contaminações desde a lavoura até a limpeza e o armazenamento. O risco é todo por conta do produtor que deseja "ser ecológico”, como os orgânicos! A facilidade de manejo de invasoras com o glifosato, grande trunfo inicial dos transgênicos, vem se perdendo (nesses últimos anos), com o surgimento de problemas com ervas e pragas mais resistentes. Resultado é o uso de mais agrotóxicos! A mudança foi muito boa para a indústria e grandes empresas, mas continua uma incógnita para os produtores e ruim para os consumidores, que são reféns de alimentos transgênicos à base de soja e milho.
    IHU On-Line – Ao mesmo tempo, o Paraná é um dos maiores produtores de orgânicos do país. Como convivem estes dois tipos de lavoura? A transgênica, com alto uso de agrotóxicos, e a agroecológica?
    Moacir Darolt - Diante do monopólio dos transgênicos, os produtores interessados em produzir no sistema orgânico e mesmo no convencional (livre de transgênicos) podem garantir um mercado interessante, sobretudo para a Europa e países onde os consumidores são mais conscientes. Normalmente, para produtos orgânicos, existe um prêmio médio na venda de 30% a mais em relação ao convencional para compensar os custos — que são maiores, sobretudo em função de maior gasto com mão de obra. A concorrência é desleal, com vantagens para quem usa produtos químicos. Acho que quem polui deveria, no mínimo, pagar por isso, como no caso do poluidor-pagador. Ao contrário, no caso dos orgânicos, poderiam receber um prêmio por serviços ambientais prestados.
    Com a supremacia dos transgênicos, quem perde são os consumidores, reféns de uma dieta alimentar baseada em milho, soja, trigo e arroz, mercado dominado por uma dezena de empresas no mundo. Em breve os consumidores poderão não encontrar nas prateleiras de supermercados opções (de milho e soja, por exemplo) sem transgênicos. Produtos à base de amido de milho, por exemplo, muito utilizado para mingau de criança, só serão encontrados na versão transgênica. Isso é um risco não calculado para a saúde dos consumidores.
    IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?
    Moacir Darolt - Aderir a uma cadeia alimentar curta talvez seja a melhor garantia da qualidade de um alimento limpo, saudável e justo. Não há dúvida de que isso irá exigir mais esforço de produtores e consumidores, mas está em jogo a nossa saúde e a preservação da nossa cultura alimentar.
    http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=78718

    11.21.2013

    Como A Elite Brasileira Consegue Enganar A População


    POR CLÓVIS GRUNER
    Alguns eventos precisam acontecer; outros, precisam não ter acontecido. Eleito pela primeira vez em 1994, FHC chegou ao governo como principal protagonista de um projeto de “20 anos de poder”, nas palavras do então ministro Sérgio Motta. A um ano da eleição de 1998, no entanto, um dilema: como manter-se duas décadas no poder sem um candidato forte para substituir o presidente? Os tucanos enfrentavam o mesmo problema do PT anos depois, porque cometeram exatamente o mesmo equívoco, apostar todas as suas fichas em um único carisma.
    A solução encontrada por “Sérjão”, uma espécie de José Dirceu do governo tucano, foi simples. Como a Constituição de 1988 não previa a reeleição, o governo FHC comprou parte do Congresso e aprovou a emenda da reeleição. Em bom português, ao mudar a Constituição em seu benefício, deu um golpe branco que custou aos cofres públicos milhares, talvez milhões de reais. Os detalhes, como em todo caso de corrupção, são sórdidos. Estima-se que foram comprados cerca de 150 parlamentares, pagos em dólares. “O pessoal votava a favor e na saída do plenário já tinha gente esperando para acertar o pagamento junto a doleiros. Não tinha erro”, confidenciou recentemente a um jornalista um dos deputados beneficiados com o “mercado da reeleição”. O resultado da farra? Nenhum. Com maioria no Parlamento, FHC conseguiu barrar a instalação de uma CPI. O procurador Geraldo Brindeiro – não por acaso chamado à época de “Engavetador Geral da República” – encarregou-se de enterrar a denúncia. Sérgio Motta morreu em 1998, poucos meses antes de ver seu chef-d'œuvre concluído, com a reeleição de FHC no final daquele ano, em primeiro turno.
     
    Do roteiro acima, a maioria se lembra apenas da reeleição, como se ela tivesse acontecido em clima de normalidade. O esquecimento, como a lembrança, não é natural. Desde 1997 e ao longo dos anos seguintes, houve um esforço conjunto, orquestrado pelas lideranças tucanas e seus aliados – fora os demos, basicamente os mesmos que hoje apoiam o PT, incluindo José Sarney –, além obviamente dos meios de comunicação, para condenar ao limbo este episódio. Não nego ao governo tucano seus méritos. Esse é um deles: FHC e seus asseclas construíram um “não evento”. Claro, as tentativas de produzir o olvido, por eficientes que sejam, só conseguem resultados provisórios. Há sempre um espírito de porco disposto a lembrar que uma mentira contada mil vezes não se torna uma verdade, mas apenas uma mentira contada mil vezes.
     
    EU VEJO PESSOAS CORRUPTAS – Tudo muito diferente de outra narrativa, protagonizada também por um governo envolvido em denúncias e práticas de corrupção. Desde o nome, “Mensalão”, quase toda a trama foi tecida de maneira a produzir um evento que precisava ter acontecido. Um dos pontos altos veio na semana passada, com as primeiras prisões dos condenados. Não me sinto particularmente comovido ao ver presos José Dirceu e José Genoíno: se todo aprisionamento é em si absurdo e violento, esse não deveria me deixar mais ou menos indignado. Por outro lado, não se trata de uma prisão qualquer, e que ela tenha ocorrido no simbólico 15 de novembro e sob os holofotes da chamada grande mídia, é apenas um dos elementos do espetáculo midiático.

    Não se trata de uma prisão comum porque Dirceu e Genoíno não são prisioneiros comuns: gostemos deles ou não, ambos são figuras emblemáticas na trajetória da esquerda brasileira e particularmente do PT. Não sei a extensão da responsabilidade de ambos e do PT no processo em que foram condenados – e, pessoalmente, penso que a verdade está em algum lugar intermediário entre o discurso de ódio da direita e a defesa exasperada dos governistas. Mas é notório que o STF e particularmente Joaquim Barbosa, serviram particularmente neste episódio a interesses que não necessariamente os da justiça.
     
    Fosse assim, junto com Dirceu e Genoíno ou mesmo antes deles, outros já teriam sido punidos. Fernando Henrique Cardoso usou dinheiro público para salvar da falência o banco onde seu filho era sócio-diretor. Paulo Maluf está na lista de procurados da Interpol. Eduardo Azeredo, do PSDB, deu início em Minas, e com o mesmo Marcos Valério, ao esquema que condenou Dirceu e Genoíno. Demóstenes Torres, ex-senador Democrata, e seu cúmplice Carlinhos Cachoeira, enriqueceram fazendo da política uma extensão do crime organizado. José Serra, Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab impediram que nos últimos anos quase meio milhão de reais entrassem nos cofres do estado de São Paulo. Estão todos livres e, suspeito, continuarão exatamente assim.
     
    QUEM CONTROLA O PRESENTETodo mundo tem o direito de aplaudir a prisão dos dois Zés do PT, mas daí a acreditar que se está a combater a corrupção vai uma distância: nunca se prendeu corruptos nesse país, e o reality show dirigido pelo Ministro Barbosa mantém a tradição. Ao prender Dirceu e Genoíno, não se pretendeu dar uma “lição aos corruptos”, como afirmou um dos ministros do STF, fazendo coro à capa de uma revista semanal. O alvo era outro, era o PT. Mas com que propósito?
     
    Tenho dúvidas se os fins são exatamente eleitorais. Em 2006, ano em que explodiu o escândalo, o máximo que a oposição conseguiu foi levar a eleição para o segundo turno, e amargou o vexame de ver Geraldo Alckmin ganhar menos votos do que no primeiro. No ano passado, e apesar do providencial ajuste na agenda do STF para fazer coincidir o julgamento com a campanha eleitoral, o PT conseguiu eleger Fernando Haddad, o que parecia ainda mais improvável que a eleição de Dilma Rousseff. E embora ainda seja muito cedo para prognósticos seguros, pesquisas indicam que ela mantém hoje larga vantagem sobre seus virtuais opositores.

    Na falta de um projeto para o país, a oposição pode continuar a apostar no discurso moralizante, embora ele já não convença muita gente. Particularmente, acho que o propósito é outro. Em uma passagem emblemática de “1984”, de George Orwell, o personagem O'Brien afirma, a um impotente Winston Smith, que “quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”. O que está em jogo não são apenas as eleições presidenciais, mas qual interpretação sobre os acontecimentos políticos passados e coevos prevalecerá. Na “novilingua” forjada pela oposição e por parte da mídia nativa, seus colunistas e blogueiros, a urgência não é moral a nenhum deles interessa combater a corrupção e os corruptos, nenhum deles está preocupado com a coisa pública –, mas narrativa. Fazer o acontecimento e produzir o não acontecido. E ao menos por enquanto, quem continua a escrever a história são os vencedores.