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4.27.2016

Estudo indica que há pouca transparência na gestão de recursos hídricos nos estados



  • Artigo 19 e GovAmb constataram que há pouca participação social e baixo interesse dos gestores públicos em divulgar dados da gestão da água nos estados brasileiros

por Rodrigo Gomes, da Rede Brasil Atual - Sociedade e Recurso Hídricos no Brasil
Eduardo Saraiva/A2IMG
São Paulo – Estudo produzido pela ONG Artigo 19 e o Grupo de Acompanhamento e Estudos em Governança Socioambiental (GovAmb), utilizando dados sobre gestão de recursos hídricos disponíveis à população nos 27 estados brasileiros, indica “inabilidade e incapacidade” dos agentes públicos em responder à necessidade de decisões de curto prazo – em casos de severa estiagem e falta de água, por exemplo, como ocorrido em São Paulo, nos dois últimos anos. “Essa observação é muito preocupante pois indica que instituições participativas estão sendo deixadas de lado, uma vez que prevalece a tomada de decisão centralizada em momentos de crise por falta de água”, diz o documento.
Segundo o estudo, a ausência de algumas informações nas páginas dos órgãos pode indicar a inexistência delas. Outra grande preocupação é a falta da participação da sociedade civil, com a predominância excessiva de decisões centralizadas. “É muito grave que entre 2013 e 2015, dois anos em que vivemos períodos intensos de estiagem e de crises hídricas sem precedentes, a maioria dos estados brasileiros tenha regredido no índice de transparência”, afirma Mariana Tamari, oficial do programa de Acesso à Informação da Artigo 19 e uma das responsáveis pelo estudo.
O estudo analisou os níveis de transparência com base no método Índice de Transparência no Manejo da Água (Intrag). Uma pontuação de 0 a 100 é atribuída a cada estado com base nas informações disponíveis em 2015 nas páginas eletrônicas dos órgãos gestores em seis temas: Informações sobre o Sistema Hídrico; Relações com o Público e as Partes Interessadas; Transparência nos Processos de Planejamento; Transparência na Gestão dos Recursos e Usos da Água; Transparência Econômico-Financeira; e Transparência em Contratos e Licitações.
De acordo com o documento, a transparência no acesso às informações relativas à gestão de recursos hídricos no Brasil está longe de poder ser considerada satisfatória. As informações referentes ao sistema hídrico (como níveis de reservatórios e rede de distribuição) foram as mais acessíveis. Porém, informações de planejamento e gestão, econômico-financeiras e as relativas a contratos e licitações são muito pouco acessíveis.
Pelo ranking, Minas Gerais, São Paulo e Goiás são os três estados mais transparentes no manejo de seus recursos hídricos. Já os estados do Maranhão, Amapá e Piauí são os menos. Nenhum estado, porém, apresentou níveis satisfatórios de transparência. Minas Gerais, o mais transparente, atingiu somente 65 pontos em uma escala de zero a 100 (Nível de Transparência Médio).
Os gestores de recursos hídricos dos 27 estados foram procurados pelas organizações para apresentar informações que não estavam disponíveis nos sites. Porém, após solicitação, somente Goiás, Ceará, Mato Grosso, Pará, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo revisaram os documentos e apresentaram alguma resposta, muitas vezes insuficiente.
Para Tamari, o estudo apontou também para um desinteresse pelo aprimoramento da transparência no país. “Todos os estados tiveram a oportunidade de corrigir problemas encontrados pelos pesquisadores e pesquisadoras e apenas sete dos 27 avaliados retornaram. Isso mostra que não é dada a devida prioridade à transparência, mesmo em meio à grave crise política que atravessamos”, concluiu.
água

http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/04/estudo-indica-que-ha-pouca-transparencia-na-gestao-de-recursos-hidricos-nos-estados-682.html

Golpe e resistência

  • Ironicamente, deve-se à direita a reaglutinação das forças de esquerda - o impedimento

por Roberto Amaral  - Sociedade e Disputa de Poder no Brasil (fonte no final do texto)
Levi Bianco/Brazil Photo Press/AFP
Manifestante
As emoções desses dias enunciam embates profundos
Na sua inexcedível capacidade de superar a fantasia, a política rasteira nos transportou, no domingo 17, para o imaginário de Macondo, promovendo o encontro do realismo fantástico com o espírito de Macunaíma, no que ele tem de moralmente grotesco e de lassidão. A sociedade, preocupada com os destinos de seu país, postou-se diante da tevê para saber como votavam seus representantes chamados a decidir o destino do mandato da presidenta da República.
Mas, no lugar de um espetáculo cívico, presenciou uma ópera-bufa. Por horas, assistiu incrédula e, certamente, constrangida ao desfilar tragicômico de personagens ridículos que se sucediam diante das câmeras. Assim, o Brasil conheceu a Câmara e seus deputados. Aplausos para as exceções.
Não se ouviu dos adeptos do “sim” um só conceito político ou jurídico, um só desenvolvimento de raciocínio adulto, lógico, mas, tão só, um desalentador desfilar de sandices e pieguices: referências domésticas, familiares, expressões de uma religiosidade primitiva... Absoluta ausência de senso e decoro. Ao fundo, a algaravia de mercado persa, incompatível com uma Casa de Leis. Mestre de cerimônia do espetáculo burlesco, reinou impávida essa figura abjeta representada pelo ainda presidente da Câmara, deputado-réu, materialização de Frank Underwood, que salta da série estadunidense e dos esgotos do Capitólio para conviver conosco.
O espetáculo grotesco oferecido pela Câmara Federal expõe à saciedade quão imperiosa é a reforma, profunda, do sistema eleitoral que a produziu. Mas como esperar que nossos parlamentares livrem a legislação das mazelas e vícios que garantem a reprodução de seus mandatos? Pois essa Câmara abriu o processo de impeachment (impedimento).
Uma Casa de maioria hegemonizada por um agrupamento de acusados, presidida por um parlamentar consabidamente desonesto, no comando de um processo de cassação de uma presidenta consabidamente honesta. E, se esse processo tiver curso no Senado, há risco de vermos uma presidenta legitimamente eleita por 54,5 milhões de votos ser substituída por um vice perjuro, sem um só voto.
Pobre política brasileira.
A crise da democracia representativa nacional está exposta à luz do sol e pode atingir o paroxismo, que certamente tomará as vestes de crise institucional, no iminente encontro da desmoralização parlamentar com o exercício da Presidência por um vice sem legitimidade.
Longe de promover o encontro da Nação com seu destino, de liderar a distensão política a caminho da união nacional, o hipotético governo será instrumento de desagregação, agravando a até há pouco escamoteada luta de classes, que será aprofundada, independentemente do que fizerem os movimentos sociais, em razão das características da crise e do remédio prometido pelo receituário neoliberal e exigido pelos financiadores da caríssima campanha pró-impeachment (pró-impedimento): menos investimentos, mais superávit primário e menos compensações sociais, flexibilização do trabalho e reforma da Previdência (contra os aposentados),  mais privatização, mais recessão, mais desemprego. E, cereja do bolo, a entrega do pré-sal às multinacionais do petróleo. Ao fim e ao cabo, mais crise social.
Aliás, deve-se à direita o desmanche das ilusões de conciliação de classe que por tanto tempo encantaram lideranças petistas, imobilizando-as diante da luta ideológica, a que renunciaram, como renunciaram seus governos às reformas que poderiam, sem ferir o sistema, alterar a estrutura do Estado e promover uma correlação de forças favorável às massas. Renunciaram a uma reforma tributária progressiva, renunciaram à reforma política (daí a Câmara de hoje, que será sucedida por outra ainda pior), à democratização dos meios de comunicação de massa, à reforma do Poder Judiciário, à reforma agrária, à reforma do ensino militar, para citar as mais ingentes.  
Um governo de origem popular, recém-saído de uma refrega eleitoral para cujo desfecho a esquerda foi decisiva, opta pelos entendimentos de cúpula que cevaram as forças que o trairiam na primeira oportunidade. Para agradar ao “mercado”, opta por um reajuste fiscal recessivo, afasta-se de suas bases e não conquista a classe dominante, para quem acenava. Essa continuou no comando do golpe, do qual o 17 de abril não é nem o ponto de partida nem o ponto de chegada.
O processo histórico é, porém, contumaz em pregar peças, e assim ficamos a dever à direita brasileira a reaglutinação das esquerdas e do movimento social, e a virtual unidade, na ação, do movimento sindical. Foi a ameaça da captura do Estado, sem voto, para alterar a agenda de prioridades, projeto da classe dominante brasileira, que reconciliou o governo com as massas, quando essas descobriram que o golpe era mesmo contra elas, isto é, contra os direitos dos trabalhadores, agora em 2016 como em 1954 e em 1964.
A iminência do golpe de Estado, operado a partir das entranhas do Estado, por setores do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Judiciário, mas articulado de fora pelas forças de sempre (o monopólio ideológico dos meios de comunicação liderados pelo sistema Globo), ensejou às esquerdas, como mecanismo de defesa que logo se transformou em instrumento de luta, a unidade na ação, de que resultou a Frente Brasil Popular, e, com ela, a unificação dos movimentos populares e as grandes mobilizações.
A consigna “Não vai ter golpe, vai ter luta”, que em outras palavras significa a retomada, pela esquerda, da questão democrática, e a decisão pelo enfrentamento, tanto funcionou como discurso aglutinador quanto orientou a ação. Nas ruas, as massas redescobriram sua força, e não pretendem refluir. O movimento social, assim, está na fronteira de um salto de qualidade que lhe permitirá caminhar da defesa da legalidade e da democracia para as eleições e a construção de um novo tipo de sociedade. Golpeadas pela farsa doimpeachment, as esquerdas se preparam para unir a luta parlamentar à luta nas ruas.
As emoções desses dias parecem enunciar embates de duração, intensidade e profundidade impossíveis de prever. 
*Ex-ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente do PSB, partido do qual se desfiliou
.http://www.cartacapital.com.br/revista/898/golpe-e-resistencia

'Ocidente' vive num 'mundo imaginário' (e a Rússia sugere regras para o mundo real)

A nova luta ideológica, de Sergey Karaganov

por Blog do Alok - Sociedade e Geopolítica Mundial (fonte no final do texto)


26/4/2016, Sergey Karaganov,* Izvestia (ru.), e Rússia Insider (trad. ru.-> ing., por Julia Rakhmetova e Rhod Mackenzie) -Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Durante uma década depois da autoextinção da URSS, foi como se o mundo estivesse livre da disputa pela dominação ideológica. Muitos especialistas concordavam que o mundo caminharia para sistema único de valores, baseado na democracia liberal ocidental e no capitalismo. Europa e EUA acenaram com a liberdade e com o sistema político vencedor que aquelas nações pareciam ter para oferecer ao mundo.

Os anos 2000s trouxeram outra realidade.

Naquela euforia, o 'ocidente' começara a impor à força as suas posições e valores políticos (Afeganistão, Iraque e Líbia). Mas perdeu a disputa. O apoio 'ocidental' à primavera árabe desestabilizou ainda mais o Oriente Médio, o que fez a democracia parecer cada dia menos atrativa.

Depois da crise financeira de 2008-2009, o modelo econômico do Consenso de Washington cedeu ante os chineses: uma maioria de países em ascensão decidiu não seguir as receitas de Washington.

Ao mesmo tempo, a Europa, e em menor grau também os EUA, abandonaram os valores que haviam 'oferecido' ao mundo, pelo menos os cristãos, e passaram a impor um multiculturalismo raso, uma nova tolerância zonza na abordagem das relações sociais e familiares, inaceitáveis para a maioria das culturas e povos não 'ocidentais'.

A abordagem das relações internacionais proposta por europeus sinceros e EUA calculistas, denunciaram soluções forçadas e esferas de influência baseadas exclusivamente na lei internacional. Começou quando a Alemanha, e depois a União Europeia, reconheceram ilegalmente a divisão de Bósnia e Croácia, separadas da Iugoslávia, o que levou à guerra civil a ao atroz bombardeio do país em 1999 e, com o tempo, também à agressão contra Iraque e Líbia.

Outro importante valor da Europa Ocidental moderna – a não violência e o pacifismo – vai-se tornando 'incômodo' no mundo novo e hoje imprevisível chamado 'ocidente'. Os europeus, que padeceram os horrores de duas guerras mundiais, tentaram impor aqueles valores ao mundo. Como seria fácil prever, as coisas saíram pela culatra e acabaram piores que nunca antes: a entrada massiva de cidadãos de outras culturas (que começou há décadas) forçou a Europa a adotar e adaptar políticas de direita, abandonando parcialmente importantes liberdades democráticas, supostamente para assegurar alguma ordem e segurança. Esse processo é extremamente doloroso e dispara reações ideológicas.

A alternativa trazida pela Rússia apareceu com ainda mais brilho, posta sobre o pano de fundo do 'ocidente'. A ameaça de um desafio russo contra a elite europeia explica-se em parte pelo fato de que, na busca de meios para se auto-restaurar, a Rússia oferecia ao mundo memes e valores mais viáveis e mais atraentes.

Em relações internacionais, esse tipo de soberania do estado, com identidade cultural e pluralismo, contradiz o meme 'ocidental' da universalidade como ideologia dominante.

A Rússia defende conceitos como honra e dignidade nacionais e coragem. Para muitos europeus são valores que parecem antiquados, inspirados pelas guerras que os europeus lançaram e perderam. De algum modo, a Rússia conseguiu sair vitoriosa naquelas guerras – a custo monstruoso – e também está pronta para defender pela força a própria soberania e valores de que a Europa também carece. 

No "mundo de Putin", é impensável que os homens não defendam as próprias mulheres e os próprios valores, como aconteceu em Colônia, Alemanha, quando das agressões causadas por migrantes. Os europeus têm medo desse novo mundo duro, feroz, que é hoje 'personificado' pela Rússia.

A segunda mensagem ideológica da Rússia ao mundo é que o consumo não é tudo nem resume tudo nem resolve tudo. Mais importantes são a dignidade individual e nacional e a busca de objetivos mais 'elevados', como o crescimento interno. A Rússia apoia todas as religiões e todas as aspirações religiosas, e está preparada para defender cristãos.

A terceira mensagem é a prontidão, na Rússia, para seguir princípios tradicionais de política externa, incluindo defender pela força seus interesses nacionais, especialmente se tiverem sólido fundamento moral.

Esse conjunto de mensagens e valores garante à Rússia considerável "soft power" [poder suave], apesar da menor riqueza relativa e da 'falta' de liberdade [liberal].

A luta é urgente. O 'ocidente' supôs que tivesse vencido, mas agora já se vê que está sendo derrotado, e a Rússia recolheu a vantagem de uma política não ocidental atraente para a maioria dos países, inclusive muitos do 'ocidente'. Mas não parece ter planos para exportar essa sua ideologia, como o 'ocidente' faz, para vingar qualquer eventual derrota passada.

A alternativa vem do passado, do "moderno" sistema de Westphalia, mas visa à maioria. O "pós-modernismo" europeu e 'ocidental', que pareceria mais humano e progressista, está perdendo espaço, provavelmente por ser absolutista, ou porque a maioria dos humanos não estão preparados para essas ideias.

Depois da reação forte da Rússia contra a expansão ocidental na Ucrânia, a chanceler alemã Merkel acusou Putin de viver num mundo imaginário. É. Melhor seria talvez se todos fôssemos cegos e vivêssemos – sempre de olhos bem abertos! –, numa mesma realidade humana falsamente pacifista e falsamente tolerante.*****




* O autor é decano do Departamento de Economia Mundial e Política Global da Escola Superior de Economia de Moscou e um dos mais influentes especialistas russos. Em 1992, Sergey Karaganov escreveu (apud "Sergey Karaganov, o homem por trás da combatividade de Putin", 30/3/2014, The Globe and Mail):

"Estamos numa situação de pré-guerra mundial, mas, por causa das armas atômicas, não chegaremos lá" – disse ele, antes de agradecer aos cientistas soviéticos que garantiram à Rússia o seu poder de contenção. – "Mas podemos ter situação militar, ou quase-militar".

Sanções, disse o prof. Karaganov, não empurrarão a Rússia na direção que os líderes 'ocidentais' gostariam de vê-la marchar.

"Sanções mostram que nossos colegas 'ocidentais' não compreendem coisa alguma. Eles pensam que Putin e seus homens lutam por dinheiro. Não. Eles só lutam por po
der e pela honra.
http://blogdoalok.blogspot.com.br/2016/04/a-nova-luta-ideologica-por-sergey.html