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8.03.2015

Congresso dá marcha a ré para alimentos transgênicos no Brasil

Ativistas denunciam omissão venenosa nos transgênicos

Em vez de proibir os transgênicos, o país caminha para banir dos rótulos de alimentos informações sobre a presença desses ingredientes com potencial ofensivo à saúde e ao ambiente
 
por Cida de Oliveira publicado - Sociedade e Alimentação e Saúde
Fernando Frazão / Abr
Protesto agrotoxicos
Segundo o Inca, o aumento do uso de agrotóxicos tem tudo a ver com a liberação de sementes transgênicas
Quando percebeu que as embalagens de amido de milho trazem um T preto dentro de um triângulo amarelo – símbolo dos transgênicos usados no Brasil –, a professora de tecelagem Célia Regina de Macedo, 63 anos, da capital paulista, não pensou duas vezes. Substituiu o produto por polvilho, derivado da mandioca, em muitas receitas, como de sequilhos. E segue experimentando novas opções. Tofu, um queijo à base de soja, assim como o fubá, só se for orgânico. “Não sei direito o que são esses transgênicos. Dizem que são plantas alteradas para resistir a pragas. Mas se foram modificadas, será que têm os nutrientes de que preciso? Minha certeza é que não quero consumir”, afirma a artesã, que há mais de 20 anos optou por alimentos livres de produtos químicos.
Marcia Minillo / RBACelia Regina
Célia Regina questiona se plantas alteradas para resistir a pragas tem nutrientes de que precisa
Como ela, muitos brasileiros desconfiam desses organismos geneticamente modificados (OGM) – nome técnico dos transgênicos –, que no caso das plantas prometem maior produtividade e resistência a pragas. E fogem deles sempre que podem. No entanto, seu direito de escolha, assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor, está ameaçado pelo Projeto de Lei 4.148/2008, do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS). Ex-prefeito de São Borja e produtor de arroz no estado, Heinze ficou mais famoso em 2013, durante audiência pública sobre a demarcação de terras indígenas, ao recomendar aos agricultores a contratação de milícias para se defender de índios. Ele também se referiu a índios, quilombolas e homossexuais como “tudo que não presta”.
O PL, que altera o artigo 40 da Lei de Biossegurança (11.105/2005), desobriga a indústria de alimentos a informar, na embalagem, a presença de componentes transgênicos quando for inferior a 1% na composição total do produto. Impopular, a proposta entrou e saiu da pauta várias vezes desde sua apresentação. Mas, como outras igualmente conservadoras, foi logo colocada na pauta pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Para surpresa de ativistas, foi aprovada em 28 de abril – até deputados com histórico de defesa do consumidor, como Celso Russomano (PRB-SP) e o ambientalista Ricardo Trípoli (PSDB-SP), se disseram surpreendidos pela votação-relâmpago, embora tenham apertado o “sim” para modificação da lei de biossegurança e para o direito dos fabricantes de excluir o T das embalagens.

Violação

Idec/ DivulgaçãoRenata Amaral
Para Renata Amaral, sem a informação na embalagem não há como se exercer o direito de escolha
“É uma violação do direito do consumidor porque é praticamente impossível quantificar traços de transgenia em produtos processados, como margarinas e papinhas de nenê”, afirma a pesquisadora do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) Renata Amaral. “E sem essa informação, não há como exercer o direito de escolha e vai se consumir transgênicos mesmo que não se queira.”
A legislação em vigor obriga a exibição do T em rótulos de produtos com OGM em quantidade proporcional a mais de 1% da composição total, além da menção da espécie doadora do gene na lista de ingredientes. Em vez de ser aprimorada, com alertas seja qual for a quantidade – afinal, faltam estudos sobre dosagens seguras à saúde –, a lei pode ser afrouxada e muitos fabricantes, inibidos por causa da rotulagem, serão encorajados a incluir os transgênicos em seus produtos. Por isso, o Idec elaborou uma carta, assinada por 70 organizações ambientalistas, de saúde, direitos humanos, agricultura orgânica e educação alertando para os impactos à saúde humana, animal e ambiental associados aos transgênicos.
O PL está na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, com relatoria de Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que já se manifestou contra o projeto. A rejeição é grande, como mostra o Portal e-Cidadania, do site do Senado, no qual a população pode opinar sobre as matérias que ali tramitam. Enquanto a reportagem era concluída, havia mais de 13 mil manifestações, das quais apenas 5% eram favoráveis.
Apesar do atropelo na Câmara, os ativistas estão esperançosos. Não há regime de urgência e os senadores, em número menor que o de deputados, poderão ser pressionados um a um – o que não dispensa a mobilização social. “Tudo pode acontecer, mas o fato é que a derrubada da rotulagem pela Câmara provocou uma repercussão muito negativa e mesmo muita gente que não acompanhava esse debate ficou indignada com a medida. Resta ver até que ponto os senadores guardam alguma preocupação com a opinião pública ou se seguem a pauta dos financiadores das campanhas, que parece ser o caso da maioria da Câmara”, diz o agrônomo Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA, associação não governamental sem fins lucrativos especializada em estudos e ações que atua para o fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia no Brasil.
Tanta desconfiança não é à toa. Cerca de 77% dos transgênicos cultivados atualmente têm como característica a resistência a herbicidas – venenos que matam o mato que cresce na lavoura. O agricultor, que antes precisava usar o agrotóxico com cuidado para não danificar a própria lavoura, acaba pulverizando o produto à vontade porque morrerão todas as plantas, menos as transgênicas. E cerca de outros 15% dos transgênicos reúnem os chamados cultivos Bt, nos quais foram inseridos genes de uma bactéria chamada Bacillus thuringiensis. Elas produzem toxinas que matam insetos – são plantas inseticidas. Assim, a lagarta do cartucho, nociva a lavouras de milho, morre quando se alimenta de qualquer parte dessa planta geneticamente modificada.
Em resumo, são plantas transformadas para resistir a banhos de veneno – que nelas permanece –, ou para matar pragas que se alimentam das lavouras. Quando isso não acontece, o veneno fica na planta. E a palha queimada contamina o solo. “Nesse processo, houve pragas que se tornaram resistentes, exigindo mais agrotóxico”, explica o engenheiro agrônomo e ex-integrante da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) Leonardo Melgarejo.

Distúrbios

Em abril, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, se posicionou publicamente contra as atuais práticas de uso de agrotóxicos no país por causar diversos tipos de câncer. A venda desses venenos para matar insetos ou plantas saltou de US$ 2 bilhões em 2001 para US$ 8,5 bilhões em 2011. Em 2009, o Brasil tornou-se maior consumidor mundial de agrotóxicos, com 1 milhão de toneladas, um consumo per capita de 5,2 quilos. O aumento, segundo o Inca, tem tudo a ver com a liberação de sementes transgênicas. De 2005 para cá, foram autorizadas 21 variedades de milho, cinco de soja, 12 de algodão e uma de feijão – ainda não cultivada. Uma das variedades de soja (RR) ocupa 21 milhões de hectares. A área total cultivada com sementes transgênicas está na faixa dos 45 milhões a 50 milhões de hectares.
Segundo Melgarejo, há outros transgênicos na pauta de liberações do órgão. E novas variedades de soja, milho e algodão estão sendo pesquisadas. Todas produzem toxinas contra lagartas e agregam genes tolerantes a herbicidas. E há estudos com cítricos, cana, sorgo, alface, moscas. “Duvido que entre eles haja características de interesse da população. O que há são facilidades para os produtores em troca de compra casada de tecnologias. A Monsanto quer vender os seus herbicidas, a Bayer os dela. E cada uma oferece sementes transgênicas que estimulam o uso desses venenos”, diz. “Já as moscas substituiriam inseticidas vendidos pelas empresas concorrentes; e a alface, só com ácido fólico, pretende substituir uma alimentação variada.”
O portfólio de sementes promete plantas resistentes a seca, salinidade e doenças, entre outras. Porém, são promessas feitas há 20 anos. “O que se vê até agora são plantas resistentes a herbicidas e que carregam seus próprios inseticidas. Tudo isso vem para a mesa. Os transgênicos reforçam a ideia do filme O Veneno está na Mesa, de Silvio Tendler”, afirma Melgarejo.
“Estudos relacionam os transgênicos a danos ao fígado e aos rins, a distúrbios hormonais e ao surgimento de tumores em animais que foram alimentados com milho transgênico. Há indícios de que seu consumo cause alergias alimentares, provavelmente pelas alterações nutricionais com a transferência de genes resistentes a antibióticos. “Fora a relação com a obesidade devido à possível desregulação do tecido gorduroso por proteínas inseticidas presentes no milho transgênico”, diz a professora Suzi Barletto Cavalli, do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e integrante da CTNBio.
Ela defende estudos também sobre a composição nutricional dos transgênicos para verificar se houve alterações na composição nutricional ou se a manipulação genética interferiu na maneira como o nutriente é absorvido e aproveitado pelo organismo, passando então a oferecer risco à saúde humana. “Por isso, é importante a avaliação de risco, com estudos toxicológicos de longo prazo sobre os efeitos do consumo desses alimentos à saúde.”
Para a professora, enquanto houver incertezas científicas em relação aos riscos dos transgênicos, deve ser adotado o Princípio da Precaução – a garantia contra os riscos potenciais. “É essencial sua identificação em rótulos de alimentos, principalmente considerando que a maioria dos produtos industrializados contém pelo menos um ingrediente derivado de milho ou soja. É importante que o rótulo da embalagem do alimento contenha, além do símbolo T, uma expressão para informar origem e composição transgênica do alimento”, explica. Tal expressão, segundo ela, deve trazer o nome do produto seguido do termo “transgênico”. Além disso, também deve conter o nome da espécie doadora de genes no local reservado para a identificação dos ingredientes.
A discussão sobre a rotulagem em si é outra face do atraso do país nesse campo. Lavouras transgênicas estão sendo limitadas na Alemanha e na França, enquanto Irlanda, Áustria, Hungria, Grécia, Bulgária e Luxemburgo as proíbem – tornando-se entrave para as exportações brasileiras por causa da associação com agrotóxicos vetados em muitos países – por aqui ainda se debate o direito a informações sobre essas culturas.
Arquivo PessoalVinicius Della Libera
O corpo sofre para digerir o alimento que foi alterado para resistir a um banho de veneno
Embora seja muito difícil comprar um alimento livre de transgênicos em sua formulação, a informação na embalagem é fundamental. “É crescente a população que busca hábitos mais saudáveis, naturais. Um mercado que não pode ser desprezado. Assim, esses produtos têm de estar disponíveis a todos”, diz o preparador corporal paulistano Vinicius Della Líbera, 31 anos, que também se dedica a escrever sobre longevidade em seu blog longevidade.voadora.com, no qual ensina, por exemplo, a fazer pão com fermento caseiro, produzido com as bactérias presentes na própria farinha. “Uma alimentação orgânica, que ajuda a limpar o organismo, é um dos caminhos para se viver mais. O corpo sofre para digerir aquele alimento alterado para resistir a um banho de veneno. Não pode haver esse descaso com o consumidor.”

Educação

A professora Marijane Vieira Lisboa, do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, destaca outro aspecto diluído na discussão: a incompreensão da maioria da população brasileira acerca das informações presentes nos rótulos e o próprio significado dos transgênicos por trás da letra T. Para ela, por se tratar de uma questão tão importante quanto complexa, os ministérios da Saúde, da Educação e da Justiça deveriam envolver as secretarias estaduais de Saúde, com suas agências de vigilância, na criação de um projeto educativo. “Os ativistas de organizações não-governamentais não têm condições de realizar esse trabalho. E os professores das escolas regulares não têm formação específica para isso”, afirma Marijane.
Na sua avaliação, a aprovação do PL na Câmara não deixa de ser “um tiro no pé” ao trazer à tona proposta tão escandalosa, ensejando o debate. Ela própria tem sido convidada para entrevistas, palestras e oficinas em diversas regiões do país­ para falar justamente sobre a rotulagem de alimentos com ingredientes transgênicos. “É preciso também um trabalho estruturado para enfrentar o assédio dos fabricantes de venenos e sementes geneticamente modificadas. Já descobrimos trabalhos de educação ambiental com kits distribuídos em escolas, patrocinados pela Monsanto, com o objetivo de mascarar os perigos. Depois de toda a discussão e suposta defesa da saúde e meio ambiente, o material dizia, lá no final, que os transgênicos são a melhor alternativa porque permitem a diminuição do uso de agrotóxicos, quando na verdade leva ao aumento de seu uso, em doses cada vez maiores, de suas versões cada vez mais fortes”, conta. “Além disso, a população tem de se manifestar.”
Breno Lobato / EmbrapaEmbrapaCaminho sem volta? : O próprio governo, por meio de sua agência de pesquisa agropecuária, investe no desenvolvimento de transgênicos
Tal retrocesso, porém, não combina com políticas brasileiras exitosas. É o caso do combate ao tabagismo, reconhecido internacionalmente, que inclui embalagens nada atrativas. “Assim, não se pode esperar a consumação dos perigos da dupla transgênicos e agrotóxicos à saúde de todos para só então tornar os rótulos mais informativos”, observa André Dallagnol, assessor da organização Terra de Direitos.
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/108/omissao-venenosa-169.html

Europeus procuram emprego no Chile e países da América Latina

Europeus buscam emprego na América Latina

por Deutsche Welle — Sociedade e Empregos
Em meio à crise econômica, muitos deixam a Europa em busca de oportunidades em países como o Chile. Atualmente mais migrantes vão do Velho Mundo para as américas do que o contrário, diz estudo
Cristian Quezada Valdés
Santiago-capital-chilenaVisão noturna da capital chilena e o Gran Torre Santiago, o prédio mais alto da América Latina
Natural de Sevilha, no sul da Espanha, Magdalena Martín Sevilla decidiu fazer do Chile a sua nova casa, depois de não ter conseguido encontrar emprego por meses. Em 2012, ela fez as malas e deixou a Espanha.
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"A situação econômica tem sido terrível desde 2008", diz. "É impossível encontrar trabalho na própria área. As pessoas simplesmente acabam realizando trabalhos mal pagos e que não querem fazer."
Antes da crise, a jovem de 20 poucos anos estudou com o objetivo de ajudar famílias de baixa renda. Depois de se formar, ela passou cinco meses à procura de trabalho na Espanha. Quando uma fundação no Chile lhe ofereceu um emprego, ela não pensou duas vezes. Sevilla se mudou para a capital chilena, Santiago, para combater a pobreza na América Latina.
A mudança para o Chile e a adaptação foram fáceis, já que o espanhol é sua língua materna, mas ela diz que ainda tem de lidar com as saudades da família e de amigos. Além disso, ela sente que as pessoas na Espanha sabem aproveitar a vida um pouco melhor.
Escapando da crise econômica
Jorge Salgado-Reyes também se mudou para o Chile em busca de trabalho. Ele deixou o Reino Unido em 2010, quando, segundo ele, tudo ficou mais difícil. "Nossa renda bruta de 100 mil libras [por volta de 525 mil reais] foi reduzida a migalhas de um mês para o outro", conta.
Quando se mudou para o Chile, Salgado-Reyes voltou a ter esperanças, já que na Europa não havia trabalho para ele. Aos 48 anos de idade, ele trabalha como investigador particular e dirige a própria empresa.
De acordo com ele, a competição era difícil no Reino Unido. "Há cerca de 10 mil agências de detetives no Reino Unido. Já no Chile, há apenas umas dez", afirma.
Chile atrai milhares de europeus
Mais europeus estão se mudando para a América Latina e o Caribe do que o contrário, segundo um recente estudo realizado pela Organização Internacional de Migração (IOM, na sigla em inglês). E não são apenas as potências econômicas do bloco latino, como Brasil e México, que estão atraindo migrantes.
O Chile está se tornando cada vez mais popular. Aproximadamente 70 mil europeus – principalmente alemães, franceses, belgas, romenos e búlgaros – vivem hoje no país, de acordo com Gastón Parra González, especialista chileno em política de imigração.
Alguns profissionais já têm uma oferta de trabalho quando embarcam em suas jornadas, enquanto outros simplesmente vão até o Chile para tentar a sorte.
"As empresas chilenas muitas vezes olham para uma área específica de especialização na Europa", diz Parra. "Romenos e búlgaros estão sendo contratados para trabalhar no norte do deserto do Atacama no setor de energia sustentável, instalando painéis solares."
O Chile, um país relativamente pequeno com pouco mais de 17 milhões de habitantes, possui uma economia em expansão, o que atrai não somente europeus, mas também outros migrantes provenientes da América Latina.
"E há mais e mais empresas se deslocando para o Chile, o que significa mais clientes para nós", comemora o detetive Salgado-Reyes.
"Não é um paraíso"
Sevilla diz que muitos de seus amigos espanhóis também conseguiram empregos bem remunerados no Chile. No entanto, ela adverte que o país não é um paraíso. Parra concorda: "As pessoas que se mudam para cá não percebem quão caro é o Chile. Se você quer viver bem em Santiago, é quase tão caro como em capitais europeias, como Londres ou Berlim".
"Muitos imigrantes estão ficando desiludidos e reclamam que não sabiam que teriam de pagar tanto por coisas que eles consideram um direito adquirido, como educação e saúde, algo comum na terra natal", acrescenta Parra.
Os milhares de europeus que vêm a cada ano para tentar a sorte muitas vezes acabam em empregos de baixa remuneração, trabalhando em bares ou como operário em construções. Além disso, Parra afirma que muitos não conseguiram compreender que viver e trabalhar num país é muito diferente do que visitá-lo como turista.
Embora Sevilla e Salgado-Reyes afirmem que estão muito felizes com suas vidas profissionais no Chile, eles não descartam a possibilidade de voltar à Espanha e ao Reino Unido, respectivamente, se a situação econômica melhorar em seus países de origem.
http://www.cartacapital.com.br/internacional/europeus-buscam-emprego-na-america-latina-2725.html

Os empregos estão mudando: como serão no futuro próximo no Brasil

  É o fim do trabalho com conhecemos hoje?

por Thomaz Wood Jr. — Sociedade e Empregos
Tendências econômicas e tecnológicas sugerem o declínio crescente dos empregos estáveis, de tempo integral
Valdecir Galor/SMCS
DesempregoA presente recessão brasileira nos levam a relembrar o drama do desemprego
O trabalho é ideia milenar nem sempre muito apreciada. A Grécia antiga não o tinha em grande conta e o considerava um inimigo da virtude, a cercear os homens de suas mais nobres aptidões, as quais deveriam ser desenvolvidas na filosofia e na política. As sociedades industrializadas modernas, contrariamente aos gregos, celebram o trabalho como valor central, algo capaz de gerar riqueza e bem-estar, beneficiando o indivíduo e a sociedade.
Algumas tendências em curso sinalizam, entretanto, o declínio dos empregos estáveis, de tempo integral. Esse é o tema da matéria de capa da revista The Atlantic de julho/agosto de 2015, assinada por Derek Thompson. A matéria é ilustrada com imagens que simulam um museu do futuro. Na página 50, traz um executivo com pasta e celular (legenda: “Trabalhador de tempo integral, circa 2016”). Na página 52, mostra um operário com capacete e planilha de controle (legenda: “Homem de fábrica do início do século XXI, extinto”). A pergunta subjacente ao texto é crua: e se o trabalho desaparecer?
A crise econômica do fim dos anos 2000 e a presente recessão brasileira nos levam a relembrar o drama do desemprego. Quando cortam quadros ou encerram atividades, as empresas projetam uma sombra sobre as comunidades. A arrecadação diminui, o consumo cai, os serviços básicos são afetados, a coesão cultural é enfraquecida e multiplicam-se patologias sociais e os dramas pessoais. 
Os últimos séculos foram marcados por reinvenções sucessivas do trabalho, da agricultura para a indústria e desta para os serviços. As transições foram traumáticas, mas cada estado final representou uma evolução em relação ao seu ponto de partida, com mais empregos e mais riqueza. As tendências atuais apontam, entretanto, para a criação de uma massa paralela de destituídos, sem emprego ou competências para subsistir em um mundo intensivo em tecnologia.
Thompson identifica três grandes tendências. A primeira delas é a superação do trabalho pelo capital. Desde os anos 1980, as empresas investiram em reestruturações e em automação industrial, na busca de formas eficientes para organizar o trabalho e automatizar seus processos. O resultado foi o enxugamento dos quadros e uma perda progressiva do poder de barganha do trabalho diante do capital. A segunda tendência é o desaparecimento progressivo do trabalhador. Estatísticas norte-americanas indicam um aumento inexorável do porcentual de homens que não estão trabalhando ou procurando por trabalho. A terceira tendência relaciona-se ao avanço das tecnologias de informação e comunicação. Os impactos de mudanças tecnológicas podem demorar anos para se manifestar, mas quando ocorrem são contundentes. Vendedores, caixas, atendentes e funcionários de escritórios são os primeiros na linha de fogo.
O trabalho preenche três funções sociais: é uma forma pela qual a economia produz bens, um meio de as pessoas garantirem seu sustento e uma atividade que provê sentido e propósito à vida das pessoas. O que ocorrerá se as tendências acima mencionadas se aprofundarem? A primeira função social parece cada vez menos dependente de trabalhadores. A economia poderá continuar produzindo bens, com menor número de empregos. Mas sem salários, quem irá consumi-los? A terceira função social poderá ser substituída, uma vez que há outras atividades passíveis de prover sentido e propósito para os indivíduos. Mas o que ocorrerá com a segunda função social? Como continuar a garantir o sustento sem uma oferta condizente de empregos.
Muitas pessoas detestam sua profissão, seu emprego ou ambos. Porém, perder o ganha-pão pode ser trágico. Nos países desenvolvidos, a infraestrutura madura e as redes de proteção social, aliadas a certa criatividade individual e doses crescentes de empreendedorismo, poderão tornar a vida na informalidade laboral passável, até recompensadora. Nos países em desenvolvimento, a transição poderá ser mais dura e trágica.
Entretanto, o pessimismo necessário deve ser temperado com doses homeopáticas de otimismo. Trabalhos estáveis e de tempo integral talvez sejam vistos no futuro como peculiaridade de uma época. Os nostálgicos talvez lamentem seu desaparecimento. Outros talvez celebrem seu declínio, como uma porta aberta para o cultivo das virtudes, como desejavam os antigos gregos.
http://www.cartacapital.com.br/revista/860/o-fim-do-trabalho-5512.html

Programa MAIS MÉDICOS: Governo melhorara atendimento de saúde a população no Brasil

“Tivemos uma ampliação do acesso à saúde com o Mais Médicos”

por Rodrigo Martins — Sociedade e Saúde
Entrevista - Arthur Chioro
 
 À CartaCapital, o ministro da Saúde faz um balanço do programa e explica porque o governo pretende expandir as escolas de medicina
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Arthur-Chioro-Mais-Medicos.jpg"O plano é chegar a 600 mil médicos em 2026", afirma o ministro Arthur Chioro
Com dois anos de existência e 18,2 mil profissionais inscritos, o programa Mais Médicos alcança 4.058 cidades e 34 distritos indígenas, com impacto sobre 63 milhões de brasileiros, informa o Ministério da Saúde. Não há mais cidades sem ao menos um médico para atender a população. Há dois anos, havia 700. Mas o provimento emergencial está longe de ser uma solução definitiva. Para reduzir a dependência dos estrangeiros, que hoje representam 70% da força de trabalho no programa, o governo decidiu criar 11.447 novas vagas em cursos de medicina até 2017, das quais 5,3 mil já foram autorizadas, a maior parte delas em instituições privadas.
A proposta é controversa. As entidades da área de saúde acusam o governo de promover uma expansão indiscriminada das faculdades, em locais com infraestrutura inadequada, colocando em risco a qualidade da formação médica. Em reação, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Escolas Médicas decidiram criar um modelo próprio de avaliação dos cursos da área, independente daquele que já é adotado pelo governo. E o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) promete ingressar na Justiça contra a abertura dos novos cursos.
Na entrevista a seguir, o ministro Arthur Chioro faz um balanço do programa e rebate parte das críticas formuladas pelas entidades médicas. Ele ressalta que o Brasil tem 1,8 médico por mil habitantes, índice bem inferior ao de nações desenvolvidas, a exemplo do Reino Unido (2,7) e da França (3,5), e até mesmo de vizinhos sul-americanos, como Uruguai (3,7) e Argentina (3,2), segundo a Organização Mundial da Saúde. Com a ampliação das vagas em cursos de medicina, seria possível alcançar, em 2026, o atual patamar do Reino Unido, que possui o segundo maior sistema de saúde público de caráter universal, atrás apenas do Brasil. “No primeiro edital, 254 cidades se inscreveram e 153 apresentaram proposta. Mas apenas 39 foram selecionadas, exatamente por cumprir os requisitos de qualidade.”
CartaCapital: O programa Mais Médicos acaba de completar dois anos. Já é possível mensurar seu impacto na saúde pública?
Arthur Chioro: Claro. Em primeiro lugar, tivemos uma brutal ampliação do acesso à saúde, em particular da população que mais precisa do SUS, a parcela mais pobre, mais afetada pela desigualdade social. Pela primeira vez em 515 anos de história oficial do Brasil, temos todos os distritos sanitários indígenas com equipes de saúde completas. Não é pouca coisa, estamos falando de mais de 700 mil brasileiros que vivem em aldeias. Chegamos às comunidades quilombolas, aos assentamentos rurais. E também às periferias das grandes cidades. O programa cobre atualmente 4.058 municípios, com impacto sobre 63 milhões de cidadãos. Hoje, não há mais nenhuma cidade sem ao menos um médico para atender a população local. Antes, havia 700. A ampliação de oferta é gigantesca.
CC: Essa ampliação já teve algum impacto nos indicadores de saúde?
AC: Como a atenção básica resolve cerca de 80% dos problemas que levam alguém a procurar um serviço de saúde, já observamos uma diminuição na procura por serviços de urgência e emergência e por hospitais de alta complexidade. Em muitos casos, as pessoas recorriam a esse tipo de serviço, voltado para casos mais graves, porque eram os únicos locais abertos. Por outro lado, em muitas regiões do País, cresceu a demanda por serviços especializados. Os pacientes precisavam de um especialista, mas nem sequer tinham passado pelo atendimento básico para ter o encaminhamento necessário. Hoje, temos 18,2 mil profissionais inscritos no Mais Médicos, o que fez o número de consultas aumentar em 33%. Desde a criação do SUS, há 27 anos, falamos da necessidade de priorizar a atenção básica. Só agora colocamos isso em prática.
CC: Por que é importante dar prioridade à atenção básica?
AC: É mais racional e efetivo. Se começarmos o tratamento do diabetes no estágio inicial, por exemplo, podemos evitar complicações e preservar o bom funcionamento dos rins. O Brasil era o país com maior número de pacientes que recorriam precocemente a transplantes renais ou hemodiálise. O mesmo vale para a hipertensão. Sem o devido controle, o paciente já chega ao pronto-socorro com infarto ou AVC. Já percebemos uma diminuição das internações por causas sensíveis à atenção básica. Em poucos meses ou anos, teremos indicadores mais sólidos.
CC: Quando o programa foi lançado, houve muitas críticas à contratação de médicos estrangeiros, devido às barreiras do idioma e à dispensa de revalidação do diploma. Que avaliação o senhor faz do trabalho deles?
AC: É um trabalho excepcional, e quem nos diz isso é a população. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) fez uma pesquisa recentemente, com 14 mil usuários de mais de 600 municípios. Resultado: 85% deles dizem que o atendimento está melhor ou muito melhor. Mais de 90% disseram não ter nenhuma dificuldade ou ter uma dificuldade mínima para entender as orientações dos médicos. Não havia razão para temer, até porque os estrangeiros passaram por prova de proficiência em língua portuguesa. À época, eu era secretário de saúde de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e conversei com muitos pacientes. Lembro da fala de uma senhora: “No começo a gente demorou um pouquinho para se entender, mas está tudo resolvido. Esse médico olha nos meus olhos, escuta o que eu digo. Cuida de mim como nunca fui cuidada”. Percebe? O brasileiro quer um médico que cuide dele, que o respeite, que lhe dê atenção. Se ele é brasileiro, cubano, espanhol, americano ou russo, como há casos no programa, isso não importa.
Mais MédicosPara 85% dos usuários do Mais Médicos, o atendimento melhorou. Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil
CC: De acordo com as entidades médicas, a falta de estrutura é o que afugenta os brasileiros dos municípios do interior ou das periferias.AC: Não é verdade, a atenção básica demanda uma estrutura mais simples. Não estamos falando de atendimento hospitalar ou de serviço ambulatorial especializado. Em uma unidade básica de saúde, o primordial é o cuidado clínico. O médico precisa de pouco, de uma caneta, de um prontuário, de um estetoscópio, de um aparelho para examinar o fundo de olho... Tanto que muitos profissionais executam o trabalho no domicílio dos pacientes. Isso seria inconcebível para um especialista. Não dá para um oftalmologista levar todo o seu maquinário na casa do paciente. De toda forma, estamos investindo mais de 5 bilhões de reais na construção, reforma e ampliação de 26 mil Unidades Básicas de Saúde. Desse total, 10 mil já foram entregues. As condições de trabalho são adequadas, tanto que as novas vagas do programa têm sido preenchidas 100% por brasileiros. Estamos vencendo as resistências. Aliás, a UFMG entrevistou os médicos brasileiros que integram o programa, e 91% deles recomendaram a colegas que viessem participar do Mais Médicos.
CC: Questiona-se, inclusive, se realmente há escassez de médicos no Brasil. Ou mesmo a necessidade de se ampliar as vagas em cursos de medicina.
AC: O problema é que houve um processo de radicalização muito forte. Uma parte das entidades médicas, por interesse corporativo, e outros, por uma disputa político-ideológica, continuam dizendo que não precisa de mais médicos no Brasil. Veja o caso de São Paulo. O estado possui 17 regiões administrativas, e apenas cinco estão acima da média do Brasil, de 1,8 médico por mil habitantes. No Vale do Ribeira, há menos de 1 médico por mil habitantes, mesmo padrão de cinco estados do Norte do País, que estão em situação bastante crítica. Tem super concentração? Em alguns lugares, sim.  Mas o problema não é falta de uma carreira...
CC: Não? As entidades médicas dizem exatamente o oposto. O profissional brasileiro se sente desestimulado para atuar num município muito afastado se não tiver assegurada a possibilidade de se especializar, avançar na carreira, depois mudar para uma cidade maior.
AC: Não sou contra a ideia, acho interessante. Mas por que as carreiras dos juízes, promotores e delegados funcionam? O número de candidatos é muito superior ao de vagas disponíveis. Nossa situação é distinta: temos 384 mil médicos no total, 1,8 para cada mil habitantes, índice bem inferior ao de nações desenvolvidas e de alguns vizinhos da América Latina. Além disso, a formação médica nunca privilegiou a atenção básica. Os profissionais são formados para serem especialistas. Não dá para tentar resolver essa distorção apenas com o provimento emergencial de médicos, com o reforço de profissionais estrangeiros. O plano é chegar a 600 mil médicos em 2026, até porque não dá para formar médicos da noite para o dia. São seis anos de formação mais a residência.
CC: Como está sendo planejada essa expansão das faculdades?
AC: Você sabe como funcionava antes? Era a instituição de ensino que tomava a iniciativa de abrir o curso e definia onde iria atuar. Se preenchesse todos os requisitos legais, recebia a autorização. Como funciona agora, a partir do Mais Médicos? Nós criamos critérios. Fizemos um levantamento em todas as 436 regiões de saúde para identificar os locais que mais precisavam. Demos prioridade a cidades com mais de 70 mil habitantes e que têm um número de médicos inferior ao que pretendemos chegar em 2026, isto é 2,7 profissionais por mil habitantes. Se esse município já tem uma faculdade, não autorizamos uma nova.  
CC: As entidades médicas dizem que os municípios selecionados não tem estrutura adequada para abrigar escolas de medicina.
AC: Também não é verdade. Verificamos todos esses locais, para saber se eles possuíam rede hospitalar suficiente, com ao menos cinco leitos do SUS para cada nova vaga de graduação, se havia uma equipe de saúde da família para cada três estudantes, se o município tinha um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), para cuidar da saúde mental, se tinha serviços de urgência e emergência, SAMU... No primeiro edital, 254 cidades se inscreveram e 153 apresentaram proposta. Mas apenas 39 foram selecionadas, exatamente por cumprir os requisitos de qualidade.
CC: Por que abrir esses cursos em cidades menores, do interior?
AC: É uma medida para combater as iniquidades no acesso à saúde. No primeiro edital, percebemos que não houve uma expansão adequada de vagas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Por isso, lançamos outro, e já foram selecionadas mais 22 cidades para abrigar escolas de medicina. Não flexibilizamos nenhuma regra. As instituições de ensino precisam ter uma boa nota no Enade, condições econômico-financeiras adequadas, um projeto pedagógico coerente com as diretrizes nacionais curriculares… Elas nos apresentam um programa de qualificação do corpo docente, assumem o compromisso de abrir vagas de residência médica em parceria com os municípios e com os estados. Temos a garantia de que 100% dos alunos, quando terminarem a graduação, terão acesso a uma vaga de residência na própria região. Até porque um dos principais fatores de fixação dos médicos é o local onde fazem a residência. Se o profissional se forma no interior do Ceará, mas vai a São Paulo para fazer residência, acaba ficando na capital paulista.
http://www.cartacapital.com.br/blogs/cartas-da-esplanada/201ctivemos-uma-brutal-ampliacao-do-acesso-a-saude-com-o-mais-medicos201d-6853.html