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5.03.2017

Como desmontar o círculo vicioso dos agrotóxicos

No Congresso, proposta da bancada ruralista tenta diminuir restrições para o uso dos defensivos agrícola
por Carla Bueno, Mariana Tarricone Garcia e Marina Cobra Lacorte* para Carta Capital - Sociedade e Alimentação  Saudável

Protesto contra o uso de agrotóxicosFernando Frazão/Agência Brasil
Proposta quer retirar a avaliação dos impactos na saúde e no meio ambiente no processo de aprovação do uso de substâncias químicas. Na foto, protesto contra o uso de agrotóxicos
Por trás de cada prato de comida existe uma complexa cadeia produtiva que vai desde as pesquisas científicas até a regulação do uso de substâncias químicas na produção agrícola. Tal cadeia envolve a indústria de sementes, de fertilizantes e dos defensivos agrícolas, mais conhecidos no Brasil como agrotóxicos. 
Esse modelo de produção impôs à nossa agricultura o círculo vicioso do veneno. Nele, o solo, a sazonalidade, o clima e as características geográficas deixam de ser tratados como algo vivo e dinâmico e a agricultura passa a sofrer constantemente intervenções por substâncias químicas. 
Os efeitos colaterais, no meio ambiente e na saúde da população, do uso excessivo de agrotóxicos demonstram a necessidade de romper com esse ciclo.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) recomenda a redução progressiva do uso de agrotóxicos e ressalta seus riscos à saúde, em especial nas causas do câncer,  além de apontar outros efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos, como malformações fetais, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico, infertilidade, entre outros.
Os agrotóxicos não estão apenas nas frutas e hortaliças, mas também no arroz, no feijão e nos produtos processados.
Apesar dos evidentes riscos à saúde, o consumidor sabe muito pouco sobre o que está consumindo e a indústria insiste que existe “nível seguro” para o consumo dessas substâncias.
Relatório da Anvisa com indicadores da quantidade de resíduos de agrotóxicos consumidos pela população deixa a sensação de desamparo e risco permanente.

Atualmente, a utilização de agrotóxicos é regulamentada por meio de um arcabouço legal que prevê o controle, registro e fiscalização dessas substâncias, envolvendo órgãos como a Anvisa, o Ibama e o Ministério da Agricultura e Pecuária, com vistas a proteger o meio ambiente e a saúde dos consumidores.
Protocolos internacionais sinalizam a tendência de aumentar as restrições para os agrotóxicos.
Na contramão deste debate, ruralistas defendem o "Pacote do Veneno", conjunto de 18 projetos de lei apensados ao PL 6299/2002. O projeto está em tramitação em comissão especial na Câmara dos Deputados e, caso aprovado, revogará a atual Lei dos Agrotóxicos.
Essa proposta intensifica a lógica do círculo vicioso do veneno, com a flexibilização dos pré-requisitos para o registro de novas substâncias, retirando a avaliação dos impactos na saúde e no meio ambiente como determinantes para a aprovação.
Em paralelo, recentemente foi noticiada a elaboração de uma medida provisória que altera a Lei dos Agrotóxicos e prevê o aumento do uso de venenos que oferecem graves riscos à saúde dos brasileiros, representando mais uma manobra dos ruralistas para contornar os limites que a lei impõe.
Em oposição à essas manobra dos ruralistas está a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), proposta pela sociedade civil por meio do projeto de lei 6670/2016. O projeto prevê a transição progressiva do atual modelo de produção para sistemas baseados na agroecologia.
Agricultores gaúchos assentados, inclusive, já são os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina, o que demonstra que é possível fazer essa transição. A Política Nacional de Redução de Agrotóxicos abre as portas para estimular o desenvolvimento da ciência, tecnologia e políticas públicas voltadas para atender a demanda por uma produção saudável e sustentável de alimentos.
Ambos os projetos tramitarão no Congresso Nacional ao longo deste ano. Com o objetivo de criar um espaço para a manifestação contrária ao desmonte em curso foi lançada a campanha #ChegaDeAgrotóxicos.
A plataforma, que já conta com quase 50 mil assinaturas, atesta o apelo do tema na sociedade.
É necessário romper o círculo vicioso do veneno e concretizar a vontade da sociedade: alimentos saudáveis e seguros e produção sustentável e justa para quem consome e planta.

*Carla Buen é engenheira agrônoma, integrante da coordenação da Campanha Permanente Contra os Contra os Agrotóxicos e Pela Vida; Mariana Tarricone Garcia, é nutricionista e pesquisadora em Alimentos do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor); Marina Cobra Lacorte, é engenheira agrônoma e membro da campanha de agricultura e alimentação no Greenpeace.
https://www.cartacapital.com.br/politica/o-circulo-vicioso-dos-agrotoxicos

A populacao brasileira quer uma esquerda sem magia

É alentador encontrarmos jornalistas de esquerda analisando o lodaçal brasileiro sem as ilusões maniqueístas que pouco esclarecem ou criam mais confusão 
por Celso Lungaretti do Correio do Brasil - Sociedade e Elite Brasileira Sem Rumo
Começa a não funcionar a manipulação da mídia da esquerda
O Brasil está no fundo do poço, tendo os partidos e figurões da política convencional se desqualificado, tanto quanto os próprios (podres) Poderes da República, para contribuírem na construção de um futuro melhor. Deles doravante só podemos esperar o pior.
Vale a ressalva de que a ciranda infernal de recessão econômica e mar de lama político ainda pode ser, digamos, atenuada
Mesmo combalido como está, o capitalismo globalizado continua tendo poder de fogo suficiente para aliviar, um pouco e por pouco tempo, a penúria dos brasileiros, em momentos estratégicos. Já fez isto nos anos do chamado milagre brasileiro, evitando que a guerrilha tivesse terreno fértil para crescer e se multiplicar. O meu palpite é de que não estaremos com os bolsos tão vazios e a corda tão apertada no pescoço quando formos às urnas em outubro de 2018…
E, de tanto procurarem, os políticos ameaçados — ou seja, quase todos! — acabarão encontrando um jeito de enquadrarem a Operação Lava-Jato, evitando o surgimento de novas denúncias bombásticas, enquanto os já réus continuarão se beneficiando da exasperante lerdeza do nosso Judiciário.
https://i0.wp.com/3.bp.blogspot.com/-Dr1PdX7BqE0/TdgbUY6Fc0I/AAAAAAAAAMw/IuHX4GytFRA/s1600/Mayara.jpg?ssl=1Mas não vislumbramos recuperação duradoura, apenas uma pequena régua entre a intempérie atual e a(s) outra(s) que virá(ão) até a tempestade definitiva.
Daí minhas frequentes exortações, no sentido de que as soluções passem a ser buscadas fora do capitalismo e contra o capitalismo, pois ele e o arcabouço institucional que lhe dá sustentação já esgotaram seu papel histórico positivo e doravante vão se tornar cada vez mais nocivos, arrastando-nos para o retrocesso e a barbárie.
Para muitos esquerdistas desvirtuados, contudo, a conquista e manutenção de nacos de poder sob o capitalismo se tornou um modo de vida, daí hoje estarem iludindo os explorados com promessas irrealizáveis de redenção a partir do resultado da próxima eleição presidencial (mesmo estando carecas de saber que atualmente não há mais condições de serem igualadas nem mesmo as tímidas melhoras registradas no primeiro governo do Lula!).
Então, é alentador que já encontremos jornalistas de esquerda analisando o lodaçal brasileiro sem as ilusões maniqueístas de outrora. 
 
Carla Jiménez: caíram as máscaras
Caso de Carla Jiménez, editora-chefe da edição brasileira do jornal global El País, que, parafraseando Ivan Lins, mostrou serem todos iguais nesta noite da Lava-Jato
Em seu contundente artigo-desabafo (ver em http://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/17/opinion/1492446251_364114.html), ela apresenta como integrantes da mesma “elite hipócrita, amoral e mesquinha”, além de “criminosa”, personagens que antes eram tidos como — e tudo faziam para parecerem ser — antagônicos: Aécio Neves, Antônio Anastásia, Delcídio do Amaral, Eduardo Cunha, Eunício Oliveira, Geraldo Alckmin, Graça Foster, Guido Mantega, João Dória Jr., Michel Temer, Renan Calheiros e… Lula!
Sim, o populista que jamais almejou nada além de obter algumas concessões dos patrões para mostrar serviço a seus representados e perpetuar-se no poder, conforme fazem tantos sindicalistas, agora passa a ser visto sem condescendência, como o entrave que sempre representou à verdadeira e única solução para as agruras brasileiras: o fim do capitalismo (o resto não passa de paliativos!).
 
“Com que moral vai falar com seus eleitores?” 
Eis como Lula começa a ser, correta e finalmente, avaliado:
…mais do que os crimes a que responde, feriu de golpe a esquerda no Brasil. Ajudou a segregá-la, a estigmatizar suas bandeiras sociais e contribuiu diretamente para o crescimento do que há de pior na direita brasileira.
Se embebedou com o poder. Arvorou-se da defesa dos pobres como álibi para deixar tudo correr solto e deixou-se cegar. Martelou o discurso de ricos contra pobres, mas tinha seu bilionário de estimação. Nada contra essa amizade. Mas com que moral vai falar com seus eleitores?.
Se houver contribuído para a derrubada dos ídolos de pés de barro, desimpedindo o caminho para a gestação e a afirmação de uma esquerda de verdade no Brasil, o nosso grande revés de 2016 (o pior desde o golpe de 1964!) não terá sido em vão.
 
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.