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3.22.2016

Como os brasileiros lidam com o desemprego neste momento conturbado?

  • Muitos trabalhadores recorrem a bicos e alguns aproveitam FGTS para investir tempo num negócio próprio. Situação é particularmente difícil para jovens
Pelo site Deutsche Welle para revista Carta Capital - Sociedade, Jovens e Adultos Desempregados
Mariana Estarque / DW
Jonathan OliveiraJonathan Oliveira, de 18 anos, não conseguiu seguro-desemprego
Reportagem de Mariana Estarque para revista Carta Capital
Esperar aquela ligação que nunca vem. Deixar currículos pela cidade, ir a dezenas de entrevistas, voltar sem nada. A frustração é comum a milhares de brasileiros em busca de trabalho em meio à crise econômica. Segundo pesquisa do IBGE divulgada na terça-feira 15, a taxa de desemprego chegou a 9% no último trimestre de 2015.
"Já levei meu currículo a vários lugares, mas nunca me ligam. A crise está horrível, afetou geral", conta Jonathan Oliveira, de 18 anos. Antes de ser demitido, em janeiro, ele dividia o tempo entre a escola e o trabalho como jovem aprendiz, na função de auxiliar administrativo.
Ficou no emprego durante 11 meses, com um salário de 900 reais. Como não completou um ano no trabalho, Jonathan não tem direito ao seguro-desemprego – as regras de acesso ao benefício mudaram no ano passado.
"O seguro vai fazer muita falta", lamenta ele, que mora com a avó e os irmãos no bairro da Armênia, na zona Norte de São Paulo. "Ela trabalha como metalúrgica, mas o dinheiro não dá para a família toda", explica.
Para quem procura o primeiro emprego, em geral jovens como Jonathan, a situação é ainda mais difícil. De acordo com a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, a taxa de desemprego entre pessoas de 18 a 24 anos foi de 19,4% no último trimestre de 2015, mais que o dobro da percentagem de desocupados na população em geral.
"Ela não tem experiência, então, fica pior para achar uma oportunidade", diz José do Nascimento, de 40 anos, que acompanhou a filha ao Centro de Apoio ao Trabalhador (CAT), da Prefeitura de São Paulo, no centro da cidade.
Com a crise, as vendas no comércio de José caíram 40% nos últimos meses, e a filha, Daiane, decidiu procurar o primeiro emprego. "Não passei no vestibular de Farmácia. Vou prestar de novo no ano que vem, mas, até lá, queria ser atendente de uma farmácia", conta a jovem de 18 anos.
O caso de Daiane é cada vez mais comum. De acordo com o IBGE, entre o último trimestre de 2014 e o mesmo período de 2015, dois milhões de brasileiros ingressaram na força de trabalho, o que significa que estão em idade ativa e dispostos a trabalhar.
Com a crise, segundo o instituto, pessoas que não costumavam buscar emprego, como muitos estudantes, decidiram entrar no mercado de trabalho para complementar a renda domiciliar, seja porque um dos parentes foi demitido, seja porque houve alguma perda nos ganhos da família.
Depois de oito meses procurando uma vaga e dezenas de entrevistas, Clovis Pirinelli, de 31 anos, decidiu investir seu tempo num negócio próprio. O engenheiro de computação, com MBA no currículo, ganhava cerca de oito mil reais num banco quando foi demitido, em abril de 2015.
"Fui em média a três entrevistas por mês. Ou a vaga era fechada no meio do processo, ou me ofereciam menos da metade do meu salário anterior. Acabei desistindo, porque sempre tive o sonho de ter um negócio meu", conta.
Na época, o engenheiro havia se mudado para a casa dos pais, por questões pessoais. Quando veio a demissão, decidiu ficar com eles, para economizar com o aluguel. E a ideia para o negócio veio do próprio ambiente familiar.
"Há tempos queria abrir uma franquia no ramo de alimentos, mas não tinha escolhido nenhuma ainda. A minha mãe tinha uma empresa de bem-casados, que estava desativada, e decidi entrar no negócio com ela. Estou investindo em divulgação e em um novo site", afirma.
Mesmo com uma renda inferior ao que ganhava como engenheiro, Clovis acredita que a escolha foi acertada. "Estamos com uma boa demanda. No futuro, acho que vou ganhar melhor e vou construir algo próprio."
A opção de Clovis é comum entre brasileiros desempregados, que, muitas vezes, aproveitam o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para investir num projeto pessoal. Segundo uma pesquisa do Sebrae, o empreendedorismo por necessidade saltou de 29%, em 2014, para 44%, em 2015, devido à crise econômica.
Outra opção para quem não encontra uma vaga fixa é se manter com bicos e trabalhos como freelancer, conhecidos como frilas. Enquanto não consegue emprego, a médica Barbara Mascarenhas, de 30 anos, faz plantões esporádicos.
"O dinheiro tem dado para me virar", conta ela, que veio do Pará e mora com a irmã, na Liberdade. Ainda assim, Barbara diz que as remunerações pelos bicos estão cada vez mais baixas. "Tenho recebido muito calote também", reclama.
O eletricista Ivan da Silva, de 33 anos, também tenta segurar as pontas com bicos. Ele trabalhava com manutenção predial, mas foi demitido há cinco meses.
"Não consegui nenhuma vaga ainda. A todo CAT que vou tem fila. No que tem perto da minha casa, as senhas de atendimento acabam às 9h. E o dinheiro do meu seguro-desemprego já quase terminou", lamenta.
Ivan mora em Pirituba com a esposa e o filho, de apenas dez meses de idade. "Minha irmã trabalha numa churrascaria e está me ajudando, mas fica apertado para ela e para nós", conta. "O dinheiro só dá para sobreviver."
http://www.cartacapital.com.br/economia/como-brasileiros-lidam-com-o-desemprego

Frei Betto: EUA e Cuba fumam o charuto da paz


Por Frei Betto*, para site Adital - Sociedade e Geopolítica Latino Americana

Hoje, amanhã e terça-feira, o presidente Barak Obama visita Cuba. Em fevereiro último, quando estive com Fidel, ele indagou reflexivo: "O que deseja Obama?” No ano anterior, o líder cubano me dissera que Obama mudara "de métodos, mas não de objetivos.” Agora arrisquei um palpite: retocar sua foto biográfica, já que deu continuidade ao belicismo usamericano no Oriente Médio e, internamente, é acusado de ter sido omisso em relação à América Latina.


Faz 88 anos que um presidente dos EUA pisou em solo cubano: Calvin Coolidge, em 1928. As relações entre os dois países sempre foram tensas. Em fins do século XVIII, John Adams, segundo presidente dos EUA, declarou que Cuba deveria ser incorporada a seu país... No século seguinte, o México perdeu metade de seu território para o vizinho do Norte: Texas, Arizona, Novo México e Califórnia.
Com o afundamento de um navio usamericano no porto de Havana, atribuído pela imprensa dos EUA a uma mina espanhola, o país se envolveu na luta dos cubanos para se libertarem da Espanha, em 1898. Expulsos os europeus, entraram os estadunidenses e transformaram a ilha em uma neocolônia selada pela Emenda Platt. Inseriu-se na Constituição de Cuba uma emenda pela qual os EUA ficavam autorizados a intervir em Cuba a qualquer momento. Em 1903, a marinha estadunidense "alugou”, por prazo indeterminado, a base naval de Guantánamo por US$ 4.085 anuais.
A Revolução Cubana, vitoriosa em 1959, não se fez contra os EUA. Fidel foi aclamado nas avenidas de Nova York. No entanto, ao nacionalizar empresas made in USA, o governo Kennedy tentou esmagar a Revolução com a invasão mercenária da Baía dos Porcos, em 1961, sem lograr êxito (antes de assinar o decreto da invasão, Kennedy cuidou de comprar todos os charutos cubanos disponíveis em Washington). O resultado foi empurrar Cuba para os braços da União Soviética.
Vieram, então, a ruptura de relações diplomáticas, o bloqueio à ilha e as leis que, ainda hoje, concedem cidadania usamericana a todo cubano que pisar em solo estadunidense.
Até que Francisco, o pontífice (= aquele que constrói pontes), em agosto de 2014 propôs a Obama e Raúl Castro reestabelecerem relações diplomáticas, o que se anunciou em 17 de dezembro daquele ano e se efetivou em 1º de julho de 2015.
Passeio por Havana
Obama ficará apenas dois dias na ilha. Os cubanos se sentem lisonjeados por Obama ter pedido para ser recebido em Havana antes que Raúl manifestasse a intenção de ir a Washington.
Além das conversações entre os dois presidentes, com certeza Obama e Michelle serão recebidos por Fidel e o aperto de mãos que haverão de trocar selará a amizade entre os dois países e sufocará o pescoço daqueles que, em Miami, montaram uma lucrativa indústria anticastrista.
É provável que Obama assista ao balé cubano, percorra as ruas coloniais de Havana Velha e prove a saborosa culinária do país em um paladar. E, como de praxe, seja recebido pelo cardeal Jaime Ortega, que garante que, em Cuba, já não há presos políticos.
Depois dessa visita, será difícil o Congresso dos EUA manter o bloqueio por longo tempo. Até porque business is business, e Cuba, com a ajuda do Brasil, constrói em Mariel o maior e mais moderno porto do Caribe.

* Frei Betto

Escritor e assessor de movimentos sociais
Twitter @freibetto

Quatro sombras afligem a realidade brasileira em 2016

Por Leonardo Boff, para Agência de Notícias Adital - Sociedade e História Brasileira de Libertação Popular
 
  • Em momentos de crise, assomam quatro sombras que estigmatizam nossa história cujos efeitos perduram até hoje;
  • Nunca fui filiado ao PT, mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada


A primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo dominado: sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.
A segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce manchará para sempre a memória nacional.
Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente "gente”, por isso suas terras são tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.
A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5 milhões de pessoas foram trazidas da África como "peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala.
Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salário é caridade e não direito.
Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito. Criou-se um Estado para servir aos interesses dos poderosos, e não ao bem de todos, e uma complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação e reforma no Brasil) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de injustiças sociais.
Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si.
Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento.
Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.
A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.
As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C.G.Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociaispara tornar a nossa sociedade menos malvada.

Leonardo Boff escreveu: Que Brasil queremos, editora Vozes, RJ 2000.
  • Doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
    Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985 foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).
    A partir dos anos 80 começou a aprofundar a questão ecológica como prolongamento da teologia da libertação, pois não somente se deve ouvir o grito do oprimido, mas também o grito da Terra porque ambos devem ser libertados. Em razão deste compromisso participou da redação da Carta da Terra junto com M. Gorbachev, S. Rockfeller e outros. Escreveu vários livros e foi agraciado com vários prêmios.
    Twitter @LeonardoBoff
        Fonte: Blog do autor