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11.12.2016

No Brasil há mais estradas concedidas à iniciativa privada do que em outros países

  • No Brasil há mais estradas concedidas à iniciativa privada do que em outros países

  • por Bruno Lupion, para site NEXO - Sociedade e Infraestrutura (fonte no final)

    Hoje, 10,2% da malha rodoviária brasileira estão concedidos a empresas. Nos Estados Unidos, o percentual é de 0,1%, na Espanha, de 0,5%, e na Alemanha, de 2%

    FOTO: HAMILTON FURTADO/FLICKR
    Vista aérea do sistema Anchieta-Imigrantes, em São PauloVISTA AÉREA DO SISTEMA ANCHIETA-IMIGRANTES, EM SÃO PAULO Quando o Estado tem pouco dinheiro e é necessário investir em infraestrutura, uma solução que costuma ser colocada na mesa é atrair capital privado por meio de concessões — repassar atarefa para uma empresa investir e administrar em troca de uma tarifa.
    No âmbito das rodovias, o país vem fazendo isso há duas décadas, etem umpercentual da malha de estradas concedidas à iniciativa privada muito superior ao presente em países importantes.

    Hoje, 10,2% da malha rodoviária federal e estadual pavimentada estão concedidos a empresas. Nos Estados Unidos, 0,1% da malha está sob concessão da iniciativa privada. Na Espanha, o percentual é de 0,5%, e na Alemanha, de 2%. A China, que se destaca nesse ranking,
    tem 3,6% de sua malha concedida. Os números foram compilados em pesquisa realizada pelo coordenador de infraestrutura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Carlos Campos Neto, publicada na quarta-feira (9/nov/2016).

    NO BRASIL
     Os modelos de FHC, Lula/Dilma e Temer
    O processo de concessão de estradas no país começou no governo Itamar Franco. Em 1994, foi concedida a Ponte Rio-Niterói e, no ano seguinte, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. A licitação considerou, entre outros fatores, qual empresa se comprometia a cobrar a menor tarifa de pedágio.
    Alguns governos estaduais também passaram a conceder parte de suas estradas. Em 1998, o Estado de São Paulo iniciou seu programa nesse sentido, adotando como modelo a outorga tarifária, ou seja, ganhava a concessão a empresa que pagasse o maior valor no leilão.
    As concessões de rodovias federais continuaram a ocorrer no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cujo modelo concedia as estradas para quem se comprometesse a cobrar o menor valor de pedágio. Esse modelo, chamado de “modicidade tarifária”, parecia ser mais favorável aos motoristas, mas apresentou problemas de execução. Algumas empresas que venceram a concessão sob esse critério, como a espanhola OHL, se comprometeram a cobrar pedágios em valores abaixo do sustentável e não entregaram as melhorias combinadas no prazo. O mesmo modelo foi mantido no governo Dilma Rousseff.
    Dilma também se empenhou em reduzir a taxa de retorno dos empreendimentos, que mede quanto as empresas deveriam lucrar, o que provocou desgastes entre o governo e investidores. A taxa de retorno, de 6% no primeiro mandato da petista, foi elevada a 9,2% em 2015, diante do risco de não aparecerem empresas interessadas.
    Em julho deste ano, já sob o governo Michel Temer, o secretário-executivo do Programa de Parcerias e Investimentos, Moreira Franco,declarou o fim do modelo de modicidade tarifária nas concessões e a retomada do modelo de outorga — ganha quem dá o maior lance. Em setembro, o Palácio do Planalto lançou seu novo programa de concessões, batizado de “Crescer”, com 25 projetos, entre os quais a concessão de duas rodovias, uma entre Goiás e Minas Gerais (BR-364/365) e outra no Rio Grande do Sul (BR-101/116). Os editais devem ser divulgados no primeiro semestre de 2017.
    Um elemento é comum a todos esses modelos: a dependência das concessionárias de estradas de empréstimos de bancos públicos, como o BNDES, para realizar melhorias nas rodovias. Para Campos Neto, do Ipea, não há perspectiva de esse arranjo ser substituído no curto prazo por uma maior presença dos bancos privados.
    Ele pondera que o governo federal até pode fazer ajustes no modelo, como reduzir o subsídio a esses empréstimos, mas enquanto a taxa Selic, que serve de referência para a remuneração dos credores da União, continuar em patamares elevados, não haverá estímulo para mais empréstimos privados ao setor. “Se o empreendedor ou o sistema financeiro privado tiver a opção de comprar títulos públicos, seguros e remunerados a 14% ao ano, é muito difícil ele correr o risco de investir em infraestrutura”, diz.
    O caso brasileiro
    Campos Neto, autor da pesquisa, aponta ao site Nexo dois fatores que servem de estímulo para o Brasil ter se destacado na concessão de estradas à iniciativa privada:
    1. CRISE FISCAL
    A falta de recursos públicos para investimento em infraestrutura é um dos argumentos favoráveis às concessões. Elas ajudam a atrair capital privado para a manutenção e melhorias de estradas, ainda que somente em trechos com maior tráfego e com financiamento de bancos públicos como o BNDES.
    2.  MODELO GERENCIAL 
    Outro aspecto que contribuiu para a concessão de grande percentual da malha à iniciativa privada são aspectos conceituais e ideológicos sobre quem é mais eficiente para administrar certos tipos de empreendimentos — o governo ou empresas.
    NO MUNDO

    Administração privada x pública 
    Segundo Campos Neto, em muitos países há maior resistência da sociedade em aceitar pagar pedágios mais altos para uma empresa privada administrar uma rodovia construída pelo governo.
    No caso americano, ele aponta que no final da década de 1980 e início da de 1990 os governos tentaram conceder estradas à iniciativa privada, mas a sociedade reagiu sob o argumento de que a carga tributária cobrada das pessoas já incluía o dever de o poder público manter rodovias em boas condições. “Disseram que seria um sobre-ônus ter que pagar pedágios, além dos impostos”, diz. Uma das propostas do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, é atrair US$ 1 trilhão em investimentos privados no setor de infraestrutura, incluindo rodovias, mas há dúvidas sobre a viabilidade de seu plano.
    O mesmo raciocínio que desestimulou a concessão de rodovias nos Estados Unidos se aplica à Alemanha, segundo Campos Neto — “a sociedade entende que a obrigação de pagar pedágio seria uma sobrecarga”, afirma.
    O pesquisador do Ipea diz que a concessão de rodovias no Brasil foi bem-vinda para viabilizar melhorias, mas está próxima de um limite. Em 2015, o investimento privado em estradas ultrapassou 50% do total no setor. “Não vamos conseguir caminhar para os 100%. O que atrai o setor privado é o fluxo de veículos, que dá receita, e as principais rodovias já foram entregues ou já estão mapeadas”. Ele projeta haver espaço para a gestão privada chegar a no máximo até 30% da malha.
    ESTAVA ERRADOA concessão de rodovias pelo governo federal à iniciativa privada não começou em 1995, como a primeira versão deste texto informava, mas em 1994. Ela favorecia a empresa que se comprometesse a cobrar o menor valor de pedágio. O modelo de outorga tarifária, que concede a estrada à empresa que pagar o maior valor no leilão, foi adotado em 1998 pelo governo do Estado de São Paulo. O material foi corrigido às 11h30 de 11 de novembro de 2016.
    https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/11/10/Por-que-no-Brasil-h%C3%A1-mais-estradas-concedidas-%C3%A0-iniciativa-privada-do-que-em-outros-pa%C3%ADses

    Pessoas Humildes Pagam a Conta por Crimes Cometidos por Colarinhos-Brancos

    • Com foco no combate à corrupção, a decisão do STF para prender condenados em segundo grau, incentiva injustiças contra os brasileiros mais pobres
    • Prisão em segunda instância amplia superlotação nas cadeias

    por Miguel Martins, para Carta Capital - Sociedade e Direitos Humanos Despresados no Brasil (fonte no final)


    Esmar Filho/CNJ
    PresídioAo menos 3,4 mil réus atuais devem ser presos, em um sistema prisional que opera 61% acima de sua capacidade nas cadeias brasileiras
    Em setembro, o juiz foi um dos responsáveis pela anulação das condenações de policiais militares no massacre do Carandiru, sob o argumento de os agentes terem agido em legítima defesa ao matarem, há 24 anos, 111 presos no complexo penitenciário.
    Em julho, Sartori e seus colegas rejeitaram o pedido da Defensoria Pública de São Paulo pela reversão da pena de Affonso com base no princípio da insignificância penal, entendimento comum na instância superior para furtos de pequeno valor.
    Em outros tempos, o réu, mesmo reincidente, dificilmente seria obrigado a cumprir a pena, pois o Superior Tribunal de Justiça costuma acolher a apelação nesse tipo de caso. Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal de impor a prisão de condenados a partir da segunda instância deu a juízes como Sartori o poder para colocar, ou manter, cidadãos como Affonso atrás das grades.
    Determinado em fevereiro deste ano, o cumprimento da pena a partir do segundo grau foi estabelecido em definitivo pelo STF em outubro, após um apertado julgamento de 6 votos a 5. Inspirada no combate aos crimes de colarinho-branco, a medida tem o objetivo de diminuir o excesso de recursos protelatórios, especialmente para políticos e empresários acusados de corrupção.
    Entidades de defesa alertam, porém, que as diferenças de entendimento entre as instâncias superiores e os tribunais de Justiça acabam por favorecer a lógica do encarceramento em um sistema com mais de 600 mil presos, número 61% acima de sua capacidade, segundo relatório deste ano da ONG Human Rights Watch. Um estudo da Fundação Getulio Vargas apontou que a prisão no segundo grau deve levar 3.460 réus atuais para a cadeia no Brasil.
    Affonso agora aguarda o julgamento de seu recurso especial no STJ. Pelas estatísticas, tem boa chance de ser bem-sucedido. Em setembro de 2016, foram julgados na instância superior 217 recursos apresentados pela Defensoria paulista. Houve provimento total ou parcial em 117 casos, ou 54%. Quinze deles significaram a mudança na aplicação da privação de liberdade aos condenados, que passaram do regime fechado para semiaberto ou aberto.
    No meio jurídico, o debate naturalmente refletiu posições distintas entre entidades de acusação e de defesa. A Associação Nacional de Procuradores da República classificou a decisão como histórica e afirmou que ela configura “um marco importante para o fim da impunidade”. A Defensoria Pública de São Paulo considerou que a mudança, um “retrocesso para os direitos humanos”, viola a presunção de inocência. A Ordem dos Advogados do Brasil apontou para o encarceramento de cidadãos inocentes.
    Talvez influenciadas pela aprovação de parte dos brasileiros à Operação Lava Jato, a despeito de seus excessos, entidades da magistratura também comemoraram a decisão. Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) avaliou que a nova jurisprudência valoriza as decisões de primeira e segunda instância e lembrou a permissão na França, Alemanha e Estados Unidos para o cumprimento da pena antes do esgotamento dos recursos.
    SartoriSartori não perdoa roubo de salame, mas anula júris do Carandiru

    O defensor Rafael Muneratti, coordenador do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores em Brasília, surpreendeu-se com a posição da magistratura. “Por ter o dever da imparcialidade, ela não deveria assumir o lado da defesa ou da acusação.”
    Ele afirma que o sucesso da Defensoria na reversão de penas mostra como nem todos os recursos são protelatórios, principal argumento dos ministros do STF para defender a mudança. “E não queremos entrar em uma guerra estatística. Não importa se revertemos 50% ou 1% das decisões. Se for 1%, haverá presos de forma injusta da mesma forma.”
    Para João Ricardo Costa, presidente da AMB, a mudança não viola a presunção de inocência, pois respeita o duplo grau de jurisdição. “O sistema atual possibilita uma infinidade de recursos protelatórios, o que, de fato, motivou o Supremo a tomar essa decisão.” Moro também comemorou. Em nota, afirmou que a nova decisão vai colocar os condenados poderosos em pé de igualdade com os demais cidadãos envolvidos em problemas na Justiça.
    “Por causa da Lava Jato, percebemos que há esse anseio pelo cumprimento rápido da decisão, mas não podemos colocar em xeque uma garantia constitucional por causa de alguns réus por corrupção”, alerta Muneratti. “Os acusados de colarinho-branco sempre respondem em liberdade. Nos casos que defendemos, os condenados estão presos desde o início.”
    Preocupado com o aumento do número de presos em um sistema superlotado, o defensor vê no habeas corpus a principal solução para impedir uma prisão. “Infelizmente, uma decisão no STJ pode levar entre seis e oito meses.”
    Em casos de detenções injustas, o presidente da AMB confia na possibilidade de os tribunais analisarem a situação e não iniciarem o cumprimento da pena antes do esgotamento dos recursos. “A questão do princípio da insignificância pode ser reconhecida no primeiro e segundo graus”, prevê Costa.
    No caso de Affonso, Sartori parece ter feito vista grossa para o princípio, assim como negligenciou as crueldades dos policiais contra os presos do Carandiru. Na segunda-feira 31, uma reportagem da Folha de S.Paulo apontou que o juiz foi liberado pela PM de qualquer investigação após atropelar a motocicleta da consultora Joelma Ramos, em um acidente ocorrido em 2012. Enquanto autoridades trocam deferências, ladrões confessos de galinha, ou de salame, nem sempre têm perdão. 
    *Reportagem publicada originalmente na edição 926 de CartaCapital, com o título "A perseguição aos ladrões de galinha".
    http://www.cartacapital.com.br/revista/926/prisao-em-segunda-instancia-amplia-superlotacao-nas-cadeias

    Judiciário Brasileiro Desqualifica Direitos Humanos, para Ganhar Jogo Político

    • Moro e Deltan revestiram loquacidade com exaltação apolítica do bem geral


    por Mario Sergio Conti, para blog da Helena e Rede Brasil Atual -Sociedade e Jogo Político no Brasil (fonte no final)

    Se antes faziam figura de paladinos silenciosos da Justiça, Sergio Moro e Deltan Dallagnol deram agora para falar. Eles revestiram a sua loquacidade com a exaltação apolítica do bem geral. Na verdade, respondem a dois fatos políticos concretos.

    O primeiro: a delação da Odebrecht periga pegar na testa da burguesia. Ela irá escancarar que grandes empresários corromperam e nobres políticos foram corrompidos. Juntos, eles aparelharam o Planalto e o Congresso –e agora nos mandam trabalhar mais e ganhar menos.

    O segundo fato: para proteger seu poder de mando, os beneficentes e beneficiários do caixa 2 urdem uma autoanistia geral e irrestrita. A articulação dos dois fatos abala o poder de Dellagnol e Moro.

    Dallagnol defendeu, num artigo na Folha, que é um "disparate!" (com exclamação) dizer que a Lava Jato foi partidarizada. A resistência a punições, porém, surgiu só depois de Dilma ter sido afastada e Lula incriminado. A postura apolítica fica menos crível na boca Moro.

    Afinal, o juiz ordenou a exposição, ilegal e fora do prazo que ele mesmo estipulara, de um telefonema da presidente. No plano jurídico, fez troça da presunção da inocência de Dilma. No político, inviabilizou que Lula fosse ministro. Sem o seu atropelo, a história teria sido outra.

    Numa entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Brandt ("Estadão", 6.nov), Moro fez política o tempo todo. Disse que tem poder –"o apoio da opinião pública tem sido essencial"– e defendeu que o Congresso aprove dez medidas específicas, além de pôr fim ao foro privilegiado de parlamentares e governantes.

    Foi de um corporativismo que mal coube na palavra "muito". Teori Zavascki, que não o puniu por ter alardeado a gravação de Dilma, "tem feito um trabalho intenso, muito importante e relevante". O magistrado que Renan Calheiros chamou de "juizeco" é um "colega muito sério e competente". O projeto que pune abusos de juízes precisa ser "muito melhorado".

    Tanto para ele como para Dallagnol, a corrupção é a serpente no paraíso. No seu artigo (escrito com o procurador Orlando Martello), Dallagnol sustenta que, se a corrupção sumir, surgirá "um Brasil competitivo, inovador, igualitário, democrático, republicano e, sobretudo, orgulhoso de si".

    A única evidência que oferece para tal milagre é Hong Kong. Mas como ignora que a metrópole é uma região da China, e silencia sobre a sua história, o seu estatuto econômico, político e jurídico, chamando-a de "país", o seu vaticínio é vazio, senão ridículo.

    Mais sinistro é o encerramento do seu sermão: "Parafraseando Martin Luther King, estamos rodeados da perversidade dos maus, mas o que mais tememos é o silêncio dos bons". Está-se de volta à concepção simplória da sociedade como palco da luta entre o Bem e o Mal; entre os bons da Lava Jato e os maus que não a apoiam.

    A referência a Luther King é abusiva. O reverendo não escrevia sobre corrupção. Ele estava preso, no Alabama de 1963, por ter liderado marchas ilegais contra a segregação racial.

    Seu texto, a Carta da Cadeia de Birghman, é um ataque eloquente a oito líderes religiosos que o acusavam de subversão, e defendiam –veja só– que o combate ao apartheid no Sul ficasse restrito aos tribunais.

    É um documento da luta doída por direitos civis e políticos. Não é uma mistificação, moralista e autoelogiosa, de quem se acha –de quem acha que lidera uma santa cruzada.

    http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com.br/