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10.28.2021

Derrubar Bolsonaro nas eleições de 2022 ok, e depois o que virá ...?

Em entrevista ao jornal grego Epohi, prof. Marco A. Perruso procura decifrar o Brasil antes e depois das eleições de 2022...

...de­pois das ex­pe­ri­ên­cias so­ci­e­tá­rias ne­o­li­beral (anos 1990), po­pu­lista de centro-es­querda (pri­meiras dé­cadas deste sé­culo) e po­pu­lista de ex­trema-di­reita (sob o bol­so­na­rismo), os tra­ba­lha­dores não pa­recem estar ani­mados a voltar a “mais do mesmo”

por redação do Correio da Cidadania – Sociedade e Saída do golpe 2016, como será?

     Pro­testos de 2 de ou­tubro. Foto: Mídia Ninja.

O so­ció­logo e pro­fessor Marco An­tonio Per­ruso, co-or­ga­ni­zador do livro O pâ­nico como po­lí­tica: o Brasil no ima­gi­nário do lu­lismo em crise (edi­tora Mauad, 2019), con­cedeu en­tre­vista ao jornal grego Epohi, na qual co­menta o mo­mento bra­si­leiro e a cor­re­lação de forças po­lí­ticas que se pre­fi­gura para 2022. Entre a in­sa­ni­dade de­sin­for­ma­tiva e gol­pista do bol­so­na­rismo e os so­nhos de um novo pacto de classes de uma es­querda ainda he­ge­mo­ni­zada pelo lu­lismo, uma classe tra­ba­lha­dora de­sa­len­tada busca so­bre­viver.

Leia a en­tre­vista na ín­tegra.

Como você ana­lisa a si­tu­ação atual do Brasil?

O Brasil vive sob um go­verno de ex­trema-di­reita que se re­cusa a gerir o Es­tado, as po­lí­ticas pú­blicas e os pro­blemas do país, pelo con­trário. Bol­so­naro passa a maior parte do tempo agi­tando os seg­mentos da so­ci­e­dade civil que ainda o apoiam, para de­ses­pero e ódio da maior parte do elei­to­rado. Ele faz ame­aças an­ti­de­mo­crá­ticas que não pode cum­prir, pois está iso­lado nos planos na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal.

As crises econô­mica e po­lí­tica no Brasil são muitos fortes ao menos desde 2015, e foram agra­vadas pela pan­demia do covid-19 e pelo pâ­nico que a má­quina bol­so­na­rista de fake news pro­move co­ti­di­a­na­mente no am­bi­ente so­cial e cul­tural do país. A mi­séria dos tra­ba­lha­dores po­bres só não é maior por causa do Au­xílio Emer­gen­cial apro­vado pelo Con­gresso Na­ci­onal, que durou parte do ano de 2020 e agora sub­siste com um valor menor.

Os mo­vi­mentos so­ciais têm re­a­gido a Bol­so­naro, desde antes da pan­demia (mo­vi­mentos de es­tu­dantes e tra­ba­lha­dores da edu­cação, mo­vi­mentos negro e de mu­lheres). Já du­rante o pe­ríodo de con­fi­na­mento quem saiu às ruas de início foram os tra­ba­lha­dores de apli­ca­tivos e tor­cidas or­ga­ni­zadas an­ti­fas­cistas. As lutas não pros­se­guem com maior con­sis­tência, pois muita gente de­po­sita as ex­pec­ta­tivas de mudar a si­tu­ação atual apenas na via elei­toral e pre­fere aguardar até 2022.

Quem apoia o Bol­so­naro hoje? Como ele ainda está no poder?

Afora os se­tores que ainda acre­ditam na pro­pa­ganda po­lí­tico-ide­o­ló­gica do po­pu­lismo de di­reita (ho­mens brancos, cris­tãos evan­gé­licos, entre ou­tros perfis so­ciais), ele possui o apoio de par­la­men­tares de centro-di­reita tra­di­ci­o­nal­mente fi­si­o­ló­gicos e cor­ruptos (o “Cen­trão”, muito mal visto pu­bli­ca­mente), que foram par­ceiros de todos os go­vernos bra­si­leiros desde a de­mo­cra­ti­zação, seja nos anos ne­o­li­be­rais e tec­no­crá­ticos de Fer­nando Hen­rique Car­doso (1995-2002), seja nos anos do po­pu­lismo ne­o­de­sen­vol­vi­men­tista de Lula e Dilma (2003-2016).

Isto é, Bol­so­naro go­verna hoje com o “sis­tema” que diz com­bater. Ele ainda per­ma­nece no poder por vá­rios mo­tivos: possui uma base de apoio pe­quena, mas mo­bi­li­zada; está à frente do apa­relho de Es­tado, his­to­ri­ca­mente forte no Brasil e que in­ti­mida até a bur­guesia, de­pen­dente dos fa­vores es­ta­tais; os mo­vi­mentos so­ciais e sin­di­cais estão en­fra­que­cidos e apas­si­vados após anos de co­la­bo­ração de classes sob a he­ge­monia po­lí­tica lu­lista; a es­querda está de­so­ri­en­tada e não con­segue se po­si­ci­onar de modo autô­nomo; por fim, per­siste o des­cré­dito po­pular com a de­mo­cracia bur­guesa.

Muitos querem se li­vrar de Bol­so­naro, mas não se animam a fazê-lo com as ve­lhas al­ter­na­tivas po­lí­ticas co­lo­cadas no ce­nário atual, en­quanto ou­tros optam por bradar inu­til­mente sua in­dig­nação nas pró­prias bo­lhas no in­te­rior das redes so­ciais na in­ternet.

Como a es­querda bra­si­leira está se pre­pa­rando para as elei­ções de 2022? Que pre­pa­ra­tivos e que tipos de pen­sa­mentos são ela­bo­rados?

Há uma di­visão im­por­tante aqui. A es­querda que fazia opo­sição aos go­vernos lu­listas até 2016 se di­vidiu e di­vidiu o seu maior par­tido, o PSOL (Par­tido So­ci­a­lismo e Li­ber­dade): uma parte segue bus­cando ser uma opção so­ci­a­lista e au­to­no­mista, vin­cu­lada aos mo­vi­mentos po­pu­lares, pri­vi­le­gi­ando as ruas e o ob­je­tivo do im­pe­a­ch­ment de Bol­so­naro desde já – é o caso da pe­quena, mas com­ba­tiva cen­tral sin­dical CSP-Con­lutas e da nova co­a­lizão de or­ga­ni­za­ções po­lí­ticas Frente Povo na Rua; outra par­cela re­tro­cedeu po­lí­tica e ide­o­lo­gi­ca­mente (Frente Povo sem Medo) na di­reção do na­ci­o­na­lismo de centro-es­querda, ade­rindo ao PT e à Frente Brasil Po­pular, pri­o­ri­zando a dis­puta par­la­mentar e mi­diá­tica, dando fô­lego a Bol­so­naro, com quem Lula pre­tende dis­putar e vencer as elei­ções do ano que vem.

As lutas da es­querda têm vo­ca­li­zado apro­pri­a­da­mente os eixos de do­mi­nação de classe que passam pelas opres­sões de raça e gê­nero. Pro­testos im­por­tantes ocorrem neste sen­tido. Con­tudo, no plano econô­mico, pro­postas ne­ces­sá­rias para que os ricos – e os mi­li­tares, que apoiam Bol­so­naro – pa­guem pela crise não se ca­pi­la­rizam na so­ci­e­dade: maior ta­xação de em­presas e grandes for­tunas, ex­tinção das po­lí­cias mi­li­tares e Forças Ar­madas, por exemplo. Já o lu­lismo se pre­para para dis­putar a eleição pre­si­den­cial, não para o que fazer de­pois, caso ganhe o pleito.

Nas pes­quisas feitas em função das elei­ções, vemos que Lula está à frente. Quais são as ali­anças so­ciais que ele cons­trói e como a bur­guesia lida com isso?

O PT ima­gina re­e­ditar a mesma frente po­lí­tica de con­ci­li­ação de classes bem-su­ce­dida até 2013 (ano das “jor­nadas de junho”, que abalou o go­verno Dilma), unindo seg­mentos da bur­guesia (grande in­dús­tria, agro­ne­gócio, bancos) e dos tra­ba­lha­dores (as cen­trais sin­di­cais CUT e CTB). Ocorre que o Brasil de hoje – le­gado também pelo lu­lismo – já é bem di­fe­rente do da­quele pe­ríodo: há maior de­sem­prego e su­bem­prego sob o ca­pi­ta­lismo de pla­ta­forma, mais grave crise am­bi­ental, grande can­saço po­pular com po­lí­ticos tra­di­ci­o­nais, imensas ra­di­ca­li­zação e frag­men­tação po­lí­ticas; houve também con­ti­nui­dade nos altos ín­dices de vi­o­lência ur­bana, bem como en­car­ce­ra­mento em massa de jo­vens ne­gros e mu­lheres.

Por­tanto, é di­fícil Lula li­derar as fra­ções da bur­guesia que ele re­pre­senta, de­se­josas de maior ação econô­mica e so­cial do Es­tado para a re­to­mada do velho “de­sen­vol­vi­mento” econô­mico e a mi­ti­gação da po­breza, velho pa­ra­digma ainda de­fen­dido por uma in­tel­li­gentsia uni­ver­si­tária e tec­no­crá­tica.

Por outro lado, o re­púdio ge­ne­ra­li­zado, da es­querda à di­reita, ao re­a­ci­o­na­rismo bol­so­na­rista pode con­ti­nuar au­xi­li­ando Lula ou mesmo um can­di­dato da centro-di­reita li­beral que por­ven­tura apa­reça até 2022.

Quais são as ex­pec­ta­tivas das pes­soas de Lula? E também, quais você acha que são os li­mites de um "go­verno pro­gres­sista" no Brasil hoje?

Lula ex­pressa um sen­ti­mento dis­se­mi­nado em boa parte da so­ci­e­dade bra­si­leira, dos tra­ba­lha­dores mais po­bres aos de maior ca­pital cul­tural (a cha­mada classe média pro­gres­sista): de es­pe­rança que se possa voltar no tempo, ao pe­ríodo de cres­ci­mento econô­mico e de po­lí­ticas so­ciais sob o lu­lismo. Na au­sência de pro­jetos po­lí­ticos re­no­va­dores, resta a nos­talgia de que é pos­sível “agradar a todos” mais uma vez.

Se Lula vencer, terá a van­tagem da “terra ar­ra­sada” dei­xada por Bol­so­naro – assim como hoje se dá com Biden em re­lação a Trump. A des­van­tagem re­side em dois fa­tores, que são li­mi­tantes em re­lação a um novo ciclo de go­vernos pro­gres­sistas no Brasil:

1) a falta de di­ag­nós­ticos a res­peito das saídas pos­sí­veis para a gestão da do­mi­nação bur­guesa na pe­ri­feria do ca­pi­ta­lismo mun­dial, que não se re­sumam a re­a­tu­a­li­za­ções do key­ne­si­a­nismo;

2) se­gundo, as crises de le­gi­ti­mi­dade po­lí­tica e de mo­ti­vação cul­tural vi­vidas por todas as so­ci­e­dades, que têm sido ins­tru­men­ta­li­zadas pela ex­trema-di­reita. O Brasil não foge à regra do que o mundo vive. No caso bra­si­leiro, de­pois das ex­pe­ri­ên­cias so­ci­e­tá­rias ne­o­li­beral (anos 1990), po­pu­lista de centro-es­querda (pri­meiras dé­cadas deste sé­culo) e po­pu­lista de ex­trema-di­reita (sob o bol­so­na­rismo), os tra­ba­lha­dores não pa­recem estar ani­mados a voltar a “mais do mesmo”.

A in­cer­teza é grande, assim como grande é a ne­ces­si­dade de uma al­ter­na­tiva de trans­for­mação so­ci­a­lista a partir dos mo­vi­mentos po­pu­lares, desde as bases de nossa so­ci­e­dade.

*Di­mi­tris Gi­visis é jor­na­lista grego.

Publicado no Correio da Cidadania: 06/10/2021

Fonte: https://www.correiocidadania.com.br/72-artigos/imagens-rolantes/14780-muitos-querem-se-livrar-de-bolsonaro-mas-nao-se-animam-com-as-velhas-alternativas