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8.25.2015

Alimentos: comida ou veneno? Produção orgânica se viabiliza como garantia de segurança alimentar

Ainda modesta no país, atividade agrícola sem agrotóxicos cresce 35% ao ano e se viabiliza também modelo de negócio – solidário, sustentável e lucrativo
 
por Eduardo Tavares - Sociedade e Alimentos Saudáveis
  
Eduardo Tavares/RBA
Produção Orgânica
Vilmar Menegat não tem filhos.
Mas se vê como "pai" de uma família numerosa de sementes nativas. São mais de 60 diferentes "filhotes" conservados com carinho em potes de vidro reciclados. Milho, feijão, trigo sarraceno, soja preta, chia são alguns dos nomes dessas crioulas – vistas pelo agricultor como sementes da preservação da biodiversidade do planeta. Vilmar, 42 anos, vive com os pais, descendentes de italianos, em um sítio de 50 hectares no interior de Ipê, município localizado na serra gaúcha, autointitulado "Capital Nacional da Agroecologia". A principal cooperativa da cidade, Eco Nativa, tem 67 produtores orgânicos associados que vendem diretamente em feiras de Porto Alegre e Caxias do Sul – o excedente vai para os supermercados. Ipê e a cidade vizinha Antônio Prado foram pioneiras da produção de alimentos orgânicos no Brasil. Toda semana levam quatro caminhões carregados às feiras de Porto Alegre. Normalmente retornam vazios.
Esses produtores desafiam uma realidade assombrosa: o agronegócio brasileiro é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões em 2002 para quase US$ 10 bilhões em 2012. O Brasil tem um quinto do mercado mundial, com a marca de 1 milhão de toneladas, equivalente a um consumo médio de 5,2 quilos de veneno agrícola por habitante. Seis empresas dominam o mercado no Brasil: Monsanto, Syngenta, Basf, Bayer CropScience, Dow AgroSciences e DuPont. As seis são também as maiores proprietárias de patentes de sementes transgênicas autorizadas no Brasil. A modificação, em grande parte, torna as plantas de soja, milho e algodão resistentes aos agrotóxicos, exigindo aplicações de doses maiores de veneno para controlar insetos e doenças.
Eduardo Tavares/RBA Vilmar
“Pai” Vilmar tem uma família de sementes nativas
Eduardo Tavares/RBA padrão de vida
Bellé ajudou a criar a cooperativa em 1989
O agricultor é obrigado a comprar o pacote semente/agrotóxico da mesma empresa e não pode ter suas próprias sementes. A legislação brasileira ainda permite a pulverização aérea e a venda de agrotóxicos já proibidos nos Estados Unidos e União Europeia, e oferece incentivos fiscais aos fabricantes. Um exemplo do que o controle do mercado por essas empresas é capaz: a Monsanto, repentinamente, quintuplicou o preço da semente resistente ao agrotóxico glifosato, produzido pela empresa. Agricultores gaúchos que sempre foram favoráveis à difusão da soja transgênica resistente ao glifosato se revoltaram e foram à Justiça contra o pagamento desses royalties.
"O fundamento do agronegócio é que essas seis grandes empresas, através de pequenas modificações genéticas inseridas nas plantas, estão obtendo direito de propriedade sobre aspectos fundamentais para a vida de todos. As plantas transformadas, agora com dono, estão substituindo as plantas naturais, cujas sementes deixam de estar disponíveis", resume o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, dirigente da Associação Brasileira de Agroecologia. "Já as sementes transgênicas estão ao alcance de todos que podem pagar por elas. Não é possível aos agricultores familiares, estabelecidos em regiões dominadas pelo agronegócio, optar pelo plantio do milho crioulo, porque os grãos de pólen do milho transgênico alcançam de forma inexorável as lavouras daqueles que insistem em trabalhar com a base genética comum, comprometendo diversidade, autonomia e segurança alimentar dos povos."
O modelo polui o solo, o ar, mananciais de água e lençol freático. Os agricultores padecem de intoxicação aguda, coceiras, dificuldades respiratórias, depressão, convulsões, entre outros males que podem levar à morte. E os consumidores – a maioria da população brasileira – podem ter intoxicação crônica, que demora vários anos para aparecer, resultando em infertilidade, impotência, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer. A Fundação Oswaldo Cruz calcula que cada dólar gasto com agrotóxicos em 2012 corresponda a U$ 1,26 gasto no Sistema Único de Saúde (SUS).

Solução

A alternativa para esse panorama é o fortalecimento da agricultura familiar e do cultivo sustentável. Apesar do aumentos dos investimentos do governo federal nos últimos anos na agricultura familiar, o lobby do agronegócio dificulta avanços mais significativos. A bancada ruralista no Congresso é numerosa (cerca de 170 deputados e 13 senadores), enquanto o universo de 12 milhões de pequenos agricultores conseguiu eleger apenas 12 deputados. O agronegócio produz, principalmente, biocombustível, commodities para exportação e ração para animal, enquanto a agricultura familiar responde por 70% da produção de alimentos. A orgânica ainda é pequena, movimentou R$ 1,5 bilhão em 2013, mas está em expansão de, em média, 35% ao ano desde 2011, favorecida pela regulamentação do setor com a Lei dos Orgânicos.
Eduardo Tavares/RBA cooperative
Município gaúcho de Ipê é considerado um dos pioneiros na produção de alimentos orgânicos
Eduardo Tavares/RBA Leonardo
Leonardo: produtor familiar enfrenta dificuldades
A produção se concentra nos agricultores familiares organizados em associações ou cooperativas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também incentiva do cultivo de orgânicos nos assentamentos. A Cooperativa Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), na Grande Porto Alegre, reúne 30 famílias assentadas numa área de 600 hectares, desde 1995. Segundo o diretor Airton Rubenich, o empreendimento produz por mês 40 mil litros de leite, e por ano 268 toneladas de carne de suíno e 2 mil toneladas de arroz. "Tudo orgânico. A maior parte da produção é adquirida pelas prefeituras de São Paulo e Porto Alegre para a merenda escolar e pelo programa Fome Zero."
O agricultor Gilmar Bellé, formado em Economia, dirigente da Cooperativa Aecia e vereador no município de Antonio Prado, vai toda quarta-feira de caminhão a Porto Alegre, levando sua produção e a de outros cooperativados para vender na Feira Cultural da Biodiversidade. Ele é pioneiro na produção de orgânicos. Participou da criação da cooperativa em 1989, junto com outros jovens atuantes na Pastoral da Juventude Rural. A iniciativa é sucesso comercial. Produz 500 toneladas de hortifrutigranjeiros e mais 500 toneladas de alimentos processados nas suas agroindústrias. Além das feiras, vendem para redes de supermercados, como Zaffari e Pão de Açúcar. Negociam tudo o que produzem pelo preço que estabelecem.
As 23 famílias da cooperativa têm bom padrão de vida. A de José Tondello comprova. Seus filhos Jonas, de 23 anos, estudante de Processos Gerenciais, e Neiva, 20 anos, dizem, enquanto colhem moranguinhos, que nem pensam em sair do campo. A mesma opinião tem Maiara Marcon, de 24 anos, que largou o curso de Educação Física para ajudar seu pai na produção de mudas e desenvolver um projeto de ecoturismo no sítio em Ipê.
Eduardo Tavares/RBA padrão de vida
Maiara largou curso para ajudar o pai e desenvolver projeto de ecoturismo

Biodinâmicos

Na Fazenda Capão Alto das Criúvas, no município Sentinela do Sul, a 100 quilômetros de Porto Alegre, o engenheiro agrônomo João Volkmann produz, desde 1989, arroz orgânico e biodinâmico. Em 182 hectares, João extrai 5 toneladas por hectare. O arroz Volkmann foi o primeiro a receber certificado de biodinâmico no Brasil; abastece o mercado interno e é exportado para os Estados Unidos, Alemanha, Bolívia e Uruguai. Desenvolvidos por Rudolf Steiner, criador da Antroposofia, os preparados biodinâmicos usados pelo produtor são elaborados a partir de cristais e plantas medicinais, constituindo uma fitoterapia para que as plantas cumpram melhor sua função e tenham mais potencial nutritivo. "No sistema de produção biodinâmico, a propriedade é vista como um organismo agrícola vivo e espiritual. Os objetivos são a cura da terra, o bem-estar dos agricultores, a produção de alimentos sadios para o consumidor e o desenvolvimento da espiritualidade."
Eduardo Tavares/RBA Airton
Airton: produção inclui leite, carne suína e arroz
Eduardo Tavares/RBA Começo
Alexandre iniciou projeto em feira ecológica. A consumidora Fabiane apoia
Sua fazenda promove cursos e estágios gratuitos. Um dos alunos, João Kranz, é diretor da agroindústria da Cooperativa Ecocitrus, em Montenegro, a 55 quilômetros de Porto Alegre. É a maior produtora brasileira de suco, polpa e óleo essencial de laranja e tangerina e exporta quase tudo para a Alemanha. Das 75 famílias associadas, 12 produzem com preparados biodinâmicos que, segundo Kranz, aumentam a produtividade e propiciam excelente relação custo/benefício.
As redes de supermercados vendem cerca de 70% da produção de orgânicos no Brasil, mas os preços são maiores que os de produtos da agricultura convencional. A alternativa são as feiras livres, onde o produtor vende direto para o consumidor e cria outros vínculos. As feiras estão presentes em todas as capitais brasileiras. Porto Alegre tem sete por semana. A mais antiga é a Feira Ecológica da Redenção – funciona há 25 anos todos os sábados. Anselmo Kanaan, veterinário e coordenador da Feira da Biodiversidade do Menino Deus, constata que tem aumentado o número de consumidores com problemas de saúde que buscam novos hábitos alimentares. A feira tem 24 módulos, e todos têm certificação de produtores orgânicos.
Entre eles está Gilmar Bellé, de Antônio Prado, com um avental, carregando caixas de tomates. Na banca ao lado, Alexandre Baptista, o Ali, é o mais novo produtor, e está iniciando um projeto bem-sucedido e consolidado na Europa e Japão: o CSA (da sigla em ingles A Comunidade Financia o Agricultor). São 30 famílias que pagam mensalmente R$ 93 e recebem toda semana uma cesta com oito produtos diferentes. Dessa maneira é garantido o escoamento da sua produção. A advogada Fabiane Galli é uma das apoiadoras. "As crianças não adoecem e têm muita vitalidade", diz Fabiane, mãe de três crianças e há nove anos consumindo produtos orgânicos.
Grãos
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/109/comida-ou-veneno-comida-4464.html

Dá licença, que sou pai...

Aos poucos, homens descobrem o prazer de cuidar dos filhos, deixam para trás a figura de provedor do lar e engrossam o caldo cultural para uma sociedade mais igualitária
 
por Luciana Ackermann - Sociedade e família 
 
VITOR VOGEL/RBA
Nova posturaVinícius: compartilhando visões do mundo com Pedro
Há quem diga que uma das mudanças comportamentais mais interessantes dos últimos anos é o novo papel do homem como pai. E seu desejo crescente de ser mais ativo no cuidado diário e na formação dos filhos. Não faltam tentativas de encontrar um termo que dê conta dessa transformação, ainda um tanto lenta – paternidade participativa, paternidade ativa, novo pai, pai cuidador, pai presente, paizão... Mas trata-se de um fato contemporâneo que tem tudo para afetar profundamente a sociedade, considerando que a maior participação dos pais no cotidiano dos filhos ajuda a romper o ciclo cultural de que cabe à mulher, mesmo a que trabalha fora, dedicar-se à prole e à casa.
Essa nova postura do homem também contribui para a emancipação das mulheres a partir da divisão mais igualitária das funções, como acontece com o casal Perrota, o advogado Julio, de 40 anos, e a economista Bruna, de 37. "Sempre gostei do meu trabalho, me esforcei muito para passar em concurso público, tive oportunidade de crescimento e quando me tornei mãe não quis ter de abrir mão de tudo que conquistei", diz Bruna, que eventualmente viaja a trabalho e, com frequência, participa de reuniões que excedem o expediente.
THIAGO RIPPER/RBA Julio
Julio e as filhas: descobertas
Perrota, que tem um negócio próprio, conta que busca ao máximo dar o suporte necessário para que a mulher continue a trilhar o caminho dela. "Tenho certeza de que nossas filhas terão orgulho da mãe. Penso que para a formação das meninas também será muito positivo ter dentro de casa essa referência de uma mulher bem-sucedida e realizada profissionalmente", defende. O advogado se surpreendeu com a própria habilidade nos cuidados diários com Gabriela, de 6 anos, e Giovana, de 3. "Eu não ligava para crianças. Quando perdemos a primeira gestação de gêmeas, a ideia da paternidade amadureceu muito. Chorei uma semana. Quando a Bruna engravidou de novo, acompanhava as consultas de pré-natal, ultras, participei de tudo", lembra.
Com a possibilidade de ter uma rotina profissional mais flexível, Julio assumiu tarefas como levar as filhas e buscá-las na creche, dar comida, banho, arrumar, acompanhar nas festinhas e consultas. "Foi o Julio que deu banho na Gabi até o sexto mês. Ainda grávida, fizemos um curso no hospital e fiquei com muito medo dessa aula. Depois, com a Gabi nos braços, eu pós-operada, o Julio quis dar o primeiro banho. Ficou todo orgulhoso, fez tudo certo e aí foi indo. Ele também trocava fraldas, colocava as roupinhas, sempre fez o que fosse preciso", conta Bruna.
Em 2013, a família mudou de bairro para que a mãe pudesse ficar mais próxima do trabalho e ganhar tempo com as meninas e o marido. "É puxado, mas sempre fiz tudo com prazer", diz Julio. "Agora, elas estão maiores, nós nos mudamos. Está mais tranquilo. Quando ela chega mais tarde, as meninas já jantaram e tomaram banho."

Grupo de mães

O palhaço Vinicius Daumas, de 41 anos, gestor da ONG Circo Crescer e Viver, é o único pai do grupo de mães do WhatsApp da classe de Pedro, de 9 anos. Diariamente revisa os deveres, leva e busca, acompanha a festinhas infantis. Para Vinicius, sempre será melhor duas pessoas cuidando: "São dois olhares, duas visões de mundo. Esse convívio é gratificante, uma troca interessante. Em cada fase que o Pedro entra, eu a redescubro com ele. O cuidado cotidiano que tenho com ele, certamente, fortalece a nossa ligação".
Caçula da família, crescido em meio às irmãs e "titio" com apenas 6 anos, Vinicius despertou desde cedo para o ato de cuidar. Por quase um ano, chegou a cuidar praticamente sozinho do filho enquanto a mãe, que é atriz, gravava uma novela em outro estado. "Pedro estava com 3 anos, eu preparava tudo. Foi um suporte importante para que Carol (sua mulher à época) pudesse dedicar-se à carreira. Isso também aconteceu em outros momentos com as peças de teatro e gravações de filmes", conta o palhaço-gestor. Depois da separação, há dois anos, Pedro passou a morar com a mãe e a avó materna. Depois de uma viagem por três países da Europa, durante um mês, em companhia do filho, Vinicius se recuperou da dor da separação. "Foi enorme a cumplicidade, o acolhimento e a afetividade. Nunca esqueceremos o que passamos juntos."
Há três anos, o gestor participou da Campanha de Paternidade e Cuidado Você é meu Pai. Na ocasião, foi montada uma exposição fotográfica sobre paternidade, no Rio de Janeiro. A ação foi parte da campanha global MenCare, promovida por uma organização não governamental, Instituto Promundo, que atua em diversos países promovendo a igualdade de gênero e a prevenção da violência, com foco no envolvimento de homens e mulheres na transformação de masculinidades, e incentiva as relações afetivas e de cuidado entre pais e filhos.

Cenário desigual

De acordo com dados do instituto, em todo o mundo mulheres, que representam 40% da população ocupada, e meninas continuam a assumir a maioria das atividades familiares. A participação limitada dos homens em cuidados com as crianças continua a ser uma grande barreira para a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres. No Brasil, elas gastam, em média, 20 horas por semana cuidando dos filhos e do lar, enquanto os homens dedicam pouco mais de dez horas. "A direção está certa, mas nesse ritmo lento só daqui a 50 anos se chegará à equidade", afirma o psicólogo Gary Barker, diretor internacional do Promundo.
Durante dois anos, integrantes da organização se debruçaram em pesquisas sobre a participação dos homens na paternidade nos sistemas da Organização das Nações Unidas (ONU), do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de universidades. "A falta de dados consistentes revela a invisibilidade do tema, que é muito grave, pois o que você não consegue mensurar, não existe, com exceção dos países escandinavos, Canadá, Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, onde há pesquisas", diz Barker.
THIAGO RIPPER/RBA felicidade
“Ser pai mudou o meu jeito de pensar”, diz Marcio, com Maria Luiza no colo
Segundo ele, o ciclo da desvalorização na remuneração da mulher, que ganha 24% menos que os homens, em média, é o principal entrave no mundo inteiro para uma sociedade mais igualitária. "Se alguém precisar se retirar do mercado de trabalho para cuidar dos filhos, fatalmente será quem ganha menos. Para quebrar esse ciclo, é fundamental valorizar o trabalho feminino, aumentar o número de creches subsidiadas e o período de licença-paternidade", afirma o psicólogo. Ele destaca experiências testadas nos países escandinavos nos anos 1980, como a licença-parental com períodos destinados aos pais, às mães e podendo ser divididos entre eles. Porém, como o pagamento baseava-se no salário das mulheres, o que implicaria num corte no orçamento familiar, muitos homens não quiseram usufruir de tal direito.
Na década seguinte, dois ajustes fizeram a diferença, segundo Barker, à impossibilidade de transferir o tempo destinado ao homem, assim como à aplicação da remuneração que cada um recebia. O percentual de homens que usava a licença-paternidade, que era de 10% a 20%, saltou para 90%. Islândia, Noruega e Sué­cia têm sistemas parecidos, um ano de licença-parental – dois meses no mínimo são destinados exclusivamente aos pais, e a partir daí cada casal faz a combinação que preferir. "Para o mundo fica o exemplo de que é possível avançarmos nesse caminho, pois essas economias ricas não caíram aos pedaços porque os pais estão tendo um tempo remunerado para cuidar de seus filhos."
No Brasil, a licença-paternidade é de apenas cinco dias. Há alguns projetos de lei no Congresso que visam a aumentar esse período para 15 e 30 dias, ainda um abismo gigantesco perto dos 120 a 180 dias a que as mulheres têm direito. Para Mariana Azevedo, socióloga e coordenadora-geral do Instituto Papai, avanços vêm sendo incorporados em diversos setores da sociedade, como a inclusão do tema nas negociações de acordos coletivos de trabalho ou o estímulo à inserção dos homens nas consultas de pré-natal das companheiras, parte da Política Nacional de Saúde do Homem do Ministério da Saúde desde 2009. "É preciso sistematizar essa política e capacitar profissionais de saúde para lidar com essa conquista da sociedade", reforça Mariana.
A socióloga destaca a guarda partilhada entre casais separados como meio de desconstruir a ideia de que a mãe é única pessoa responsável ou capaz de cuidar dos filhos. Ela admite que é crescente o debate público em torno do novo papel do pai, da licença-paternidade e da divisão de tarefas nos lares. Mas considera que também mulheres – esposas, mães e sogras – ainda precisam abrir a guarda e encorajar os pais. Muitas ainda insistem com aquela velha opinião de que o homem não combina com cuidados e tarefas domésticas, e acabam atropelando o pai.
Não há um consenso sobre essa prática no lar do gerente de marketing Marcio Vellozo, de 42 anos, e da advogada Andréa Luiza Belém Gouveia, de 43. Andréa se sente sobrecarregada, mas Vellozo diz que ela e a sogra fazem quase tudo em relação à filha Maria Luíza, de 2 anos, e à casa. "Ele gosta de passear com a Malu, o que ajuda, porque só assim consigo fazer alguma coisa para mim", resume a advogada.
Vellozo defende-se: "Já troquei fraldas, dei de mamar, fazia arrotar, sabia fazer o melhor embrulho na Maluzinha. Só não faço mais porque a Malu é louca pela mãe e cola nela", justifica. Quanto aos passeios: "Eu não ando na rua com a Malu, eu desfilo. É a maior felicidade ser pai, a gente entra num outro mundo. Mudou meu jeito de pensar, não consigo nem explicar", diz. "Quero levá-la no primeiro dia na escola, na aula de natação. Ao pediatra eu já vou e continuarei indo. Todo final de semana levo a Malu ao parquinho do Fluminense e quando ela estiver maior vai comigo ao Maracanã", avisa.
Psicólogo com doutorado em desenvolvimento infanto-juvenil, Gary Barker ressalta que a participação efetiva do pai nos cuidados das crianças, assim como nas tarefas domésticas, reduz o nível de estresse ao eliminar a sobrecarga que recai sobre a mulher. "Num lar sem estresse, identificamos maior rendimento escolar e desenvolvimento cognitivo entre crianças. Os homens se sentem mais felizes quando conseguem cuidar dos filhos, percebem relações mais próximas e tendem a cuidar mais da própria saúde."

THIAGO RIPPER/RBA estar junto


“Sempre gostei de crianças”, diz Edson, pai de Maria Clara (foto) e de Pedro. “Quando me tornei pai, quis aproveitar cada instante”
O produtor de cinema Edson da Silva Costa, de 50 anos, lembra que ainda na infância sua mãe costumava dizer que ele nasceu para ser pai. "Sempre gostei de crianças. Quando me tornei pai, quis aproveitar cada instante. Estar junto, fazer comida, cuidar, dar banho. Não consigo entender um homem que não fique feliz em cuidar dos filhos", diz Edson, que tem Pedro, de 23 anos, e Maria Clara, de 13, de dois casamentos. O menino tinha 3 anos quando ficou viúvo. "Jamais passou pela minha cabeça deixá-lo com os avós. Eu já cuidava de muita coisa em casa, era só continuar", relembra.
Na segunda união, também participou de cada fase de Maria, mesmo com as idas e vindas do casal, que acabou se separando. "Nunca faltei ou cheguei atrasado nos meus dias com a minha filha, inclusive a Maria, quando a mãe se mudou para São Paulo, não quis ir e passou a morar comigo e com o Pedro em Niterói, por um ano e meio", destaca. Maria concorda com o pai e diz sentir saudades desse tempo.
Hoje, Pedro faz faculdade em Minas Gerais, a mãe de Maria voltou a morar no Rio, com a adolescente e a nova família, e Edson deixou Niterói. "Não existe isso de eu escolher um ou outro. Todo mundo dizia que o meu lugar era ao lado da minha mãe. Mas meu pai sempre cuidou muito bem de mim e do meu irmão. O que me incomodava era eu ter de me explicar porque eu vivia com ele e não com ela. Puro machismo. No fundo e de um jeito diferente, meu pai e minha mãe querem a mesma coisa, que eu me torne uma pessoa cada vez melhor", diz a adolescente.
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/109/da-licenca-que-sou-pai-7408.html

Conhecido economista Paul Krugman: políticas atuais agravarão crise, não culpe a China

Terremotos financeiros e fragilidade da economia global têm causas profundas. Resposta convencional – cortar gastos públicos e elevar juros – é a pior possível.
 
A crise é do capitalismo!
 
por Paul Krugman - site Outras Palavras - Sociedade e Oscilações Globais de Economia
 
CC0 Domínio Público
moeda.jpgQue está causando as quedas abruptas das bolsas de valores? O que elas significam para o futuro? 
Ninguém tem muitas respostas.
Tentativas de explicar as oscilações diárias nos mercados são normalmente insanas: uma pesquisa em tempo real sobre o crash de 1987 da bolsa de Nova York não encontrou evidência alguma para nenhuma das explicações que os economistas e jornalistas ofereceram para o fato. Descobriram, ao invés disso, que as pessoas estavam vendendo ações porque – você adivinhou! – os preços caíam. E o mercado de ações é um péssimo guia sobre o futuro da economia. Paul Samuelson brincou, certa vez, que os mercados haviam previsto nove das cinco recessões anteriores, e nada havia mudado a este respeito…
De qualquer forma, os investidores estão claramente nervosos – e têm boas razões para isso. Nos EUA, as notícias econômicas mais recentes são boas (ainda que não ótimas), mas o mundo como um todo parece muito propenso a acidentes. Há sete anos, vivemos numa economia global que tropeça de crise em crise. Cada vez que uma parte do mundo finalmente parece colocar-se em pé, outra despenca.
Mas por que a economia mundial continua capengando?
Na superfície, parece uma sucessão incomum de azares. Primeiro, o estouro da bolha imobiliária e a crise bancária desencadeada em consequência. Então, quando o pior parecia haver passado, a Europa mergulhou numa crise de dívidas e numa recessão em dois mergulhos. A Europa ao fim alcançou uma estabilidade precária e começou a crescer de novo – mas agora, assistimos a grandes problemas na China e em outros mercados emergentes, que haviam sido pilares de força.
Contudo, não se trata de acidentes sem relação entre si. Estamos, na verdade, vivendo o que sempre ocorre quando muito dinheiro está em busca de poucas oportunidades de investimento
Mais de uma década atrás, Ben Bernanke, então o presidente do banco central dos EUA (FED), argumento que a disparada do déficit comercial norte-americano não era o resultado de fatores domésticos, mas de uma “abundância global de poupança”. Um volume de poupança muito maior que o de investimentos – na China e em outras nações em desenvolvimento, provocado em parte pelas políticas adotadas em reação à crise asiática dos anos 1990 – estava deslocando-se para os EUA, em busca de lucros. Ele alertou levemente para o fato de que o capital que entrava não estava sendo canalizado para investimentos produtivos, mas para imóveis. É claro que o alerta deveria ter sido muito mais forte (alguns de nós o fizemos). Mas a sugestão de que o boom imobiliário dos EUA era em parte causado por fraqueza em economias de outros países permanece válido.
É claro que o boom converteu-se numa bolha, que provocou enorme estrago ao estourar. E não foi o fim da história. Houve também uma inundação de capitais, da Alemanha e outros países do norte da Europa, para a Espanha, Portugal e Grécia. Isso também provocou a formação de uma bolha, cujo estouro, em 2009-2010 precipitou a crise do euro.
E ainda não acabou. Quando os EUA e a Europa deixaram de ser destinos atraentes para o capital [devido à redução das taxas de juro a quase zero], a abundância global saiu em busca de novas bolhas a inflar, levando moedas como o real brasileiro a altas insustentáveis. Não poderia durar e agora estamos em meio a uma crise de mercados emergentes que faz alguns observadores lembrarem-se da Ásia nos anos 1990 – lembre-se, onde tudo começou.
Portanto, para onde o fluxo cambiante da abundância aponta agora? Talvez, de novo para os EUA, onde um novo fluxo de capitais externos provoca a alta do dólar e pode tornar a indústria novamente não-competitiva.
O que provoca a abundância global? Provavelmente, uma soma de fatores. O crescimento populacional está arrefecendo em todo o mundo e, apesar de toda a fanfarra com as últimas tecnologias, elas não parecem criar nem um grande aumento de produtividade, nem demanda para investimentos. A ideologia da austeridade, que conduziu a um enfraquecimento sem precedentes dos gastos públicos, ampliou o problema. E a inflação baixa, em todo mundo, que significa taxas de juros baixas, mesmo quando as economias estão crescendo aceleradamente, reduziu o espaço para cortar estas taxas, quando as economias se contraem. Qualquer que seja o mix preciso das causas, o importante agora é que os governos assumam seriamente a possibilidade – eu diria probabilidade – de que excesso de poupança e fraqueza econômica global tenha se tornado a nova normalidade.
Minha percepção é de que há, hoje, uma profunda falta de vontade política, mesmo entre governantes sofisticados, para aceitar esta realidade. Em parte, é devido a interesses especiais: Wall Street e os mercados não gostam de ouvir que um mundo instável requer regulação financeira, e os políticos que desejam matar o estado de bem-estar social não querem ouvir que os gastos governamentais não são um problema, no cenário atual.
Mas há também, estou convencido, uma espécie de preconceito emocional contra a própria noção de abundância global. Políticos e tecnocratas gostam de se enxergar como pessoas sérias, que tomam decisões difíceis – como cortar programas populares e elevar taxas de juros. Eles não querem ser informados de que estamos num mundo em que políticas aparentemente rigorosas irão tornar as coisas piores. Mas nós estamos, e elas vão.
Tradução de Antonio Martins
http://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2015/08/paulo-krugman-politica-atuais-agravarao-crise-nao-culpe-a-china-3876.html