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9.01.2017

Nosso padrão de consumo ajuda a derrubar a Amazônia



por Leonardo Sakamoto* para Instituto Humanitas Unisinos - Sociedade e Degradação Ambiental na Amazônia 

Não é novidade que Michel Temer tem rifado a qualidade de vida desta e das futuras gerações em nome da manutenção no poder de seu grupo político denunciado por corrupção. Faz a vontade de uma parte do setor produtivo e do Congresso Nacional que prega uma política de terra arrasada em nome de uma ideia distorcida de progresso. A redução da proteção na Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, ou o ataque direito aos direitos de populações indígenas a seus territórios (que apresentam, em média, taxas de conservação maiores que as unidades sob responsabilidade direta do governo) são exemplos disso.


Também não é novidade que Dilma Rousseff não se importava com a questão ambiental. Um dos maiores crimes cometidos contra a Amazônia, seus povos e trabalhadores em nossa história recente responde pelo nome de usina hidrelétrica de Belo Monte, menina dos olhos da ex-presidente. Comunidades indígenas e ribeirinhas impactadas e deslocadas, trabalhadores mortos, tráficos de pessoas para exploração sexual a fim de atender aos canteiros de obras, criação de novos vetores de desmatamento, ocupação desordenada do solo urbano e rural, tudo contribuindo para mudanças climáticas. Ironicamente Dilma estava ao lado de um modelo de desenvolvimento predatório e violento que foi levado a cabo durante a ditadura contra a qual ela bravamente lutou.
Poderíamos citar todos os mandatários da Nova República e dar especial ênfase aos ditadores entre 1964 e 1985 nessa lista suja. Mas o que as pessoas esquecem é que esse modelo de terra arrasada serve para abastecer um padrão de consumo, vendido em publicidades brilhantes, propagandas excitantes e merchãs delirantes, que nós abraçamos bovinamente sem questionar.
Sim, a panela de alumínio com a qual muitos resumem sua participação na vida pública bebeu energia e comeu minerais extraídos da Amazônia brasileira para abastecer as indústrias nacional e estrangeira. Sim, muitos bens de consumo têm em seu custo o desaparecimento de aldeias indígenas e o desmatamento ilegal.
De onde você acha que vem o aço de nossos automóveis? E o couro dos estofados? E a madeira utilizada no processo de construção de nossas casas e apartamentos? E a carne que comemos diariamente? E a soja que está em muitos de nossos produtos industrializados e na ração de outros animais? E o dendê dos agrocombustíveis? E o ouro dos circuitos eletrônicos? Nem todos são produzidos de forma danosa ao meio e ao ser humano, claro, mas muita coisa se vai sem controle algum.
Há hidrelétricas de grande porte planejadas para serem construídas na Amazônia Legal, em rios como o Tapajós, o Tocantins e o Apiacás, dependendo apenas da retomada econômica. Tendo em vista os graves impactos causados no meio ambiente, em trabalhadores rurais e em populações tradicionais em processos como os das usinas de Estreito, Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, temos ideia do festival de loucuras que isso vai causar.
Do que adianta não questionar os padrões de comportamento ao qual todos nós – e não me excluo desse coletivo – estamos inseridos e depois colocar uma foto nas redes sociais do tipo ”SOS Amazônia”? Você busca se informar sobre o impacto de seu consumo e, a partir daí, questiona-los e aos fornecedores dos seus produtos preferidos?
Muitos defendem a mudança no comportamento da sociedade para combater a destruição do meio ambiente, mas, no sigilo do carrinho de supermercado, continuam comprando um produto mesmo sabendo que ele está envolvido em danos ambientais. Autointulam-se ecoconscientes, porque é bonito e pega bem (é hype, sabe?), mas sustentam uma pegada ecológica do tamanho de um mundo.
No âmbito da disputa de discursos, a necessidade de garantir o futuro do planeta já está relativamente bem posicionado na sociedade brasileira, mesmo não sendo a sua prioridade principal. O problema é como esse discurso é usado ou absorvido.
Por exemplo, muitos ruralistas ao dizerem que concordam com ”desmatamento zero” estão apenas lavando sua marca. Mas não explicitam as ressalvas que impõem – o que é igual àquelas propagandas de carros em que o cidadão vê apenas as “36 vezes de R$ 300,00”, mas quando vai comprar quase tem um ataque cardíaco porque na letrinha miúda aparecem outras quatro parcelas intermediárias de R$ 40.000,00 que o anúncio não informou. Ou seja, sem mais desmate além do permitido pela reserva legal na Amazônia, mas com um amplo e irrestrito perdão das burradas já feitas, com a autorização para pôr o vizinho Cerrado abaixo, com rios de dinheiro para manter a floresta de pé, ignorando direitos de indígenas e quilombolas a seus territórios…
Como escreveu Cecília Meireles no Romanceiro da Inconfidência, “todos querem a liberdade, mas quem por ela trabalha?” Desconfio que poucos. A maioria segue escondida no conforto do anonimato, defendendo o seu, fazendo meia dúzia de ações insignificantes para dormir sem o peso da consciência e o resto que se dane.
Não querem mudanças no modelo de desenvolvimento que impactaria nosso ”American Way of Life” que importamos, apenas reciclam latinhas de alumínio e dão três descargas a menos no vaso sanitário por dia. E, pior, acreditam em promessas sem lastro, só por um discurso bonitinho, mas completamente ordinário, que não vale o esterco em que são adubadas em tempos de eleições.
Dessa forma, seguimos nossa cruzada em prol do desenvolvimento a todo o custo. Para produzir e, assim, exportar, gerar divisas, pagar juros de empréstimos, e assim poder contrair mais empréstimos e investir na produção. Não sem antes destruir outro lugar e outra comunidade. Que pode ser indígena, mas também ribeirinha, camponesa, quilombola, caiçara ou mesmo moradores da periferia de grandes cidades.
Estou falando algo além do boicote, que é um instrumento muito importante, mas não resolve sozinho de forma estrutural. Precisamos fazer acompanhamento crítico de nosso consumo no cotidiano.
Porque consumir é um ato político. Quando você compra algo, está depositando seu voto na forma como aquele produto foi feita, não apenas em sua estética, mas também em sua ética.
Como já disse aqui antes, isso não é um chamado à culpa, o que não leva a nada. E só podemos defender consumo consciente se, antes, ajudarmos a população a se informar sobre o que acontece. Atuo com a investigação de cadeias produtivas do agronegócio e do extrativismo desde 2003, tendo coordenado o rastreamento de mais de mil unidades produtivas. Ao mesmo tempo, tenho um doutorado exatamente sobre esse tema. Isso não me torna autoridade de nada, mas me permite dar meu testemunho pessoal: a mudança é lenta, muito lenta, mas possível.
Isso é um lembrete que todos temos responsabilidade, uns mais outros menos. A nossa, claro, é menor do que a dos governos e de empresários do agronegócio, do extrativismo, da indústria, do varejo e do sistema financeiro. Mas temos um papel a cumprir, preferindo políticos e produtos que atuam em nome da qualidade de vida e excluindo do rol de possibilidades quem não se importa com o meio e as pessoas que nele vivem. Lembrando que não há debate possível que não passe por repensar o próprio capitalismo.
Lutar contra a pilhagem da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal é difícil, porque aprendemos a gostar do conforto das coisas a um preço baixo. Mas necessário. Porque se pagamos um valor módico é que alguém, a milhares de quilômetros de onde você se encontra, está pagando um preço muito caro pela sua alegria.



Leonardo Sakamoto*, jornalista e cientista social, em artigo publicado em seu blog em 30-08-2017


http://www.ihu.unisinos.br/571253-nao-e-so-temer-nosso-padrao-de-consumo-ajuda-a-derrubar-a-amazonia

Ao 'fugir' da disputa da comunicação, governos populares deram espaço ao golpe



Erros da esquerda que teriam dado brecha ao golpe e à surra nas urnas em 2016 continuam sendo cometidos pelas gestões progressistas

por Cida de Oliveira para Rede Brasil Atual  - Sociedade e Desmanche da Comunicação Pública

Créditos da foto: KARLOS GEROMY
São Luís – A “regressão civilizatória” por meio do desmanche do pouco que se conquistou no país em termos de direitos sociais é fruto da derrota da esquerda brasileira e dos governos democráticos e populares na disputa da comunicação. A análise é do presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, o Miro, durante o painel que discutiu o papel das secretarias de comunicação, na tarde deste sábado (26), já no encerramento do seminário Os desafios da Comunicação nas Administrações Públicas, em São Luís, Maranhão.

“Subestimamos a comunicação. Tivemos avanços no segundo mandato de Lula, mas com Dilma houve retrocesso nessa disputa. E pelo jeito, não aprendemos nada com essa derrota”, disse. A conclusão, segundo ele, está no desinteresse das mais de 300 prefeituras de todo o país comandadas pelo PT, PSB, Psol, PCdoB e Rede que não manifestaram disposição para debater o tema neste primeiro seminário, que contou com apoio do governo de Flávio Dino, no Maranhão. “Um horror. Não fazemos a disputa. Para se ter uma ideia  há sites desatualizados há tempos; sem campo para contatos, telefones, nada. Parece que queremos continuar apanhando”, disse.

Para ele, há experiências interessantes, como as apresentadas neste mesmo seminário que começou na noite de sexta-feira (25/ago) e se estendeu ao longo de todo o sábado. Entre elas, a do município de Maricá, no Rio de Janeiro, que constituiu uma equipe multidisciplinar na área de comunicação que formula estratégias para todos os meios de comunicação disponíveis para informar as ações, serviços e políticas da gestão – desde rádios de poste e carro de som até programas de TV em canais nas redes sociais. E a prefeitura fluminense confirmou apoio para a realização do segundo seminário para voltar a debater a comunicação e gestão pública.

Outro bom exemplo é o do Maranhão, que revitalizou a rádio estatal Timbira, que já é a segunda mais ouvida no estado, e investe no fortalecimento das rádios comunitárias, entre outras ações. O pioneirismo da gestão do petista Jaques Wagner, na Bahia, que além de derrotar nas urnas a oligarquia de Antonio Carlos Magalhães (ACM), encarou o desafio de realizar a conferência estadual de comunicação e de ter criado o primeiro Conselho Estadual do setor sob o comando do engenheiro à frente da pasta Robinson Almeida (PT), atual deputado estadual.

“Mas em geral as experiências são muito negativas; foi uma dificuldade impressionante convocar esse evento. Temos aqui representantes de dez estados. Era para ter muitos gestores aqui. A impressão que dá é que as secretarias de comunicação estão ainda seguindo o modelo tradicional, para mexer com publicidade e fazer assessoria de imprensa. E das mequetrefes. Acho que vamos ter de repensar tudo isso e dar contribuição ao processo. Precisamos debater mais e ver mecanismos para envolver mais a sociedade para que não se confunda mais liberdade de expressão com liberdade de monopólio”.

Lembrando que os recursos empregados por gestores em publicidade são públicos, o que é legítimo, Miro defendeu a democratização na distribuição dessas verbas. Para ele, não apenas os veículos de maior circulação ou audiência devem ser contemplados. Mas também os pequenos, como forma de incentivo para o fortalecimento da diversidade e da pluralidade na comunicação.
 Além de novos seminários, Miro propõe a formação de um grupo para troca de experiências de gestões já a partir da próxima semana, e uma agenda de debates nos dez estados que tiveram representação em São Luís.
Aparelho midiático tradicional
A última mesa do seminário em São Luís teve a participação do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência durante o governo Lula, Franklin Martins, do ex-secretário de Comunicação do Estado da Bahia e atual deputado Robinson Almeida (PT-BA), e Sandra Recalde, da equipe de comunicação da prefeitura de Maricá.

Franklin Martins, que considera não haver receita pronta para comunicação na gestão pública – cada caso é um caso –, acredita que há na esquerda muito político que ganha a eleição e esquece que tem pela frente a disputa da comunicação e que a oposição tem todo o seu aparelho midiático em defesa de sua agenda e interesses. Ele lembrou que Lula, no começo do governo, dava poucas entrevistas e amargava "derrotas de 5 a zero" para a oposição e todo seu aparato hegemônico.

Destacou que os governos têm de estar preparados para o enfrentamento do massacre midiático. “A verdade só prevalecerá se for exposta em cada ambiente político, em cada disputa, em cada momento, até vencer”. E que o partido, ou a coligação, não podem ser inocentes e achar que a oposição, por meio da mídia, terá boa vontade. “Nessa conjuntura atual, é considerado inimigo todo aquele que está ao lado do povo. Por isso tem de ser destruído.”

Para Robinson Almeida, é preciso entender que os gestores vão lidar com a mídia tradicional, tornando-se assim clientes. “Isso empodera o gestor, que vai sentar à mesa para negociar. Então a aplicação das verbas publicitárias precisa atender a critérios técnicos, mas também a critérios políticos e institucionais”.

Na sua avaliação, os governos petistas erraram ao permitir a manutenção da lógica de concentração econômica dos meios ao não encaminhar os resultados da Conferência Nacional de Comunicação realizada em 2009. Entre outras coisas, a conferência defendeu a atualização do marco regulatório, tendo como princípios fundamentais o direito à comunicação, a participação social e o respeito e estímulo à diversidade. “Temos que fazer a autocrítica para continuarmos o enfrentamento”.

Empresa Brasileira de Comunicações ( EBC)
No debate sobre a radiodifusão pública e comunitária, a jornalista e fundadora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) Tereza Cruvinel lembrou as dificuldades para a criação e instalação da empresa em meio a uma conjuntura desfavorável, dos anos de pancadaria e distorção e da cobertura pré-golpe. "Temer logo avançou contra a empresa e a comunicação. Suspendeu editais para rádios comunitárias e recentemente anunciou a fusão da NBR com a EBC", criticou.

O jornalista e professor aposentado da USP Laurindo Lalo Leal Filho destacou a criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), em 2007, como maior acerto de um governo popular e democrático no área. “A medida, que Juscelino Kubstcheck não tomou por ter sido ameaçado por Assis Chateaubriand nos anos 50, colocou o Brasil no mesmo patamar das democracias ocidentais que têm suas TVs estatais, a exemplo da Inglaterra, que tem a BBC”, disse.

Segundo Lalo, que foi ouvidor da empresa, havia ali um conselho curador com representantes de todos os segmentos da sociedade brasileira, que estabelecia as diretrizes da programação. “O jornalismo crescia e se mostrava uma alternativa, com pautas que eram proibidas em outras emissoras.”

A independência da linha editorial da estatal nos governos petistas foi destacada pelo  jornalista Ricardo Melo, que foi nomeado presidente da empresa e teve a nomeação revogada por Michel Temer, logo após o golpe. “Até o início do governo golpista, a EBC nunca foi correia de transmissão do governo. Nunca recebi ordens, uma ligação que seja, para determinar que a cobertura fosse assim ou assado”, disse, lembrando que a extinção do conselho curador elogiado por Lalo foi a primeira iniciativa para transformar a empresa de comunicação pública em veículo de propaganda do governo. “Em seguida acabou com o mandato do presidente  e acabou com a dotação orçamentária que dava autonomia. Hoje há censura no noticiário, com mudança até nos títulos das matérias.”
 

Internet
A internet também foi debatida no seminário principalmente como ferramenta a ser usada pelo poder público para maior transparência, participação popular e fortalecimento da democracia, como na realização de consultas e plebiscitos.

O diretor da agência de comunicação Cobra Criada, Leandro Fortes, destacou a força da internet na reorganização da forma de se fazer comunicação. “Confortável ou não, temos de nos adaptar. A questão é que, para o usuário, há uma mudança importante: o fim do intermediário entre ele e a informação. O trabalho básico do jornalista, em última instância, é dar às pessoas a capacidade de compreender o mundo através da sua visão. Agora, essa relação mudou”.

Esse novo cenário traz novidades também para a administração pública. “Se o governador fala alguma coisa em seu Twitter, a mídia tem que pescar a informação no ambiente do governador, o que dificulta a mentira e desinformação, ainda que existam”, disse Fortes.

O editor do Portal Fórum, Renato Rovai, falou sobre a transição da sociedade industrial para a sociedade da informação e os desafios e oportunidades trazidos para a comunicação. “Hoje é possível organizar atos dos movimentos sociais. Pensar comunicação tem que ser de forma conectada com esses novos modos de vida”, ressalta. “O prefeito de São Paulo, João Doria, demonstra ter entendido isso bem mais que os gestores progressistas”.

As políticas de comunicação, dentro de todos os órgãos e secretárias, têm de ser estratégicas para o governo, segundo Rovai. “Comunicação do governo não pode ser divulgação de feitos e defesa do mandato”, alerta, argumentando que “fazer comunicação em tempos como o que vivemos é investir no aprofundamento do processo democrático e de intervenção popular”.

A coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, lembrou da submissão do país aos ditames do mercado quando se trata de políticas de acesso à Internet. “A questão do acesso é um gargalo estrutural. Temos 60 milhões de domicílios no Brasil e 34 milhões estão conectados. Ou seja, 50% dos domicílios do país. No Maranhão, 40% dos domicílios têm algum tipo de acesso à Internet – 60% não tem”, diz. “A esmagadora maioria desses números têm acesso apenas a partir do aparelho celular, e não Internet fixa, o que configura um acesso precário”

Renata criticou a maneira como o assunto tem sido tratado no Brasil e defendeu  a Internet como um direito e um serviço essencial, que tem de ser prestado pelo poder público. “Pelas lei brasileira, a Internet não é um serviço essencial e por isso segue as regras do mercado”.

Em meio a esse cenário, é dever do poder público agir de forma a induzir, econômica e socialmente, o desenvolvimento da Internet e das tecnologias da informação. “É o Estado que tem que fazer um contrapeso para que esse quadro não se torne prejudicial à sociedade, até porque a sociedade tende a se dividir ainda mais com os rumos que as corporações da Internet têm tomado”.

http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Ao-fugir-da-disputa-da-comunicacao-governos-populares-deram-espaco-ao-golpe/4/38767