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11.14.2014

O Brasil das Desigualdades

A ampliação das atividades do Estado contraria os chavões que pregam a sua ineficiência e permite enfrentar a desigualdade no país.
por Marcio Pochmann - sociedade e emprego
EVELSON DE FREITAS/FOLHAPRESS
papel do estado novembro 14Participação do Estado é essencial no estímulo ao crescimento do emprego no país. O reposicionamento do Estado foi fundamental para o estabelecimento da nova trajetória do desenvolvimento brasileiro desde o ano de 2003. Se comparado ao Estado que vigia no regime militar (1964-1985) ou durante a experiência neoliberal dos anos de 1990, podem ser constatadas mudanças consideráveis.
Inicialmente pela queda relativa no peso do emprego público no total da ocupação, de 12,2% na década de 1980 para 11,3% nos anos 2000. A diminuição da participação dos servidores públicos no total da ocupação nacional se deu paralelamente à elevação do conjunto do gasto do setor público (descontado o pagamento com juros da dívida pública), de 22,8% para 30,2% do Produto Interno Bruto (PIB), no mesmo período de tempo.
A ampliação do peso relativo do Estado no gasto total com a diminuição da participação do emprego público não resultou na piora do desempenho da administração do setor público. Pelo contrário, observa-se uma melhora geral nos anos 2000 acompanhada tanto pela ampliação no número de beneficiários dos programas de garantia de renda como da previdência e assistência social.
Entre os anos de 1980 e 2000, por exemplo, a parcela dos beneficiários atendidos pelos programas sociais passou de 6,5% para 33,1% do conjunto da população. Resumidamente, constata-se a ampliação em 5,1 vezes no contingente beneficiado pelos programas de transferência sociais, enquanto a somatória dos recursos públicos comprometidos com as políticas sociais relacionadas ao PIB foi duplicada. No mesmo sentido, registra-se também que na década de 2000 a quantidade de recursos públicos comprometidos com as transferências sociais alcançou 15,3% do PIB. Nos anos 1980, os gastos sociais representavam 7,3% do PIB.
Além dos programas sociais, pode-se destacar os avanços em atividades como educação e saúde públicas. Durante a década de 1980, havia cerca de 22 milhões de matrículas no ensino básico no Brasil, o que significou apenas três quintos do que passou a existir nos anos 2000, posto que o setor público responde por mais de 80% da oferta educacional do país. Na saúde, a função estratégica do Sistema Único de Saúde, que apresenta dimensões significativas de atendimento quantitativo e qualitativo. A incorporação de praticamente a totalidade da população é, por si só, algo jamais registrado em todo o país, ademais da diversidade de especializações no atendimento populacional.
De tudo isso, percebe-se, de imediato, que a ladainha neoliberal, que prega a ineficiência do Estado, se apresenta cada vez mais enfraquecida. Por um lado, a ampliação das atividades do Estado permitiu enfrentar a desigualdade no país, bem como a elevação do padrão de vida do conjunto da população, especialmente dos segmentos de menor rendimento.
Por outro lado, observa-se um avanço da produtividade no setor público brasileiro. Na década de 2000, verifica-se a elevação nos ganhos de produtividade frente a ampliação das funções do Estado e do gasto público paralelamente ao decréscimo relativo da quantidade de funcionários público. Para a segunda década do século 21, torna-se importante considerar novas demandas que surgem em função da transição do país para uma sociedade de serviços. Recorda-se que parcela significativa das reivindicações da sociedade em junho de 2013 localizou-se no tema dos serviços (educação, saúde, transportes, entre outros), o que exige uma reformulação do Estado em busca da matricialidade e interdisciplinaridade das funções e orçamento público.
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/101/marcio-pochamann-o-novo-papel-do-estado-6180.html

A fábula petista

  Por Frei Betto - do Rio de Janeiro - sociedade e poder

"Com o tempo, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto da cigarra. O projeto de Brasil deu lugar ao de poder."
Rep/Web
A disputa presidencial se resumiu em um verbo predominante na campanha: desconstruir. Em 12 anos de governo, o PT construiu, sim, um Brasil melhor, com índices sociais “nunca vistos antes na história deste país”. Porém, como partido, houve progressiva desconstrução.
A história do PT tem seu resumo emblemático na fábula “A cigarra e a formiga”, de Ésopo, popularizada por La Fontaine. Nas décadas de 80 e 90, o partido se fortaleceu com filiados e militantes trabalhando como formigas na base social, obtendo expressiva capilaridade nacional graças às Comunidades Eclesiais de Base, ao sindicalismo, aos movimentos sociais, respaldados por remanescentes da esquerda antiditadura e intelectuais renomados.
No fundo dos quintais, havia núcleos de base. Incutia-se na militância formação política, princípios ideológicos e metas programáticas. O PT se destacava como o partido da ética, dos pobres e da opção pelo socialismo.
À medida que alcançou funções de poder, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto presunçoso da cigarra. O projeto de Brasil cedeu lugar ao projeto de poder. O caixa do partido, antes abastecido por militantes, “profissionalizou-se”. Os núcleos de base desapareceram. E os princípios éticos foram maculados pela minoria de líderes envolvidos em maracutaias.
Agora, a cigarra está assustada. Seu canto já não é afinado nem ecoa com tanta credibilidade. Decresceu o número de sua bancada no Congresso Nacional. A proximidade do inverno é uma ameaça.
Mas onde está a formiga com suas provisões? Em 12 anos, os êxitos de políticas sociais e diplomacia independente não foram consolidados pela proposta originária do PT: “Organizar a classe trabalhadora” e os excluídos.
Os avanços socioeconômicos coincidiram com o retrocesso político. Em 12 anos de governo, o PT despolitizou a nação. Preferiu assegurar governabilidade com alianças partidárias, muitas delas espúrias, em vez de estreitar laços com seu esteio de origem, os movimentos sociais.
Tomara que Dilma cumpra sua promessa de campanha de avançar nesse quesito, sobretudo no que diz respeito ao diálogo permanente com a juventude, os sem-terra e os sem-teto, os povos indígenas e os quilombolas.
O PT até agora robusteceu o mercado financeiro e deu passos tímidos na reforma agrária. Agradou as empreiteiras e pouco fez pelos atingidos por barragens. Respaldou o agronegócio e aprovou um Código Florestal aplaudido por quem desmata e agride o meio ambiente.
É injusto e ingênuo pôr a culpa da apertada e sofrida vitória do PT nas eleições de 2014 no desempenho de Dilma.
Se o PT pretende se refundar, terá que abandonar a postura altiva de cigarra e voltar a pisar no chão duro do povo brasileiro, esse imenso formigueiro que, hoje, tem mais acesso a bens materiais, como carro e telefone celular, mas nem tanto a bens espirituais: consciência crítica, organização política e compromisso com a conquista de “outros mundos possíveis”.
Frei Betto, é assessor de movimentos sociais e escritor.
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/a-fabula-petista/739685/