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11.20.2015

Crianças: como lidar com a ansiedade de na escola?


  • Em entrevista, o psicólogo americano Philip Kendall diz que os pais e professores deveriam prestar mais atenção aos alunos ansiosos



Menina com ansiedade
Crianças muito ansiosas tem mais chance de apresentar transtornos na vida adulta
Crianças que sofrem de muita ansiedade não costumam ser vistas como um problema na escola. Para o psicólogo Philip Kendall, porém, professores e pais precisam prestar mais atenção aos sinais de alto nível de ansiedade em seus alunos e filhos.  “A ansidade por vezes passa despercebida. Mas, se nada for feito, o problema aparece depois”, afirma o professor da universidade norte-americana de Temple, na Filadélfia.
Segundo Kendall, crianças ansiosas tendem a apresentar mais chance de desenvolver transtornos de ansiedade ou depressão na vida adulta. O psicólogo conversou com Carta Educação em Porto Alegre (RS), onde ministrou um curso sobre o tema no I Congresso Wainer de Psicoterapias.*
Carta Educação: As causas da ansiedade são conhecidas? Por que algumas pessoas são ansiosas e outras não?
Philip Kendall: Existe uma resposta simples: não. Mas temos algumas indicações e evidências de que a ansiedade é parte biológica, parte cognitiva e parte relacionada ao meio em que se vive. Assim, uma criança pode ter um pai ansioso, mas não ser ansiosa e vice versa. Não é automático. Da mesma forma, não é porque você teve uma experiência assustadora quando criança que automaticamente se tornará uma pessoa ansiosa. Quando olhamos não para a causa, mas para aquilo que mantêm as crianças ansiosas, aí temos temos mais propriedade. As famílias, os professores e o meio em que a criança vive têm um papel importante tanto em manter a ansiedade indesejada quanto na sua redução.
CE: Como a escola ou o professor pode identificar um aluno ansioso?
PK: Há uma notícia boa e outra ruim. Na verdade, crianças moderadamente ansiosas costumam ser boas alunas: elas são motivadas, obedientes, fazem a lição de casa e se importam. Por isso, o professor não costuma identificá-la como um problema, até porque ela não é. Mas uma forma de identificar um caso de ansiedade extrema é observar o que a criança evita. Quando uma criança diz: “Eu não posso fazer isso porque estou com medo”, isto é, quando o medo torna-se uma justificativa para não realizar alguma atividade. Existem testes e entrevistas, mas eles levam tempo. Acredito que o melhor sinal para o professor é se perguntar: “a criança está evitando alguma coisa?”  
CE: Por que é importante para o professor se importar com o nível de ansiedade de seus alunos?

PK: A maioria dos adultos e dos professores estão preocupados com crianças que inflingem a lei, roubam, carregam armas, etc. Tendemos a não nos preocupar com crianças ansiosas porque elas não nos incomodam. Mas, na verdade, quando eles não interagem com seus pares, estão mais propensos a  desenvolver, mais tarde, problemas psicológicos. A ansiedade é por vezes passa despercebida e, outras vezes, não é dada a devida atenção a ela. Mas, se você não fizer nada, o problema vai aparecer depois. Crianças ansiosas tem uma maior probabilidade de sofrer transtornos de ansiedade, maior probabilidade de desenvolver depressão, abuso de substância e suicídio na idade adulta. Se você tratar as crianças, pode reduzir esses problemas nos adultos.
CE: A ansiedade interfere na aprendizagem?

PK: Níveis muito baixos de ansiedade não são positivos, pois a criança pode dizer: “Eu tenho um teste importante amanhã, mas não me importo”. Níveis altos também não são bons. O que é melhor é o intermediário, isto é, a ansiedade moderada. A ansiedade moderada é bastante funcional. A ansiedade interfere na aprendizagem? Quando é muita alta, sim. Quando é moderada, na verdade, ela ajuda.
CE: Então a ansiedade em si não é uma coisa ruim.
PK: Sim, ela só é nociva se for muito intensa.
CE: O senhor afirmou que pais e professores tendem a fazer ajustes quando lidam com crianças ansiosas. Por que isso, ao contrário do que diz o senso comum, não é bom?
PK: Quando um pai ou mãe fica emocionalmente abalado ao ver a criança muito ansiosa ou chateada, a solução mais rápida é eliminar a causa da ansiedade na criança. Por exemplo, a criança tem medo de andar de carro, então você anda com ele de ônibus. É uma solução rápida, mas, com o tempo, ela na verdade piora a situação. Os efeitos de curto prazo desses ajustes é reduzir instantaneamente a angústia da criança mas, no longo prazo, os efeitos são indesejados. Isso torna cada vez mais difícil para a criança andar de carro, porque eles sentem que não são capazes de fazê-lo. Eles se tornam convencidos de que não conseguem.
CE: A superproteção de uma criança também contribui para agravar os casos de ansiedade?
PK: Sim. Na vida, você aprende na escola, por meio de seus pais e com seus erros. Se você não comete nenhum erro, você não aprende. Se você passa 10 anos da  sua vida com a mamãe e o papai te protegendo de tudo, quando algo der errado você não saberá o que fazer. Se os seus pais não deixam você interagir com seus amigos para te proteger, quando você precisar fazer algo que os envolva, você não saberá como agir. A superproteção cria uma criança que não está preparada para a vida adulta.
CE: As pessoas estão mais ansiosas hoje do que há 100 anos?
PK: Sim. A tendência atual é ir na direção errada. Na minha infância você ia para a escola, lá brincava e depois provavelmente fazia esportes ou tocava um instrumento musical – mas tudo era organizado pelas crianças. Hoje em dia, especialmente nos Estados Unidos, os pais organizam a brincadeira das crianças. As crianças não brincam, eles tem “playdates”. Em vez de se reunirem como crianças e inventarem um jogo, eles tem pais que dizem qual será o jogo e quais regras precisam ser seguidas. As crianças estão sob controle parental até quando deveriam estar só brincando. A brincadeira deveria acontecer livremente, sem a interferência dos adultos, brincar é saudável, é bom para as crianças, é assim que eles aprendem a se relacionar com os outros. Quando a brincadeira é muito organizada, você retira um estágio importante do desenvolvimento mental.
CE: E no longo prazo? As pessoas se tornam mais ansiosas?
PK: Um pouco mais ansiosas, e também mais isoladas.
CE: Que tipo de comportamento da parte do professor pode aumentar o nível de ansiedade nos alunos?
PK: A impossibilidade de prever eventos e a impunidade. Na vida, nós podemos nos tornar menos ansiosos quando é possível minimamente fazer previsões e controlar a situação. Quando você sabe que horas é preciso ir para algum lugar ou sabe que o Sol vai se levantar amanhã, por exemplo. O que torna as as pessoas mais ansiosas é quando não é possível prever. E se você não soubesse se amanhã terá emprego ou se haverá comida em sua mesa? A imprevisibilidade nos deixa com a senção de “o que eu vou fazer”? Quando pais e professores são explosivos, gritam, e esse comportamento é imprevisível, ele deixa a criança pensando: “quando vai acontecer de novo? Pode ser a qualquer momento”. 
CE: Que tipo de recomendações ou conselhos você daria a um professor para que ele se relacione melhor com alunos ansiosos?
PK: Eu diria: dê a eles oportunidades, pouco a pouco, de serem mais corajosos. Não espere seus alunos irem de ansiosos para não-ansiosos. Trata-se de um processo lento, com pequenos passos ou pequenas oportunidades para agir com mais coragem. Se a criança tem medo de falar em sala de aula, não o coloque em frente aos seus colegas imediatamente, dê uma chance para que ele fique brevemente em frente da classe ou responda a pergunta simples. Dê a ele oportunidades graduais para enfrentar as situações com coragem.
CE: O que acontece se o professor também for ansioso?
PK: Isso não é nada bom. Na vida, se você é exposto a pessoas sem medo, ansiedade ou preocupações, você acaba acreditando que essa é a forma de se viver a vida. Nós queremos que as crianças ansiosas sejam expostas a pessoas capazes, elas mesmas, de tomar algumas atitudes. Porque não é possível controlar tudo e, se você não tentar, você nunca vai saber. Um professor disposto a deixar a criança a tentar, ela conseguindo ou não, é uma boa coisa.

CE: Que tipo de informação os professores e os gestores públicos deveriam saber sobre a ansiedade?
PK: Ansiedade é uma coisa normal. As emoções não são boas ou ruim. Se seu desejo é que o produto final seja pessoas corajosas, engajadas e bem-sucedidas, não crie crianças medrosas e preocupadas. Crianças medrosas e preocupadas, em geral, não não se tornam adultos corajosos e bem sucedidos. Elas se tornam adultos ansiosos, medrosos e preocupados.
* A jornalista viajou à Porto Alegre a convite do Wainer Psicologia Cognitiva
http://www.cartaeducacao.com.br/entrevistas/como-lidar-com-a-ansiedade-na-escola/

Por que o mercado de orgânicos ainda não deslanchou no Brasil?

  • Especialistas afirmam que há interesse dos consumidores e que futuro é promissor, mas setor esbarra numa série de dificuldades para os produtores
Por Jean-Philip Struck para Deutsche Welle - Sociedade e Alimentos Orgânicos (fonte no final)

Carlos Alberto/Imprensa MG
Agricultura-familiar
O mercado de orgânicos no Brasil é uma iniciativa de pequenos agricultores
O Brasil figura desde 2009 como o líder mundial no consumo de agrotóxicos. Na contramão dessa tendência, o mercado de alimentos orgânicos, que foca numa produção mais saudável, vem crescendo no país nos últimos anos.
O setor, no entanto, ainda enfrenta vários problemas, como dificuldades de logística, excesso de burocracia e carência de insumos.
Não há estatísticas oficiais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) sobre o volume de orgânicos produzidos e comercializados no país. Só estão disponíveis estimativas elaboradas com base em dados de associações de supermercados e de produtores, que não conseguem abranger todo o mercado.
Segundo o Organics Brasil, um programa ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), uma das poucas organizações que compila esses dados, o mercado de orgânicos vem crescendo a uma taxa de quase 40% ao ano – um número bem superior às médias registradas nos Estados Unidos e na Alemanha, alguns dos maiores mercados de orgânicos do mundo.
Só que esse crescimento se dá sobre uma base que era bastante diminuta há até poucos anos. "A legislação nacional sobre orgânicos só foi regulamentada em 2011, o que só permitiu a entrada de muitas empresas e produtores há pouco tempo", afirma Ming Liu, coordenador executivo do Organics Brasil. "Nos EUA, a legislação já está em vigor desde 2000. Estamos mais de uma década atrás."
Segundo as estimativas do projeto, o mercado de orgânicos no Brasil teve receitas de 2 bilhões de reais em 2014, um número pouco expressivo diante dos 468 bilhões de todo o setor agropecuário no ano passado, e responde por apenas 0,4% do total produzido no país.
O volume ainda está bem atrás de mercados já tradicionais, como os EUA e a Alemanha, onde o setor responde por 4% a 5% do total produzido. Nos EUA, o maior mercado do mundo, os alimentos orgânicos geraram receitas de 35 bilhões de dólares em 2014.
Plantação
É só uma questão de tempo para que grande empresas entrem no mercado com força / Arnaldo Alves/ANPr

Futuro promissorNo Brasil, o mercado de orgânicos ainda é uma iniciativa típica de pequenos agricultores e extrativistas familiares e de alguns poucos empresários ousados.
"Ainda não há nada parecido no país com grandes redes de orgânicos, como a Bio Company, na Alemanha, e a Whole Foods, nos EUA. Nós ainda estamos com o mercado em formação", afirma Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos da Sociedade Nacional de Agricultura. "Ainda assim, é possível ver que o mercado está crescendo por causa de algumas amostras, como as feiras livres de orgânicos, que vêm aumentando o faturamento", afirma.
O Mapa afirma que existem 11 mil agricultores no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos. Já o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) calcula que haja mais de 400 feiras livres no país. Mesmo assim, não é possível saber exatamente qual foi o mercado total abocanhado por esses produtores e feirantes.
Para Lyu, é só uma questão de tempo para que grande empresas entrem no mercado com força. "Já existem iniciativas nesse sentido. Gigantes do varejo, como Casino, Carrefour e Walmart, já oferecem centenas de produtos orgânicos para o consumidor brasileiro. Nas lojas do grupo Casino, por exemplo, os orgânicos já respondem por 1,5% dos produtos comercializados. Outras empresas, como a Coca-Cola, já lançaram chá-mate orgânico", afirma.
Ambos os especialistas afirmam que, apesar de muitos problemas, o futuro dos orgânicos no Brasil é promissor. "O mercado de orgânicos no Brasil não está sendo empurrado por empresas que tentam vender um produto mais saudável, mas pelo consumidor que está mais preocupado com a sua saúde. As empresas tentam correr atrás. A demanda já está estabelecida, só falta uma cadeia produtora mais organizada", afirma Wachsner.
Entre os problemas da cadeia, além das típicas dificuldades de logística enfrentadas por todos os setores produtivos no Brasil, está a falta de insumos para a elaboração de produtos orgânicos de valor agregado, o que faz com que a oferta ao consumidor seja limitada aos produtos primários.
"Quem quer produzir chocolate orgânico, por exemplo, muitas vezes não consegue por meses obter cacau que se enquadre nas regras porque o cultivo ainda é muito pequeno", afirma Wachsner.
Para Ming, o setor em que a falta de insumos é mais evidente é a pecuária, pois a produção de carne e laticínios orgânicos é praticamente insignificante. "Poucos produtores brasileiros conseguem comprar com regularidade rações que não incluam sementes ou produtos geneticamente modificados. Muitas vezes, quando esse tipo de proteína vegetal está disponível, o agricultor prefere exportar o produto, provocando escassez para os empresários locais", afirma. "Nós temos uma demanda maior que a oferta."

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O mercado interno de orgânicos ainda é tímido / Arnaldo Alves/ ANPr
Dificuldades também para exportar Se o mercado interno de orgânicos ainda é tímido, o setor de exportações está ainda mais atrás, apesar da vocação brasileira para a exportação de alimentos.
De acordo com os dados da Organics Brasil, o país exportou 136 milhões de dólares em produtos orgânicos, como açúcar, castanhas e óleos vegetais, em 2014.
Segundo Liu, um dos principais problemas para as exportações é a falta de acordos entre o Brasil e outros países e blocos que normatizem as regras para a concessão do selo de produto orgânico.
A legislação brasileira regulamentada em 2011 fez com que o Brasil seguisse vários padrões praticados no exterior, mas também criou novos mecanismos.
Entre eles estão os chamados "sistemas participativos de garantia" e o "controle social para a venda direta sem certificação", que são mais baseados na confiança e na relação entre associações, produtores individuais e consumidores – e que dispensam a atuação sistemática de empresas certificadoras.
"Blocos como a União Europeia não querem nem ouvir falar disso, preferem as auditorias porque temem manipulação ou falsificação. Isso faz com que o exportador brasileiro tenha que procurar certificar seus produtos duas vezes, uma vez aqui e outra no exterior, o que encarece o produto, já que não há equivalência entre o selo brasileiro e os estrangeiros. Por isso o Brasil continua a exportar só orgânicos primários e não produtos de mais valor agregado, já que a certificação deles lá fora seria mais demorada", afirma Liu.
A falta de acordos também prejudica as importações. "Um supermercado que importar uma barrinha de cereal do exterior vai ter que procurar certificação para cada um dos ingredientes usados se quiser vendê-la como orgânica. É um processo longo e complicado. Algumas redes chegam ao ponto de retirar o selo estrangeiro de 'orgânico' dos seus rótulos para evitar a burocracia, mesmo que isso signifique frustrar consumidores que procuram os produtos", afirma.
http://www.cartacapital.com.br/economia/por-que-o-mercado-de-organicos-ainda-nao-deslanchou-no-brasil-1987.html