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10.20.2015

Crise fabricada e terrorismo de mercado

  • Emprego e renda como meta

  • Intelectuais de correntes progressistas questionam intensidade recessiva do ajuste fiscal e formulam propostas de condução da economia mais voltadas ao crescimento e menos reféns do terrorismo de mercado
por Helder Lima, da Rede Brasil Atual - Sociedade e Economia Social
Se nas duas gestões de Lula e na primeira de Dilma o país criou 20 milhões de empregos formais, neste ano corre o risco de perder 1 milhão dessas vagas. A renda do trabalho também dá sinais de queda – em agosto caiu 3,5% em relação ao mesmo mês do ano anterior. “A questão fundamental é financeira. Há países com dívida bruta três vezes maior que a do Brasil que pagam a metade dos juros praticados aqui. Esse é o grande desajuste fiscal brasileiro”, afirma o economista e professor da Unicamp Eduardo Fagnani, um dos autores do documento Por um Brasil Justo e Democrático.
Nessa discussão, é difícil separar política de economia. Na verdade, para Fagnani, o cenário econômico foi contaminado pelo cenário político, pois a crise não encontra nos dados a gravidade defendida pelos “neoliberais”. Mais do que isso, o economista identifica um esforço da direita em desconstruir o governo. “Então, é uma crise totalmente fabricada, de certa forma, pelo terrorismo econômico do mercado”, mesmo em meio a um cenário em que FMI, Banco Mundial e diversos países já fazem autocrítica à austeridade fiscal. Confira outros tópicos da entrevista concedida por Fagnani à Revista do Brasil.

Cenário internacional
Quando você olha os outros países, especialmente os desenvolvidos, nota que o desemprego cresce em geral, com exceção dos Estados Unidos mais recentemente. A inflação no Brasil não estava fora de controle. Entre 2009 e 2014, todos os países desenvolvidos têm déficits primários de mais de 5% ao ano. O Brasil durante 14 anos fez superávit primário em torno de 3% do PIB. Nenhum outro país do mundo fez esse esforço. Com o déficit de 0,6% no ano passado querem criar uma sensação de caos, e mesmo o déficit nominal, que incorpora os juros, desde o começo da década passada é em torno de 5% do PIB. A mudança expressiva ocorre somente em 2014, com aumento para 6,7%.

Dívida interna
A dívida interna em relação ao PIB baixou, do começo da década passada até 2013, de 60% do PIB para 33%. Em 2014, ela subiu um pouco, mas quando você olha a dívida interna em relação aos outros países ela está ótima. A dívida bruta é 65% do PIB no Brasil, nos Estados Unidos é 103%. Há países europeus com 150%, no Japão é 239%. Esse é o ponto de partida do documento que estamos lançando.

Erros do governo Dilma
Sim, foram cometidos erros na condução da política econômica do primeiro governo Dilma, mas não são os erros que os liberais dizem. Eles dizem que o mundo está maravilhoso e os problemas do Brasil têm a ver com a condução doméstica, a nova matriz econômica, excesso de intervenção do Estado etc. Isso é uma bobagem. Os desdobramentos da crise de 2008 ainda estão aí. Como efeito da desaceleração da economia global, as contas externas brasileiras pioraram. O que acontece na China não é uma nova crise, mas desdobramento de 2008.
Um dos equívocos do governo Dilma é que a partir de 2013 ela começa a aumentar os juros. Em 2013, a gente gastava cerca de 4,5% do PIB com pagamento de juros, passou para 5,5% do PIB no final de 2014 e este ano estamos em 8% do PIB. Isso contribuiu para a desaceleração da economia.

Alternativas no combate à inflação
A questão fundamental é que a inflação no Brasil não é de demanda, então, é inócuo aumentar a taxa de juros. Por outro lado, como você vai fazer um superávit primário e cortar despesas não financeiras se você aumenta a despesa financeira com a elevação dos juros? Como é que você faz um ajuste fiscal, se as despesas financeiras aumentam? O ajuste foi vendido como algo necessário para restabelecer a confiança dos empresários, que voltariam a investir, mas isso não tem sustentação. Se a economia global e a interna desaceleram com políticas de austeridade, você aprofunda a recessão. E a primeira reação dos empresários é não querer pagar mais impostos. Então, a receita cai mais. Isso acaba levando a um ajuste fiscal sem fim.

Questão social e desemprego
Nós saímos de 13% de desemprego em 2001 e 2002 para 4,8% em 2014. Agora já está em 8,6% e a previsão para o final do ano é que chegue a 9%. Em um ano de ajuste regredimos no esforço feito. Vários economistas neoliberais diziam em 2013 que não seria possível fazer a inflação voltar para o centro da meta com o pleno emprego, seria preciso demitir sim. Está aí o resultado. Vamos baixar a inflação com o desemprego. Isso é tarefa da política econômica?

Tripé macroeconômico
Nós seguimos no Brasil uma gestão ortodoxa do chamado tripé macroeconômico: regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. O Banco Central é independente, sua única missão é fazer a inflação ir para o centro da meta, e só tem uma bala na agulha, que é aumentar a taxa de juros. Essa gestão ortodoxa está superada, nem FMI e Banco Mundial defendem. Já fizeram uma autocrítica, diversos países já flexibilizaram esse tripé. Vários países adotam para o Banco Central duas missões: combater a inflação, mas cuidar do bem-estar e combater o desemprego. O FED (Banco Central norte-americano) faz isso. Por que há dois anos o FED retarda o aumento da taxa de juros? Entre outros fatores, porque ele sente que a recuperação do emprego está boa. Ou seja, até a meca do imperialismo tem a missão de combater a inflação e cuidar do desemprego.

Reformas conservadoras
Estão sendo propostas pelo Congresso Nacional reformas como o projeto de terceirização ilimitada. Elas podem cortar as pontes para um projeto de desenvolvimento. Vários mecanismos institucionais e financeiros estão sendo destruídos. Nosso objetivo é ampliar esse debate.

Desigualdade
O desafio do Brasil para o futuro é encarar a desigualdade, suas diversas faces, na renda, no trabalho, tributária, na riqueza agrária, na urbana, na oferta e no acesso de bens e serviços públicos, como saúde e educação. E a macroeconomia deveria estar a serviço desse projeto, assim como a consolidação da democracia e a reforma política. É fundamental manter as conquistas da Constituição de 1988 – um marco no processo civilizatório brasileiro. E essas conquistas estão ameaçadas. Tem economistas que passaram a transmitir em forma de mantra que você só vai resolver a questão fiscal no Brasil se nós revermos o pacto social da democratização. Estão culpando a cidadania, o fato de que depois de cinco séculos houve um avanço de direitos básicos. A crise econômica abre espaço para que propostas conservadoras voltem à cena e uma delas é essa. Não podemos ficar restritos ao debate imposto pelo setor financeiro.

Frente Brasil Popular
A nossa ideia a partir do lançamento do documento é ampliar os fóruns de debates em torno dessas questões, promover discussões. A gente vê a Frente Brasil Popular (lançada no início de setembro) como uma alternativa promissora para tentar aglutinar mais os setores da esquerda em defesa da democracia, da legalidade, dos direitos sociais, e para isso é fundamental você mudar a política econômica.

Essa opção liberal de política econômica impulsiona tentativas golpistas. A nossa democracia é um evento tão recente e incipiente e até para a defesa da democracia é necessário mudar a política econômica. Existem outras alternativas, existe uma outra agenda que a gente também tem de se debruçar sobre ela, e não ficar restrito à agenda proposta pelos setores conservadores e pelo sistema financeiro.
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http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/111/emprego-e-renda-como-meta-6179.html