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4.21.2021

As tendências e subterrâneos na superação do golpe político/judicial/militar

As organizações populares estão temporariamente órfãs de um projeto político concreto e duradouro. A disputa por conquistá-los está entre a pregação ultradireitista de Bolsonaro e o caminho democrático da democracia, que tem o dever de impulsionar sua penetração, com a ação e atividades populares de organização social ...

por redação de A Nova Democracia -  Sociedade e Desestruturação Sócio-Econômica Brasileira

A grave situação econômica e social de crise geral do (neo)capitalismo brasileiro, que hoje se mostra como a maior desestruturação da sociedade, é a base sobre a qual todas as explorações resultam em desgraças e sofrimento que acontecem em pleno século XXI. O fenômeno Bolsonaro e os que o acompanham nesta aventura golpista político/judicial/militar em curso desde 2013, insuflado através da lava-jato, operada com estrito acompanhamento e apoio do Alto Comando Militar (ACFA), e coordenado pelo departamento de estado dos Estados Unidos. São necessários muitas ações e enfrentamentos no país, para uma reação com resultados positivos. Somente um recrudescimento unido e consistente das forças políticas e movimentos sociais populares podem assegurar superar esse momento de elevadas perdas de vida devido à pandemia, assim como descomunal perda de direitos trabalhistas e previdenciário, além da ruptura quanto ao avanço da distribuição de renda, e volta milhões de brasileiras(os) a fome e a miséria social.

Essas tarefas hercúleas imediatas, confrontam com a desesperada sobrevivência de estratos humildes e sem proteção sócio-econômica de elevado percentual da população, frente ao capitalismo neoliberal destruidor. As classes dominantes, com os grandes detentores de capital, singularmente reunidos entre diversos monopólios e grupos políticos de poder, portanto sem visão do todo, e divididas na ambiciosa hegemonia do poder de estado, exigem da administração pública federal estratégias insanas e sem o menor constrangimento de desestruturação financeira no país. Essa é a tarefa que cumpre o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA), submetendo determinados grupos das classes dominantes, para impor direção única e assegurar a manutenção da totalidade da velha ordem burocrática-latifundiária e seu sistema de exploração e opressão.

Esse é o golpe que aplicaram, buscando manter sob seu controle, aprenderam com a experiência na ditadura de 1964. Por meio dos generais da reserva e alguns poucos da ativa, embrenharam-se no governo camuflado de civil, com a colaboração de Temer, do judiciário, políticos corruptos, alguns empresários sem escrúpulos, detentores de capital, seguindo posteriormente Bolsonaro e seu grupo. Mediante chantagens e ameaças de militares e civis inescrupulosos, utilizando para tanto a lava-jato entre outros meios ilícitos, liberando a atuação da extrema-direita elevando a tensão político-social, constrangendo e oprimindo as instituições civis e as forças políticas populares, assim como o centro-direita, incentivando oportunismos, de modo a tutelar e garantir que todo o desenrolar da situação política seja no rumo que previamente buscavam, no cumprimento das tarefas antissociais, de entrega do patrimônio público e destruição ambiental em plena pandemia global.

Portanto, o momento difícil que vive a nação deve-se a esses senhores generais, detentores de capital e setores do agronegócio, que se colocam acima da população desagregada. Primeiro, porque são eles o governo militar de fato. Segundo, porque sempre foram responsáveis por impedir a organização popular e a distribuição de renda em beneficio de uma sociedade integrada, e que busque sua autodeterminação e consequente libertação.

A liberdade de Luiz Inácio (Lula) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é um ingrediente relevante para um processo de alto risco, que se tornou a situação político-econômica e social brasileira. A decisão do STF é resultado do somatório de forças de centro-direita na Suprema Corte, buscando desconstruir a lava-jato (ou o lawfare), resultado da desmoralização do STF na participação do golpe em 2016, além da atuação hercúlea da defesa jurídica de  Lula, somado a divulgação dos dados  hackeados por Delgatti através do jornalista Grewn Grenweld no Intercept Brasil e outros meios de mídia.

A ultradireita militar embora indignada, nada pôde fazer sem que isso precipitasse uma crise institucional maior. Só lhe resta aproveitar da falsa polarização PT-Bolsonaro para melhor adaptar seu plano de continuidade pelas vias camufladas de institucionais legais.

Bolsonaro, um presidente fraco e com atitudes que beiram a psicopatia, tenta aproveitar a situação inusitada que tal manobra da centro-direita causou na opinião pública, tanto no governo federal, caserna, políticos, empresários e outros setores da sociedade. Isolado e percebendo o agravamento das dificuldades para o golpe por vias institucionais dos militares e poucos civis, busca oportunidade para criar instabilidade, galgando assim posições e, quem sabe, alcançar pequenos êxitos em seu plano de controlar o Alto Comando das Forças Armadas, no médio prazo, convencendo-os a uma aventura golpista. Fracassou e teve que engolir a demissão dos três ex-comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea, aumentando seu isolamento. Agora, Bolsonaro com queda na opinião pública detectada por pesquisas de opinião pública, refém da sanha voraz dos insaciáveis parlamentares do Centrão, sedentos por verbas no orçamento público federal distorcido, pressionado pela CPI do coronavírus, além de outras irregularidades inconstitucionais que tem cometido, depois de assumir a presidência.

Segundo os próprios articulistas da imprensa conservadora, Bolsonaro pressionou para que o alto oficialato da ativa se pronunciasse como fez Villas Bôas, na ocasião da libertação de Luiz Inácio (Lula), que foi impedida por alguns membros da alta cúpula do judiciário, como Moro e Carmem Silva (STF). Proposição de pronunciamentos antidemocráticos impedida pelo ministro militar Edson Pujol e, provavelmente, com o respaldo do ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo, uma vez que o Alto Comando das Forças Armadas busca desvincular a imagem dos militares, com a imagem de um governo genocida. Ato contínuo, a direita hegemônica no Alto Comando das Forças Armadas avançou mais posições: manteve postos chave e desmantelou mais um imbróglio que Bolsonaro detinha nas Relações Exteriores (ministro), em que as relações internacionais foram prejudicadas enormemente quanto aos negócios na obtenção da vacina com a China e Rússia, além de prejudicar o agronegócio e outros setores industriais. Bolsonaro obstinado, incrementou presença nas forças auxiliares estaduais (polícias militares), buscando mexer suas peças no tabuleiro e ser capaz de pressionar o Alto Comando das Forças Armadas como elemento instabilizador (vide a agitação de PM’s na Bahia).

Enganaram-se os que pensam que os generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto (novo ministro da Defesa) estão com Bolsonaro e contra os ex-comandantes militares que deixaram os postos, também erram os que creem que os substitutos são subordinados a Bolsonaro. A demissão dos três ex-comandantes das forças armadas, fato alimentado pelo Alto Comando das Forças Armadas para desgastar Bolsonaro junto a oficialidade, deu lugar à nomeação de outros três ministros militares, que mantêm a mesma posição dos anteriores ou até a tornam de forma mais explícita. O presidente colhe o enorme desgaste gerado pela sua tentativa, sempre desprezada na caserna, de intrigar para aprofundar a divisão no comando das forças armadas.

Com a manobra fracassada, o isolamento de Bolsonaro é tal, que o Alto Comando das Forças Armadas está em condição de consolidar a posição de frear os danos causados na pandemia, ocasionada pela política genocida do presidente e fracasso dos militares, com a qual os generais têm sido cúmplices, apaziguando para não dividir as forças armadas. Tentam reverter os fracassos na obtenção de vacinas e do plano de vacinação desacreditado, estando o nome da instituição ligado à ação criminosa do Ministério da Saúde no período em que Pazuello era ministro.

Na ação do governo federal, a corrida do Alto Comando das Forças Armadas é contra o tempo, na tentativa de frear a mortalidade, mesmo que a média diária tenha ultrapassado 4 mil pessoas, chegando próximo a 5 mil. Este fato pode precipitar revoltas, que até felizmente agora não ocorreram, mesmo com média diária de óbitos entre a população empobrecida e sem recursos por sobrevivência. Para manter-se no emprego e por achar um jeito de ir sobrevivendo, apesar da falta de atendimento à saúde, com o colapso hospitalar. Se tal processo acontecer, revolta popular ou manifestações dos movimentos sociais, será insustentável ao presidente da Câmara segurar o trâmite do processo de impeachment de Bolsonaro. Com isto, o risco são as justificativas para a intervenção militar das forças armadas, cenário que os militares procuram evitar de todas as formas, pois o desgaste da caserna é notório e profundo junto a população.

De olho nas eleições em 2022, o plano da direita do Alto Comando das Forças Armadas à médio prazo, se o governo se mantiver sem impeachment, pode tomar duas vias: usar da falsa polarização PT-Bolsonaro para abandonar a chapa do capitão presidente e embarcar em candidatura indicada pela direita, com capacidade de atrair a opinião pública anti-PT e mesmo alguns setores hoje bolsonaristas. Alguns dizem der Sérgio Moro excessivamente desgastado, outros sugerem outro candidato que possa vir a encabeçar uma chapa conservadora.

Tudo dependerá do desenvolvimento dos acontecimentos e da relação mútua entre as disputas entre os grupos políticos: extrema-direita, direita militar associada a civil, centro-direita (direita tradicional), oportunismo político e a própria população mobilizada, sobretudo, as que têm ação consciente. O oportunismo político conseguirá colher muito pouco. A libertação de Luiz Inácio não gerou a comoção que alguns imaginavam, demonstrando a fragilidade das instituições civis, do ponto de vista histórico-estratégico. Através desse ponto de vista, as organizações populares estão temporariamente órfãs de um projeto político concreto e duradouro. A disputa por conquistá-los está entre a pregação ultradireitista de Bolsonaro e o caminho democrático da democracia, que tem o dever de impulsionar sua penetração, com a ação e atividades populares de organização social.

A desestruturação militar que veio como nunca à superfície, é uma boa coisa para a reorganização popular. Alguns veem diante dos fatos os generais, como uma força estrutural. São os partidários das ilusões constitucionais e setores oportunistas detentores de capital e poder. Outros, honestos, vendo a atuação golpista dos generais, assustam-se e lamentam a morte temporária da democracia. A esses se responde: não se pode lamentar a morte de algo que sempre foi bastante frágil. A velha democracia é uma máscara, atrás da qual nunca deixaram de existir as torturas, as execuções, a miséria, a exploração dos humildes e a negação das liberdades democráticas, ainda que algumas delas fossem consentidas apenas para alguns e apenas enquanto não fossem inconvenientes. Muita coisa se desnuda.

E não há com o que se assustar. Tudo isso é mesmo sintoma e prenúncio dos tempos no qual estamos vivendo ou atuando: a época das descobertas e da transformação de um período que está acabando, que poderá conduzir a uma completa mudança da história humana universal. Haja visto a volta dos governos populares na América do Sul, como Argentina, Bolívia, provavelmente Peru e avanço por nova constituição no Chile e administração federal popular no México. Nos EUA, ocorre articulação de elevação da tributação sobre as grandes empresas, o que fatalmente pressionará a Europa a seguir o mesmo caminho. Na Inglaterra e França a tributação sobre gigantes da tecnologia como Google e outros avança. Porém, mudanças dessa plenitude são lentas e profundas. O curso sinuoso dos acontecimentos promete glórias para os povos que superarem as maiores infâmias públicas a que são submetidos. A união a uma sólida vanguarda popular, esse é o destino selado do povo brasileiro, se conseguir distanciar-se das armadilhas e desestruturação que as elites lhes impõem ao longo de sua longa história de subordinação popular, libertando-se dos cerceamentos democráticos.

Publicação na A Nova Democracia: 18 Abril 2021

 

Fonte:   https://anovademocracia.com.br/noticias/15566-as-tendencias-deste-golpe-militar