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11.05.2019

Óleo no Nordeste: uma dor que vai durar décadas


Durante seis dias, foram percorridos 2.101 quilômetros de quatro estados: Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Estivemos em 17 praias. Passamos por 14 rodovias. Nesse caminho, o que foi encontrado, além das indefectíveis manchas, sejam elas recentes ou outras que petrificaram por não terem sido removidas, foi gente com medo. O governo federal assumiu, no início da tragédia uma postura covarde, transferindo suas responsabilidades para as esferas estaduais e municipais

por Wilfred Gadêlha* na Revista Forum – Sociedade, Tragédia Ambiental no Nordeste e Descaso do Governo Federal

Foto: Wilfred Gadelha

Era dia 30 de agosto quando manchas negras surgiram no mar de nove praias da Paraíba, entre elas Tambaba, conhecida por ser um paraíso dos naturistas, no litoral sul do estado. Desde então, o Nordeste tem enfrentado uma hecatombe ambiental, social e econômica. O prejuízo é incalculável. Muito porque o governo federal assumiu, desde o início do problema, uma postura covarde, transferindo suas responsabilidades para as esferas estaduais e municipais, mentindo sobre as ações e sobre a origem do vazamento e, principalmente, deixando de repassar informações importantes para o combate à crise. Mais uma vez, deixou os nordestinos à própria sorte. Pior: essa dor será sentida por décadas.
Na última quinta-feira 31, de volta de viagem pela Ásia, o presidente Jair Bolsonaro disse, mais de dois meses após o início da maré negra, que “na semana que vem, talvez eu arrume um tempo para sobrevoar a região”. Nesse “talvez” ele pode aproveitar para, quem sabe, ver de perto o óleo que chegou à Ilha de Santa Bárbara, no arquipélago de Abrolhos, no sul da Bahia, um parque nacional marinho sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Os últimos números da tragédia são impactantes. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no sábado (2) dão conta de que 314 localidades de 110 municípios dos nove estados, entre praias, rios e ilhas, foram atingidos numa conta que ainda não está fechada.
Os danos que o óleo causa já estão sendo sentidos de várias maneiras. Do prejuízo para pescadores, marisqueiras, vendedores ambulantes e toda a cadeia econômica que depende do mar aos malefícios e doenças que o contato que voluntários e mais pessoas que tiveram com o petróleo. O quadro se agrava mais ainda pela falta de iniciativa do governo federal. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro se esquiva do assunto, o responsável por desencadear a reação e a defesa do litoral, o ministro Ricardo Salles, perde tempo divulgando fake news e brincando de mentir.
Durante seis dias, foram percorridos 2.101 quilômetros de quatro estados: Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Estivemos em 17 praias, de Brasília Teimosa, no Recife, a Itapuã, aquela da icônica canção de Toquinho e Vinicius de Moraes. Passamos por 14 rodovias, desde a BR-101 até as esburacadas SE-368 e SE-369, que levam ao município de Pirambu, onde se encontra a Reserva Biológica de Santa Isabel, uma das mais antigas bases do Projeto Tamar. Conversamos com 42 pessoas in loco, além de inúmeras outras, como especialistas, ambientalistas e integrantes da universidade. Encaramos 20 quilômetros pela beira-mar em Piaçabuçu até chegar à foz do Rio São Francisco, em Alagoas, e nos depararmos com manchas petrificadas de óleo a centenas de metros de onde deságua o Velho Chico.
Também nos deparamos com uma postura por parte dos órgãos federais que mistura censura e irresponsabilidade. Em plena crise, não havia um funcionário na Rebio de Santa Isabel. Chegamos a conversar por telefone com um analista ambiental, mas ele não quis repassar informações sobre o problema na Rebio. O mesmo com uma capitã da Marinha que coordenava a limpeza de um trecho de praia em Pontal do Peba, em Piaçabuçu. “Só posso dizer que a Marinha está empenhada em resolver o problema”, resumiu a militar que se identificou apenas como Larissa. Pior: nas praias de Caravelas, no sul da Bahia, próximo a Abrolhos, os pescadores locais tiveram seus telefones celulares bloqueados pelas autoridades que gerem a crise. “Tire a dúvida no silêncio…”, me disse um pescador de lá.

Medo nos olhos das pessoas
Nesse caminho, o que encontramos, além das indefectíveis manchas, sejam elas recentes ou outras que petrificaram por não terem sido removidas, foi gente com medo. Essa gente que já sofre no dia a dia para conseguir sobreviver. Vimos de perto o que o desastre vem causando: a sensação de que estamos sós nisso tudo.
Os pescadores se dividem entre aqueles que se resignam, esperando por algum tipo ajuda do governo, e os que se arriscam nos mares poluídos em busca do seu sustento. Na Lagoa do Pau, no município de Coruripe em Alagoas, encontramos um grupo que entrava no mar com sua jangada. Três homens empurravam a embarcação para dentro o oceano, com o tradicional uso de rolos de coqueiro – estes manchados de óleo -, na esperança de conseguir algum pescado. Agripino dos Santos, 73 anos, é um deles. “Esse problema é que esse óleo apareceu aqui e a gente não sabe de onde veio. O povo tá com medo de comer peixe por causa disso. Mas o óleo vem por cima e o peixe vem por baixo. Não está contaminado não”, ele diz, pouco antes de entrar no mar.

Sacos com resíduos recolhidos em frente à igreja de São Francisco, em Coruripe - AL (Foto: Wilfred Gadelha)

Esse tipo de reação é comum. A maioria dos trabalhadores da pesca com quem conversamos tentou nos convencer de que não há problema com os peixes, crustáceos e moluscos provenientes das praias atingidas. O problema é que isso já foi constatado. O Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) comprovou em estudo que animais marinhos coletados nas localidades de Praia do Forte, Itacimirim e Guarajuba estavam contaminados e ameaçam a saúde de quem consumir. Não é coincidência o fato de dona Marina ter passado mal, com vômito, diarreia e cólicas, depois de comer um peixe pescado na Praia do Forte, onde vive e vende acarajés. “Estou trabalhando aqui cheia de dores. Porque é o jeito”, lamentou ela.

Dona Marina (Foto: Wilfred Gadelha)

Em Porto Sauípe, em Entre Rios (BA), fomos a três peixarias. Duas estavam fechadas. Na terceira, o proprietário não quis dar entrevista, mas alegou que traz os peixes que vende de Santa Catarina, mostrando o freezer cheio. “E esse camarões?”, perguntei eu, diante de uma bacia cheia de crustáceos praticamente frescos. “São de viveiros”, despistou ele.

E o futuro dos pescadores e marisqueiras?
Levando-se em consideração a ausência de uma reação ligeira e coordenada por parte do governo federal, os próximos anos reservam um quadro sombrio. Para o pesquisador do Institute For The Future (IFTF), Jacques Barcia, os próximos dez anos serão marcados por muitos problemas. “Os efeitos reais de crimes ambientais só são sentidos no longo prazo. Mesmo que a crise do vazamento seja contida agora, o impacto do óleo na vida marinha e na saúde das pessoas só deve ser sentido ao longo da próxima década. Não me espantaria surgir uma doença misteriosa nos próximos anos que, eventualmente, será associada ao vazamento – como foi no caso da zika e os casos de microcefalia. Sem falar nos impactos para o turismo e piscicultura”, alerta Barcia.
Opinião similar tem o espanhol Hugo M. Ballesteros, doutor em economia aplicada e membro do Grupo de Economia Pesqueira da Universidade de Santiago de Compostela, na Galícia, Espanha, região que foi vítima de um vazamento de pelo menos 15 mil toneladas de petróleo em 2002. “Vai levar décadas para que os recursos naturais possam voltar a um estágio similar ao de antes do desastre. Os efeitos são imprevisíveis. É muito difícil saber o impacto real que tem uma maré negra. É preciso compromisso político”, reforça ele.

Dados oficiais do Ibama
Praias afetadas – 314
Municípios afetados – 110
Estados afetados – 9
Praias afetadas por Estado
Maranhão – 12
Piauí – 8
Ceará – 19
Rio Grande do Norte – 52
Paraíba – 17
Pernambuco – 39
Alagoas – 49
Sergipe – 21
Bahia – 97
Números da cobertura especial, financiada pelos leitores 
Praias visitadas – 17
Brasília Teimosa – Recife-PE
Barra de Jangada – Jaboatão dos Guararapes-PE
Carneiros – Tamandaré-PE
Maragogi – Maragogi-AL
Antunes – Maragogi-AL
Barreiras – Japaratinga-AL
Barreira do Boqueirão – Japaratinga-AL
Lagoa do Pau – Coruripe-AL
Pontal de Coruripe – Coruripe-AL
Pontal do Peba – Piaçabuçu-AL
Foz do Rio São Francisco – Piaçabuçu-AL
Praia de Pirambu – Pirambu-SE
Reserva Biológica de Santa Isabel – Pirambu-SE
Subaúma – Entre Rios-BA
Porto de Sauípe – Entre Rios-BA
Praia do Forte – Mata de São João-BA
Projeto Tamar – Mata de São João-BA
2.101 quilômetros percorridos
Estradas percorridas pela reportagem – 14
BR-101
PE-060
PE-072
PE-076
AL-101
AL-465
AL-105
SE-335
SE-440
BR-235
SE-368
SE-369
BA-099
BA-506
Entrevistas feitas – 42
Primeiro dia -12
Segundo dia – 9
Terceiro dia – 5
Quarto dia – 6
Quinto dia – 7
Sexto dia – 3
*Wilfred Gadelha é jornalista. Viajou por 2 mil quilômetros pelas praias do Nordeste para realizar a reportagem especial para a Revista Fórum sobre a tragédia ambiental do vazamento do óleo na região. Esta matéria só possível por conta do apoio dos leitores que participaram do financiamento.

https://revistaforum.com.br/brasil/tragedia-do-oleo-no-nordeste-uma-dor-que-vai-durar-decadas/