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3.01.2015

Visados na CPI do HSBC, tucanos voam para o mais longe possível

Sociedade e Fraudes 
Por Redação - de Brasília e São Paulo

Aécio (E) cumprimenta Aloysio, com Álvaro entre eles (C) e todos eles evitaram assinar o requerimento para a instalação da CPI do HSBC
Aécio (E) cumprimenta Aloysio, com Álvaro entre eles (C) e todos eles evitaram assinar o requerimento para a instalação da CPI do HSBC
Uma vez instalada, nesta sexta-feira, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o escândalo do banco britânico HSBC, a ‘CPI do Suiçalão’ o PSDB passa da condição de pedra para vidraça. A presença de líderes e simpatizantes do neoliberalismo, no país, na lista de sonegadores vazada por ex-funcionário do HSBC, inibiu a presença da agremiação partidário entre os signatários do requerimento lido em Plenário, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). Os senadores do PSDB, Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira e Álvaro Dias – notórios defensores da caça aos corruptos – não assinaram o pedido de CPI.
O senador do PSOL conseguiu, prontamente, 33 assinaturas, seis a mais que o mínimo necessário para a instalação da CPI, que terá 11 membros titulares e seis suplentes. Segundo Randolfe Rodrigues, os tucanos podem ficar à vontade para contribuir com a Comissão, “que tem interesse suprapartidário e não se destina a fomentar disputas desta natureza”, afirmou. A intenção, disse o senador, é “desmantelar pela raiz” um grande esquema criminoso.
– Esse escândalo é de dimensão mundial. De acordo com o Financial Times, trata-se do maior caso de evasão fiscal do mundo. É necessário que o Parlamento brasileiro também se manifeste e instaure um procedimento de investigação – afirmou Randolfe.
Líder do PSB, senador João Capiberibe (AP) disse entender como prudente o fato de os senadores assinarem o pedido. Para ele, os escândalos da Petrobras já estão sendo investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, motivo pelo qual o partido resolveu esperar a conclusão das investigações.
– A (CPI) do HSBC não tem processo judicial em curso, não tem investigação em curso, não tem nada – reparou Capiberibe.
Signatário do requerimento, o senador José Pimentel (PT-CE), líder do governo no Congresso, afirmou que o Brasil precisa combater a sonegação e aumentar a formalização nos vários setores da economia, motivo pelo qual a CPI é importante. Segundo afirmou, a jornalistas, a legislação do sistema financeiro já é muito avançada, mas pode passar por aperfeiçoamentos.
– É exatamente por isso que eu assinei essa CPI. Além de identificar aqueles que cometeram erros, o que eu quero, principalmente, é construir uma legislação para superar essas falhas – afirmou o senador.
Sobre a habitual polarização entre governo e período eleitoral nas CPIs, Pimentel disse esperar que a investigação não se limite a isso. O período, diz o senador, favorece o trabalho da CPI, já que é início de legislatura e as próximas eleições só serão realizadas no ano que vem.
Desvio bilionário
O britânico HSBC, em sua sede na Suíça, admitiu a gestão fraudulenta para encobrir a origem de possíveis recursos ilícitos nas contas de clientes de peso, entre eles empresários, socialites e políticos. O Brasil é o quarto na lista, em número de contas suspeitas.
O Swissleaks, como é chamado o escândalo, internacionalmente, tem como fonte original um especialista em informática do HSBC, o franco-italiano Hervé Falciani. Segundo ele, entre os correntistas, estão 8.667 brasileiros, responsáveis por 6.606 contas que movimentam, entre 2006 e 2007, cerca de US$ 7 bilhões, que em grande parte podem ter sido ocultados do fisco brasileiro.
Em seu requerimento para a instalação da CPI, Rodrigues o classifica como “um arrojado esquema de acobertamento da instituição financeira, operacionalizado na Suíça, que beneficiou mais de 106 mil correntistas”, de mais de 100 nacionalidades. O total de recursos manejados dentro do esquema, segundo Randolfe, pode superar US$ 100 bilhões, no período de 1998 a 2007.
Randolfe Rodrigues acredita, ainda, que a lista dos titulares das contas certamente guarda estreita relação com outras redes de escândalos do crime organizado do país e do mundo. O senador lamentou que “o escândalo do Suiçalão”, como foi batizado aqui, no Brasil, venha sendo sistematicamente ignorado pela mídia conservadora. Segundo Randolfe, essa seletividade denuncia o envolvimento de personagens poderosos, que podem sempre se servir da benevolência de setores da imprensa.
http://correiodobrasil.com.br/noticias/politica/visados-na-cpi-do-hsbc-tucanos-voam-para-o-mais-longe-possivel/752754/

Papa bate pesado no capitalismo e prega a revolução

Por Redação, com agências internacionais - de Roma  Sociedade e Economia

Papa Francisco
Papa Francisco dirige um discurso revolucionário aos trabalhadores de cooperativas na Itália
O papa Francisco voltou a atacar a injustiça causada no mundo por um sistema econômico injusto e ineficaz como o capitalismo. O líder da Igreja Católica criticou a “cultura do descartável” da globalização e pediu novas maneiras de se pensar sobre pobreza, assistência social, emprego e sociedade. Em um discurso para a associação de movimentos cooperativos italianos, ele ressaltou o “crescimento vertiginoso do desemprego” e os problemas que os sistemas de assistência social existentes tiveram para atender às necessidades da saúde pública.
Para aqueles que vivem “nas margens existenciais” o sistema atual político e social “parece estar fatalmente destinado a sufocar a esperança e aumentar os riscos e ameaças”, afirmou. O papa, nascido na Argentina, tem frequentemente criticado a economia de mercado ortodoxa de estimular a injustiça e desigualdade, disse que as pessoas são forçadas a trabalhar longas horas, às vezes na economia paralela, por algumas centenas de euros por mês, porque elas são vistas como facilmente substituíveis.
– Você não está gostando disso? Então vá para casa’. O que se pode fazer em um mundo que funciona assim? Porque há uma fila de pessoas procurando trabalho. Se você não gostar disso, outra pessoa gostará. É a fome, a fome que nos faz aceitar o que eles nos dão – disse, em uma mudança espontânea no texto do seu discurso.
O papa Francisco afirmou que os trabalhadores podem ajudar a buscar novos modelos e métodos que poderiam ser um modelo alternativo para a “cultura do descartável, criada pelas potências que controlam as políticas econômicas e financeiras do mundo globalizado”. Talvez atento a um escândalo de corrupção abrangente ligado a algumas cooperativas em Roma, no ano passado, ele atacou aqueles que “prostituem o nome cooperativa”.
Francisco pede que os católicos sejam ‘revolucionários’. Ele prega que a lógica econômica capitalista precisa ser secundária diante das maiores necessidades da sociedade humana.
– Quando o dinheiro se torna um ídolo, ele comanda as escolhas do homem. E assim ele arruína o homem e o condena. Faz dele um escravo. O dinheiro a serviço da vida pode ser administrado de maneira certa por cooperativas, com a condição que se trate de uma cooperativa real, onde o capital não tem comando sobre os homens, mas sim os homens sobre o capital – concluiu.
http://correiodobrasil.com.br/destaque-do-dia/papa-bate-pesado-no-capitalismo-e-prega-a-revolucao/752816/

O Quebra-cabeças Mundial: Brasil só perde ou também ganha este jogo?

A conexão existente entre os EUA, os BRICS, a Petrobras e a tentativa de inviabilizar o governo federal!

Marcos Donizeti - Sociedade e Poder

Blog Guerrilheiros do Entardecer


BRICS e Pré-Sal: O que as grandes empresas petroliferas mais desejam, atualmente, é tirar o Brasil do grupo dos BRICS e se apossar do pré-sal.

Mas a política externa dos últimos governo vai na direção contrária aos desejos dessas poderosas empresas e seus países desenvolvidos.

Durante o último governo o Brasil continuou aprofundando a sua integração com os demais países-membros dos BRICS.

Exemplo disso é a criação do banco dos BRICS, que será uma alternativa muito mais progressista do que o Banco Mundial e o FMI.

A administração federal atual não abre mão da manutenção do regime de partilha do pré-sal, que garante ao estado brasileiro uma participação mínima de 75% na renda líquida gerada pelo mesmo.

Quando da nomeação de Aldermir Bendine, o atual presidente da Petrobrás e a nova diretoria, ficou claro que não existe nenhuma possibilidade do país abandonar o regime de partilha do pré-sal, de privatizar a empresa e tampouco de abandonar a política de conteúdo nacional para o setor petrolífero.

E nenhuma destas políticas é do interesse desssas grandes empresas, dos países desenvolvidos e dos EUA, para dizer o mínimo.

China e Rússia

A China e a Rússia estão aumentando a sua presença econômica e militar na América Latina (olha o novo canal da Nicarágua), o que não interessa aos EUA, é claro. A Rússia vendeu caças para a Venezuela e a China irá construir o novo canal da Nicarágua, uma obra gigantesca, avaliada em US$ 50 bilhões.

Empresas chinesas já estão participando da extração do pré-sal no Brasil (no campo de Libra), o que também não interessa as empresas petrolíferas. Esta participação chinesa se dá apenas como investidora, pois somente a Petrobras pode operar nos campos de petróleo do pré-sal. 

Muitas das guerras e intervenções militares que os EUA promovem pelo mundo afora (na África, Ásia Central, Oriente Médio) ocorrem em regiões que são ricas em matérias-primas. O objetivo dos EUA com as mesmas é passar a controlar tais regiões e, assim, dificultar e até impedir o acesso da China às matérias-primas (petróleo, minério de ferro, etc) que são fundamentais para a continuidade do seu crescimento econômico.

Países que podem confrontar os EUA, em melhores condições de fazer isso, ou seja, desafiar os EUA, são a China (devido ao seu crescimento econômico, muito mais rápido do que o dos EUA-UE) e a Rússia (pelo seu poderio militar e nuclear);

Projeto Principal  dos EUA

Barrar o crescimento e a expansão da China e da Rússia são essenciais para o projeto dos EUA, que visa impor um controle global por meio do PNAC (Projeto para um Novo Século Americano), elaborado pelos Neocons dos EUA... Dick Cheney (ex-vice presidente de Bush Jr)  e Donald Rumsfeld (ex-chefe do Pentágono no governo de Bush Jr) são dois dos seus principais líderes;

PNAC

Um dos itens fundamentais do PNAC é o de tentar impedir que qualquer outro país, mundo afora, possa vir a se fortalecer de maneira a que venha a adquirir condições de desafiar os EUA no comércio latinoamericano . E quais os países em melhores condições de opor uma forte resistência ao projeto de domínio global dos EUA? Ora, os países membros dos BRICS.

O PNAC e os Processos de Desestabilização

Quando algum país começa a se fortalecer e o mesmo tem um governo que não se submete aos EUA, o governo deste (por meio da CIA, NED, USAID), bem como usando de entidades privadas (como a 'Open Society' de George Soros, que já admitiu publicamente que procura desestabilizar governos que não se submetem aos seus interesses, ou seja, os países que se utilizam do capital especulativo globalizado, principalmente as empresas multinacionais). Então, não demora muito e logo começa um processo de desestabilização do país, visando derrubar a administração daquele governo e, assim, substituí-lo por outra, favorável aos interesses dos países desenvolvidos.

Exemplo desta política é a Ucrânia, cujo governo pró-Rússia, eleito democraticamente, foi derrubado e enfrenta uma guerra civil, que foi deliberadamente provocada pelo governo Obama com o objetivo de promover o envolvimento da Rússia, numa guerra que seria catastrófica para esta nação.

Os neocons que comandam a política externa do governo Obama, acreditam que o envolvimento da Rússia numa guerra em grande escala na Ucrânia, poderia fazer com que Putin se tornasse um presidente impopular e que isso poderia levar à derrubada do seu governo, o que possibilitaria a ascensão de um governo submisso aos interesses dos EUA no país, tal como foi o de Boris Ieltsin, por exemplo.

Até o momento essa estratégia está fracassando, pois a popularidade de Vladimir Putin cresceu bastante (chegou a 80% de aprovação) após o início da crise ucraniana, devido à postura firme que ele manteve em relação à crise do país vizinho, do qual uma grande parte da população é, culturalmente, de origem russa.

Os BRICS

O Brasil virou alvo dos EUA devido ao fato de que, durante os últimos governos, tornou-se membro ativo dos BRICS , que procuram construir, gradualmente, um pólo de poder alternativo aos países desenvolvidos, criando um mundo multipolar.

Os BRICS estão aprofundando a colaboração entre si e já deram início à adoção de várias medidas que são prejudiciais aos interesses dos países chamados ricos, como é o caso da criação de um fundo de reservas e de um banco próprio do bloco. 

E recentemente os países membros dos BRICS iniciaram um diálogo visando usar apenas as moedas dos países membros no comércio entre si, deixando de usar o dólar, o que é altamente prejudicial aos interesses desses países desenvolvidos, sem dúvida alguma.

Afinal, o fato de que o dólar é a principal moeda de reserva do planeta, bem como dela ser a mais utilizada nas transações financeiras e comerciais internacionais, é que torna possível aos EUA financiar o seu consumismo desenfreado, os seus gigantescos gastos militares (que representam 50% dos gastos globais) e as suas guerras; 

Produção de petróleo e gás natural brasileira cresceu 18% entre dezembro de 2013 e dezembro de 2014, ultrapassando os 3 milhões de barris/dia. Que outra empresa do mundo conseguiu obter o mesmo resultado? 


Integração Latino-Americana

O Brasil também tornou-se um alvo dos EUA porque é um aliado fundamental e apoia os governos progressistas latino-americanos (Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, Cuba, El Salvador, Uruguai...), que, tal como os últimos governos fizeram no Brasil, também procuram desenvolver políticas soberanas e de promoção da justiça social.

No governo que tinha Lula presidente, teve um papel fundamental para ajudar a impedir que golpes de estado fossem vitoriosos na Venezuela e na Bolívia, em especial. E a criação e o fortalecimento da Celac e da Unasul aumentaram o grau de cooperação e de integração da América Latina, o que resultou na perda de influência dos EUA na América Latina.

O Brasil colaborou muito com o fim do isolamento de Cuba, seja integrando o governo da Ilha na Celac (que é formada pelos países da América Latina e do Caribe), sejam financiando a construção da reforma, ampliação e modernização do Porto de Mariel, bem como financiando, agora, a construção de uma Zona de Desenvolvimento Econômico ao lado do porto.

O Porto de Mariel, junto com a ‘ZDE’ e o atual canal da Nicarágua, irá viabilizar um novo ciclo de crescimento econômico de longo prazo em Cuba e trará imensos benefícios às empresas brasileiras que terão privilégios para se instalar na 'ZDE" cubana, justamente porque foi o governo brasileiro que financiou as duas obras. Com isso, as empresas do Brasil terão acesso não apenas ao mercado centro-americano (de mais de 70 milhões de pessoas) como também ao do NAFTA e aos dos países asiáticos, devido à construção, pelos chineses, do canal da Nicarágua. 

Nestas circunstâncias, qualquer tentativa de isolar ou bloquear Cuba estará totalmente fadada ao fracasso. E o Brasil de  teve um papel fundamental neste processo, de colocar fim ao ilegal bloqueio econômico que os EUA promoveram contra Cuba desde 1960 e que foi condenado pela Assembleia Geral da ONU em inúmeras oportunidades.

No governo Lula também teve um papel fundamental no financiamento do governo da FMLN, de Maurício Funes, em El Salvador. Quanto este venceu a eleição presidencial, o governo liberou um empréstimo de US$ 800 milhões do BNDES para o novo governo. Com isso, a situação econômica e social de El Salvador melhorou bastante durante o governo da FMLN e esta conseguiu eleger o sucessor de Funes, Sanchez Cerén, em 2014;

O Brasil e a América Latina

Quando o segundo turno da campanha eleitoral brasileira de 2014 ainda estava em andamento, perguntaram ao presidente Pepe Mujica se o candidato do seu partido à Presidência da República,Tabaré Vasquez, iria ganhar a eleição no Uruguai. Sabem o que ele respondeu? Ele disse que isso iria depender do resultado da eleição no Brasil;

Assim, o que acontece no Brasil tem uma grande influência na América Latina, na América do Sul em especial. E é claro que os EUA sabem disso e muito bem. Logo, para inviabilizar os governos progressistas latino-americanos é fundamental fazer o mesmo com o governo progressista mais populoso e mais influente destes países, que é o Brasil.

Os EUA está convicto que o Brasil não sairá dos BRICS e tampouco irá deixar de apoiar os governos de esquerda e progressista latino-americanos.

Daí a necessidade, na visão dos EUA, de desestabilizar a atual administração federal de qualquer jeito (ou de, pelo menos, levar o governo ao fracasso).

Situação Financeira Mundial

O Brasil foi, como é do conhecimento, um dos últimos países a sofrer os efeitos da crise econômica mundial iniciada em 2007-2008, quando ocorreu a crise das hipotecas subprime, a falência do Lehman Brothers e o colapso do ‘sistema financeiro paralelo’, não regulado pelas autoridades dos governos dos países desenvolvidos.

E também foi o primeiro país da América Latina a superar os efeitos desta crise, com a sua economia retomando o crescimento econômico já no segundo trimestre de 2009. Como disse o ex-presidente, a crise no Brasil não passou de uma ‘marolinha’.

 E isso somente aconteceu porque os três últimos governos adotaram um amplo conjunto de políticas, econômicas e sociais, anti-ciclícas tipicamente keynesianas.


O aeroporto de Curitiba é um dos que foi ampliado e modernizado durante o primeito mandato do governo atual. Esse é um exemplo de investimento público que melhora a infra-estrutura e contribui para o desenvolvimento econômico e social do  país.

Principais medidas que auxiliaram a evitar uma crise no Brasil

Aumento dos gastos públicos, na área social e na infra-estrutura, especialmente em grandes obras de energia elétrica (vide as usinas de Jirau, Belo Monte e Santo Antônio, cuja potência geradora será quase 33% maior do que a da Usina de Itaipu), as Ferrovias Norte-Sul, Transnordestina e Leste-Oeste, a Transposição do Rio São Francisco, o programa de concessão de rodovias e de aeroportos (muitos foram ampliados e modernizados, tais como os de Guarulhos, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, Brasília e Manaus; Natal ganhou um aeroporto novo).

Aumento da oferta de crédito pelos bancos públicos (BB, CEF, BNDES), que compensaram o corte do crédito pelo sistema financeiro privado, aumentando a participação pública no mercado. Este é um dos principais motivos pelos quais o sistema financeiro privado promove uma fortíssima oposição ao governo atual.

Aumentos reais de salário, em especial para o salário mínimo, que foi reajustado em 294% entre 2003-2015, passando de R$ 200 para R$ 788, e atingindo o seu maior poder de compra dos últimos 50 anos, segundo o Banco Central brasileiro. Essa é uma situação real de distribuição de renda.

Criação do Minha Casa Minha Vida, um programa subsidiado e financiado pelo governo federal e que viabilizou a contratação, até o momento, de 3.400.000 novas moradias, em benefício da população de baixa renda, que nunca teve casa própria;

Aumento dos investimentos da Petrobras, que passou a ter um ambicioso programa para investir no aumento da produção do pré-sal e na construção de novas refinarias (Rio de Janeiro e Pernambuco), entre outros setores (fertilizantes, etanol, biocombustíveis, construção naval).

Todas estas medidas somente foram possíveis porque o estado brasileiro dispõe de várias empresas estatais e privadas estruturadas que tornaram possível o financiamento e os investimentos promovidos pelos últimos três governos, tanto na área social, como na infra-estrutura. 

O Minha Casa Minha Vida, por exemplo, se beneficia de subsídios estatais e de financiamentos públicos que são viabilizados por meio, principalmente, dos bancos públicos existentes (Banco do Brasil e CEF). 

A agricultura brasileira, por sua vez, é financiada pelo estado brasileiro e isso é válido tanto para o agronegócio, como para a agricultura familiar (via Pronaf). E o Banco do Brasil é o principal agente financiador da mesma, que é responsável tanto pelo abastecimento interno (agricultura familiar), como por parte das exportações do país (agronegócio). E o agronegócio teve acesso a R$ 156 bilhões em financiamento para a safra 2014/2015.

Não é à toa, portanto, que as estimativas apontam para um novo recorde na safra de grãos para 2015, que deverá ultrapassar os 200 milhões de toneladas pela primeira vez na história do país. 

Da mesma forma que, atualmente, as Organizações Globo fazem campanha contra a Petrobras, o atual governo, no passado ela fazia campanha contra a criação do 13o. Salário. 


Da mesma forma que, atualmente, as Organizações Globo fazem campanha contra a Petrobras, o governo Dilma e o PT, no passado ela fazia campanha contra a criação do 13o. Salário.  

O BNDES, por sua vez, é a principal fonte de financiamento de investimentos produtivos de longo prazo, emprestando bilhões de reais anualmente para setores como o de telecomunicações, infra-estrutura, micros e pequenas empresas, exportações, energia elétrica, energia eólica, etc. 

Um estado brasileiro atuante é interessante para os EUA? 

Como seria possível, por exemplo, aumentar a oferta de crédito pelos bancos públicos se estes já tivessem sido privatizados pelo governo? Ou como a Petrobras poderia elevar os seus investimentos, por determinação do atual governo, se a empresa também tivesse sido privatizada pelo governo? E como seria possível promover o aumento dos investimentos públicos se o país não tivesse inúmeras empresas privadas de construção civil altamente capacitadas e em condições de construir obras de grande porte, como são os casos da transposição do Rio São Francisco, da Ferrovia Norte-Sul (terá mais de 4150 kms de extensão quando for concluída) e da Usina de Belo Monte?

Assim, a manutenção e o fortalecimento das empresas estatais e privadas, do papel ativo do estado brasileiro durante os últimos três governos foi fundamental para que o país conseguisse superar os efeitos da crise mundial antes de outras nações.

É esse protagonismo do estado brasileiro que torna possível a promoção de políticas econômicas e sociais anti-ciclícas, tipicamente keynesianas, e de distribuição de renda e de inclusão social, que reduziram as desigualdades sociais e que permitiram a redução da pobreza e da miséria, fazendo com que 50 milhões de brasileiros ascendessem social e economicamente durante os últimos governos (40 milhões subiram para a classe C e outros 10 milhões ascenderam para as classes AB), permitindo que o país possa se reorganizar social e economicamente.

Mas um estado brasileiro justo, ativo e que seja protagonista do processo de desenvolvimento econômico e social, sob o comando de um governo ativo, nacionalista e reformista, é tudo o que os EUA não desejam.

Um governo neoliberal conduziria o estado brasileiro a uma situação muito difícil , promovendo uma série de privatizações desnacionalisantes e adotaria uma política econômica e social caracterizada pelo arrocho salarial, aumento do desemprego, das desigualdades sociais, da pobreza e da miséria.


Poder de compra do Salário Mínimo brasileiro é o maior dos últimos 50 anos. 

Assim, fosse possível imaginar um estado brasileiro desorganizado, sem empresas públicas e privadas sólidas e ativas e sem uma Petrobras cada vez mais atuante, não seria possível, por exemplo, manter o regime de partilha do pré-sal e o mesmo acabaria nas mãos das petrolíferas estrangeiras. A política de conteúdo nacional, que foi adotada nos últimos governos, e que tornou a indústria de construção naval brasileira a quarta maior do mundo em apenas uma década, passando de menos de 7 mil funcionários para mais de 81 mil, estaria patinando na economia mundial. 

Logo, as plataformas e os navios usados pela Petrobras para extrair petróleo passariam a ser construídas no exterior e não mais no Brasil, gerando milhares de empregos em Cingapura, Coréia do Sul, China, etc. 

Não é à toa, por exemplo, que a oposição defende, publicamente, o fim do regime de partilha do pré-sal e a possibilidade de ser privatizada, assim não se teria uma política de conteúdo nacional para o setor petrolífero. 

A oposição já defendeu o fim do regime de partilha de forma pública, através da imprensa brasileira.  

Até mesmo a política de reaparelhamento e modernização das forças armadas brasileiras, promovida pelos últimos governos, estaria sob risco e, muito provavelmente, seria abandonada por um governo de direita neoliberal.

As compras dos 36 caças suecos Gripen e dos navios e submarinos nucleares franceses também estariam sob risco, o que iria gerar um imenso prejuízo para o país, pois ambos os contratos prevêem a transferência completa de tecnologia para o Brasil. E no caso dos caças suecos, a partir da 5a. unidade todos os aviões serão produzidos aqui, gerando milhares de empregos qualificados. 

A construção do novo avião de transporte, civil e militar, o KC-390, que recentemente fez o seu primeiro vôo em caráter experimental, também iria correr sérios riscos, pois é fruto de um acordo que o Brasil fechou com vários outros países (Argentina, Venezuela, Portugal, República Tcheca). 

Afinal, tal modernização das Forças Armadas está intimamente relacionada com a descoberta das imensas reservas do pré-sal, com a manutenção da Amazônia sob controle nacional e com a defesa dos interesses nacionais, que estão sendo permanentemente ameaçados pela atuação de países como os  EUA por exemplo, como promotor de processos de desestabilização de governos democráticos e nacionalistas. 

Os golpes de estado no Brasil ocorrem sempre contra governos nacionalistas, reformistas e trabalhistas

Ao estudar um pouco sobre a história do Brasil, se entende que tivemos governos de feições nacionalistas e reformistas (Vargas, JK, Jango, Lula e Dilma). Ocorreram movimentos políticos de caráter nitidamente golpistas e anti-democráticos, visando desestabilizar e neutralizar tais governos.  

Getúlio Vargas foi derrubado em 1945, por meio de um golpe de estado, num momento histórico em que se aproximava do PCB (liderado por Luiz Carlos Prestes, uma das lideranças mais populares do Brasil naquela época) e do movimento operário (criando o PTB para representar o mesmo), enfrentou uma tentativa de golpe de estado para impedir a sua posse, como presidente eleito democraticamente, em 1950, e acabou derrubado, por outro golpe de estado, em 1954, e que resultou em sua morte.

Uma nova tentativa de golpe de estado ocorreu, no final de 1955, e a mesma tentou impedir a posse de JK-Jango na presidência e vice-presidência da república, logo após terem sido eleitos democraticamente pelo povo brasileiro. Foi necessário um contra-golpe preventivo, comandado pelos generais do exército brasileiro, para impedir que o mesmo se consumasse. O governo JK sofreu mais duas tentativas de golpes de estado, em 1956 (Jacareacanga) e em 1959 (Aragarças). 

E externamente, um estado brasileiro sem expressão seria totalmente dependente do capital e da tecnologia importada dos países ricos e transformaria o Brasil numa virtual neo-colônia dos EUA. Isso obrigaria o país a virar as costas para os governos progressistas da América Latina e a deixar de fazer parte dos BRICS. 

E as estatais, que hoje são atuantes, seriam privatizadas e desnacionalizadas, tal como aconteceu durante o governo FHC, que negociou a valores pífios empresas públicas ao capital estrangeiro.

Classes ABC passaram a englobar a maioria absoluta da população durante os últimos governos, devido ao crescimento econômico e às políticas de distribuição de renda e de inclusão social adotadas nesses mandatos. 



Exemplos de negociações de empresas públicas: 

A Embratel foi vendida para uma empresa dos EUA e, hoje, pertence ao mega-empresário mexicano Carlos Slim;

O Banespa foi vendido para o Santader (espanhol);

A Telesp foi vendida para a Telefónica, que agora se chama 'Vivo';

A Vale do Rio Doce que na época era considerada a melhor mineradora do mundo também foi vendida.

E por aí vai... 

Assim, com o eventual triunfo de uma eventual política neoliberal, o estado brasileiro ficaria tão vulnerável que o mesmo não poderia mais vir a ser utilizado para levar adiante um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social, que tenha como metas promover a distribuição de renda, a inclusão social, a intervenção na economia para evitar ou amenizar efeitos de graves crises externas, se proponha a desenvolver e assimilar novas tecnologias (por meio de transferência, como que está prevista no acordo de compra dos caças suecos e das embarcações francesas, por exemplo), bem como promover uma inserção internacional do país nas área de educação, habitação e tecnologia que seja soberana e independente, atendendo prioritariamente aos interesses seu povo e demais nações vizinhas. 

O que essa campanha publicitária maciça que está sendo feita contra a Petrobras e o governo federal, visa essencialmente, enfraquecer o Brasil como nação e a sua capacidade de definir e executar políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural, científico e tecnológico que possam levar à construção de um país independente e justo.

Esse cenário internacional altamente conflituoso e que passa por um processo de grandes mudanças, ajuda e muito a entender as razões que levam as forças da direita brasileira e latino-americana, cujos interesses estão intimamente entrelaçados aos países desenvolvidos (ditos ricos), no mínimo, desde o final da segunda guerra mundial, a tentar promover um contínuo e permanente processo de desestabilização dos governos progressistas da América Latina.

É por isso que mesmo tendo sido reeleita com o voto de 54.501.118 eleitores, a presidenta continua sendo alvo de uma maciça campanha da grande mídia e oposicionista que tenta, por todos os meios (legais e ilegais) derrubá-la da presidência da república. Até em impeachment a oposição e a imprensa tentam induzir a população.

O ex-presidente FHC chegou a encomendar um parecer jurídico de Ives Gandra Martins, membro do Opus Dei e um jurista extremamente conservador politicamente, para poder vir a justificar pedido de impeachment da presidenta, a mesma que acabou de ser reeleita com o voto da maioria.

Este fato demonstra, claramente, o quanto a oposição possui um dna profundamente anti-democrático, mostrando que os seus membros não estão dispostos sequer a respeitar o resultado das urnas recentemente apuradas, muito menos organizar o país e promover a distribuição da renda. 

Os neoliberais brasileiros já levaram o país quase à falência durante o governo FHC, devido ao fracasso de seu projeto neoliberal. Mas quem disse que eles desistiram? 

Tudo isso está acontecendo porque os interesses em jogo são profundos e não são apenas e exclusivamente dos brasileiros, como esse texto procura mostrar.

Não há qualquer dúvida a respeito, se este governo fracassar ou a mesma vier a ser impedido de continuar, não será apenas o Brasil e o seu povo que irão sofrer as consequências, mas toda a América Latina e, até mesmo, as forças políticas progressistas de outros continentes, como são os casos do Syriza na Grécia e do Podemos na Espanha, cujos programas de governo são muito parecidos com iniciativas e políticas adotadas pelos governos progressistas da América Latina.

Exemplos: aumentos de salários e elevação dos investimentos públicos na produção e na área social são propostas defendidas pelo Syriza grego e pelo Podemos espanhol e que foram colocadas em práticas pelos governos de Mujica, Rafael Correa, Kirchner (Nestor e Cristina), Chávez, Evo Morales, Lula e Dilma,

As dificuldades e os obstáculos a serem superados pelo atual governo em seu segundo mandato são muitos, sim, mas não há muito a ser feito.

http://contrapontopig.blogspot.com.br/2015/02/contraponto-16066-conexao-existente.html

Como a cúpula da igreja atua contra o Papa dentro do Vaticano

Em entrevista com o jornalista, vaticanista e escritor italiano Luigi Sandri, é desvendada a estrutura do Vaticano, que Bergoglio pretende reformar e tornar a igreja católica mais transparente e justa.
Marcela Belchior - Adital - Religião e Sociedade

Em uma atitude que nenhum pontífice jamais havia ousado ter na história recente da Igreja Católica, o Papa Francisco pegou a Cúria Romana despreparada e falou claramente da necessidade de mudança na cúpula do Vaticano. Em discurso proferido no último dia 22 de dezembro, o primeiro papa latino-americano tornou público que não sente na equipe da Santa Sé fidelidade às suas diretivas e solidariedade às perspectivas de seu pontificado.
Os 2.300 curiais se dividem em três grupos: os que estão do lado de Francisco, se empenhando por atender às suas indicações; os que não se opõem, mas se limitam a um trabalho burocrático, deixando a máquina lenta; e, finalmente, aqueles profundamente contrários à forma de agir de Jorge Mario Bergoglio, sua teologia, seu estilo de vida e seu próprio magistério.
São esses dois últimos grupos que formam a grande maioria da Cúria e atuam, deliberadamente, obstruindo a mensagem libertadora do Papa. Operando em torno da manutenção do establishment católico, complicando o caminho das reformas imaginadas pelo Papa, essa oposição também tem motivações políticas e financeiras, associada a interesses dos que defendem os privilégios dos ricos pelo sistema neoliberal em detrimento das causas estruturais que geram a pobreza, denunciadas por Francisco.
"Pode haver um órgão como a Cúria Romana que não seja dominado pelas tentações do poder?”. Com essa pergunta, o jornalista, vaticanista e escritor italiano Luigi Sandri nos ajuda a compreender o que se passa no Vaticano e como isso reflete em toda a comunidade católica do mundo. Autor dos livros Cronache dal futuro (em português, "Crônicas do futuro”) e Dal Gerusalemme I al Vaticano III. I Concili nella storia tra Vangelo e potere (em português, "De Jerusalém I ao Vaticano III. Os Concílios na história entre o Evangelho e o poder”), Sandri, em entrevista exclusiva para a Adital, defende que é preciso, sim, uma reforma dentro cúpula da Igreja Católica.
Para o escritor, essa reforma é o passo decisivo para uma reformulação subsequente da Igreja Católica Apostólica Romana. "Mas o caminho não será fácil, e serão inevitáveis as tensões, sofrimentos e contradições”, adverte. Atualmente, a estrutura da Santa Sé remonta (acredite) à reforma lançada pelo Papa Sisto V, ainda de 1588, época em que toda a América Latina, principal reduto católico no mundo, mal brotava nos mapas do globo. Somente com uma equipe que reflita sua mentalidade, o Papa pode tornar real uma mudança nos rumos da Igreja Católica. Caso contrário, Francisco corre o risco de continuar sozinho na luta pela libertação dos povos.
Adital - No fim de 2014, dia 22 de dezembro, em discurso proferido à Cúria Romana, o Papa Francisco a chamou a "melhorar-se”, apontando o que ele nomeou "doenças curiais” e "mau funcionamento” da equipe de administração da Igreja Católica. Dentre elas, estavam a falta de autocrítica e de cooperação e a rivalidade. O que isso pode dizer da composição atual da Cúria Romana?
Luigi Sandri - O discurso do dia 22 de dezembro de 2014 me parece ser um dos mais importantes até agora pronunciados pelo Papa Francisco. De fato, se ele se refere diretamente às "quinze doenças” da Cúria Romana, indiretamente se reflete nas estruturas globais da Igreja Católica Romana e propõe um modelo de comunidade cristã chamada constantemente à conversão e a uma vigilância crítica para não ser seduzida pelas tentações do poder.
Naturalmente, Bergoglio estava se referindo à atual composição da Cúria, mas, em minha opinião, foi além. De fato, eu acredito, a verdadeira questão de fundo que, implicitamente, emerge a partir do afiado diagnóstico papal é esta: pode haver um órgão como a Cúria que não seja, inevitavelmente, tentado e por vezes dominado pelas tentações do poder?
Adital - Em que medida esse discurso do Papa aponta para um contexto de conflito e enfrentamento dentro do Vaticano?
LS - Na medida em que Francisco, no seu discurso, ia elencando as "doenças” (bem quinze!) da Cúria, as feições dos cardeais e dos prelados que o escutavam pareciam petrificadas. Acho que muitos, senão a maioria daqueles eclesiásticos, considerassem inédita — e talvez intolerável — a denúncia do Papa. Se o pontífice, prevendo esta reação (não explícita, mas nem por isso menos forte), falou daquele modo, significa que ele não considera mais admissível uma crescente oposição de muitos ambientes curiais ao seu modo de exercitar o "ministério de bispo de Roma”.
Por outro lado, se Francisco sentisse toda a Cúria unida a ele, fiel às suas diretivas, solidária com às suas perspectivas, por que se atreveria a agir daquela forma que, nos tempos modernos, nenhum pontífice jamais havia ousado?
Em minha memória vem o discurso de Paolo VI, no dia 21 de setembro de 1963. Papa havia três meses, no início da segunda sessão do Vaticano II, aquele pontífice fez um discurso memorável para convidar a Cúria a não se opor às reformas que o Concílio ia propondo e a aceitar com humildade algumas fortes críticas à mesma Cúria, que haviam surgido ao longo da primeira sessão do Concílio, iniciada com João XXIII, em outubro de 1962. Assim, Montini [Paulo VI] soube mesclar algumas veladas críticas com amplos elogios, a fim de não irritar demais os curiais.
Totalmente diferente agora foi o tom de Francisco: seu discurso pareceu afiado, sem mediação: quase uma tempestade de granizo, que pegou a Cúria despreparada para um temporal como esse.
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Papa repreendeu Cúria Romana no fim do ano passado. Foto: ANSA.
Adital - Que tipo de resistências a Cúria Romana manifesta hoje à atuação do Papa Francisco?
LS - Devemos lembrar que a Cúria não é um corpo monolítico: por exemplo, na época do Concílio Vaticano II, grande parte dela fez de tudo para frear, ou até mesmo sabotar, a iniciativa do Papa João; mas houve também um grupo pequeno, mas tenaz, que se esforçou ao máximo para que o Concílio conseguisse realizar a esperada "atualização”.
Voltando para a atualidade, acho que os curiais (cerca de 2.300 pessoas, no seu conjunto!) podem ser divididos, esquematicamente, em três grupos. Uma parte, com todo o coração, está do lado de Francisco e se empenha ao máximo para concretizar suas indicações. Outra parte é cética: não se opõe diretamente ao Papa, mas também não o apoia e se limita a fazer um trabalho burocrático, fundamentalmente tentando deixar a máquina mais lenta.
Enfim, uma parte é profundamente contraria à forma de agir de Bergoglio, ao seu estilo de vida, à sua teologia, ao seu próprio magistério, quando propõe ideias ou lança hipóteses que, para eles, parecem quase "heréticas” e, de todo modo, longínquas do quanto propunham Wojtyla e Ratzinger. É difícil "quantificar” a força numérica dos três grupos, mas é certo que o segundo e o terceiro formam uma articulada maioria, ou então seria inexplicável porque o Papa tenha "flagelado” a Cúria com o discurso do dia 22 de dezembro.
Adital - De que maneira essas dificuldades refletem na atuação da Igreja Católica?
LS - Imagino que, no Brasil, — mas também em qualquer outro país da América Latina ou da Ásia ou da África e do Norte do mundo! — as pessoas nada saibam das brigas curiais e tenham outros problemas para se preocuparem. Todavia, um discurso como aquele do dia 22 de dezembro, retomado por muitos meios de comunicação, sugere também aos mais distraídos e às pessoas mais distantes de Roma que na Cúria — isto é, no órgão que auxilia o Papa no governo da Igreja Católica — está crescendo uma dura oposição a Bergoglio. Em suma, terminou, na Cúria e no establishmentcatólico, a lua de mel (se é que tenha existido) com Jorge Mario Bergoglio.
Adital - Essa resistência da Cúria pode ser compreendida como uma manifestação de oposição ao Sumo Pontífice?
LS - Naturalmente, estamos de frente à oposição de uma parte da Cúria ao Papa. Mas, atenção: esta oposição se manifesta em "estilo curial” e, por isto, é subterrânea, implícita, alusiva, clara aos adeptos aos trabalhos, mas obscura para as pessoas comuns. Só de vez em quando esta se torna clamorosa, pública, ponta de um icebergmuito maior do que parece à primeira vista. Um exemplo:
O cardeal dos Estados Unidos Raymond L. Burke, prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica (uma espécie de Corte Constitucional da Igreja Romana), em entrevistas a muitos meios de comunicação, na ocasião do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2014, dedicado à família, dirigiu criticas quase depreciativas a Francisco, afirmando que, com ele reinante, a Igreja parecia um navio sem timoneiro no meio da tempestade. Afirmação gravíssima e quase ofensiva, que o Papa não podia fingir não ter ouvido. E, por isso, no dia 08 de novembro, depôs o purpurado do seu importante cargo e o nomeou Patrono da Ordem Soberana Militar de Malta, um cargo puramente coreográfico.
Ainda mais sensacional — ainda que indireta — foi a contestação ao Papa de cinco cardeais da Cúria, chefiada pelo cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o guardião da ortodoxia católica. Em meados de setembro de 2014, saiu em inglês e, em outubro, em italiano, "Perseverar na verdade”, um livro que se opõe, frontalmente, à tese sustentada por outro cardeal alemão da Cúria, Walter Kasper. Este, escolhido pelo papa, no dia 20 de fevereiro de 2014, tinha feito um relatório para o plenum do Colégio Cardinalício, convocado por Francisco para refletir sobre o tema do Sínodo.
O purpurado, em resumo, tinha prospectado a possibilidade de que, em casos específicos, pessoas divorciadas e casadas novamente poderiam receber a Eucaristia. Uma hipótese inaceitável para os cinco (que, depois, em várias entrevistas, se uniram ao cardeal Angelo Scola, arcebispo de Milão, Camillo Ruini, ex-vigário de Roma e por três mandatos indicado pelo Papa Wojtyla como presidente da Conferência Episcopal Italiana; Francis E. George, arcebispo de Chicago). Formalmente, aquele livro contestava Kasper; na verdade, se opunha a Francisco.
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Oposição a Francisco é implícita e pode passar despercebida por alguns. Foto: Reprodução.
Adital - Como isso atinge os planos do Papa Francisco no sentido de realizar reformas dentro da instituição religiosa?
LS - A oposição, agora clara e pública, de uma parte do Colégio Cardinalício (e, naturalmente, do episcopado mundial) a Francisco complica o caminho das reformas imaginadas pelo Papa reinante. Na verdade, ele deseja intensamente manter unida a Igreja Romana, tentando fazer coexistir, serenamente, dentro dela, os vários pontos de vista teológicos e pastorais nela existentes. No entanto, em algum momento, sobre algumas questões, será necessário deliberar e fazer escolhas precisas. Assim, o Sínodo de outubro próximo (que é como o segundo "round” daquele de 2014) vai finalmente decidir se será possível ou não dar a comunhão — pelo menos em alguns casos — aos divorciados que voltaram a casar.
Se o Papa não decidir de outra forma, também a próxima Assembleia será "consultiva”: ou seja, elaborará "conselhos” para oferecer ao Papa que, finalmente, decidirá livremente. Mas, politicamente e eclesiasticamente, seria muito difícil para o Papa repudiar um "conselho” sinodal e rejeitá-lo.
Agora, se, com a necessária maioria dos dois terços do Sínodo "aconselhará” ao Papa uma escolha pastoral "liberal” para os divorciados que voltaram a casar, o que irão fazer os cardeais e bispos "perdedores” no Sínodo? O que farão Müller e seus fãs? Será, portanto, muito difícil, para o mesmo Bergoglio, manter unida a "unidade na diversidade”, quando, na verdade, a escolha "pastoral” indicada será uma, e apenas uma, desagradável aos "perdedores”.
Adital - Dentro e fora do Vaticano, por quem está composta a oposição ao Papa Francisco?
LS - Francisco gostaria de dar respostas "pastorais” a problemas difíceis e complexos, tais como os divorciados que voltaram a casar e as uniões civis: ou seja, mantendo-se firme os "princípios doutrinários”, o Papa, como um bom pastor, gostaria de ajudar as pessoas que estão nessas situações, sem marginalizá-las da Igreja e sem considerá-los pecadores não arrependidos.
A resposta dos cardeais e bispos para as perspectivas abertas pelo Papa está ligada à mentalidade e à cultura dos povos entre os quais os bispos atuam. Por exemplo, ressalvadas raríssimas exceções, a mentalidade geral dos africanos é, culturalmente, totalmente contra as uniões homossexuais; por esta razão, também no Sínodo 2014, os "padres” do continente africano se opuseram a qualquer mudança do ensinamento do magistério dos últimos papas, condensada no Catecismo (1997), que, apesar de respeitar as pessoas homossexuais, faz um julgamento moral absolutamente negativo dos atos homossexuais. Mesmo alguns prelados do norte do mundo reivindicam a mesma atitude rígida, mas, na Europa e na América do Norte, há também prelados (e seu número está crescendo) que dão uma avaliação ética favorável às uniões homossexuais, se vividas com amor, fidelidade e respeito.
Ao contrário, sobre a doutrina social — tão ousada, que alguns lobistas e alguns grupos, incluindo católicos, acusam Bergoglio de ser "comunista” —, quase todos os cardeais e bispos do sul estão totalmente de acordo com o Papa, que denuncia "as causas estruturais da pobreza”. Em vez disso, no norte do mundo, a doutrina social de Francisco é vista com suspeita (ou com preocupação) por muitos eclesiásticos e por muitos políticos católicos. Com algumas exceções, essa oposição é implícita, subterrânea, alusiva, mas duríssima. Ou, então — em alguns corredores da Cúria — irreverente, pois se comenta sarcasticamente "a teologia de Copacabana” de Bergoglio.
Adital - Interesses exteriores à Igreja Católica e à religião estariam por trás dessa oposição? Quais?
LS - Sim, a oposição à doutrina social de Francisco, tanto dentro como fora da Igreja Católica, também tem uma raiz política e financeira: na verdade, os grandes capitalistas, os executivos das empresas multinacionais, os políticos que defendem os privilégios dos ricos se sentem ameaçados em seus interesses por um ensinamento papal que denuncia as causas estruturais que, inevitavelmente, geram os pobres, ou seja, os "empobrecidos pelo sistema” neoliberal. Como poderão amar o ensinamento de Bergoglio aqueles católicos que, sempre nas primeiras filas nas procissões com bandas de música e flores, se veem despidos pela própria ganância e, em contradição, com as suas obras muito distantes do Evangelho?
Ao contrário, nas questões mais relacionadas com a sexualidade (divórcio, uniões homossexuais) alguma oposição ao Papa pode vir, em alguns países, a partir desses "pensadores livres” ou desses "ateus devotos”, que não acreditam em nada no magistério da Igreja Romana e, todavia, eles estão felizes de que isso exista, quando coincide com as suas ideias reacionárias.
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Resistência à mensagem libertadora ao Papa possui também raiz política e financeira. Foto: Reprodução.
Adital - O Papa Francisco surpreendeu o Vaticano quando, em tão pouco tempo, já criou uma imagem que ameaçaria elementos de uma postura tradicionalista da Igreja Católica - no que se refere à doutrina e à disciplina?
LS - Muitos, na Igreja Católica, confundem a Tradição ("T” maiúscula) com a "tradição” ("t” minúscula) e ignoram que alguns costumes e hábitos, difundidos hoje na Igreja, não derivam mesmo de um ensinamento de Jesus, mas surgiram, historicamente, em determinados contextos culturais, para atender às necessidades locais. Às vezes, essas escolhas foram inteligentes e úteis para fortalecer a fé; outras vezes, míopes. Em qualquer caso, elas podem e devem ser rediscutidas se a situação atual e o bem da Igreja o aconselham. A "pastoral” é a arte de saber traduzir o Evangelho em modalidades que mudam de tempos em tempos. Não é a "fé” que muda, mas os "caminhos” para torná-la explícita aqui e agora.
Os tradicionalistas mais brilhantes não sabem que muitas "tradições”, que eles consideram "sacrossantas”, nasceram apenas 500 anos atrás, na época do Concílio de Trento (1545-1563). Ou, por exemplo, não sabem que o celibato eclesiástico, que é norma na Igreja Latina, não é "Tradição”, mas apenas "tradição”: é a lei, reafirmada, no século XII, por vários Concílios Lateranenses. Mas (como disposição intangível), na verdade, não deriva das Escrituras: de fato, na carta a Timóteo I (3, 1-4) e a Tito (1, 5-9), o apóstolo Paulo diz que "o bispo deve ser sóbrio, prudente, casado com uma mulher só e capaz de conduzir bem própria família”.
Portanto, uma defesa acirrada do celibato eclesiástico não pode se basear no Novo Testamento. Então, uma coisa é enaltecer o carisma da virgindade (Jesus elogia aqueles que se tornam eunucos por amor ao Reino dos Céus), outra é exigir por lei a todos os eclesiásticos o celibato. Em tal contexto, parece uma hipótese sábia — muitas vezes, expressa no Brasil, em outros países da América Latina e África — a ordenação sacerdotal de homens casados, primeiro passo para rediscutir a fundo a relação entre celibato e sacerdócio.
E, sempre citando a "tradição”, desde sempre as Igrejas Ortodoxas e as Igrejas Orientais Católicas têm um clero celibatário e casado. Portanto, os tradicionalistas que querem defender a "Igreja de sempre”, muitas vezes, não sabem como, séculos atrás, viveu a Igreja. Eles confundem o "sempre” com opções pastorais escolhidas pelas autoridades eclesiásticas em tempos mais recentes.
Adital - O último concílio, realizado entre 1962 e 1965, primou por uma abertura e uma descentralização da instituição. Isso não se concretizou? Por que hoje essa orientação parece ser rejeitada dentro do próprio Vaticano?
LS - Afirmando a "primazia do povo de Deus” e a "colegialidade episcopal” (o colégio dos bispos unido com o Romano Pontífice é, este também, sujeito de plena e suprema autoridade sobre toda a Igreja), o Vaticano II lançou as bases para uma descentralização radical das estruturas católicas. O Sínodo dos Bispos, criado pelo Papa Paulo VI, em 1965, vai nesse sentido, mas muito timidamente, pois não encarna a "colegialidade” no sentido pleno.
Além disso, o Papa Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI não quiseram implementar, de forma aberta, a "colegialidade”: de fato, sempre tomaram as decisões mais importantes por conta própria, sem um real envolvimento do episcopado. Exemplo clamoroso, nesse sentido, Paulo VI: ele retirou do Concílio a oportunidade dos bispos discutirem os meios eticamente admissíveis para regular os nascimentos; em seguida, confiou a um comitê de 75 membros (prelados, teólogos, médicos, casais) o estudo do problema, a fim de ter uma "opinião consultiva”. O parecer veio e, esmagadoramente, era a favor de deixar os cônjuges decidirem segundo a sua consciência. Mas ele recusou esta opinião e, em 25 de julho de 1968, publicou a encíclica Humanae Vitae, que proclamava a contracepção imoral. E na Igreja Católica se levantou uma imensa onda de contestação ao ensinamento papal.
Os últimos papas têm afirmado a disponibilidade deles em rediscutirem "a forma de exercício do serviço petrino”, mas, na verdade, até Francisco estas palavras foram só... palavras. Em seguida, no que se refere ao "povo de Deus”, no pós-concílio, em nível local e nacional, foram tentadas várias e interessantes maneiras de dar concretude àquele projeto: nos Países Baixos, na Suíça, na Alemanha, na Áustria, em Sínodos ou Encontros nacionais, clero e leigos, juntos, tentaram encontrar soluções para os problemas pastorais pendentes; mas, quando eles fizeram propostas desagradáveis a Roma (liberdade de consciência no controle da natalidade, celibato opcional...), estas propostas foram, todas, rejeitadas pela Cúria Romana. Falta, então, no nível da Igreja Universal, uma espécie de Senado, onde o "povo de Deus” esteja, de alguma forma, representado. A Igreja Romana continua a ser clerical e machista.
Papa Francisco começou a reverter o curso: assim ele quis que, em vista do Sínodo de 2014 (e, agora, até mesmo de 2015), nas várias dioceses do mundo, fosse distribuído um questionário para os fiéis expressarem a sua opinião sobre os temas da família. Foi uma experiência reduzida, mas significativa, que poderia (quem sabe) ter desenvolvimentos mais profundos no futuro.
Até agora, no entanto, a "descentralização” esperada não aconteceu. De fato, a Cúria Romana deveria "devolver” às Igrejas locais (dioceses e Conferências Episcopais) direitos que, por razões históricas, e por razões talvez um tempo até mesmo justas, tinha gradualmente reservado para si. O principal desses direitos é a escolha dos bispos das dioceses. Atualmente, a regra é a seguinte: o núncio em um determinado país faz sua investigação e, depois, escolhe uma tríade: a Cúria (Congregação dos Bispos) examina com cuidado a terna e, finalmente, o Papa escolhe o candidato que ele acredita ser o melhor.
A igreja local não tem nem a primeira nem a última palavra: ambas são prerrogativas da Cúria Romana. Em vez disso, a concreta e coerente aplicação dos grandes (no entanto, genéricos) princípios enunciados pelo Vaticano II exige (exigiria!) que, pouco a pouco, gradualmente, a nomeação do bispo das dioceses passe para a mão do "povo de Deus” daquela diocese, eventualmente com a participação da Conferência Episcopal. Um modo realista e viável para chegar à escolha seria confiá-la ao Conselho Pastoral (clérigos e leigos) e presbiteral da diocese: duas estruturas, cujos membros são eleitos de alguma forma pelo povo, através dos Conselhos Pastorais Paroquiais.
Aliás, no início da Igreja, era toda a comunidade que escolhia o seu próprio pastor! Por que não poderia ser assim hoje? Trata-se, obviamente, de ponderar bem essas mudanças, evitar ingenuidade (ainda hoje, como nos primeiros tempos, poderiam se formar grupos extremamente opostos), agir com cautela: mas o Vaticano II não será implementado de verdade até que os fiéis, homens e mulheres, de uma diocese não tenham voz, uma grande voz, na escolha de seu pastor.
Adital - O discurso do Papa – de desapego, respeito pelos pobres e simplicidade – sugere uma ruptura à cultura tradicionalista que havia sido instaurada na Igreja. Por que isso incomoda a alguns setores - sociais e religiosos?
LS - A maneira com a qual Francisco exercita o seu ministério de bispo de Roma tem perturbado aqueles que têm uma visão sacral, mítica da pessoa do Papa. Para estas pessoas, é insuportável e quase um sacrilégio, o fato de que o Papa viva com simplicidade, fale continuamente dos pobres, coma com as pessoas que vivem com ele em Santa Marta (o palácio que, durante o conclave, hospeda os cardeais que votam; fica a 300 metros do Palácio Apostólico, onde o Papa vai apenas para os encontros oficiais ou, aos domingos, para recitar o Angelus com as pessoas que se amontoam na Praça de São Pedro).
É verdade que, durante séculos, os papas — que, por tanto tempo, foram também reis, isto é, soberanos do Estado Pontifício — viveram com grande luxo. Mas, como vivia Jesus? Como viviam os bispos de Roma, senão entre os pobres e como os pobres, até que os imperadores Constantino e Teodósio cobrissem os papas com privilégios, interessados em ter o apoio do clero para manter firme o seu poder? Talvez Francisco não esteja alinhado com a "tradição”; mas o é certamente com a "Tradição”!
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Francisco tenta mudar o rumo da Igreja pregando a simplicidade. Foto: L´osservatore Romano.
Adital - Quando assumiu o pontificado, o Papa Francisco conseguiu construir uma equipe, dentro da Cúria Romana, compatível com seu pensamento?
LS - Francisco tenta formar na Cúria uma equipe que reflita a sua mentalidade e esteja determinada a levar adiante as reformas que ele deseja. Mas não é fácil, porque, devido à oposição de uma parte dos cardeais e prelados, Bergoglio corre o risco de ficar sozinho ou de ter uma máquina curial bloqueada.
Um exemplo da necessidade, para ele, de ter em consideração as várias "almas” curiais, e de não se opor frontalmente àqueles que não compartilham seus pensamentos ou a sua prática, é o fato de que o Papa ordenou Müller cardeal e que, apesar da hostilidade teológica do purpurado para com ele, o deixou no comando (onde foi colocado por Ratzinger) de um dicastero-chave da Cúria, como a Congregação para a Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício. Uma coexistência que, para o próprio Francisco, não foi, não é e não será indolor.
No entanto, com as nomeações relacionadas ao próximo consistório de meados de fevereiro, veremos mais claramente se delinear toda a equipe que Francisco quer perto dele para levar a cabo as reformas que considera necessárias para a Igreja Romana [com relação à hipótese da reforma da Cúria Romana, veremos quais os resultados do Consistório com o Colégio Cardinalício, convocado pelo Papa, que iniciou seus trabalhos na quinta, dia 12 de fevereiro, em Roma, e termina hoje [sexta-feira], dia 13]. O projeto de reforma da Cúria foi confiada por ele a oito cardeais de vários continentes (agora nove, porque, acrescentou o secretário de Estado, Pietro Parolin), liderada pelo arcebispo de Tegucigalpa [Honduras], Oscar Andres Rodriguez Maradiaga. Veremos, em poucos meses, todo o projeto e as reações que ele vai despertar dentro do Colégio dos Cardeais e dentro da Cúria Romana. Pelo "tom” dessas reações será possível compreender mais claramente onde poderá levar o vento dos Andes soprando sobre o Tibre.
Adital - Atualmente, há necessidade de uma reformulação da própria estrutura da Cúria Romana?
LS - Obviamente, é necessária uma mudança profunda, radical, da Cúria, cuja estrutura, em substância, remonta à reforma lançada pelo Papa Sisto V em 1588. Pio X, em 1908, trouxe mudanças importantes e, ainda mais trouxeram — tentando considerar os resultados do Vaticano II — Paulo VI em 1967 e, em 1988, João Paulo II, com a Pastor bonus, a Constituição Apostólica que reorganizou a Cúria e dura até hoje. É certo que a reforma que Francisco está pensando, e que o Conselho dos oito+um está preparando comportará notáveis mudanças: sumirão algumas "Congregações”, outras serão fundidas, outras ainda serão novas em folha (por exemplo: a Congregação para os Leigos), e o mesmo acontecerá com os Conselhos Pontifícios e outros órgãos.
Mas, além dessas importantes mudanças, a reforma, eu acredito, deverá ser avaliada em relação a estes três pontos: 1) as relações entre Papa e Cúria. O encontro do pontífice com todos os chefes-dicastero será ocasional (hoje acontece duas ou três vezes ao ano) ou então com uma frequência estável, uma ou duas vezes ao mês? A frequência (normativa) desses encontros dirá quanta colegialidade se pretende atuar.
2) As relações entre Sínodo e Cúria. Atualmente, o organograma do poder Vaticano prevê esta pirâmide: Papa-Cúria-Sínodo. Deveria ser mudado para Papa-Sínodo-Cúria. Não é um jogo de palavras: trata-se de ver se, em perspectiva, a Cúria está a serviço do Papa, mas controla os bispos; ou se a Cúria está a serviço do bispo de Roma e do Colégio Episcopal a ele unido. Se for escolhida esta segunda hipótese, aos poucos, derivarão dela importantes e positivas consequências legislativas e pastorais, e a "descentralização” não será uma caixa vazia.
3) A presença da mulher. Atualmente, todos os centros do poder no Vaticano estão nas mãos dos homens (sexo masculino); como poderá a outra metade da Igreja estar representada? E aqui surge um problema muito complexo, delicado e urgente, que não pode ser resolvido com êxito sem uma radical rediscussão do conceito (não evangélico) de "sacerdócio”, para retomar os conceitos evangélicos e neotestamentários de "serviço/diakonia/ministro/ministério”. Deixando intocada a "doutrina” atual, é impossível, na Igreja Romana, dar um lugar apropriado e voz deliberativa também às mulheres; tudo é possível, no entanto, caso se parta de "ministérios/serviços” abertos a homens e mulheres.

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Francisco tenta formar na Cúria uma equipe que reflita sua mentalidade e leve adiante reformas. Foto: Reprodução.
Não vejo, no entanto, a forma como o grupo dos 8+1 cardeais possa enfrentar esse gigantesco problema doutrinal, teológico, jurídico e pastoral. Eu acredito que a questão do ministério das mulheres, e muitas outras, hoje urgentes, incumbentes e "quentes” — o statusdo presbítero; a realização da Igreja = Povo de Deus; a necessidade de um ecumenismo corajoso e mais intensas relações com o judaísmo e com as religiões não-cristãs ou afro-americanas; uma visão renovada da sexualidade que se confronte com a modernidade; as consequências institucionais decorrentes da decisão de pôr na base de ação da Igreja o compromisso com a justiça/a paz/a defesa da criação — exigiriam nada menos do que um novo Concílio, o "Vaticano III”. Uma grande assembleia, que poderia ser celebrada fora de Roma, em uma cidade do sul do mundo (onde hoje vive a maioria dos católicos) e em que participem, a pleno direito, grandes representações de padres, monges/freiras, religiosos/religiosas e leigos homens e mulheres.
Enfim, uma reforma radical da Cúria, filha da visão de um bispo de Roma, que "veio quase do fim do mundo” (como disse à multidão o recém-eleito Papa, na noite de 13 de março de 2013), implica na reforma da Igreja; e vice-versa. Pode ser também que, por enquanto, Francisco reforme a Cúria, como um passo decisivo para a reforma subsequente da Igreja Romana. Mas o caminho não será fácil, e serão inevitáveis as tensões, sofrimentos e contradições. E, todavia, é grande a esperança de que o sonho comece a se tornar realidade.

Marcela Belchior

É jornalista da Adital. Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estuda as relações culturais na América Latina.
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Fonte: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=84037