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3.17.2014

Na Política, os Jeitinhos Corrompem a Pessoa e a Sociedade

Sociedade

Entrevista com a professora Valdete Daumfemback Niehues

Daiana Constantino - jornalista do Jornal Notícias do Dia - Joinville SC

“Como os vereadores eleitos estão sempre em campanha eleitoral, a população está sempre esperando o momento de negociação do seu voto.”
“Como a corrupção já se naturalizou entre a sociedade, cada qual acha no direito de usufruir do dinheiro público.”
“Os políticos deveriam dar exemplo de fazer uma política de transparência.”
“Ele [cidadão] precisa ser orientado a lutar pela ampliação de políticas públicas que possa atender à toda a população.” 
“Sociedade cultiva o jeitinho”, diz socióloga sobre os pedidos recebidos pelos vereadores.

Arquivo Pessoal/ND

Valdete Daumfemback Niehues, socióloga

Professora no Bom Jesus/Ielusc, em Joinville, a socióloga Valdete Daufemback Niehues defende a politização dos vereadores para que eles possam fazer o mesmo pelos cidadãos. Segundo ela, esse seria um caminho para acabar com a relação baseada na troca de favores, estabelecida entre eleitores e representantes do povo.
Reportagem especial do Notícias do Dia, publicada na edição deste fim de semana, mostrou que a prática de fazer todos os tipos de pedidos aos vereadores é bastante comum em Joinville. Na “romaria” aos gabinetes rola de tudo, desde de pedido de emprego e dinheiro em espécie até viagens internacionais.
Segundo a socióloga, essa relação entre eleitores e políticos começa no processo de campanha eleitoral, com as promessas. “Ou fazem pactos. O voto em troca de algum serviço, isso antes ou depois de serem eleitos.”
O comportamento também se explica, segundo a socióloga, pela deficiência das políticas públicas existentes. “Como estes cidadãos não entendem como funcionam as políticas públicas por seu grau de alienação política, entendem, então, que as suas necessidades devam ser tratadas no balcão, pois assim eles entendem a linguagem de seus representantes, os quais compraram o direito de voto destes cidadãos”. 
Mestre em História pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Valdete explica que somente uma população despolitizada tende a pedir favores aos vereadores. Confira.

Os vereadores são os mais procurados porque estão mais próximos da comunidade. Essa proximidade justifica os pedidos feitos pela população?
Os vereadores são procurados porque se tornaram conhecidos na época da campanha eleitoral. E como os vereadores eleitos estão sempre em campanha eleitoral, a população está sempre esperando o momento de negociação do seu voto. E, geralmente, os eleitores não votam novamente nos vereadores que não lhes atenderam no balcão. Não há muita proximidade dos vereadores com os cidadãos, exceto nesta transação comercial. Por outro lado, sabe-se que os vereadores, ou a Câmara de Vereadores tem valor monetário a ser gasto em causas que, com o tempo, depois que alguém consegue ajuda, a fama se espalha e há indicação de que este ou aquele vereador pode ajudar nas suas necessidades. Como há uma morosidade nos serviços públicos, a população busca o caminho mais rápido, o vereador, aquele com quem manteve contato direto ou não. Há ainda uma disposição da população na descrença de serviços públicos coletivos, porém, a mesma disposição se reflete na vontade de ser beneficiada de forma individual. O imediatismo que se estabeleceu na atual sociedade de consumo, transformou o cidadão em um ser consumista de direitos individuais, mesmo que tenha que passar por cima das necessidades de seus semelhantes.
O famoso jeitinho...
Às vezes, os cidadãos se orgulham de ter passado na frente de outros cidadãos que estavam mais tempo na espera pelo direito. Levar vantagem ainda é um valor que a sociedade consumista e alienada politicamente cultiva.
A população deve tomar cuidado com a atitude de procurar vereadores e pedir favores? Por quê?
Somente uma população despolitizada faz este tipo atitude. São pessoas que ficam à margem do conhecimento ou então, são pessoas inescrupulosas que agem de má-fé e se aproveitam dos recursos públicos para fins privados. Como a corrupção já se naturalizou entre a sociedade, cada qual acha no direito de usufruir do dinheiro público. Se falarmos em ter cuidado diante dessa atitude, estamos legitimando os procedimentos da transação comercial do voto e da ação dos vereadores, os quais foram eleitos para trabalhar pelas políticas públicas. Entende-se que tomar cuidado significa articular manobra para não ser pego, ou para não ficar visado. Ora, o cidadão deve ser orientado pelos vereadores a não se utilizar desse tipo de artifício político para conseguir direitos.
Qual seria a orientação?
Ele [cidadão] precisa ser orientado a lutar pela ampliação de políticas públicas que possa atender à toda a população. Ele precisa ser orientado a atuar na associação de moradores, nos conselhos, que é por onde passam as possibilidades de conquistas de direitos coletivos.
O político também precisa tomar cuidado, não é mesmo?
Os políticos deveriam dar exemplo de fazer uma política de transparência. Tomar cuidado talvez não seja bem o conceito a ser empregado. Os políticos não deveriam estimular essa atitude. Cuidados eles já tomam, pois as transações de balcão acontecem às portas fechadas, geralmente, com hora marcada, juntamente com o vereador ou com seus assessores. A promessa se projeta para as próximas eleições. Para as campanhas eleitorais o beneficiado já está comprometido.
http://ndonline.com.br/joinville/noticias/151560-ldquo-sociedade-cultiva-o-jeitinho-rdquo-diz-sociologa-sobre-os-pedidos-recebidos-pelos-vereadores.html