Páginas

2.03.2014

O que os jovens que praticam o "Rolezinho" querem nos dizer?

Eles estão querendo nos dizer que são cidadãos acima de tudo, ter os direitos respeitados pela sociedade, e entrar na rede de consumo que fornece a valorização social que qualquer adolescente deseja.


Alexandre Bernardino Costa (*) pontanegra / wikicommons
Nos últimos dias, o noticiário veiculou reportagens sobre o chamado “rolezinho”, encontro marcado pela internet, envolvendo jovens – em sua maioria negros e oriundos das periferias das grandes cidades – em Shoppings Centers, ambientes tradicionalmente frequentados pelas classes médias e altas.
Eles não necessariamente consomem, mas por vezes passam “zoando”, cantando e dançando, em grupos grandes se deslocam ao longo dos corredores: fazem pouco mais do que isso, mas foi o suficiente para que virassem assunto policial e judicial.
    Independente do erro da decisão judicial e da política de utilização da polícia para esse tipo de manifestação, é importante perguntarmos: o que esses jovens querem nos dizer?
    Primeiramente deve-se dizer que eles não praticaram crime algum nas suas manifestações. Não se tem noticia de atos de vandalismo, como gosta de dizer a mídia, ou de furtos cometidos por eles – pelo menos nada além do que deva ocorrer no cotidiano dos Shoppings. Eles praticam o direito de ir e vir em lugares públicos de consumo de bens da classe média e alta das grandes cidades.
   Mas porque chamam tanta atenção? Porque a mídia, o comércio e as instituições de repressão deram tanta atenção a eles? A resposta é simples: porque não deviam estar lá! Mas eles insistem em ir. O que eles querem nos dizer com isso?
   Somos uma sociedade que valoriza o que as pessoas têm, e não o que são e o que fazem econômica, política e socialmente. Mais que isso, valorizamos algumas coisas que representam mais na escala valorativa do ter: marcas de tênis, bonés, camisetas, bermudas, calças e todo vestuário que é ditado não somente pelo estilo, mas principalmente pelo preço e status que fornece a quem usa.
   Veículos que possuem artefatos tecnológicos que não utilizamos nos trajetos que fazemos nas grandes cidades, sobretudo nos engarrafamentos em que ficamos todos os dias. Carros altos, tração nas quatro rodas, reduzida, para enfrentar ralis, que passeiam no dia a dia para demonstrar poder. Quem é obrigado a utilizar o transporte público, além de ser aviltado em seus direitos todos os dias pelo preço e pela qualidade, ainda é desvalorizado por não ter um carro.
    Esses jovens da periferia, bem como as manifestações de junho, estão querendo nos dizer que querem entrar na rede de consumo que fornece a valorização social que qualquer adolescente deseja. Eles buscam os valores que lhes ensinamos e reproduzem isso no chamado Funk da Ostentação.
    Mas eles estão a nos dizer um pouco mais. Que eles são tratados como bandidos pela polícia, que protege os cidadãos de bens, com “averiguações”, “baculejos”, revistas e outros procedimentos a que são submetidos todos os dias.
    Que o transporte que utilizam é caro, ineficiente, precário e só funciona minimamente nos horários de trabalho, pois na hora de ir ao Shopping, à balada ou à praia nos fins de semana, os mesmos transportes têm horários escassos e deixam de circular.
    Que são tratados como cidadãos de segunda categoria todos os dias e que sua localização na cidade, sua cor, e estilo de vida são rejeitados pelo restante da sociedade. Basta ver o número de jovens negros mortos com armas de fogo nas grandes cidades, que supera lugares no mundo onde há conflito armado.
    Dizem-nos ainda mais, que criamos uma sociedade que se reproduz de uma forma estúpida, que exclui a maior parte da população dos benefícios que essa mesma sociedade gera para si. Que estão sem alento, sem representação política, sem futuro, sem reconhecimento e sem direitos. Que querem fazer parte da festa promovida pela elite dessa sociedade.
    Mas acima de tudo, estes jovens estão nos dizendo que não aceitam mais essa situação. E que a partir de agora vão reclamar por nada mais, nada menos, que os direitos inscritos na nossa Constituição: liberdade e igualdade.

 (*) Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/O-que-os-jovens-que-praticam-o-Rolezinho-querem-nos-dizer-/40/30111