Páginas

10.29.2016

Mais de mil escolas do país estão ocupadas em protestos no Brasil

  • entenda o movimento: estudos mostram que a PEC 241/2016 pode reduzir os repasses para a área de educação, que, limitados por um teto geral 

por Mariana Tokarnia, para Agência Brasil* - Sociedade e Juventude Injustiçada (fonte no final)

Mais de mil escolas e outros espaços estão ocupados em todo país por estudantes, de acordo com balanço divulgado pela Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas).
Ao todo, segundo a entidade, são 995 escolas e institutos federais, 73 campi universitários, três núcleos regionais de educação, além da Câmara Municipal de Guarulhos, o que totaliza 1.072 locais.
Não há um balanço nacional oficial. E, em algumas localidades, há divergência quanto aos números. Por exemplo, o Estado do Paraná concentra o maior número de ocupações. De acordo com os estudantes, são 847 locais. Já o governo afirma que 792 escolas estão ocupadas.
Minas Gerais aparece em segundo lugar, com 48 ocupações; Rio Grande do Sul, com 13; Goiás e Rio Grande do Norte, com nove cada, conforme dados dos estudantes.

Giovan Valiati/RPC
13.out.2016 - Escola ocupada por estudantes no Paraná

Reivindicações

O movimento é contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que foi aprovada em segundo turno na terça-feira. A PEC limita os gastos do governo federal pelos próximos 20 anos. Estudos mostram que a medida pode reduzir os repasses para a área de educação, que, limitados por um teto geral, resultarão na necessitará de retirada recursos de outras áreas para investimento no ensino.
Os estudantes também são contra a reforma do ensino médio, proposta pela Medida Provisória (MP) 746/2016, enviada ao Congresso. Para o governo, a proposta irá acelerar a reformulação da etapa de ensino que concentra mais reprovações e abandono de estudantes. Os alunos argumentam que a reforma deve ser debatida amplamente antes de ser implantada por MP, que começa a vigorar imediatamente.

Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara após a aprovação em segundo turno da PEC 241

Governo

O Ministério da Educação (MEC) afirma que a PEC 241 não reduzirá os repasses para educação e que o ajuste fiscal é necessário em um contexto de crise econômica. Sobre as ocupações, o ministério diz que os estudantes têm direito de se manifestar, mas que a Constituição garante a livre manifestação e também assegura que a educação é um direito de todos. O MEC diz ainda que ninguém deve impedir o direito dos jovens de ir e vir para a escola.
De acordo com o ministério, em 2016, a pasta conta com R$ 129,96 bilhões para custear despesas e programas. No projeto de orçamento de 2017, esse valor deve chegar a R$ 138,97 bilhões, um crescimento de 7%, "o que mostra prioridade para a área".
A PEC 241 propõe um novo regime fiscal para o país, em que o aumento dos gastos públicos, em um ano, esteja limitado pela inflação do ano anterior nos próximos 20 anos. A medida poderá ser revista pelo presidente da República após os primeiros dez anos.
Em relação à MP do Ensino Médio, o ministério destaca que a questão já estava em discussão entre especialistas e outros setores desde 1998 e que, desde 2013, no Congresso Nacional, sob formato de projeto de lei. E argumenta que a urgência do tema fez com que o governo editasse uma MP.
http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/10/26/mais-de-mil-escolas-do-pais-estao-ocupadas-em-protesto-entenda-o-movimento.htm

Em 13 anos, Brasil transferiu R$ 3 trilhões ao sistema financeiro



Kliass: "catastrofismo” criado em torno da dívida é utilizado justificar ajuste e privatizações, que beneficiam rentistas e elite empresarial.Kliass: "catastrofismo” criado em torno da dívida é utilizado justificar ajuste e privatizações, que beneficiam rentistas e elite empresarial.
De acordo com relatório do Tesouro Nacional, pela primeira vez na história, a dívida pública federal superou o simbólico marco de R$ 3 trilhões. Só entre agosto e setembro, houve um aumento de 3,1%, e o montante passou de R$ 2,955 trilhões para R$ 3,046. 

Se analisados os últimos doze meses, o estoque da dívida pública federal cresceu pouco mais de 10%. Saiu de cerca de R$ 2,7 trilhões para o atual patamar. Em entrevista ao Portal Vermelho, o economista Paulo Kliass destaca que, no mesmo período, o Brasil pagou algo em torno de R$ 400 bilhões em juros. 

O valor é cerca de 13 vezes maior que o previsto no Orçamento de 2017 para o Programa Bolsa Família (R$ 29,7 bilhões) e quase 12 vezes acima dos investimentos em Educação (R$ 33,7 bilhões).

O pior dos mundos
Segundo os cálculos de Kliass, de 2003 até hoje - com uma taxa básica de juros em 14%, que mantém o país campeão de juros reais no mundo -, o Brasil transferiu ao sistema financeiro o equivalente a R$ 3 trilhões em valores atualizados. Mesmo assim, o estoque da dívida só fez crescer. Saiu de R$ 965,8 bilhões em dezembro de 2003 para agora ultrapassar os R$ 3 trilhões. 

“É um absurdo. Ou seja, você tem um crescimento muito grande do estoque da dívida, apesar de todo o esforço que foi feito, em termos de política econômica, por mais de 20 anos, no sentido de promover a chamada geração de superávit primário”, critica Kliass, que é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal. 

Um governo registra superávit primário quando, ao final de um período, o valor que gasta é menor que aquilo que arrecada. Nesse cálculo, contudo, só são computadas as despesas primárias - aquelas com saúde, educação, previdência, pessoal, novos investimentos etc. Os gastos de natureza financeira não entram nesta conta. Em outras palavras, como o superávit primário não computa as despesas financeiras, ele reprersenta a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública.

O cenário atual “é o pior dos mundos”, avalia o economista, ao apontar que, por mais que o Brasil tenha seguido a cartilha do financismo - comprimindo despesas que beneficiariam a maioria da população para assegurar recursos do orçamento para o pagamento de juros -, a dívida continua a crescer. “Fazer a política do ‘bom mocismo’ não resolve. Porque a taxa de juros é muito alta”, concluiu.

“Você cumpre o seu dever de casa aos olhos do sistema financeiro, faz um baita de um esforço fiscal, o país inteiro sofre por isso, tudo com o discurso de que isso é para reduzir o endividamento, mas, nesses últimos 13 anos, o país pagou R$ 3 trilhões em juros e ainda aumentou o estoque de endividamento, comprometendo a política econômica agora. Isso é uma loucura”, afirmou.

A combinação da perseguição ao superávit com elevadas taxas de juros – que fazem a dívida se ampliar por mais que se dispendam recursos para administrá-la – beneficia muito poucos, em detrimento da maior parte da população. Ganham basicamente as instituições do sistema financeiro nacionais e internacionais e setores do topo da pirâmide econômica e social, que têm parcela de seus ativos mobiliários na forma de dívida pública.

Como exemplo, Kliass mencionou que, em plena recessão no país, a unidade brasileira do Banco Santander voltou a representar a maior contribuição individual para o lucro do grupo internacional. “Serve para mostrar como o regime financeiro do Brasil é generoso com o sistema financeiro. No fim, você cria um mecanismo em que a elite termina sempre se beneficiando desse tipo de regime”.

Em economia, um país não é igual a uma família

Ele destaca que, diferente do que tenta fazer crer o discurso hegemônico, a dívida pública, em si, não é um problema. Pelo contrário, ela é um elemento importante que o governo tem para fazer política econômica. 

A dívida pública é um instrumento utilizado por governos para financiar parte de seus gastos que não são cobertos pela arrecadação de impostos. Assim, o Tesouro Nacional oferece títulos da dívida pública ao mercado e passa a dever às instituições que adquiriram aqueles papéis, pagando sobre eles juros.

De forma equivocada, a atual gestão do presidente Michel Temer – mas não apenas ela – costuma comparar as finanças públicas àquelas de uma dona de casa. Busca, assim, demonizar o endividamento, como se ele fosse levar o país à bancarrota. O paralelo, contudo, não se aplica.

“A dívida pública não tem a ver com você ir ao banco ou pedir empréstimos a um amigo, é algo muito diferente”, ponderou Kliass. Ele explicou que governos de países seguem outra lógica. Diferente de uma família que pode não ter como pagar seus débitos, os estados soberanos podem fazer uso de alguns instrumentos, como a rolagem da dívida. Ou seja, podem emitir novos títulos como garantia de que aquela dívida será paga mais à frente. 

Além disso, os estados nacionais são capazes de imprimir mais dinheiro ou fazer uso de reservas internacionais, por exemplo, o que faz com que seja bem mais difícil um país quebrar. 

Paulo Kliass resgata uma famosa frase do ex-ministro Delfim Netto, para quem “dívida não se paga, se rola”. Tanto é assim, completa o economista, que não há Estados que decidiram simplesmente zerar sua dívida. “O que você tem é o controle do grau de endividamento, pode ter momentos em que você recolhe dívida ou aumenta, mas a dívida pública de qualquer estado soberano sempre existe”.

A dívida brasileira não é grande

Se o problema não é a dívida em si, mas o nível desse endividamento, em que pé está a situação brasileira? A comparação com outros países indica que a ideia de que o país encontra-se em apuros devido à situação fiscal não passa de um mito. No Brasil, a dívida pública líquida (descontadas as reservas) está em torno de 40% do Produto Interno Bruto. Já a dívida bruta equivale a 66,2% do PIB, segundo dados do Banco Central de 2015. 

Embora existam alguns países com dívidas menores que a brasileira, caso de Argentina e Chile, vários outros países, mesmo aqueles mais desenvolvidos, possuem endividamento substancialmente maior, como é o caso dos Estados Unidos (104%), do Japão (230%), da Zona do Euro (90% em média) e do Canadá (92%).

“A situação do Brasil não é tão grave. Ninguém está aí achando que o Japão, por exemplo, vai quebrar. E o Brasil está num nível de endividamento bem abaixo. Estamos em situação até confortável. O que vivemos agora é conjunturalmente uma crise fiscal, isso ninguém nega. Mas não significa que a economia e a sociedade brasileiras não tenham um potencial de cumprir com essas obrigações assim que houver a recuperação da atividade econômica”, avaliou Kliass.

Além de, na comparação com outros países, o Brasil ter um endividamento até baixo, a dívida brasileira, hoje, é majoritariamente em moeda brasileira, o que afasta muitos riscos. No ano 2000, 20% da dívida brasileira era em moeda estrangeira. Em 2015, esse percentual caiu para 6%. 

“Desde o Plano Real e, principalmente, com o boom das commodities, a retomada da boa performance exportadora, os saldos superavitários no balanço de pagamentos, houve um processo crescente de internalização da dívida externa, embora o sistema do endividamento continue parecido, porque há agentes externos que compram títulos da dívida brasileira”, apontou Kliass. Outro elemento que dá segurança ao Brasil é o fato de que hoje o país possui cerca de R$370 bilhões em reservas internacionais. 

Catastrofismo a serviço da elite

Segundo o economista, o “catastrofismo” criado em torno da dívida brasileira é utilizado para gerar “pânico” e justificar a implementação de políticas de ajuste e de privatizações, que beneficiam os mesmos de sempre: rentistas e uma elite empresarial. 

“Há uma tentativa de dizer que, se você não fizer o ajuste fiscal nesse ano ou, pior, como propõe a PEC 241, nos próximos 20 anos, o país quebra num cenário próximo. Não é nada disso. O país não vai quebrar. Usa-se isso para promover privatização, para reduzir o papel do Estado na economia, retirar direitos sociais, reduzir o custo do trabalho. Mas, do ponto de vista objetivo, a comparação com outros países não autoriza nenhum grau de pânico e catástrofe”, observou.

Para ele, a situação momentânea das contas do país exige cuidados, mas o remédio adequado seria exatamente o oposto do receitado pelo governo Temer. Em meio à crise, a gestão tem optado por cortar gastos, o que tem aprofundado a recessão e provocado ainda maior queda na arrecadação, em um verdadeiro ciclo vicioso. 

“O que deveria ter é uma política pública anticíclica. Ao invés de cortar, esse é um momento em que se deveria estar gastando para atenuar os efeitos da crise, reduzir o tempo da crise e, no próximo ciclo de crescimento, tudo isso acaba sendo resolvido com a própria dinâmica da economia. Ninguém pode achar que o Brasil vai passar de hoje até os finais do tempo da história numa recessão”, colocou.

O último dos moicanos

Segundo Kliass, o Brasil é um dos últimos países a seguir à risca a receita da austeridade no mundo. “O próprio Banco Mundial, o FMI, países europeus, Estados Unidos, Canadá, Japão, todos eles, de alguma maneira, passaram por cima disso. Porque perceberam que você precisa ter – principalmente em momentos de recessão – o protagonismo do setor público para superar a crise”.

Ele citou como exemplo o resgate dos bancos e da indústria automobilística, bancado pelos Estados Unidos, em meio à crise de 2008. “Tinha aquilo do ‘grande demais para falir’, a ideia de que não poderia deixar quebrar porque a sociedade toda iria perder, e é verdade”, destacou.

“Não existe essa história de demonizar o setor público, isso o mundo capitalista já superou, e mais ainda essa coisa do superávit primário. Com essa ideia de privilegiar de maneira exacerbada o setor financeiro, você acaba penalizando setores não só nessa clivagem dos ricos contra os pobres ou do capital contra o trabalho. Mesmo dentro dos setores das classes dominantes, você faz uma diferença muito grande entre o setor produtivo e o financismo”, analisou.

Kliass lembrou que, durante os governos Lula, era comum ver o então vice-presidente José de Alencar, empresário do setor têxtil, criticar a política monetária de Henrique Meirelles, que era presidente do Banco Central e agora comanda a Fazenda. 

“Para o setor produtivo, não interessa juros elevados dessa maneira. O que acaba acontecendo é que os empresários terminam indo buscar os caminhos dos lobbies para obter recursos públicos a taxas subsidiadas e sem oferecer contrapartidas. Mas é isso. Somos os últimos dos moicanos. Ninguém mais no mundo faz o que estamos fazendo”, concluiu.

PEC 241 para perpetuar privilégios 
Nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional 241 – que estabelece um teto para o crescimento dos gastos públicos primários por 20 anos – é mais um passo na contramão. Kliass destaca que a nova regra fiscal que o governo Temer tenta aprovar introduz na Constituição a ideia da busca do superávit primário.

Isso porque, pelo projeto do governo, o limite ao crescimento das despesas não se aplicará aos gastos com juros, mas apenas àqueles em áreas como saúde, educação, previdência e assistência social. 

“A malandragem da PEC é exatamente essa. Só ataca as despesas primárias, continua dando o tratamento da bondade e do privilégio para a despesa financeira. A PEC introduz no texto constitucional e perpetua isso. É um baita engessamento”, criticou o economista.

De acordo com ele, o governo está propondo impor perdas à saúde, à educação, aos salários dos servidores, aos novos investimentos, por exemplo, sob o argumento de que não pode gastar mais do que arrecada. Mas, ao mesmo tempo, não fala em restringir o que vai para o ralo dos juros da dívida, algo em torno de 9% do PIB. 

“Eles dizem: ‘ah, mas não posso mexer nos contratos’. Está bem. Mas e os contratos sociais em que você está mexendo? Aí pode? É a mesma coisa”, defendeu. Para ele, impor limites às despesas de natureza financeira não significa dar calote nos credores, mas rolar a dívida, por exemplo. 

A PEC só favorece, portanto, rentistas e setores da iniciativa privada. Isso porque, na prática, a nova regra fiscal reduz a capacidade do Estado de prestar serviços públicos à população, que terá que recorrer à iniciativa privada – engordando, assim, o bolso de uma elite.

“Você está apresentando à sociedade um quadro em que as pessoas vão continuar tendo que estudar, ir ao médico, se aposentar, mas infelizmente o Estado não poderá mais fazer, o governante não poderá mais fazer porque a Constituição proíbe. Então vai ter que recorrer ao sistema privado. E aí você tem explicitamente a privatização dos serviços públicos. Ou, se quiser pensar do ponto de vista de funcionários, não vai poder fazer concurso ou realizar reajuste, então vai terceirizar as funções públicas – um outro mecanismo de privatização”, previu.
http://www.vermelho.org.br/noticia/288963-1 

Milho transgênico aprovado pela CTNBio jamais foi testado em condições brasileiras

  • Ex-membro da CTNBio analisa os perigos do alimento ao meio ambiente e à saúde da população

Para Melgarejo, os interesses comerciais prevaleceram
Foto: Marcelo G. Ribeiro/JC 
No começo do mês de outubro/2016, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou a importação e o consumo de duas variedades de milho transgênico - da Monsanto e da Syngenta - que jamais foram estudadas nas condições brasileiras.
Além do fato de nunca terem realizado estudos no país, chamou a atenção a velocidade com que essas duas variedades foram liberadas. Em apenas dois meses os membros da CTNBio liberaram um protocolo de recomendações a essas espécies. A média de tempo para todo esse processo costuma ser de 24 meses.
Não bastasse, gera estranheza o fato de que pelo menos um milhão de toneladas estaria aguardando essa autorização, conforme anunciou alguns órgãos de imprensa. Em entrevista ao Brasil de Fato, o engenheiro agrônomo e ex-membro da CTNBio, Leonardo Melgarejo, analisa o fato, os perigos que ele representa ao meio ambiente e à saúde da população e o papel que a CTNBio vem cumprindo desde sua criação, em 2005.
“Parece que os interesses comerciais foram mais importantes que todos os outros”, aponta o especialista. Para ele, a facilidade com que os transgênicos são aprovados no Brasil fez com que perdêssemos “a oportunidade de identificar o problema em seu nascedouro, antes que se tornasse grande".
Confira a entrevista:
Brasil de Fato - Como você avalia o processo de aprovação das duas últimas variedades de transgênicos pela CTNBio?
Leonardo Melgarejo - É ilegal porque descumpre a legislação. É perigoso porque deixa de verificar transformações que podem ser expressas nessas plantas quando cultivadas no Brasil. Há um pressuposto básica na biologia de que as expressões biológicas são resultados de uma interpretação que o genoma da planta faz em relação às condições do ambiente.
As condições do ambiente faz com que as plantas expressem determinadas características. O genoma dá um mapa de potencialidades. Nossa preocupação com uma planta que nunca foi estudada no Brasil e que nunca existiu na natureza é que quando cultivada aqui expresse alguma condição que possa ser perigosa. Não sabemos se essa planta que foi estudada no norte dos EUA, submetidas às pressões do ambiente brasileiro, não expressarão alguma enzima que possa ser perigosa.
Outro ponto é que uma dessas plantas é produzida nos EUA com um cuidado para não ser consumida. Nos EUA, esse milho produzido para etanol é desenvolvido com cláusula de salvaguarda que impede que ele entre na cadeia alimentar. Mas ele foi importado para entrar no Brasil na cadeia alimentar, e os grãos que caírem nas lavouras vão gerar pólens férteis que fecundarão outros grãos e vão transferir essas características para as lavouras do Brasil.
Um agricultor que estiver na rota de um caminhão que saia do porto com essa carga pode, no ano que vem, estar colhendo esse tipo de milho. E vai comer, vai dar para os porcos, galinhas, e isso é muito perigoso. Qual é o problema que pode vir? Não sabemos, e é exatamente por isso que temos que estudar. Mas sabemos um fato básico da biologia: o clima afeta as expressões biológicas.
E o outro milho?
O outro milho foi produzido nos EUA pela Monsanto para enfrentar a seca. Como é que vamos impedir que esse milho seja produzido no Brasil? Qual é o agricultor que não vai querer testar esse milho nas suas condições? E esse milho foi autorizado para importação só para consumo, não para plantio. Para ser plantado no Brasil, antes ele tem que ser estudado em pequenas áreas experimentais.
O salto mortal dado nesse mecanismo é que antes dessa aprovação, só entrava no Brasil milho transgênico em pequenos pacotinhos, lacrados com dois envelopes, transportados em carro especial que ia do aeroporto direto para as estações de pesquisa das empresas, e tinha toda uma equipe de biossegurança responsável para que nenhum grão se perdesse. Eles tinham que dizer para a CTNBio quantas gramas compraram, quantas iam ser plantadas, onde, tinham que georeferenciar o lugar do plantio para o Ministério da Agricultura poder fiscalizar, além de ter que comprovar que queimou o resto do milho que sobrou. Isso com um saquinho de 100 gramas ou três quilos. Agora é 1 milhão de toneladas que entra sem passar por esse mecanismo, e vai direto para consumo sem ser estudado afirmando que não será plantado no Brasil, quando sabemos que isso é impossível. Isso sem falar que os estudos para realizar o impacto na saúde humana e animal nem foram realizados.
Como explicar uma votação tão rápida como a que ocorreu?
Parece que os interesses comerciais foram mais importantes que todos os outros. Imagino a dificuldade que eles tiveram para ler, fazer juízo e estabelecer um protocolo de recomendações em 30 dias para documentos que são tão intensos e tem tanta bibliografia que tem que ser consultada. Por isso fico surpreso com a rapidez com que examinaram e emitiram parecer a favor. Cerca de duas semanas para avaliar e escrever um parecer sobre um processo decisório tão complexo.
A CTNBio tem 27 membros que avaliam os processos que chegam lá toda semana. A cada mês a lista de processos é um documento com mais de 40 páginas. É impossível todos os membros lerem todos os processos, o que significa que a maior parte dos casos os membros votam com base no resumo feito por algum membro que leu o processo.
A representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na CTNBio, Karen Friedrich (substituindo o titular Paulo Kageyama, que faleceu em maio deste ano), pediu vistas do processo para poder opinar sobre ele, dado que ela teria que votar sem conhecê-lo. Ao lê-lo, encontrou problemas. Fez um relatório dizendo que se posicionava contra a aprovação deste pedido. Esperava-se que a CTNBio discutisse essas considerações, mas aconteceram dois desdobramentos importantes. O primeiro é que a CTNBio nomeou rapidamente o sucessor do Paulo Kageyama, que compareceu na sua primeira reunião neste momento de decisão. Como os outros - que não leram o processo sem saber o que estava sendo votado - tomou uma atitude inédita: ele era o representante titular do MDA e votou contra o parecer escrito do próprio órgão que representava.
O MDA passou a ter duas posições naquele momento. Uma por escrito alertando problemas para a agricultura familiar e outra posição verbal sem conhecer o assunto simplesmente negando a relevância dos dados apresentados por escrito pelo próprio MDA.
Mas esse constrangimento não ficou nisso. Essa semana a CTNBio está propondo uma alteração nas normas, considerando que quando um produto entrar com urgência - e quem decide o que é urgente é o presidente da CTNBio - o pedido de vista só será concedido se a maioria aprovar. Ou seja, nesse caso a Karen poderia dizer: “eu quero ler o processo para poder votar”, e as pessoas responderiam a ela que não poderia, que teria que votar sem ler.
É inadmissível esses movimentos atuais. Quanto a CTNBio, se ela está funcionando bem ou não, os dados demonstram que ela é uma instância em que não há rejeição de pedidos.
Quantas variedades de transgênicos já foram aprovadas pela CTNBio desde sua criação, em 2005?
Cerca de 80.
E quantas foram recusadas?
Nenhuma.
Isso não parece meio estranho?
Como podemos conceber uma instância de avaliação científica que não tem dúvidas? É uma instância de avaliação científica que decide que os argumentos apresentados pela empresa interessada em vender o produto são suficientemente sólidos e robustos para não permitir novas dúvidas. Quando surge um caso como esse, de um parecerista pedir vistas e apontar elementos de dúvida que exigiria novos estudos, essa questão é varrida para baixo do tapete numa eleição aparentemente democrática.
A ciência sempre progrediu quando se deu atenção à minoria. Normalmente a minoria é quem identifica problemas, porque como a sociedade é muito ingênua, ela aceita os produtos como bons, e esses produtos são utilizados de maneira irrefletida como sendo adequados, até um momento que se acumulam tantas evidências de que são ruins que são obrigatoriamente descartados.
Perdemos a oportunidade de identificar o problema em seu nascedouro, que seja descartado antes que se tornasse grande. Os transgênicos são aprovados com base nos argumentos das empresas, jogados no mercado e aqui ficarão até que surjam outros produtos para substituir os primeiros quando se mostrarem inviáveis. Todas essas mitologias dos transgênicos se comprovam falsas. Eles foram contrariados pela realidade desde o início. Essa obsolescência dos produtos vem sendo observada tardiamente quando existem problemas novos e mais graves, mas os problemas ambientais não vem sendo detectados. Não estamos acompanhando o fato de termos 35 milhões de hectares de milho com essas proteínas tóxicas sendo deixadas no solo.
Edição: Juliana Gonçalves
https://www.brasildefato.com.br//2016/10/28/milho-transgenico-aprovado-pela-ctnbio-jamais-foi-testado-em-condicoes-brasileiras/

Brasil tem mais mortes violentas do que a Síria em guerra, mostra anuário brasileiro

  • Em 2015, foram mortos violentamente e intencionalmente 58.383 brasileiros, ou seja, uma pessoa a cada 9 minutos

Rio de Janeiro - Manifestação nas areias de Copacabana para denunciar mortes por causas violenta
Foto: Vladimir Platonow/Arquivo Agência Brasil 
O Brasil registrou mais mortes violentas de 2011 a 2015 do que a Síria, país em guerra, em igual período. Os dados, divulgados hoje (28/10/2016), são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Foram 278.839 ocorrências de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial no Brasil, de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, frente a 256.124 mortes violentas na Síria, entre março de 2011 a dezembro de 2015, de acordo com o Observatório de Direitos Humanos da Síria.
“Enquanto o mundo está discutindo como evitar a tragédia que tem ocorrido em Alepo, em Damasco e várias outras cidades, no Brasil a gente faz de conta que o problema não existe. Ou, no fundo, a gente acha que é um problema é menor. Estamos revelando que a gente teima em não assumi-lo como prioridade nacional”, destacou o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.
Apenas em 2015, foram mortos violentamente e intencionalmente 58.383 brasileiros, resultado que representa uma pessoa assassinada no país a cada 9 minutos, ou cerca de 160 mortos por dia. Foram 28,6 pessoas vítimas a cada grupo de 100 mil brasileiros. No entanto, em comparação a 2014 (59.086), o número de mortes violentas sofreu redução de 1,2%. “A retração de 1,2% não deixa de ser uma retração, mas em um patamar muito elevado, é uma oscilação natural, de um número tão elevado assim”, ressaltou Lima.
Das 58.383 mortes violentas no Brasil em 2015, 52.570 foram causadas por homicídios (queda de 1,7% em relação a 2014); 2.307 por latrocínios (aumento de 7,8%); 761 por lesão corporal seguida de morte (diminuição de 20,2%) e 3.345 por intervenção policial (elevação de 6,3%).
Estados
Sergipe, com 57,3 mortes violentas intencionais a cada grupo de 100 mil pessoas, é o estado mais violento do Brasil, seguido por Alagoas (50,8 mortes para cada grupo de 100 mil) e o Rio Grande do Norte (48,6). Os estados que registraram as menores taxas de mortes violentas intencionais foram São Paulo (11,7 a cada 100 mil pessoas), Santa Catarina (14,3) e Roraima (18,2).
“Os estados em que as mortes crescem, com exceção de Pernambuco, são os que não têm programa de redução de homicídios. Você percebe que quando há política pública, quando você prioriza o problema, são conseguidos alguns resultados positivos”, disse Lima.
As unidades da Federação que mais aumentaram o número de mortes violentas foram o Rio Grande do Norte (elevação de 39,1%), Amazonas (19,6%), e Sergipe (18,2%). Os que mais diminuíram foram Alagoas (queda de 20,8%), o Distrito Federal (-13%), e o Rio de Janeiro (-12,9%).
“Alagoas, estado que mais reduziu o número de mortes, é um caso muito interessante. É o único que tem um programa, em parceria inclusive com o governo federal, há alguns anos. Uma parceria que envolve não só a Força Nacional, mas outras dimensões de equipamentos. O estado que tem integração formal de diferentes entes da Federação é aquele que conseguiu reduzir com mais intensidade”, disse Lima.
De acordo com o diretor-presidente do fórum, a grande maioria dos oito estados que têm programas de redução de homicídios teve diminuição no número de mortes violentas: Alagoas (-20,8%), Bahia (-0,9%), Ceará (-9,2%), Distrito Federal (-13%), Espírito Santo (-10,7%), Pernambuco (+12,4%), Rio de Janeiro (-12,9%), e São Paulo (-11,4%).
Letalidade policial
De acordo com o anuário, a cada dia, pelo menos 9 pessoas foram mortas por policiais no Brasil em 2015, resultando num total de 3.345 pessoas, ou uma taxa de 1,6 morte a cada grupo de 100 mil pessoas. O número é 6,3% superior ao registrado no ano anterior. São Paulo foi o estado com o maior número de pessoas mortas por policiais em 2015: 848. As maiores taxas de letalidade policial registradas no último ano foram nos estados do Amapá (5 para cada grupo de 100 mil pessoas), Rio de Janeiro (3,9) e de Alagoas (2,9). Considerando-se os números absolutos, São Paulo e o Rio de Janeiro concentram sozinhos 1.493 mortes decorrentes de intervenções policiais, ou 45% do total registrado no país.
A taxa brasileira de letalidade policial (1,6) supera a de países como Honduras (1,2) e África do Sul (1,1). “Isso demonstra um padrão de atuação que precisa ser revisto urgentemente. Esse padrão faz com que você tenha [no Brasil] o número de pessoas mortas por intervenção policial como o mais alto do mundo. Nossa taxa de letalidade policial é maior do que a de Honduras, que é considerado o país mais violento em termos proporcionais, em termos de taxa, do mundo”.
“Esse é um problema que continua muito sério no país e não está submetido especificamente à dimensão dessa nova realidade, seja a lei de terrorismo ou outras questões. Mas estamos com um problema muito agudo do padrão de trabalho das polícias”, destacou Lima.
O total de policiais vítimas de homicídios em serviço e fora do horário do expediente também é elevado no Brasil. Em 2015, foram mortos 393 policiais, 16 a menos do que no ano anterior. Proporcionalmente, os policiais brasileiros são três vezes mais assassinados fora do horário de trabalho do que no serviço: foram 103 mortos durante o expediente (crescimento de 30,4% em relação a 2014) e 290 fora (queda de 12,1% em relação a 2014), geralmente em situações de reação a roubo (latrocínio).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que está em sua 10ª edição, será lançado no dia 3 de novembro de 2016 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
https://www.brasildefato.com.br//2016/10/28/brasil-tem-mais-mortes-violentas-do-que-a-siria-em-guerra-mostra-anuario/