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3.31.2014

A Terra é Viva: Aprendamos à Conhece-la



Leonardo Boff *
A partir dos anos 70 do século passado ficou claro para grande parte da comunidade científica que a Terra não é apenas um planeta sobre o qual existe vida. A Terra se apresenta com tal dosagem de elementos, de temperatura, de composição química da atmosfera e do mar que somente um organismo vivo pode  fazer o que ela faz. A Terra não contém simplesmente  vida. Ela é viva, um superorganismo vivente, denominado pelos andinos de Pacha Mama e pelos modernos de Gaia, o nome grego para a Terra viva.
A espécie humana representa a capacidade de Gaia ter um pensamento reflexo e uma consciência  sintetizadora e amorosa.  Nós, humanos, homens e mulheres, possibilitamos à Terra apreciar a sua luxuriante beleza, contemplar a sua intrincada complexidade e descobrir espiritualmente o Mistério que a penetra.
O que os seres humanos são em relação à Terra é a Terra em relação ao cosmos por nós conhecido.  O cosmos não é um objeto sobre o qual descobrimos a vida. O cosmos é, segundo muitos cosmólogos contemporâneos (Goswami, Swimme e outros), um sujeito vivente que se encontra num processo permanente de gênese. Caminhou 13,7 bilhões de anos, se enovelou sobre si mesmo e madurou de tal forma que num canto dele, na Via Láctea, no sistema solar, no planeta Terra, emergiu a consciência  reflexa de si mesmo, de donde veio, para onde vai e qual é a Energia poderosa que tudo sustenta.
Quando um ecoagrônomo estuda a composição química de um solo, é a própria Terra que estuda a si mesma. Quando um astrônomo dirige o telescópio para as estrelas, é o  próprio universo que olha para si mesmo.
A mudança que esta leitura deve produzir nas mentalidades e nas instituições só é comparável com aquela que se realizou no século 16 ao se comprovar que a Terra era redonda e girava ao redor do sol. Especialmente, a transformação de que as coisas ainda não estão prontas, estão continuamente nascendo, abertas a novas formas de autorrealização. Consequentemente, a verdade se dá numa referência aberta e não num código fechado e estabelecido. Só está na verdade quem caminha com o processo de manifestação da verdade.

Importa, antes de mais nada, importa reintegrar  o tempo. Nós não temos a idade que se conta a partir do dia do nosso nascimento.  Nós temos a idade do cosmos. Começamos a nascer há 13,7 bilhões de anos, quando principiaram  a se organizar todas aquelas energias e materiais que entram na constituição de nosso corpo e de nossa psique. Quando isso madurou, então nascemos de verdade, e sempre abertos a outros aperfeiçoamentos futuros.
Se sintetizarmos o relógio cósmico de 13,7 bilhões de anos no espaço de um ano solar, como o fez Carl Sagan no seu livro Os dragões do Eden (N.York, 1977, 14-16), e querendo apenas realçar algumas datas que nos interessam, teríamos o seguinte quadro:
A primeiro de janeiro ocorreu o Big Bang. A primeiro de maio o surgimento da Via Láctea. A nove de setembro, a origem do sistema solar. A 14 de setembro, a formação da Terra. A 25 de setembro, a origem da vida. A 30 de dezembro, o aparecimento dos primeiro hominídeos, avós ancestrais dos humanos. A 31 de dezembro, os primeiros homens e mulheres. Nos últimos 10 segundos de 31 de dezembro foi inaugurada a história do homo sapiens/demens, do qual descendemos diretamente. O nascimento de Cristo ter-se-ia dado  precisamente às 23 horas 59 minutos e 56 segundos. O mundo moderno teria surgido no 58º segundo do último minuto do ano. E nós, individualmente? Na última fracção de segundo antes de completar meia-noite.
Em outras palavras, somente há 24 horas o universo e a Terra têm consciência reflexa de si mesmos.  Se Deus dissesse a um anjo "procure no espaço e identifique no tempo a Denise ou o Edson ou a Silvia", certamente não o conseguiria porque eles são menos que um pó de areia vagando no vácuo interstelar e começaram a existir há menos de um segundo. Mas Deus,  sim, porque Ele escuta o pulsar do coração de cada filho e filha seus, porque neles o universo converge em autoconsciência, em amorização e em celebração.
Uma pedagogia adequada à nova cosmologia nos deveria introduzir nestas dimensões que nos evocam o sagrado do universo e o milagre de nossa própria existência. Isso em todo o processo educativo, da escola primária à universidade.
Em seguida faz-se mister reintegrar o espaço dentro do qual nos encontramos. Vendo a Terra de fora da Terra, nos descobrimos um elo de uma imensa cadeia de seres celestes. Estamos numa dos 100 bilhões de galáxias, a Via Láctea.  Numa distância de  28 mil anos-luz de seu centro; pertencemos ao sistema solar, que é um entre bilhões e bilhões de outras estrelas, num planeta pequeno mas extremamente aquinhoado de fatores favoráveis à evolução  de formas cada vez mais complexas e conscientizadas de vida: a Terra.
Na Terra nos encontramos num Continente que se independizou há cerca de 210 milhões de anos, quando a Pangea (o continente único da Terra) se fraturou e ganhou a configuração atual. Estamos nesta cidade, nesta rua,  nesta casa, neste quarto, e nesta mesa, diante do computador, a  partir de onde me relaciono e me sinto ligado à totalidade de todos os espaços do universo.
Reintegrados no espaço e no tempo, nos sentimos como Pascal diria: um nada diante do Todo e um Todo diante do nada. E nossa grandeza reside em saber e celebrar tudo isso.
 *Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é também escritor. É dele o livro ‘Proteger a Terra e cuidar da vida: Como escapar do fim do mundo' (Record, 2010). - leonardo Boff  
http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2014/03/31/reintegrar-se-no-espaco-e-no-tempo/

3.25.2014

Sanções contra a Rússia agilizam a formação de novo mercado financeiro, inclusive o Brasil

Por Redação, com agências internacionais - de Moscou

Peskov falou sobre a formação de um mercado financeiro independente 
Peskov falou sobre a formação de um mercado financeiro independente
As sanções anunciadas pela União Europeia e EUA contra a Rússia também voltaram a mexer com o mercado investidor, nesta terça-feira, após uma entrevista com o porta-voz do Kremllin, Dmitry Peskov. A Rússia voltou a cogitar a formação de um mercado financeiro paralelo ao de Wall Street, com negociações realizadas em moedas como o rublo, o yuan e o real, em resposta às pressões do Ocidente contra a anexação do Estado independente da Crimeia.
Segundo Peskov, as sanções contra a Rússia foram “o último gatilho” para a criação de um sistema financeiro independente, baseado na economia real. Segundo afirmou, “o mundo está mudando rapidamente”.
– Quantas civilizações cresceram e se extinguiram no curso da História? Quem está apto a resistir à pressão de um sistema perto da falência e indicar ao seu povo o caminho para o futuro? A possibilidade de um novo sistema financeiro independente do dólar, que segue perto de um colapso após a crise de 2008 será uma consequência das sanções contra a Rússia que, doravante, passará a reforçar seus laços econômicos com o países do BRICS, em particular com a China, que é dona de grande parte da dívida externa norte-americana – afirmou.
O mundo, hoje em dia, segundo análise do porta-voz do governo russo, “deixou de ser bipolar” e países como Brasil, Índia, China e África do Sul, que integram o BRICS, juntos com a Rússia, representam 42% da população mundial e cerca de um quarto da economia, o que coloca este bloco como um importante ator global. As sanções determinadas pelo Ocidente “podem significar uma grande catástrofe para os EUA e os europeus, no futuro”, acrescentou Peskov.
A discussão sobre um novo sistema financeiro, no entanto, não começou agora. Desde a formação do BRICS, há mais de uma década, estuda-se a possibilidade de se formar um novo mercado, que aceite outras moedas, e não apenas o dólar norte-americano, na liquidação dos negócios. Os países que integram este bloco estão todos de acordo com os princípios legais, em nível mundial, e o volume de negócios entre estas nações tem batido novos recordes a cada ano, nas mais diferentes áreas.
Com o objetivo de modernizar o sistema econômico global, que tem no centro dele os EUA e a UE, os líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul criaram o BRICS Stock Alliance, um embrião deste novo mercado sem o dólar, e têm desenvolvido mecanismos bancários capazes de financiar seus grandes projetos de infraestrutura. Apesar do ceticismo dos mercados formais, “estes países têm mostrado bons resultados em suas balanças comerciais”, concluiu.

3.21.2014

A Educação Pode Ajudar na Distribuição de Renda

Por Otaviano Helene*
Uma das consequências sociais da concentração de renda é na educação recebida por uma pessoa. No Brasil, a qualidade e a quantidade de educação formal recebida por uma criança ou um jovem é quase totalmente dependente de sua condição social e econômica. Assim, entre os 20% mais pobres (grupo formado por pessoas cujas rendas domiciliares per capita estão abaixo de R$ 300 por mês, aproximadamente, a valores de 2013) a conclusão do ensino fundamental é rara exceção: a regra é deixar o sistema educacional antes dos 8 ou 9 anos obrigatórios. No outro extremo, dos 20% mais ricos, a conclusão do ensino superior é a regra. Conclusões: a nossa péssima distribuição de renda está produzindo uma população com enorme desigualdade educacional e fazendo com que um também enorme contingente deixe a escola com um nível de formação que, já hoje, seria insuficiente para garantir o pleno exercício da cidadania ou a obtenção de uma atividade econômica pelo menos razoável.

                                                   
                                                              planetaeducação.com.br   
Medir a diferença educacional em cifrões pode ajudar a perceber quão grande e grave é a desigualdade educacional no Brasil. O investimento educacional entre aqueles que sequer concluem o ensino fundamental, considerando os valores atuais do Fundeb, pode não atingir R$ 20 mil ao longo de toda a vida. Enquanto isso, nos grupos mais favorecidos, apenas os investimentos escolares, que se iniciam já na primeira infância e duram até pelo menos o final de um curso superior, pode chegar perto de meio milhão de reais ou mesmo ultrapassar esse valor. Se forem adicionados os investimentos voltados à complementação educacional fora das escolas, como cursos de línguas, atendimento psicológico, viagens culturais, atividades esportivas, aulas particulares, materiais educacionais etc., coisas comuns entre os contingentes mais favorecidos e inexistentes nos grupos mais pobres, os valores acumulados na educação dos mais ricos ao longo da vida seriam ainda maiores.

Fechando o círculo vicioso. Assim como a escolarização de uma pessoa depende de sua renda, a renda de uma pessoa depende de sua escolarização. Há muitas informações estatísticas que mostram que (e quanto) a renda de uma pessoa cresce com seu nível de escolarização. Por exemplo, segundo dados do IBGE, trabalhadores com nível superior ganham, em média, três vezes mais do que trabalhadores sem nível superior e pelo menos seis ou sete vezes mais do que aqueles que sequer concluíram o ensino fundamental.
É fechado, então, o círculo vicioso: nosso sistema educacional é muito desigual por causa da combinação da nossa absurda concentração de renda com o fato que a educação é uma mercadoria à qual cada um tem acesso segundo suas possibilidades econômicas; quando as pessoas deixam as escolas e ingressam na força de trabalho do país, a desigualdade educacional se transformará em desigualdade de renda.
Se esse círculo vicioso não for rompido, permaneceremos entre os países mais desiguais do mundo, uma vez que os mecanismos de redistribuição de renda que nos tiraram da pior posição são incapazes de ir além de certos limites e todos os problemas sociais criados por essa desigualdade estarão presentes no futuro. É esse o caminho que seguiremos?

*Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP, ex-presidente da Associação dos Docentes da USP, ex-presidente do INEP/MEC
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/quase-um-teorema-4522.html

3.20.2014

Todos Somos Seres Humanos, mas Se Aproveitam da Côr na Pele ...

Por Miguel Martins, na revista CartaCapital:
Um dia a máscara cai. Pode até desbotar, como a base de pó de arroz aplicada ao rosto de Carlos Alberto, jogador do Fluminense do Rio de Janeiro, no Brasil, na década de 1910. Em uma partida contra o América do Rio de Janeiro, o atleta mulato foi alvo da torcida adversária quando o suor derreteu seu disfarce de “respeitável homem branco”, condição exigida para atuar nos campos de um Campeonato Carioca, no Rio de Janeiro elitizado, frequentado por moças e rapazes da alta sociedade. Quando a moda ludopédica se espalhou pelas favelas e subúrbios cariocas, o escritor Lima Barreto, mulato e avesso aos circuitos aristocráticos, criticou a coqueluche importada “por intermédio dos arrogantes e rubicundos caixeiros dos bancos” do Reino Unido. Não teve tempo de acompanhar as diabruras de Maravilha Negra, Diamante Negro e Pelé, entre tantos craques de pele escura que reinventaram o jogo bretão ou o futebol.

O futebol pentacampeão sempre teve um ídolo preto ou mulato à frente de suas conquistas: Didi em 1958, Garrincha em 1962, Pelé em 1970, Romário em 1994 e Ronaldo em 2002. Para a Copa de 2014, Neymar, também negro (embora não se considere), desponta como protagonista da seleção. Tantas glórias não foram, porém, capazes de eliminar o preconceito. A máscara que escondia o racismo, moldada em torno de uma suposta democracia racial, não consegue mais blindar seus adeptos. Brucutus cada vez mais barulhentos destilam discursos de ódio contra médicos cubanos, adolescentes dos rolezinhos, movimento que reuni pessoas das áreas mais humildes das cidades para passearem pelos shoppings, ou um menor amarrado a um poste por um grupo de justiceiros, violência abominada no Brasil. Não seria diferente no esporte.

Em 5 de março, cerca de 20 torcedores do Esportivo, time gaúcho de Bento Gonçalves, exibiram suas verdadeiras faces. O grupo atacou o árbitro Márcio Chagas da Silva por causa da cor de sua pele. “Macaco”, “negrão imundo” e “vagabundo” foram apenas alguns dos impropérios ouvidos por Chagas. Ao chegar ao estacionamento privativo do estádio, encontrou seu carro coberto de cascas de banana. Ao dar a partida no veículo, duas frutas caíram do cano do escapamento. No dia seguinte, o volante Arouca foi agredido. Autor de um golaço de voleio na partida contra o Mogi-Mirim, time do interior de São Paulo, o camisa 5 do Santos foi chamado de “macaco” por um torcedor enquanto concedia entrevistas.

Felizmente, foi-se o tempo em que os atletas negros se intimidavam. Arouca afirmou, por meio de nota, que o futebol é “um espelho da nossa realidade”. Declarou-se orgulhoso de suas origens africanas e lembrou a trajetória de sucesso de Leônidas da Silva, Romário e Pelé, responsáveis por “algumas das páginas mais bonitas da história da Seleção”. Na mesma linha, Chagas resolveu vir a público. Em entrevista a CartaCapital, o árbitro defende a responsabilidade do clube em relação aos torcedores racistas e a necessidade de campanhas de educação para reduzir o preconceito. “Entre os agressores, havia homens, mas também crianças e adolescentes. Esses meninos nada mais são do que reflexo dos seus responsáveis. Assim se constroem futuros racistas.” O regulamento lhe permitiria suspender a partida caso testemunhasse os atos discriminatórios durante o jogo. Mas o grupo, diz, aproveitava justamente as interrupções para ofendê-lo.

Não é a primeira vez que árbitros sofrem preconceito na Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul, Brasil. Em 2005, o próprio Chagas foi chamado pelo então técnico do Encantado, time gaucho, Danilo Mior, de “negrão coitado”. Em 2006, foi novamente insultado por torcedores na região. “Todos os casos em que fui vítima de racismo ocorreram na Serra Gaúcha. São comuns essas manifestações em cidades como Bento Gonçalves, Caxias, Farroupilha e Garibaldi”, onde prevalece a colonização europeia, garante o árbitro, que diz nunca ter sido insultado ao apitar jogos do Campeonato Brasileiro. Ao chegar em casa, pensou em abandonar o apito. Mas ao deparar-se com o filho Miguel, de 10 meses, emocionou-se e mudou de ideia. “Seria uma besteira desistir de algo que gosto por causa de 20 infelizes”, afirma. “Não poderia ser covarde. Mais adiante pode acontecer com o meu filho e quero que ele tenha uma postura firme e encare os fatos de frente.”

O procurador Alberto Franco, do Tribunal de Justiça Desportiva, pretende fazer uma denúncia contra o Esportivo. Segundo o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, o clube pode perder três pontos, caso fique comprovado que o ato discriminatório tenha partido de um “considerável número de pessoas vinculadas” à entidade. Franco diz haver indícios de que as ofensas partiram de torcedores localizados no pavilhão social do clube, o que caracterizaria o vínculo. Em nota, o presidente do Esportivo, Luís Oselame, lamentou o episódio, mas disse que os torcedores racistas são uma minoria e criticou uma possível decisão da Justiça prejudicial ao clube. Na terça-feira 11, o Esportivo informou ter entregado às autoridades locais os nomes dos suspeitos das agressões, identificados com o auxílio de torcedores, de jornalistas e da brigada militar.

No domingo 9, jogadores do Aimoré também time gaúcho, usaram máscaras com o rosto de Chagas estampado antes do confronto contra o Internacional, pelo Campeonato Gaúcho. No jogo em que apitou, o árbitro também foi homenageado com faixas contra o preconceito carregadas por jogadores do Pelotas e do São Luiz. Dilma Rousseff usou sua conta no Twitter para mandar uma mensagem de apoio às vítimas. “É inadmissível que o Brasil, a maior nação negra fora da África, conviva com cenas de racismo.” Há pouco mais de um mês, a presidenta havia manifestado apoio ao meia Tinga, do Cruzeiro, time de Minas Gerais, pelos insultos sofridos na partida contra o Real Garcilaso, em jogo pelo campeonato Libertadores, América Latina, jogado no Peru. Dilma recebeu em audiência Tinga e Arouca na quinta-feira 13.

A Conmebol esforça-se para ignorar o episódio. Enquanto o árbitro venezuelano José Argote nem sequer relatou na súmula os xingamentos a Tinga, Eugenio Figueiredo, presidente da entidade, colocou panos quentes ao afirmar que os insultos partiram de torcedores, e não de jogadores. Elaborou-se dessa forma uma espécie de salvo-conduto para as torcidas sul-americanas atacarem os jogadores negros impunemente. Até por serem vítimas constantes de insultos na Libertadores, surpreende que jogadores brasileiros enfrentem o preconceito em sua própria casa. O historiador e escritor Joel Rufino dos Santos, autor do livro História Política do Futebol Brasileiro, levanta como hipótese a grande audiência dos campeonatos europeus no Brasil, que levaria alguns torcedores a emular as atitudes racistas vistas na televisão. Rufino também credita o problema ao acirramento do conservadorismo no País. “Alguns estão perdendo a vergonha de serem cruéis e racistas. Liberou geral.”

O técnico da Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari, afirmou que a discussão sobre o racismo é uma “bobagem”. “Não adianta punir, a solução é ignorar. Esses babacas nunca vão aprender.” A declaração incomodou profundamente Rufino. “O Felipão, técnico da seleção brasileira,  é um reacionário, nunca se coloca do ponto de vista social. Ele pode querer deixar rolar, mais vai perguntar ao Tinga e ao Arouca o que pensam?” Prestes a sediar uma Copa do Mundo, o Brasil não pode ignorar a pauta. Ao ser o último país ocidental a abolir a escravidão, enfrentar o racismo é uma dívida histórica, haja visto os vários programas sociais públicos, para resgatar a dívida com os negros. Tanto mais no futebol, em que a contribuição dos negros formulou sua própria identidade, alegre e criativa e ajudou em muito a criar uma memória do futebol mundial.

3.17.2014

Na Política, os Jeitinhos Corrompem a Pessoa e a Sociedade

Sociedade

Entrevista com a professora Valdete Daumfemback Niehues

Daiana Constantino - jornalista do Jornal Notícias do Dia - Joinville SC

“Como os vereadores eleitos estão sempre em campanha eleitoral, a população está sempre esperando o momento de negociação do seu voto.”
“Como a corrupção já se naturalizou entre a sociedade, cada qual acha no direito de usufruir do dinheiro público.”
“Os políticos deveriam dar exemplo de fazer uma política de transparência.”
“Ele [cidadão] precisa ser orientado a lutar pela ampliação de políticas públicas que possa atender à toda a população.” 
“Sociedade cultiva o jeitinho”, diz socióloga sobre os pedidos recebidos pelos vereadores.

Arquivo Pessoal/ND

Valdete Daumfemback Niehues, socióloga

Professora no Bom Jesus/Ielusc, em Joinville, a socióloga Valdete Daufemback Niehues defende a politização dos vereadores para que eles possam fazer o mesmo pelos cidadãos. Segundo ela, esse seria um caminho para acabar com a relação baseada na troca de favores, estabelecida entre eleitores e representantes do povo.
Reportagem especial do Notícias do Dia, publicada na edição deste fim de semana, mostrou que a prática de fazer todos os tipos de pedidos aos vereadores é bastante comum em Joinville. Na “romaria” aos gabinetes rola de tudo, desde de pedido de emprego e dinheiro em espécie até viagens internacionais.
Segundo a socióloga, essa relação entre eleitores e políticos começa no processo de campanha eleitoral, com as promessas. “Ou fazem pactos. O voto em troca de algum serviço, isso antes ou depois de serem eleitos.”
O comportamento também se explica, segundo a socióloga, pela deficiência das políticas públicas existentes. “Como estes cidadãos não entendem como funcionam as políticas públicas por seu grau de alienação política, entendem, então, que as suas necessidades devam ser tratadas no balcão, pois assim eles entendem a linguagem de seus representantes, os quais compraram o direito de voto destes cidadãos”. 
Mestre em História pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Valdete explica que somente uma população despolitizada tende a pedir favores aos vereadores. Confira.

Os vereadores são os mais procurados porque estão mais próximos da comunidade. Essa proximidade justifica os pedidos feitos pela população?
Os vereadores são procurados porque se tornaram conhecidos na época da campanha eleitoral. E como os vereadores eleitos estão sempre em campanha eleitoral, a população está sempre esperando o momento de negociação do seu voto. E, geralmente, os eleitores não votam novamente nos vereadores que não lhes atenderam no balcão. Não há muita proximidade dos vereadores com os cidadãos, exceto nesta transação comercial. Por outro lado, sabe-se que os vereadores, ou a Câmara de Vereadores tem valor monetário a ser gasto em causas que, com o tempo, depois que alguém consegue ajuda, a fama se espalha e há indicação de que este ou aquele vereador pode ajudar nas suas necessidades. Como há uma morosidade nos serviços públicos, a população busca o caminho mais rápido, o vereador, aquele com quem manteve contato direto ou não. Há ainda uma disposição da população na descrença de serviços públicos coletivos, porém, a mesma disposição se reflete na vontade de ser beneficiada de forma individual. O imediatismo que se estabeleceu na atual sociedade de consumo, transformou o cidadão em um ser consumista de direitos individuais, mesmo que tenha que passar por cima das necessidades de seus semelhantes.
O famoso jeitinho...
Às vezes, os cidadãos se orgulham de ter passado na frente de outros cidadãos que estavam mais tempo na espera pelo direito. Levar vantagem ainda é um valor que a sociedade consumista e alienada politicamente cultiva.
A população deve tomar cuidado com a atitude de procurar vereadores e pedir favores? Por quê?
Somente uma população despolitizada faz este tipo atitude. São pessoas que ficam à margem do conhecimento ou então, são pessoas inescrupulosas que agem de má-fé e se aproveitam dos recursos públicos para fins privados. Como a corrupção já se naturalizou entre a sociedade, cada qual acha no direito de usufruir do dinheiro público. Se falarmos em ter cuidado diante dessa atitude, estamos legitimando os procedimentos da transação comercial do voto e da ação dos vereadores, os quais foram eleitos para trabalhar pelas políticas públicas. Entende-se que tomar cuidado significa articular manobra para não ser pego, ou para não ficar visado. Ora, o cidadão deve ser orientado pelos vereadores a não se utilizar desse tipo de artifício político para conseguir direitos.
Qual seria a orientação?
Ele [cidadão] precisa ser orientado a lutar pela ampliação de políticas públicas que possa atender à toda a população. Ele precisa ser orientado a atuar na associação de moradores, nos conselhos, que é por onde passam as possibilidades de conquistas de direitos coletivos.
O político também precisa tomar cuidado, não é mesmo?
Os políticos deveriam dar exemplo de fazer uma política de transparência. Tomar cuidado talvez não seja bem o conceito a ser empregado. Os políticos não deveriam estimular essa atitude. Cuidados eles já tomam, pois as transações de balcão acontecem às portas fechadas, geralmente, com hora marcada, juntamente com o vereador ou com seus assessores. A promessa se projeta para as próximas eleições. Para as campanhas eleitorais o beneficiado já está comprometido.
http://ndonline.com.br/joinville/noticias/151560-ldquo-sociedade-cultiva-o-jeitinho-rdquo-diz-sociologa-sobre-os-pedidos-recebidos-pelos-vereadores.html

3.12.2014

A Polícia Militar é para Ajudar a Organizar a Sociedade ou para Controla-la?


Considerada uma das causas da violência policial, estrutura militar só pode ser superada com união dos governos estaduais e federal
Paulo Liebert / Estadão 
AGE20120103093.jpg Violência policial no Brasil é uma das mais elevadas no mundo, em grande parte devido ao treinamento militar de agentes que consideram civis como inimigos da sociedade
O dia 13 de junho de 2013 ficou marcado pela desproporcionalidade com a qual a Polícia Militar reagiu aos cerca de 5 mil manifestantes que pediam a revogação do aumento de 20 centavos no preço do transporte público de São Paulo. A avenida Paulista, no centro da cidade, foi palco de cenas de violência policial que culminaram na agressão de jornalistas, manifestantes e pessoas que passavam pelo local. Aquele foi um ponto de virada das manifestações. Após a reação truculenta, os protestos ganharam força e se espalharam pelo Brasil. Em São Paulo, a polícia evitou novos conflitos, mas em cidades como Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Rio de Janeiro a postura agressiva se manteve. Um comportamento que reabriu o debate sobre a desmilitarização da polícia, cujas ações transparecem a impressão de que o civil, seja manifestante ou suspeito de crime, é um inimigo da sociedade.
Essa mentalidade, sustentam estudos, provém do treinamento policial em moldes militares típicos das Forças Armadas, que visam eliminar “invasores externos”. Na sociedade civil, não haveria espaço para tal lógica. “A polícia não se vê como uma entidade para defender os direitos dos manifestantes, mas os encara como parte do problema”, afirma Maurício Santoro, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil. “Os policiais frequentemente usam uma linguagem bélica, de encarar o protesto como uma luta e o manifestante como o outro lado”, afirma.
A militarização também estaria por trás dos elevados níveis de violência cometidos por policiais no País. Segundo o 5º Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, entre 1993 e 2011 ao menos 22,5 mil pessoas foram mortas em confronto com as polícias paulista e carioca. Uma média de 1.185 pessoas por ano, ou três ao dia, um número elevado para um Estado que não utiliza execuções sumárias e pena de morte em sua legislação.
A USP aponta ainda que o número inclui apenas os casos registrados como “auto de resistência”, aqueles nos quais o policial alega ter atirado em legítima defesa. Os episódios classificados como homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte não foram computados, indicando que o número de civis mortos por policiais no período é ainda maior. “É a tradição brasileira de pensar a segurança pública de forma agressiva, com pouca ênfase na prevenção e fiscalização. É uma forma de controle da população pobre, tratando problemas sociais como problemas de polícia”, critica Santoro.
Um indicador utilizado para calcular o uso desproporcional da força por agentes da lei é medir a razão entre o número de mortes civis para cada perda policial. Quando a quantidade de civis mortos é dez vezes maior que a de policiais, há indícios de que a polícia esteja abusando do uso da força letal. E, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, esse cenário acontece ao menos em três Estados: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo.
Em 2010, a Bahia registrou a morte de seis policiais (civis e militares) em serviço contra 305 civis vitimados em confronto com a polícia ou resistência seguida de morte – 51 vezes mais. No ano seguinte (oito policiais e 225 civis mortos) a relação caiu para 28,1 civis assassinados para cada policial vitimado.
Em São Paulo, o cálculo também indica uso excessivo de força letal. Em 2010, o estado perdeu 25 policiais, enquanto matou 510 civis (20,4 vezes mais). Em 2011, a diferença caiu: 28 agentes contra 460, uma média de 16,4 civis assassinados para cada agente.
No Rio, foram 20 policiais mortos em serviço em 2010, contra 855 civis (42,7 vezes mais). No ano seguinte, foram 12 policiais contra 524 civis (uma razão de 43,6 civis por policial). “A estrutura militarizada tem um treinamento e cultura de guerra, de combate ao inimigo. Uma policia cidadã é feita para prender e encaminhar as pessoas ao julgamento, não para aniquilação como fazem as Forças Armadas”, afirma Túlio Vianna, doutor em Direito do Estado e professor da UFMG.
O que fazer diante da situação?
Uma das soluções apontadas por analistas e organizações civis para reduzir a violência policial é a unificação das policias Civil e Militar em apenas uma estrutura funcional. A separação destas forças e suas funções está, entretanto, prevista no artigo 144 da Constituição, segundo o qual as polícias civis são responsáveis pelas funções de “polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” e as polícias militares farão a “polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”.
Unificar as duas polícias, acreditam analistas, aumentaria a coordenação e eficiência na solução de crimes. Além disso, daria recursos extras para uma inteligência integrada, devido ao corte de despesas com a manutenção de duas estruturas. Para Luís Antônio Francisco de Souza, professor da Unesp e coordenador científico do Observatório de Segurança Pública, a desmilitarização não significaria, porém, extinguir a Polícia Militar. “É preciso mantê-la, mas desvinculá-la das Forças Armadas ao retirar seu caráter militar e devolver a estrutura civil à organização, extinguindo patentes e atual estrutura de hierarquia interna.”
A integração das polícias, defende Souza, também daria aos secretários estaduais de Segurança o poder de definir todos os aspectos do setor. “O comando da PM decide todo tipo de operação. Sem essa centralização, os mais de 100 mil policiais paulistas poderiam ter mais flexibilidade em atuar em função das necessidades locais”, diz.
Desde a definição do papel da PM na Constituição, os casos de abuso policial se acumulam. O massacre do Carandiru, quando a polícia invadiu o presídio paulista durante uma rebelião e matou 111 presos, e a Chacina da Candelária, na qual policiais assassinaram oito jovens que dormiam nas ruas do centro do Rio de Janeiro, são dois dos exemplos mais marcantes. “A militarização gera violência contra os policiais, criados em uma cultura de humilhação hierárquica. Logo, o soldado transfere essa violência a alguém abaixo dele. E a população sofre com essa cultura de violência institucionalizada”, diz Vianna, da UFMG.
A lógica de tratar o civil como inimigo atingiu inclusive os policiais civis. Em outubro de 2009, a PM usou camburões, tropa de choque, gás lacrimogêneo e gás de pimenta contra colegas da corporação Civil de São Paulo que reivindicavam um aumento de salário em uma passeata próxima ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
Pressão externa
Em meio aos inúmeros casos de truculência da PM brasileira, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou em maio de 2012, por sugestão do governo da Dinamarca, a abolição do "sistema separado de Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes (...) para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais". O governo brasileiro respondeu alegando que não poderia fazer a mudança por conta da questão constitucional.
Em julho deste ano, a organização internacional Human Rights Watch escreveu uma carta ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), apontando o elevado número de suspeitos mortos por policiais e cobrando que os casos fossem investigados, devido ao “claro padrão de execução de vítimas”. Segundo a entidade, relatos de mortes em resistência à prisão do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP, da Polícia Civil) na cidade de São Paulo em 2012, mostram que a polícia transportou 379 pessoas a hospitais após os incidentes e 95% delas (360) morreram.
A ONG também demonstra preocupação com as operações das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota, da Polícia Militar). De acordo com a carta, entre 2010 e 2012, a tropa matou 247 pessoas em incidentes de resistência no Estado, enquanto feriu apenas 12.
Desmilitarização
Em 2009, o Ministério da Justiça realizou a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública para discutir as diretrizes da política nacional do setor. Com a participação da sociedade civil, trabalhadores da área de segurança pública e representantes da União, Estados e municípios foi aprovada uma proposta de desmilitarização das polícias.
A proposta pedia a transição da segurança pública para “atividade eminentemente civil”, além da desvinculação da polícia e corpos de bombeiros das forças armadas, a revisão de regulamentos e procedimentos disciplinares, a criação de um código de ética único, respeitando a hierarquia, a disciplina e os direitos humanos. E também submeter irregularidades dos profissionais militares à justiça comum.
Para Souza, da Unesp, mesmo que o debate sobre a desmilitarização tenha ganhado força nos últimos anos, a realidade mostra o oposto. “Enquanto se discute o tema, a militarização retornou em ações em São Paulo, como Pinheirinho e a Cracolândia, e nas UPPs do Rio. As Forças Armadas fazem atribuições de polícia em missões de pacificação nos morros do Rio e o Exército faz segurança em grandes eventos. Parece que temos uma remilitarização da segurança publica.”
Para desmilitarizar a PM e uni-la à Polícia Civil, como defendem especialistas em segurança pública, seria necessária uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Esse caminho é complexo e demorado. Uma PEC precisa de aprovação em dois turnos na Câmara por, no mínimo, 308 dos 513 deputados em cada turno. Após aprovada, a medida seguiria para o Senado. Também seriam necessárias duas votações com aprovação mínima de 60%, ou 49 dos 81 senadores.
Em uma eventual mudança constitucional, o governo federal precisaria apoiar os estados na desmilitarização, defende Santoro, por meio de uma cooperação com o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. “Os estados mais organizados conseguiriam, mas seriam poucas as unidades federativas com dinheiro e pessoal qualificado para fazer as mudanças sozinhas”, diz.
Apenas a mudança legislativa não seria, porém, o suficiente para diminuir a truculência policial. Seria preciso mudar o treinamento das polícias e reforçar uma flexibilização da formação do policial – com a diminuição dos conteúdos militares e estímulo para a realização de cursos de especialização – algo que já vem sendo feitos em algumas polícias na última década. “A desmilitarização trará um tratamento humanizado ao policial, reconhecendo os direitos", diz Vianna. "Eles vão mudar a cultura e respeitar mais a população civil em longo prazo. As novas gerações de policiais serão treinadas em uma nova mentalidade.”
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