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9.26.2013

A imprensa nos representa?

Cidadania
Um debate sobre os conceitos de opinião pública e legitimidade em um país no qual a diversidade de pensamento nunca prosperou
por Rodrigo Martins publicado 26/09/2013

Parecia uma carta de independência ou um ultimato antes da declaração de guerra. Na manhã da quarta-feira 18, o jornal Estado de Minas se arvorava no papel de representante legítimo dos 19 milhões de habitantes do estado. Em editorial de primeira página, o jornal investia contra o ministro Celso de Mello, que dali a horas decidiria o futuro de 11 condenados no processo do “mensalão”. “Nas ruas de Belo Horizonte, parte expressiva da população tende a considerar a aceitação dos embargos como decepcionante. Pior: um aceno à impunidade”, afirmava o texto. No dia seguinte, como tantos veículos de comunicação, o diário mineiro não esconderia a insatisfação com a “prorrogação” da análise do processo. O carioca O Globo iria além. “STF mantém a impunidade de mensaleiros até 2014”, cravou na capa. Em tom uníssono, a mídia lamentou o “divórcio” entre o Supremo Tribunal Federal e a “opinião pública”.
Mas qual opinião pública? “A do próprio jornal, oras”, avalia, sem rodeios, o sociólogo Venício de Lima, professor da UnB e dedicado aos estudos da mídia. “Desde meados do século passado, os principais grupos de mídia reivindicam a representação da opinião pública em detrimento dos canais institucionais da democracia representativa, como partidos, governos e Congresso. Isso porque a imprensa tem o papel de mediar a comunicação, fazer a ponte entre o público e as instâncias de debate político.” Com um problema, ressalta: “Ao mesmo tempo que fazem essa mediação, esses grupos são atores políticos, defensores de seus próprios interesses e dos de seus financiadores. Em nenhum lugar do mundo a mídia pode se colocar como porta-voz da opinião pública. Menos ainda no Brasil, marcado pela forte concentração dos meios de comunicação, um oligopólio de interesses muito particulares”.

A avaliação de Lima é compartilhada pela cientista política Vera Chaia, professora da PUC-SP. “A mídia não foi eleita, não tem representatividade, não pode falar em nome do conjunto da população. O que pode medir a opinião pública são as pesquisas, e mesmo assim é preciso olhar para elas com certa desconfiança, pois normalmente direcionam o entrevistado a se manifestar sobre as pautas predeterminadas pela mídia”, avalia a docente. “Ainda mais descabido é pressionar um juiz a decidir conforme o clamor popular. Um ministro da Suprema Corte tem de julgar com base na Constituição, na defesa do ordenamento jurídico.”
Marcus Figueiredo, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, ressalta que o conceito de “opinião pública” está no singular não por acaso. “Ela só se manifesta quando há consenso na sociedade. É do interesse do conjunto da população, por exemplo, ter um sistema de transporte público bom e confiável. Não interessa se boa parte da população tem automóvel particular. A mobilidade urbana depende de sistemas de transporte coletivo”, afirma. “Portanto, podemos dizer que a opinião pública é favorável ao combate à corrupção, mas daí a dizer que é contra os embargos dos réus do ‘mensalão’ são outros quinhentos. O que estava em jogo ali não era esse único processo, e sim a validade de um recurso jurídico. Até porque, amanhã ou depois, o dono desse jornal que fala em nome da opinião pública pode estar no banco dos réus e sentir que o seu direito à ampla defesa foi cerceado pelo STF lá atrás.”
Para tentar assumir o posto de legítima representante da opinião pública, a mídia costuma desqualificar as demais instâncias políticas da democracia, sustenta o historiador Aloysio Castelo de Carvalho, professor da UFF. “Os jornais se apresentam como uma voz mais autêntica por não ter envolvimento direto no processo eleitoral, e exploram o desgaste que existe entre os políticos eleitos e a população representada. Em países com democracia mais consolidada, há um equilíbrio maior nessa relação entre a mídia e as instituições políticas. Uma responde à outra, sobretudo nos casos de desvio de conduta. Aqui, não. Além disso, não há uma tradição de pluralidade de pensamento na mídia brasileira. Boa parte da população tem a sua voz ignorada pelos jornais.”
Autor de um livro sobre o tema, Carvalho cita o exemplo da articulação de dezenas de emissoras de rádio, dos Diários Associados e dos jornais cariocas O Globo e Jornal do Brasil pela deposição do presidente João Goulart. Criada em 1963, a cinicamente autointitulada “Rede da Democracia” se colocava como porta-voz da opinião pública e exigia a intervenção dos militares contra a suposta ameaça comunista no País. “Praticamente, não havia oposição nos meios de comunicação a esse projeto, que resultou no golpe de 1964 e em uma ditadura de 21 anos.”
O alardeado “divórcio” entre o Judiciário e a opinião pública é outra invenção, sustenta Fernando Filgueiras, professor de Ciência Política da UFMG e coordenador do Centro de Referência do Interesse Público. “Nunca existiu esse casamento, até porque a população nutre profunda desconfiança em relação ao Judiciário.” Em artigo publicado na revista acadêmica Brazilian Political Science Review, ele apresenta uma pesquisa feita em 2012 com mais de 1,2 mil entrevistados em Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre e Recife. A desconfiança atinge todas as instituições: Presidência da República, Congresso Nacional, forças policiais... Mas também o Judiciário, visto com suspeição por 48,7%. As razões são claras: 61,4% não acreditam que os cidadãos são tratados de forma igual, e 51,7% avaliam que os juízes tomam decisões influenciadas por políticos, empresários e outros interesses.
http://www.cartacapital.com.br/revista/767/a-midia-nos-representa-7501.html

Decisão do STF contra rádios comunitárias é contra liberdade de imprensa

Defensoria pública da União anistia comunicador processado pelo STF, por levar ao ar rádio de baixa potência, em Manaus (AM), sem autorização da Anatel.
por Intervozes Bruno Marinoni*  publicado 25/09/2013 
Santo Antônio do Matupi (AM)
Vista aérea de Santo Antônio do Matupi (Foto: Santo Antônio do Matupi / Facebook)

Na pequena comunidade de Santo Antônio do Matupi, no município de Manicoré, distante 332 km de Manaus (AM), uma comunidade resolveu instalar uma rádio de baixa potência (20 watts) para, segundo acórdão publicado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), “prestar serviços comunitários”. Não esperou, porém, pela devida autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Resultado: o Ministério Público entrou com uma ação criminal contra o diretor da rádio, que passou, assim, a correr o risco de cumprir pena de dois a quatro anos de detenção e de ter que pagar uma multa de R$ 10 mil.
A Defensoria Pública da União foi acionada e conseguiu, conforme decisão publicada pelo STF no mês de agosto, garantir a anistia do diretor da rádio amazonense, apelando para um princípio que pode ser, ironicamente, um trunfo para comunicadores: a suposta “insignificância”, já que, por tomar o ato como uma “conduta minimamente ofensiva do agente, a ausência de risco social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica”, a Justiça pode considerar descabida a instauração de um processo criminal.
Ora, não é exatamente o que queremos, pois defendemos que as descriminalização das rádios comunitárias e livres decorra da afirmação do direito à comunicação. Não obstante, se trata de uma importante “redução de danos”. Confrontados por um cenário em que se observa uma criminalização generalizada dos movimentos populares e rádios comunitárias, muito temos que comemorar a cada tentativa vencida de incriminar um comunicador. Além disso, a decisão sobre o caso específico da rádio amazonense (que, pela sua potência, não deve ser captada além do raio de 3 km) foi tomada por consenso no STF, apontando no sentido da consolidação de uma possível jurisprudência favorável à luta do movimento nacional de rádios comunitárias.
Comparando-se com decisões anteriores, pode-se observar mudanças no entendimento do Judiciário. Em fevereiro deste ano, foi publicada a decisão, por maioria do STF, de cassar a ação penal contra um diretor de rádio comunitária em Camaçari (BA), que operava com um transmissor de 32,5 watts. Em dezembro de 2010, aconteceu o mesmo com dois diretores de uma rádio gaúcha de 25 watts de potência que operava em Inhacorá (RS), mas o quadro foi de empate, seguido do deferimento da posição do relator Ricardo Lewandowsky a favor do habeas corpus. Nos três casos mencionados, o “princípio da insignificância” foi mobilizado para confrontar o absurdo artigo 183 da Lei Geral de Telecomunicações, que define o status de crime para “o desenvolvimento clandestino atividades de telecomunicação”. Segundo a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), somente o Brasil e a Guatemala tratam com processos criminais a emissão não autorizada de sinal radiofônico.
Por outro lado, a resistência à descriminalização no Legislativo, sob pressão do lobby da radiodifusão, tem sido intensa. No fim do ano passado, por exemplo, o Senado rejeitou uma proposta do deputado Assis Carvalho (PT/PI) de conceder anistia a representantes legais de fundações e associações sem fins lucrativos que operem serviço de radiodifusão abaixo de 100 watts. O texto já havia sido aprovado em uma primeira discussão na Câmara dos Deputados. O Executivo, por meio da Anatel e do Ministério das Comunicações, também opera uma intensa criminalização dos comunicadores populares, enquanto elabora planos de “regularização” da radiodifusão comercial clandestina. Já citamos, neste blog, em artigo anterior, o caso de Jerry Oliveira, militante do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, que enfrenta um processo criminal por resistir aos desmandos dos agentes da fiscalização federal e da polícia.
Embora, no caso da rádio comunitária amazonense, a Justiça tenha recusado a aplicação da ação criminal, a rádio segue impedida de operar. A proibição, porém, é da competência específica da justiça administrativa e civil, não implicando nesse caso os desdobramentos de um processo que considera crime o descumprimento da norma. Ainda encontramos um obstáculo à efetivação do direito à comunicação aí. Mas a decisão abre brechas para avançarmos na luta pela garantia desse direito.
* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação e doutor em Sociologia pela UFPE
http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/decisao-do-stf-e-instrumento-contra-criminalizacao-de-radios-comunitarias-184.html/view

9.25.2013

O Brasil terá que queimar muita gordura para distribuir a renda

Em tese, a política fiscal seria o espaço da solidariedade no capitalismo. Caberia a ela transferir recursos dos mais ricos para os fundos públicos, destinados a contemplar os mais pobres e o bem comum.

Por Saul Leblon


Especulação financeira
A sonegação praticada pela Globo (R$ 615 milhões) e aquela que teria sido cometida pelo presidente do STF, (Joaquim Barbosa, noticia-se, teria adquirido apartamento de R$ 1 milhão, declarando gasto de R$ 10 reais), são pequenas ilustrações da afronta a esse princípio, facilitadas, no caso, pelo acesso (legal?) a operações em paraísos fiscais

Palavras como ética, transparência, republicanismo, justiça, interesse público soam constrangedoras quando a contraface do emissor é a sonegação.

Sem carga tributária adequada não se constrói uma Nação, mas um ajuntamento conflagrado.

A carga tributária adequada depende do estágio de desenvolvimento da sociedade. Mas não apenas isso. Sua composição é decisiva na incidência regressiva ou redistributiva que provoca.

Um país como o Brasil, com 200 milhões de habitantes e enormes carências estruturais, não pode avançar com uma carga equivalente a da Europa, cuja infraestrutura está consolidada (nos dois casos, a carga média gira em torno de 36%; mas há vários países com infraestrutura madura onde a carga passa de 40%).

O sistema brasileiro avulta, ademais, como um caso pedagógico de regressividade.

Impostos indiretos, embutidos nos preços dos bens de consumo, representam mais de 60% do que se recolhe.

Não importa a renda do consumidor: ganhe um ou 100 salários mínimos por mês, o imposto que paga por litro de leite é o mesmo.

Regressividade é isso: uma engrenagem fiscal feita para taxar mais os pobres do que os ricos.

O imposto sobre o patrimônio, em contrapartida, que incide diretamente sobre os endinheirados, não chega a 3,5% da arrecadação total.

Nem é preciso ir à Suécia para um contraponto.

Na festejada Coréia do Sul, meca da eficiência capitalista, ele é da ordem de 11%; nos EUA passa de 12%.

A taxação direta, no Brasil, recai fortemente sobre os assalariados da classe média (amplo sentido), o que explica, em parte, a revolta com a qualidade dos serviços públicos obtidos em troca.

Cerca de 25% da receita fiscal incide diretamente sobre a renda, assim:

a) a metade sobre o holerite da classe média;

b) a outra metade sobre os ganhos de capitais, que é onde se concentra cada vez mais a riqueza no capitalismo financeiro dos nossos dias.

Bancos, por exemplo, pagam menos impostos no Brasil que o conjunto dos assalariados.

As distorções não param aí.

A receita obtida tampouco se destina automaticamente a reduzir abismos sociais.

Há filtros de classe pelo caminho

A dívida pública é o principal deles.

Ela funciona como uma espécie de reforço na regressividade do sistema fiscal brasileiro.

Assemelha-se a uma coleira, um enforcador que subordina o princípio da solidariedade à primazia rentista.

O mecanismo é ‘autossustentável’.

Vejamos.

Sem espaço político para taxar endinheirados e o seu patrimônio, afinal, o Estado tem que ser mínimo, diz o cuore neoliberal, governos são compelidos cada vez mais a compensar a anemia tributária com endividamento público.

Emprestam e pagam juros por aquilo que deveriam arrecadar.

Do ponto de vista do dinheiro grosso, um belo negócio.

Em vez de impostos adicionais, investimentos em títulos do Tesouro, um porto seguro de renda e liquidez.

O segredo do negócio é a vigilância diuturna da matilha midiática sobre a boa gestão da dívida pública.

O dinheiro grosso investe nisso. Uma legião de consultores dá plantão permanente no telefone para esclarecer e municiar ventríloquos e ventríloquas dos mercados em suas obsequiosas colunas diárias.

Prover a ração bilionária destinada anualmente aos rentistas é o objetivo.

No linguajar técnico, trata-se de fazer cumprir a ‘meta cheia do superávit primário’.

Ou seja, o arrocho sobre o resto.

O corte adicional de R$ 10 bi nos gastos este ano, anunciado agora pelo governo Dilma, tem essa finalidade.

Reconquistar a "confiança" rentista na política fiscal, teoricamente ensombrecida por artifícios contábeis – tolos, mas lícitos — cometidos em 2012.

A gendarmeria sustentada pelos rentistas para proteger seus interesses abriu fogo e fuzilou a administração fiscal, por conta da "manobra" para fechar as contas em 2012.

Mídia, consultores, professores banqueiros e assemelhados puseram a faca na boca: o Brasil precisa de arrocho efetivo; corte real nas despesas, sem malabarismos contábeis.

E mais juros.

Porque a inflação, diziam, e agora se vê, era um engodo (como mostra Amir Khair) ameaça corroer a renda do capital a juro, finalidade primordial de uma nação, no entender do jornalismo embarcado nos mercados.

O governo aquiesceu em uma ponta e outra.

Não inovou nesse aspecto.

A agenda fiscal brasileira foi sequestrada pelo rentismo há muito tempo.

Discute-se de tudo -- carga excessiva, gestão deficiente dos gastos, superávit insuficiente, maquiagens etc.

Menos o custo do próprio rentismo para o país.

Em média, o preço da supremacia financeira sobre a agenda fiscal custa R$ 200 bilhões por ano.

Cerca de 5% do PIB em juros pagos aos detentores de títulos da dívida pública.

Equivale a mais de dez vezes o custo do Bolsa Família que beneficia 13 milhões de famílias, 52 milhões de pessoas.

É quatro vezes mais o que supostamente custaria a implantação da tarifa zero no transporte coletivo das grandes cidades brasileiras.

Treze vezes o que o programa ‘Mais Médicos’ deve investir até 2014 em obras em 16 mil Unidades Básicas de Saúde; na aquisição de equipamentos para 5 mil unidades já existentes; com as reformas em 818 hospitais; para equipar outros 2,5 mil e providenciar melhorias nas instalações de 877 Unidades de Pronto Atendimento.

Repita-se: o dinheiro destinado ao rentismo em um ano daria para ampliar em 13 vezes a escala e a intensidade do programa ‘Mais Médicos’, atacando mais depressa as carências sabidas de infraestrutura e equipamentos de saúde.

Não serve de consolo, mas já foi pior.

No final do governo FHC, gastava-se quase 10% do PIB com juros.

O investimento público direto da União em logística e infraestrutura social era um traço.

Agora, o que a União investe oscila em torno de 1% do PIB (descontado o Minha Casa, Minha Vida).

Muito distante do desejável para uma sociedade que atingiu o ponto de saturação na convivência com serviços públicos insuficientes e de baixa qualidade.

A questão é saber quem vai amarrar o guizo no gato.

Dizer à população que, para cada um real destinado pela União a gerar escolas, hospitais e estradas, outros quatro vão para os bolsos da plutocracia rentista.

Naturalmente, não se trata de um capricho contábil.

A equação fiscal condensa uma correlação de forças.

Hoje ela reflete a supremacia das finanças desreguladas.

Não só aqui, mas em escala planetária, vive-se sob a coação permanente de fluxos voláteis de capitais, capazes de produzir a desestabilização de uma economia quando contrariados.

Inverter o jogo não se resume, assim, a uma mudança nas rubricas de receita/despesa.

Tampouco, porém, a equação pode ser naturalizada como uma fatalidade acima da história.

Aqueles que, a exemplo de Carta Maior, evocam espírito público da parte dos profissionais da medicina, diante da dimensão emergencial do "Mais Médicos", não podem exigir menos da pátria rentista.

Mesmo sabendo de antemão que seu quociente de solidariedade é baixo.

Por certo, inferior a 0,38% dos cheques robustos que emite.

Essa era a alíquota da CPMF, derrubada em 2006, por um mutirão que reuniu a crème de la crème do espírito cidadão entre nós: a coalizão demotucana, os endinheirados e o jogral midiático conservador.

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=219432&id_secao=10

9.23.2013

O Bolsa Família Trouxe Algum Benefício ao Brasil?

Já tinha alguns anos de jornalismo, o País começava a lutar pela redemocratização, fui entrevistar Abraham Lowenthal, um dos pensadores do Partido Democrata norte-americano e estudioso da América Latina.
Na época, nós, jornalistas econômicos, estávamos empenhadíssimos em convencer o meio empresarial de que a democracia era um "bom negócio". Fiz uma série de perguntas sobre a importância da democracia para a economia.
A resposta de Lowenthall me derrubou. "A democracia é importante porque é importante. Não precisa de justificativas econômicas".

Saindo de Macapá, depois de uma palestra para coordenadores do Sebrae de todo o País, me vali do ensinamento de Lowenthal.
Um dos temas debatidos foi o Bolsa Família (BF).
Um dos coordenadores apontou os benefícios que o BF trouxe a inúmeras regiões estagnadas do seu estado.
Primeiro veio o novo consumo, por meio do BF e da Previdência Social. Em seguida, vieram os novos empreendimentos. Com eles, novos empregos. E a região ganhou vida própria. No País todo, a melhoria de renda gerou um mercado de consumo fantástico.
Outro coordenador tinha visão diferente. Sua percepção era a de que as mães pobres passaram a ter mais filhos, para aumentar a Bolsa; as famílias fugiram para as cidades, sobrecarregando os serviços públicos; e diminuiu a propensão de todos para o trabalho.



Com o BF houve redução da natalidade e da mortalidade infantil. Mesmo reduzindo a mortalidade infantil, houve redução dos filhos. Ou seja, o BF exerceu um papel civilizador, ao permitir às mães planejar, e impedindo as crianças de morrer.
As estatísticas mostram, também, número crescente de beneficiários do BF pedindo desligamento, depois de conseguir renda suficiente. Mas é óbvio que, com o BF e a Previdência, os jovens passaram a entrar mais tarde no mercado de trabalho e houve uma queda na oferta de mão de obra para empregos de baixíssima remuneração.
Os dois fatos se refletiram em toda estrutura de emprego, provocando um efeito cascata de aumento do salário real.
Já as cidades mais pobres, especialmente no Nordeste, receberam mais famílias pela relevante razão de que os caraminguás do BF deram condições a elas de permanecer na sua região, mesmo enfrentando uma das maiores secas da história. Obviamente, com a seca, procuraram as cidades.

Aí se entram em desdobramentos que nada têm a ver com o BF.
Um deles é o aumento do salário real, bom para o consumo, ruim para a estrutura de custos das empresas. O caminho são reformas e melhorias de gestão que signifiquem um choque de produtividade.
O segundo problema é que, nas regiões mais pobres, aumentou a renda das pessoas mas não a receita dos municípios - contribuiu para isso a imprudente política de desoneração do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Mais uma vez, nada tem a ver com o BF.
No final do encontro, sugeri aos ouvintes que criticassem a Fazenda, o Tesouro, a Receita, o Ministério das Cidades, mas não o Bolsa Família. Se houver um céu no serviço público, seus criadores ganharam o assento eterno.
Lembrando Lowenthall: o Bolsa Família é importante porque acabou com a fome de milhões de brasileiros. E basta.
por Luis Nassif  
http://www.cartacapital.com.br/economia/por-que-o-bolsa-familia-e-importante-1636.html

IDH por município mostra as mudanças no Brasil em 10 anos

O Brasil viveu uma radical mudança em qualidade de vida, distribuição de renda e educação entre 2000 e 2010. Os desafios pela frente ainda são grandes, mas as conquistas dos últimos anos mostram que o país caminha no rumo certo. Os dados que referendam essas afirmações estão no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, lançado nesta segunda-feira (29), em Brasília, pelo PNUD, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Na semana passada, em Salvador, um ex-presidente falou sobre a importância de reconhecer as conquistas e continuar avançando. “Tem gente querendo fazer com que as pessoas esqueçam o que se fez nos últimos dez anos”, afirmou no começo de seu discurso em comemoração pelos 10 anos de governo. “Nós temos o direito de reivindicar tudo que falta, mas temos a obrigação de reconhecer tudo que conquistamos”, completou.
O Atlas 2013 mostra que cerca de 74% dos municípios brasileiros (ou 4.122 deles) se encontram nas faixas de Médio e Alto Desenvolvimento Humano. O trabalho pela frente ainda é grande, cerca de 25% deles (ou 1.431 municípios) estão nas faixas de Baixo e Muito Baixo Desenvolvimento Humano. Ainda mais reveladora é a comparação com os dados da série histórica. Em 1991, 99,2% dos municípios brasileiros estavam nas faixas de IDH de Baixo e Muito Baixo desenvolvimento. Em 2000, 71,5% dos municípios, bem mais de dois terços do país, encontrava-se na mesma situação. Dez anos depois, esse número havia baixado para 25,2%, porcentagem menor do que a dos municípios no extremo oposto, de Alto e Muito Alto Desenvolvimento, que faziam 34,7% do país.
Os dados refletem a evolução apresentada pelo IDHM do Brasil nas duas últimas décadas, ao sair da faixa de Muito Baixo (0,493) em 1991 para Alto (0,727) em 2010. Esta evolução sinaliza também que o país está conseguindo, aos poucos, reduzir as disparidades históricas de desenvolvimento humano entre os municípios das regiões Norte e Nordeste e aqueles localizados no Centro-Sul.
Apesar da evolução neste quadro, a análise por regiões mostra que o Nordeste ainda tem a maioria de seus municípios no grupo de Baixo Desenvolvimento Humano (61,3%, ou 1.099 municípios), enquanto no Norte eles somam 40,1% (180 municípios) nesta categoria. Pelos dados atuais, 0,8% dos municípios do Brasil (44 deles) faziam, em 2010, parte da faixa de Muito Alto Desenvolvimento Humano e 33,9% estavam na faixa de Alto Desenvolvimento.
Educação foi o indicador que mais melhorou
O item educação foi o que mais melhorou no acompanhamento do PNUD (128%), mas é também aquele que apresenta menor valor absoluto do IDHM (0,637 em 2010, contra 0,279 em 1991). Pelos dados reajustados, em 1991, apenas três municípios (de um total de 5.565) estavam acima da faixa mais baixa de desenvolvimento humano em educação. Em 2000, a situação havia mudado sensivelmente no Sudeste e no Sul, mas continuava idêntica na maior parte do Brasil. O mapa de 2010 mostra a mudança em todas as regiões do país, puxada principalmente pelo aumento do fluxo escolar de crianças e jovens (156%).
Alguns dados de educação (entre 1991 e 2010):
- População adulta com ensino fundamental concluído passou de 30,1% para 54,9%
- Crianças de 5 a 6 anos frequentando a escola passou de 37,3% para 91,1%
- Jovens de 11 a 13 anos nos anos finais do fundamental passou de 36,8% para 84,9%
- Jovens de 15 a 17 anos com fundamental completo passou de 20% para 57,2%
Porém: 40% dos jovens nesta faixa ainda não têm fundamental completo
- Jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo passou de 13 para 41%
Ou seja: a maioria destes jovens ainda não possui médio completo
          
         Do Blog Maria Frô
         
       http://mariafro.com/2013/07/30/dados-do-idh-por-municipio-mostram-escala-das-mudancas-no-brasil-nos-ultimos-10-anos/

9.22.2013

Socióloga dos EEUA diz que médicos do Brasil tem medo de concorrência cubana


"Healing the Masses", livro no qual a
socióloga explica o modelo de medicina
cubano; a obra é inédita no Brasil
Hoje, tanto o livro como artigos da socióloga se transformaram em referências para quem quer se aprofundar em medicina cubana. Feinsilver, que vive em Washington, já contou em entrevistas que teria sido vigiada pela CIA e FBI, com direito a telefone grampeado.

"Acho condenável os médicos brasileiros assediarem os cubanos, que foram para o seu país ajudar os mais pobres entre os pobres", disse Feinsilver em entrevista, por e-mail, ao UOL. "Houve protestos por parte de algumas sociedades médicas por causa de um medo infundado: a concorrência."

No Brasil, o salário de um médico cubano que participa do programa Mais Médicos será de R$ 10.000, ou cerca de US$ 4.000. No entanto, 85% desse valor vai para o governo cubano. Cuba sempre faz esse tipo de acordo?

Julie Feinsilver - Sim, o governo oferece educação gratuita e muito mais para os médicos, e atua como um headhunter encontrando os postos de trabalho e gerenciando a contratação. Em um país capitalista, os profissionais pagariam impostos por todos os serviços e necessidades sociais básicas fornecidas, além de uma taxa para o headhunter. Não é razoável que o governo cubano negocie um acordo que seja bom para ele e para os médicos?

Em relação à porcentagem real de dinheiro no contrato com os médicos cubanos, não sei se 85% é a parte do governo. Falo baseada no caso típico em que o governo recebe a parte do leão. Um amigo me informou que o Brasil tem uma lei de transparência que torna pública a informação dos salários (Lei Complementar 131, também conhecida como Lei da Transparência, sancionada em 2009 e que obriga a União, os Estados e municípios com menos de 50 mil habitantes a divulgarem seus gastos na web), o que eu acho uma excelente ideia. Infelizmente, isso não é comum na maioria dos lugares e, em alguns casos, pela própria lei, essa informação fica "escondida", ou seja, não é fácil de ser encontrada.

Sabe qual é o salário médio que os médicos recebem em Cuba e em outros países?

Feinsilver - Não há uma média. Salários dependem do acordo feito entre governo e o país interessado. No entanto, os salários em Cuba são muito baixos porque toda a educação e cuidados de saúde são gratuitos e o restante é altamente subsidiado. Isso não quer dizer que tudo seja maravilhoso em Cuba. Não é, mas os custos beiram o insignificante para necessidades muito básicas. Você não pode comparar preços, salários e custos em Cuba aos de qualquer outro lugar. Toda economia de lá é diferente da dos países capitalistas.

Como o governo cubano repassa o dinheiro para os médicos? É possível monitorar se eles estão repassando os valores corretamente?

Feinsilver - Seus salários são pagos para suas famílias em Cuba com bônus por estarem no exterior, e o adicional é pago a eles no país onde estão, mas eu tenho sérias dúvidas de que isso possa ser monitorado. O governo brasileiro ou empresas brasileiras permitem que estranhos monitorem como pagam seu próprio pessoal? Eu duvido. Então, por que esperar que os cubanos façam isso?

Aqui no Brasil, os médicos cubanos vão trabalhar nas regiões mais pobres e remotas, onde os profissionais brasileiros não querem ir por falta de estrutura no local. Essa diferença foi vista no Brasil, por opositores ao programa federal Mais Médicos, como uma forma de exploração de médicos cubanos. Você concorda com essa afirmação?

Feinsilver – Não. Cubanos têm uma ideologia muito diferente da dos brasileiros. Eles se voluntariam para ir a áreas remotas e carentes em outros países e consideram um dever servir no exterior e ajudar os necessitados. Ganham muito mais dinheiro e obtêm vantagens fazendo isso, apesar de parecer um ganho muito baixo para os brasileiros. Claro que também estão altamente motivados pelo dinheiro extra e benefícios que receberão prestando serviço internacional.

Queria salientar que sua formação ideológica, desde a infância, é muito diferente da de pessoas de países capitalistas. No entanto, isso não significa que eles não estão interessados em ganhar muito mais dinheiro, principalmente porque nas recentes reformas econômicas (os cubanos gostam de chamar de "atualização de sua economia"), os médicos ficaram em desvantagem se comparados às pessoas que trabalham no turismo, área na qual gorjetas e ganhos em moedas fortes são comuns.

Missões no exterior ajudam a nivelar as condições de igualdade para eles, mas com grande sacrifício pessoal, pois deixam o seu país e os seus entes queridos para viver em condições ainda mais modestas e, por vezes, muito pior em outros países onde servem os pobres. Motivação ideológica dos médicos (saúde é um direito humano básico para todos) fornece uma justificativa importante para esse sacrifício, assim como o dinheiro que ganham.

As principais entidades médicas brasileiras são contra a vinda de médicos estrangeiros, especialmente os cubanos, por serem a maioria, pois não vão fazer a mesma avaliação exigida aos que estudam fora para exercer a medicina no Brasil. Concorda com esse argumento?

Feinsilver – Não, médicos cubanos vão trabalhar em áreas carentes, onde a população tem necessidades básicas de saúde e pode ser mais do que adequadamente tratada por eles. A formação e o treinamento dos cubanos são diferentes das dos brasileiros (e de profissionais de outros países) porque junto com a medicina curativa, estudam e enfatizam a atenção primária, a prevenção de doenças e epidemias e a promoção da saúde. Eles avaliam o paciente como um ser vivo bio-psico-social e trabalham em um ambiente específico que também deve ser avaliado para melhorar a saúde da população.

O bairro da Gávea e a Rocinha, vistos do alto, são os dois lados de uma cidade que, agora, assiste a uma transformação na economia das favelas
Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
O bairro da Gávea e a Rocinha, vistos do alto, são os dois lados de uma cidade que, agora, assiste 
a uma transformação na economia das favelas Custódio Coimbra / Agência O Globo

Médicos cubanos foram perseguidos em outros países?

Feinsilver – Não! Eu acho condenável os médicos brasileiros assediarem os cubanos, que foram para o seu país ajudar os mais pobres entre os pobres. Eles [brasileiros] podem protestar para o seu governo, mas o tratamento que deram aos médicos cubanos foi antiprofissional e desumano. Houve protestos por parte de algumas sociedades médicas por causa de um medo infundado: a concorrência. Porém, os médicos locais se recusam a trabalhar onde os cubanos estão dispostos a ir: as áreas remotas e os bairros pobres.

O que motivou a senhora a estudar a medicina cubana?

Feinsilver – Vi as desigualdades dentro e entre os países enquanto pegava carona ao redor da América do Sul e Europa, muitos anos atrás. Isso me levou a estudar o que, na época, era um experimento social fascinante. E a saúde universal grátis era uma parte importante dessa experiência. O fato de um país pobre e em desenvolvimento decidir ajudar outros países prestando serviços de saúde gratuitos aos pacientes foi muito impressionante e esse é o tipo de ajuda externa que muitas nações mais desenvolvidas poderiam proporcionar.

O que atrai sua atenção na medicina cubana?

Feinsilver - A vontade e a capacidade de compartilhar seus conhecimentos e habilidades, da atenção primária à evolução do desenvolvimento da biotecnologia (de vacinas e tratamentos) e transplantes de órgãos sofisticados, entre outros, a populações carentes de outros países. Além de fornecer gratuitamente educação médica para dezenas de milhares de estudantes pobres do mundo em desenvolvimento desde 1961, apesar de ter perdido metade de seus próprios médicos à emigração logo após a revolução (1959).

Como foi sua experiência como consultora na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)? (A socióloga morou um período no Brasil em 1996.)

Feinsilver – Foi maravilhosa, porém, eu só fiz uma breve consultoria, muitos anos atrás. Os executivos e cientistas que conheci eram altamente qualificados, muito bem educados, trabalhadores, pessoas dedicadas, além de serem interessantes e agradáveis para se trabalhar em grupo. Eu ficaria feliz em fazer outra consultoria se surgisse uma oportunidade.

Lembra-se do que viu aqui e de como era a saúde quando nos visitou?

Feinsilver - Lembro-me muito do Brasil, pois quando fui consultora da Fiocruz não foi a única vez que eu estive aí. Na verdade, eu peguei carona por todo o país, inclusive para Manaus, muitos anos antes e até assisti a algumas conferências. Também já passei férias aí.

No que diz respeito à saúde, lembro-me de muitas áreas com necessidades de melhoria e de médicos de classe mundial no Rio de Janeiro e em São Paulo. Eu não posso falar sobre todas as cidades, mas tenho certeza de que muitas tenham igualmente bons médicos... se você puder pagar por eles.
Sabe qual é o salário médio que os médicos recebem em Cuba e em outros países?

Feinsilver - Não há uma média. Salários dependem do acordo feito entre governo e o país interessado. No entanto, os salários em Cuba são muito baixos porque toda a educação e cuidados de saúde são gratuitos e o restante é altamente subsidiado. Isso não quer dizer que tudo seja maravilhoso em Cuba. Não é, mas os custos beiram o insignificante para necessidades muito básicas. Você não pode comparar preços, salários e custos em Cuba aos de qualquer outro lugar. Toda economia de lá é diferente da dos países capitalistas.

Como o governo cubano repassa o dinheiro para os médicos? É possível monitorar se eles estão repassando os valores corretamente?

Feinsilver - Seus salários são pagos para suas famílias em Cuba com bônus por estarem no exterior, e o adicional é pago a eles no país onde estão, mas eu tenho sérias dúvidas de que isso possa ser monitorado. O governo brasileiro ou empresas brasileiras permitem que estranhos monitorem como pagam seu próprio pessoal? Eu duvido. Então, por que esperar que os cubanos façam isso?

Aqui no Brasil, os médicos cubanos vão trabalhar nas regiões mais pobres e remotas, onde os profissionais brasileiros não querem ir por falta de estrutura no local. Essa diferença foi vista no Brasil, por opositores ao programa federal Mais Médicos, como uma forma de exploração de médicos cubanos. Você concorda com essa afirmação?

Feinsilver – Não. Cubanos têm uma ideologia muito diferente da dos brasileiros. Eles se voluntariam para ir a áreas remotas e carentes em outros países e consideram um dever servir no exterior e ajudar os necessitados. Ganham muito mais dinheiro e obtêm vantagens fazendo isso, apesar de parecer um ganho muito baixo para os brasileiros. Claro que também estão altamente motivados pelo dinheiro extra e benefícios que receberão prestando serviço internacional.

Queria salientar que sua formação ideológica, desde a infância, é muito diferente da de pessoas de países capitalistas. No entanto, isso não significa que eles não estão interessados em ganhar muito mais dinheiro, principalmente porque nas recentes reformas econômicas (os cubanos gostam de chamar de "atualização de sua economia"), os médicos ficaram em desvantagem se comparados às pessoas que trabalham no turismo, área na qual gorjetas e ganhos em moedas fortes são comuns.

Missões no exterior ajudam a nivelar as condições de igualdade para eles, mas com grande sacrifício pessoal, pois deixam o seu país e os seus entes queridos para viver em condições ainda mais modestas e, por vezes, muito pior em outros países onde servem os pobres. Motivação ideológica dos médicos (saúde é um direito humano básico para todos) fornece uma justificativa importante para esse sacrifício, assim como o dinheiro que ganham.

As principais entidades médicas brasileiras são contra a vinda de médicos estrangeiros, especialmente os cubanos, por serem a maioria, pois não vão fazer a mesma avaliação exigida aos que estudam fora para exercer a medicina no Brasil. Concorda com esse argumento?

Feinsilver – Não, médicos cubanos vão trabalhar em áreas carentes, onde a população tem necessidades básicas de saúde e pode ser mais do que adequadamente tratada por eles. A formação e o treinamento dos cubanos são diferentes das dos brasileiros (e de profissionais de outros países) porque junto com a medicina curativa, estudam e enfatizam a atenção primária, a prevenção de doenças e epidemias e a promoção da saúde. Eles avaliam o paciente como um ser vivo bio-psico-social e trabalham em um ambiente específico que também deve ser avaliado para melhorar a saúde da população.

Médicos cubanos foram perseguidos em outros países?

Feinsilver – Não! Eu acho condenável os médicos brasileiros assediarem os cubanos, que foram para o seu país ajudar os mais pobres entre os pobres. Eles [brasileiros] podem protestar para o seu governo, mas o tratamento que deram aos médicos cubanos foi antiprofissional e desumano. Houve protestos por parte de algumas sociedades médicas por causa de um medo infundado: a concorrência. Porém, os médicos locais se recusam a trabalhar onde os cubanos estão dispostos a ir: as áreas remotas e os bairros pobres.

O que motivou a senhora a estudar a medicina cubana?

Feinsilver – Vi as desigualdades dentro e entre os países enquanto pegava carona ao redor da América do Sul e Europa, muitos anos atrás. Isso me levou a estudar o que, na época, era um experimento social fascinante. E a saúde universal grátis era uma parte importante dessa experiência. O fato de um país pobre e em desenvolvimento decidir ajudar outros países prestando serviços de saúde gratuitos aos pacientes foi muito impressionante e esse é o tipo de ajuda externa que muitas nações mais desenvolvidas poderiam proporcionar.

O que atrai sua atenção na medicina cubana?

Feinsilver - A vontade e a capacidade de compartilhar seus conhecimentos e habilidades, da atenção primária à evolução do desenvolvimento da biotecnologia (de vacinas e tratamentos) e transplantes de órgãos sofisticados, entre outros, a populações carentes de outros países. Além de fornecer gratuitamente educação médica para dezenas de milhares de estudantes pobres do mundo em desenvolvimento desde 1961, apesar de ter perdido metade de seus próprios médicos à emigração logo após a revolução (1959).

Como foi sua experiência como consultora na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)? (A socióloga morou um período no Brasil em 1996.)

Feinsilver – Foi maravilhosa, porém, eu só fiz uma breve consultoria, muitos anos atrás. Os executivos e cientistas que conheci eram altamente qualificados, muito bem educados, trabalhadores, pessoas dedicadas, além de serem interessantes e agradáveis para se trabalhar em grupo. Eu ficaria feliz em fazer outra consultoria se surgisse uma oportunidade.

Lembra-se do que viu aqui e de como era a saúde quando nos visitou?

Feinsilver - Lembro-me muito do Brasil, pois quando fui consultora da Fiocruz não foi a única vez que eu estive aí. Na verdade, eu peguei carona por todo o país, inclusive para Manaus, muitos anos antes e até assisti a algumas conferências. Também já passei férias aí.

No que diz respeito à saúde, lembro-me de muitas áreas com necessidades de melhoria e de médicos de classe mundial no Rio de Janeiro e em São Paulo. Eu não posso falar sobre todas as cidades, mas tenho certeza de que muitas tenham igualmente bons médicos... se você puder pagar por eles.
http://saraiva13.blogspot.com.br/2013/09/para-sociologa-americana-medico.html

Enquanto os EEUA fazem guerra, a população interna sofre

Aconteça o que acontecer, se inicia uma nova etapa nos EUA em que a população, e muito em particular as classes populares, estão fartas das guerras e intervenções do governo norte-americano para defender o que Martin Luther King chamava o “rol imperial” da Corporate Class, que está perdendo muito rapidamente seu apoio popular. Por Vicenç Navarro

Para entender o que está acontecendo na Síria temos que entender o que está acontecendo nos EUA, o que não é fácil na Espanha devido à insuficiente e/ou parcial cobertura por parte dos meios de informação espanhóis (com algumas exceções) da realidade daquele país. Hoje os EUA estão vivendo um momento de grandes conflitos cuja resolução marcará o país por muitos anos. Por um lado, estamos vendo a aplicação de algumas políticas de cortes de gasto público sem precedentes, cortes que estão se justificando pela suposta necessidade de reduzir o que se considera um excessivo nível de déficit público. A fim de alcançar a diminuição desse déficit, estão cortando de uma maneira radical serviços do escassamente financiado Estado de Bem-estar estadunidense, afetando especialmente os serviços e transferências públicas às populações mais vulneráveis, tais como o programa Food Stamps (vale alimentos) que os Estados provém em bases discricionais e assistenciais à população pobre que não tem fundos para comprar alimentos e que o próprio governo federal (seu Departamento de Agricultura) define como “food insecure”, que quer dizer, como afirma em linguagem mais acessível o The New York Times, “pessoas que têm fome” (“On the Edge of Poverty; at the Center of a Debate” 05.09.13. p. A3), e que são 49 milhões de cidadãos e residentes estadunidenses que representam nada menos que 16,4% da população dos EUA (ver o relatório Food Insecurity Survey. Department of Agriculture. US Federal Government. 2012).
Por outro lado, o Presidente Obama está pedindo a aprovação do Congresso dos EUA para levar a cabo um ato de intervenção militar contra o governo da Síria, aduzindo que dito governo cometeu um ato (a utilização de armas químicas em um conflito armado) que deveria ser penalizado. Não sancioná-lo implicaria - segundo o Presidente Obama - uma perda de credibilidade, não apenas dos EUA, mas da comunidade internacional, pois tanto o governo dos EUA como a comunidade internacional haviam se comprometido em vários tratados internacionais a não autorizar tais armas nas frentes de batalha. Na recente reunião do G-20, o Presidente Obama afirmou que “gasear gente inocente com armas químicas, inclusive contra crianças, é algo que nós não fazemos e que não devemos permitir” (Financial Times, 7 de setembro de 2013, p. 4)
Que credibilidade têm os argumentos pró-bombardeio?
Tais argumentos aduzidos pela Administração Obama, entretanto, têm escassa credibilidade. Na verdade, o governo federal dos EUA foi um dos governos que utilizou com mais frequência armamento químico (e biológico) nas frentes de batalha. O caso mais notório foi a utilização, por parte das Forças Armadas dos EUA no Vietnã, Laos e Camboja, de 45 milhões de litros do Agente Laranja (uma dioxina altamente tóxica), afetando mais de meio milhão de pessoas (matando-as ou ferindo-as e deformando-as) entre as populações bombardeadas no Vietnã, Camboja e Laos. Ainda hoje, e como sequela daqueles bombardeios, existe um grande número de nascimentos de crianças com enormes deformidades entre as populações daqueles países expostas a tal arma química, que continua no solo de mais de quatro milhões de acres desses territórios.

O governo federal dos EUA utilizou também, além de armas químicas, armas bacteriológicas (também proibidas nos tratados internacionais) contra vários países na América Latina (incluindo Cuba, causa da epidemia de dengue em 1981, que matou 188 pessoas, incluindo 88 crianças). E inclusive, mais recentemente, o caso mais notório de utilização massiva de armas químicas foi o que levou a cabo o governo iraquiano (liderado então por Saddam Hussein) contra o Irã, utilização com pleno conhecimento e apoio do governo federal dos EUA, que apoiava ao ditador iraquiano naquele conflito (ver Jeffrey St. Clair “Germ War: The U.S. Record”, CounterPunch. 03.09.13). E o mesmo governo federal dos EUA tem, entre seus aliados, alguns dos maiores violadores de direitos humanos hoje no mundo, tais como a Arábia Saudita, que tem um enorme arsenal de armas químicas que, segundo várias cadeias de informação, foram fornecidas aos extremistas islâmicos, na oposição ao ditador sírio (ver Eric Draitser “Debunking Obama’s Chemical Weapons Case Against the Syrian Government” CounterPunch Sept.02, 2013), os quais possuem esse tipo de armas como indicou também Carla del Ponte, membro da Comissão Internacional de Investigação das Nações Unidas para investigar casos anteriores de utilização de armas químicas na Síria, que afirmou que existiu a posse e utilização de tais armas no passado pelos rebeldes (ver David Lindorff “While House Document Proving Syria’s Guilt does not pass Small text” CounterPunch, Sep.3, 2013). Na verdade, ditas armas foram utilizadas pelos dois lados do conflito na Síria.
Nem precisa dizer que a utilização de tais armas deve ser denunciada e condenada, sem ser seletivos e discriminatórios em tal denúncia, como é o caso notório de Bernard Henri Levi, o filósofo francês que adquiriu grande notoriedade por seu oportunismo e seletiva denúncia da utilização dessas armas, sem nunca haver feito a denúncia de sua utilização por parte dos estados estadunidense ou europeus, incluindo o estado francês (tal como afirma Diana Johnstone em seu artigo “France’s Philosopher Bombardier: No War for Bernard Henri Levi”, Counter Punch, Sept. 3. 2013).
Por que agora e não antes?
Que tem que penalizar a utilização desse armamento em qualquer parte do mundo e por qualquer estado é um ponto sobre o qual existe bastante acordo internacional. Mas, por que agora e não antes? E por que os EUA e não outros países? E, por que não fazê-lo através de outros meios não militares ou inclusive, em caso de que fossem militares por que o governo federal dos EUA e não outros? Para responder essas perguntas, tem que entender, como disse antes, a situação dos EUA e dos momentos históricos que este país está vivendo, o que raramente se faz nos meios de comunicação. Vejamos os dados.

Hoje os EUA estão em um momento de profunda crise, tendo acentuado ainda mais a deslegitimação do establishment financeiro, econômico, e político daquele país a partir do período de imposição de medidas sumamente impopulares sem nenhum mandato popular. A enorme influência do establishment financeiro e econômico (o que nos EUA se chama Corporate Class) na vida política e midiática do país e o impacto sumamente impopular das políticas públicas realizadas pelas instituições chamadas representativas criaram um repúdio generalizado à esses establishments. Hoje, desde a Seguridade Social (o sistema de pensões públicas) até os serviços públicos do Estado do Bem-estar estão em perigo. Nunca antes o Estado do Bem-estar estadunidense havia estado tão ameaçado como agora (uma situação que também ocorre na União Europeia e que alcança dimensões extremas na Espanha). Os cortes nas áreas sociais são enormes e, tal como indiquei anteriormente, o Congresso acaba de aprovar um corte de 40 bilhões de dólares ao programa Food Stamps, que alimenta quase uma de cada três crianças nos EUA (20 milhões de crianças assistidas). Esses cortes vão acompanhados de intervenções públicas que beneficiam enormemente a Corporate Class e as rendas superiores do país, tendo alcançado níveis de desigualdade sem precedentes desde princípios do século XX, no início da Grande Depressão. Hoje, uma pessoa do decil superior de renda nos EUA vive quinze anos a mais que uma pessoa do decil inferior (na Espanha são dez anos e na média da União Europeia dos Quinze são sete anos).

https://7a955e4f-a-62cb3a1a-s-sites.googlegroups.com/site/scientiaestpotentiaplus/poder-militar-dos-eua/nimitz3.jpg?attachauth=ANoY7cqyeOmQuFfXq_SLY5HeSVYbKE8lo4bCg4pb3hJ5ieM35xWyLI0hMxGfNGuekukjbLDUI1uDnfq3cD9We4ITzoaF41YA54Efi77Y9rFa-vuvbBdw5fFsmx6Q0HGIStTLBSPo7H0OqtyDwLKxoIhXVE40rO27jCJhiuqE51wuXPfHfH2rFfUNNJCyzjVvkKgVuJuKoE6PG49U70ApyyNGpaNC8GM1yuWOhBLE5EDOstbGsC1L__YwTv6k_td-pqRxpoObd2MS&attredirects=0

A Corporate Class e seu complexo militar industrial
Um eixo central da Corporate Class, que é enormemente poderoso (tal como já alertou em seu dia o General Eisenhower, mais tarde Presidente do país), é o complexo militar industrial. A voz mais crítica desse complexo foi Martin Luther King, que o havia denunciado como o grande defensor da Corporate Class dos EUA e que, para realizar sua missão, consumia enormes recursos a custa de empobrecer o escassamente financiado estado de bem-estar do país. Consumiu 20% do orçamento federal (718 bilhões de dólares), dos quais 159 bilhões foram gastos nas guerras do Iraque e Afeganistão (esta cifra não inclui os benefícios sociais dos veteranos das guerras e outros serviços militares, cifra que alcança outros 127 bilhões). O governo federal dos EUA gasta mais em suas Forças Armadas que a soma em gastos militares dos 13 países que lhe seguem depois, por nível de gasto militar. É um investimento enorme, que se deve ao poder da indústria armamentista. Mais de 350 bilhões de dólares foram a contratos por equipamento e manutenção de material militar consumido no Iraque e no Afeganistão (estes dados procedem de Brad Plumer, “America’s staggering Defense Budget in Charts”, The Washingto n Post January 7, 2013). É um gasto público enorme que configura a economia dos EUA e grande parte de suas políticas públicas. Na verdade (segundo os cálculos de Dean Baker e David Rosnick, do Center for Economic and Policy Research de Washington), mais de 26% do déficit público do estado federal se deve ao gasto nas intervenções militares do Afeganistão e Iraque, assim como o pagamento de outras intervenções que estiveram acontecendo a uma frequência de um conflito a cada três anos nos últimos trinta anos.
Multidão de novos cidadãos acenam bandeiras americanas (AP Images)

E esse grande poder deriva de sua função que é a de defender global e mundialmente os interesses primordiais da Corporate Class daquele país. Todo esse gasto público se realiza as custas de um enorme sacrifício do bem-estar das próprias classes populares dos EUA (como denunciou Martin Luther King, tal como indico em meu artigo “Lo que no se dijo sobre Martin Luther King”, Público, 3 de setembro de 2013). Não existe plena consciência fora dos EUA de que as classes populares deste país são as primeiras vítimas de tal “sistema imperial”, tal e como o definiu Martin Luther King. Hoje, ao mesmo tempo em que se estão reduzindo os fundos alimentares para a população pobre, se estão fazendo preparativos militares que custarão mais de 1 bilhão de dólares.

A enorme crise de legitimidade do sistema político estadunidense
O enorme descrédito da Corporate Class, de suas instituições representativas (a maioria de fundos que os políticos gastam em suas campanhas, procedem de membros de tal classe social, situação legalizada pela Corte Suprema dos EUA), acentuado pela grande crise atual, onde o padrão de vida das famílias estadunidenses vem diminuindo nos últimos trinta anos (e muito marcadamente nestes anos de crises), explica a crescente insatisfação da população com as instituições políticas. Já antes de que aparecesse a Síria no horizonte, o Stimson Center publicou, em maio, uma pesquisa na qual se pedia a opinião dos cidadãos sobre sua percepção e desejos sobre o gasto militar. A grande maioria dos cidadãos queria uma redução radical do gasto militar muito mais acentuada que qualquer proposta feita no Congresso ou pela Casa Branca. Na verdade, já em resposta a este enfado generalizado e saturação de guerras, a Administração Obama havia feito propostas (consideradas muito insuficientes pela maioria da população) de baixar tal gasto, havendo-o reduzido nos últimos anos.

O bombardeio da Síria, entretanto, custará, segundo cálculos iniciais, mais de 1 bilhão de dólares (o qual incrementou imediatamente, tal como informou o Boston Herald de 31 Agosto 2013), o valor das ações – que estavam baixando – das empresas produtoras de material militar tais como General Dynamics, Boeing, BAE Systems, Raytheon e muitas outras). Enquanto isso, como indiquei no parágrafo anterior, o próprio governo federal está cortando fundos para alimentar crianças que passam fome.

A chamada à intervenção militar na Síria
O argumento utilizado pela Administração Obama para bombardear a Síria – a penalização ao governo Asaad pelo emprego de armas químicas - carece, como disse antes, de credibilidade, pois tais armas foram utilizadas anteriormente no conflito sírio por ambas as partes, tal como documentou a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas em sua investigação da situação na Síria assim como em muitos outros conflitos levados a cabo pelos EUA (como no Vietnã), ou por seus aliados, como Israel em 2009, em sua repressão da população palestina de Gaza (tal como denunciou a Anistia Internacional e afirmou Chris Hedges, chefe do escritório do Middle East do The New York Times (ver a entrevista em meu blog www.vnavarro.org)), ou, como afirmei anteriormente, pelos aliados dos EUA, como o então aliado Saddam Hussein em sua luta contra o Irã em 1988. Na verdade, a história dos EUA está cheia de casos de utilização de armas biológicas e químicas, tanto por seu governo como por seus aliados.

Qual é, então, o motivo real para iniciar tal bombardeio da Síria? Há vários motivos, todos eles relacionados com a situação nos EUA. A perda de legitimidade do establishment daquele país é enorme e se encontra em uma situação muito defensiva, encurralada. Sente que tem que fazer algo, tanto no interior como no exterior do país. O Oriente Médio (de enorme importância estratégica para o establishment estadunidense e europeu) está em uma situação vulcânica, na qual os EUA está perdendo o controle. Hoje essa zona do mundo é um vulcão que está explodindo.

Para aquele establishment dos EUA e europeu, Irã é o centro do mal, que quer dizer que pode afetar mais negativamente seus interesses. A aliança Síria-Irã, apoiada pela Rússia, representa uma ameaça à hegemonia dos EUA naquela zona. E ultimamente pareceria que o ditador Asaad, em sua luta contra os rebeldes, poderia prevalecer e ganhar naquele conflito. Daí que se tente agora aproveitar o incidente das armas químicas para atacar e debilitar tal governo. Esse é o objetivo da intervenção: tentar recuperar a hegemonia que o governo federal dos EUA (e da Europa) está perdendo, tanto no exterior como no interior.
E uma das primeiras mobilizações contra essa recuperação do domínio procede precisamente das classes populares dos EUA. Para o Presidente Obama, tal decisão de bombardear a Síria significará um enorme custo político. Como muito bem afirmou aquele que foi Ministro de Trabalho do governo Clinton, Robert Reich (ver Robert Reich “Obama’s Political Capital And the Slippery Stone of Syria”), tal intervenção, que lhe cairia muito bem ao establishment estadunidense para desviar a atenção do país ao exterior, (em um momento de grandes tensões dentro do país), lhe debilitará enormemente, independentemente de que seja ou não aprovada pelo Congresso dos EUA (uma instituição que só goza de 15% de apoio popular, precisamente por perceber-se, por parte da população, estar instrumentalizada pela Corporate America).


Refugiados sírios chegam à fronteira em Cilvegozu, no portão da fronteira com a Turquia
Foto: Gregorio Borgia / AP
Refugiados sírios chegam à fronteira em Cilvegozu, no portão da fronteira com a Turquia.
Gregorio Borgia / AP
É provável que a Câmara Baixa do Congresso (a menos afastada da população) vote contra devido ao enorme enfado que a população tem mostrado à maioria de congressistas em seus distritos. Tem sido precisamente as bases do Partido Democrata (o movimento sindical, o movimento de direitos civis, o movimento feminista e o ecológico progressista) as que vem se opondo mais a tal bombardeio. E hoje, a mobilização popular contra tal intervenção (que está bombardeando o Congresso com chamadas e mensagens contra a intervenção militar) está generalizada. Mas o establishment estadunidense está mobilizando-se através dos meios de informação para que o Congresso autorize tal intervenção. Hoje, a população recebe constantemente mensagens que a credibilidade do país está em jogo, indicando que o repúdio se lerá como uma negação por parte do povo estadunidense a continuar liderando as forças que representam a democracia e a liberdade, uma mensagem que se repetiu continuamente para defender ditaduras e regimes feudais (e que vão da Arábia Saudita e Qatar à Honduras e antes Haiti) que estiveram oprimindo precisamente a liberdade e a democracia.

Aconteça o que acontecer, se inicia uma nova etapa nos EUA (inclusive em caso de que a Câmara Baixa apoiasse a intervenção), em que a população, e muito em particular as classes populares, estão fartas das guerras e intervenções do governo dos EUA para defender o que Martin Luther King chamava o “rol imperial” da Corporate Class, que está perdendo muito rapidamente seu apoio popular. E esse é o ponto chave que marcará claramente uma mudança importante na história dos EUA (e acho que também do mundo).

*Catedrático de Políticas Públicas, Universidade Pompeu Fabra e Professor de Public Policy na The Johns Hopkins University. Coluna “Pensamiento Crítico” no jornal PÚBLICO, 10 de setembro de 2013
Tradução: Liborio Júnior
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22690

9.20.2013

Ao usar o celular se fica isolado sem perceber

Homo scaenicus
Com um celular em uma ilha deserta você é autossuficiente, e não precisa de ninguém, nem da realidade

A literatura está cheia de cenas em que, no metrô parisiense, o protagonista se vê cercado de leitores, absorvidos na leitura de um romance. A má notícia é que definitivamente isso é tão passado e romântico quanto a ideia de consertar eletrodoméstico quebrado – em vez de jogá-lo fora e comprar um novo, pagando bem menos. Os parisienses, agora, como o resto do mundo, viajam de metrô olhando, absortos, para seus aparelhos celulares.

O escritor Ray Bradbury, no seu romance “Fahrenheit 451”, publicado em 1953, pensou num futuro assustador, em que as cidades estariam abarrotadas de telas gigantes, onde seriam projetadas imagens de perseguições e detenções, 24 horas por dia, que monopolizariam a atenção dos transeuntes.

Quase 60 anos depois, dá para dizer que Bradbury só errou no tamanho da tela.

A verdade é que estamos obcecados pelos nossos celulares. Amamos nossos telefones de tal forma que ninguém mais se atreve a colocá-lo no bolso da calça ou dentro da bolsa. Eles são carregados como se fossem santos de barro. Com toda a reverência. Nos restaurantes, ficam visíveis nas mesas e, se bobear, recebem mais atenção do que o amigo chato ao lado. Claro que isso tem uma explicação. Telefone hoje é entretenimento. A vida que rola aqui fora, no mundo real, com as pessoas reais, rola muito mais rápida, mais intensa e mais divertida dentro de um telefone, que baixa músicas, filmes, fotografa, manda mensagens, fotos, se conecta com Facebook, Orkut, localiza endereços, pessoas, sem jamais perder sua função básica: estar disponível para quem quiser entrar em contato.

(A teledramaturgia deu sinais de que assimilou a mudança dos tempos e se reinventou. Se tiver oportunidade, preste atenção nos seriados “Wallander” ou “The Killing”, que certamente estão fazendo sucesso por aí também. Note que as tramas acontecem por telefone. É sempre a mesma coisa: duas pessoas conversam sobre o nada em geral até que o telefone toca e revela a ação em particular, que já ocorreu. E de chamada em chamada, a história vai se construindo. Não seria de todo mal se nomeássemos essa nova dramaturgia. Aí vai minha sugestão: telefodrama).

Além disso o celular traz emoção às coisas rotineiras. Por exemplo, antigamente ir ao banheiro significava apenas isso: ir ao banheiro. Hoje, você vai ao banheiro e usa o seu celular para postar no Twitter: “No toilette.” Muito melhor do que defecar no anonimato (ops, fui mal no exemplo). E quando você come, você “tuíta”: “Almoçando frango com polenta.” Dessa forma, até a Madonna pode saber que você está comendo frango com polenta. É só ela se interessar por você. Isso não é sensacional?

Agora pense na pergunta clássica: quem você levaria para uma ilha deserta? Uma pessoa só? Para depois se aborrecer com ela? E correr ainda o risco de ganhar um inimigo?

Muito melhor levar um celular. Com ele, você é autossuficiente e não precisa de ninguém, nem da realidade. O mundo inteiro está ali, na palma da sua mão.



                                                                                                                                                             




Claro que estamos cada vez mais solipsistas, mas e daí?Já fomos comunistas, existencialistas, niilistas, materialistas, budistas, qual o problema de sermos mais um “ista”, que adora o seu próprio umbigo?

Esse é só o início de uma nova era. O telefone é entretenimento, num mundo em que, cada vez mais, a única coisa que importa é isso mesmo: entretenimento. .

Patrícia Melo é escritora

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/42_PATRICIA+MELO

Os Alimentos que a Propaganda Endeusa não Fazem Bem a Saúde

Hoje 30% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos estão com sobrepeso e 15% estão obesas. A epidemia acomete todas as regiões e classes. Se nada for feito a geração atual viverá menos do que seus pais.
por Intervozes — publicado 12/09/2013, última modificação 12/09/2013 

Nesta quinta-feira (12/09), o Instituto Alana, a ANDI Comunicação e Direitos e o LIDS, centro de pesquisa da Universidade de Harvard, lançaram o livro “Publicidade de Alimentos e Crianças – Regulação no Brasil e no mundo”. O tema tem gerado debates significativos no país, opondo, de um lado, agências de publicidade e anunciantes na defesa de sua alegada «liberdade de expressão comercial» e, de outro, pais, pesquisadores e profissionais do campo da saúde e organizações de proteção dos direitos de crianças e adolescentes. O Intervozes apoia a regulação da publicidade de produtos direcionados a crianças, e por isso convidou o Instituto Alana a tratar deste assunto tão importante em nosso blog.
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Livro coordenado por Instituto Alana e ANDI traz experiências de regulação de publicidade de alimentos para crianças em diversos países

Por Ekaterine Karageorgiadis*

Atualmente no Brasil, 30% das crianças de 5 a 9 anos estão com sobrepeso e 15% estão obesas (POF 2008-2009). Os dados revelam uma epidemia, que acomete as 5 regiões do país e todas as classes sociais. Com o excesso de peso, surgem as doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes, problemas renais e alguns tipos de câncer.
O problema não é só brasileiro. Diversos países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, preocupam-se hoje com a reversão de problemas de saúde em crianças, que antes eram característicos de idosos. Pesquisas demonstram que, se nada for feito, pela primeira vez na história a geração atual viverá menos do que seus pais.
Impossível não associar a queda da expectativa e da qualidade de vida e o aumento de gastos públicos com tratamentos de enfermidades relacionadas à obesidade (estimados em 488 milhões de reais anuais) à adoção de novos hábitos alimentares pela população, impulsionada pelas estratégias de comunicação mercadológica de produtos alimentícios industrializados e ultraprocessados, com alto teor de sódio, gorduras, açúcares e bebidas de baixo valor nutricional. Substitui-se os alimentos tradicionais da dieta brasileira (arroz, feijão, carne, verduras e legumes) pelos macarrões instantâneos, lanches, biscoitos, refrigerantes, refrescos em pó, etc, anunciados como nutritivos, convenientes e práticos, para serem ingeridos a qualquer hora, em qualquer lugar.
Televisão, rádio, páginas e jogos de internet, revistas, jornais, mídia externa, espaços públicos, e até mesmo escolas. Os anúncios estão por toda parte, e, muitos deles focam diretamente as crianças com menos de 12 anos que, em razão de sua peculiar condição de desenvolvimento biopsicológico, são vulneráveis e hipossuficientes. O mercado não desconhece essas características e, além disso, ciente de que os hábitos alimentares se formam na infância, estimula o consumo de produtos palatáveis e saborosos, com publicidades repletas de personagens infantis, animações, cores, músicas, etc., que enaltecem suas características positivas, associadas a valores distorcidos de poder, status, felicidade, liberdade.
As crianças e suas famílias, bombardeadas pelas publicidades atrativas e convincentes, consomem os produtos e, ao mesmo tempo, são culpabilizadas pelos seus problemas de saúde. São os pais que compram as guloseimas e «não exercem seu papel de educar», dizem alguns. Além disso, deveriam saber o que estão comendo, ter autocontrole, ter uma alimentação saudável e balanceada, e, ainda, exercitar-se.
As crianças são sujeitos de direito, e não simples objetos. Os pais têm o dever de cuidar e educar seus filhos, mas não podem ser responsabilizados exclusivamente pelos danos causados à saúde dessa geração de crianças. Estamos diante de um fenômeno global, que não se restringe mais às quatro paredes de uma casa. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, determina que cabe ao Estado, à família e à sociedade a responsabilidade, compartilhada e conjunta, pela proteção integral com absoluta prioridade das crianças, para protegê-las da violação a qualquer um de seus direitos.
Para viabilizar essa proteção, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor – que hoje cumpre 23 anos de sua promulgação – determina, no artigo 37, §2º, que é ilegal e, portanto, proibida, a publicidade que abusa da deficiência de julgamento e de experiência da criança. Segundo o Código cabe aos órgãos de proteção dos consumidores aplicar as sanções de multa ou contrapropaganda às empresas infratoras, o que não exclui a responsabilidade penal dos responsáveis por sua veiculação.
A interpretação sistemática dessas normas determina, portanto, a proibição da publicidade direcionada ao público infantil, uma vez que todo anúncio que fala com a criança necessariamente se vale de sua ingenuidade para convencê-la a querer, e, consequentemente, a agir como promotora de vendas das marcas perante seus pais e responsáveis.
Se a responsabilidade pela proteção das crianças é de todos, cada um dos atores deve assumir seu papel. Ao Estado, cabe criar normas claras e efetivar a fiscalização de seu cumprimento. Às empresas, respeitar o melhor interesse da criança, que deve estar acima dos seus interesses comerciais, para deixar de seduzi-la em todos os seus espaços de convivência. Os anúncios devem ser feitos para os pais, adultos com real poder de compra, para que conheçam as características dos produtos, com informações precisas e claras, e possam exercer, com mais conhecimento, seu poder familiar.
Para subsidiar esse debate, Instituto Alana, ANDI Comunicação e Direitos e LIDS, centro de pesquisa da Universidade de Harvard, produziram o livro “Publicidade de Alimentos e Crianças – Regulação no Brasil e no mundo”, publicado pela Editora Saraiva, que traz um estudo comparativo sobre como funciona a regulação do tema no Brasil, Canadá, Estados Unidos, França, Suécia, Alemanha, Reino Unido, Austrália e União Europeia. A publicação traz ainda um artigo inédito de Corinna Hawkes, que foi presidente do Grupo de Especialistas em Marketing de Alimentos para Crianças da Organização Mundial de Saúde, sobre as políticas mundiais existentes sobre o tema e seus efeitos, com base em relevantes pesquisas.
O objetivo do livro, ao analisar as leis em vigor, acordos de autorregulação, iniciativas do Poder Legislativo, políticas públicas vigentes, é debater e estimular a adoção de medidas efetivas que protejam as crianças dos efeitos da publicidade de alimentos.

* Ekaterine Karageorgiadis é advogada da área de Defesa do Instituto Alana e conselheira do CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 

 http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/e-preciso-regular-a-publicidade-de-alimentos-para-criancas-4730.html

9.18.2013

O Ciclista que Sonha com a Ciclovia



 Por Adhemar T. Vieira Filho                                 
Os primeiros imigrantes quando aqui chegaram, vindos do outro lado do oceano, sonhavam com cidades prontas, bem organizadas no século XVIII.
No início, os municípios eram diferentes, inimaginável para nós, em pleno século XXI.
Não haviam ciclovias.
Pequenos lugarejos surgiram, com caminhos tranquilos, onde os veículos motorizados eram raridades e as carroças puxadas por cavalos, faziam o movimento do transito colonial.
E um desses lugarejos que surgiram foi o de Dona Francisca.
Aos poucos foi crescendo, dando lugar a cidade de Joinville. Com o passar dos anos, as pessoas foram trocando o lugar onde morar, muitos saindo da lavoura, outros vierem de outras cidades.
Ainda era possível manter as ruas organizadas, o ciclista era respeitado e a pressa era a inimiga da perfeição.
Os tempos mudaram, os veículos motorizados se multiplicaram nas vias públicas, mas as pessoas continuaram a se deslocar de bicicleta, a maioria por necessidade de trabalhar, outros por motivo de lazer ou simples exercício.



E as ruas foram pavimentadas, ficaram mais congestionadas e excessivamente rápidas.
Pouco se olhou ou se fez pela implantação das ciclovias, com algumas exceções.
Hoje vemos a todo momento ciclistas correndo eminente perigo, na pressa moderna.
A bicicleta é apontada como uma excelente opção de transporte, por não ser poluente, mas também é uma boa forma de economia para muitas famílias.
Em Joinville, por onde já passaram vários governantes, parece não se conseguir despertar este meio de transporte, para alegria daqueles que são os donos dos ônibus.
O turismo é a conversa do momento, com fotos dos ciclistas, decantado em verso e prosa, divulgando nossa cidade aqui e no exterior.
Gostamos de nos comparar com cidades européias, se deslocando em cima de uma bicicleta. Vemos ministros estrangeiros e outras autoridades de outros países pedalando.
A impressão é que o pessoal daqui tem dificuldades em praticar esporte, ainda mais de bicicleta, com poucas ciclovias apropriadas na área urbana.
Ao nos lembrarmos das tímidas ciclovias, que sequer se pensou em melhora-las, interligando os pontos turísticos deste município, por exemplo, para facilitar e organizar o dia-a-dia do trânsito tumultuado; notamos sim, a importância dada pelas autoridades para este meio de transporte, mas somente no faz de conta.
Alguns já falam até em aventura o fato de pedalar pelas ruas, pois são cada vez mais rápidas e perigosas.
Como alcançar este projeto de ciclovias tão necessárias e implantá-las, um dos caminhos é cobrarmos da gestão municipal, através dos organismos populares, a valorização das ciclovias, e principalmente do ciclista.