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11.26.2014

Atlas do IDH: o Brasil é um exemplo!

A desigualdade entre as metrópoles diminuiu. Por causa dos programas sociais !
Alisson Matos, editor do Conversa Afiada -sociedade e qualidade de vida
Árvore do IDHM compara os anos 2000 e 2010 (Foto: Reprodução)

As regiões metropolitanas de posição mais baixa no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal  foram as que mais cresceram entre os anos 2000 e 2010.

Com isso, o Brasil reduziu, em dez anos, pela metade, a desigualdade entre as regiões metropolitanas.

Entre São Paulo (SP) e Manaus (AM), respectivamente melhor e pior colocadas no IDHM, a porcentagem da desigualade caiu de 22,1% para 10,3%.

É o que aponta o relatório “Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras”,  que foi lançado nesta terça-feira (25) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro.

“O Atlas das Regiões Metropolitanas mostra como o Brasil está avançando. A ênfase da pesquisa é local e pode ajudar no desenvolvimento de políticas públicas”, afirmou Marcelo Neri,  Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Segundo a analise, as disparidades entre as 16 regiões metropolitanas estudadas diminuíram e todas estão na faixa de alto desenvolvimento humano.

São Paulo (0,794), Distrito Federal e Entorno (0,792), Curitiba (0,783), Belo Horizonte (0,774) e Vitória (0,772) são as regiões que apresentaram os melhores resultados para o IDHM em 2010.

Embora a distância tenha diminuído e todas tenham melhorado, as regiões metropolitanas de mais baixo índice em 2000 são as mesmas dez anos depois: Manaus (0,720), Belém (0,729), Fortaleza (0,732), Natal (0,732) e Recife (0,734).

A diferença é que, em 2000, somente São Paulo tinha índice de desenvolvimento humano alto. Manaus tinha baixo e as outras regiões, médio. Agora, todas passaram a ter IDHM alto.

De acordo com o documento divulgado hoje (25), as políticas públicas do Governo brasileiro foi a principal causa dessa redução.

“Foram adotadas políticas anticíclicas eficientes, políticas públicas ativas de diminuição da desigualdade, de transferência de renda condicionada e de superação da pobreza e da pobreza extrema. O fato é que o Brasil de hoje ainda luta para superar um passivo histórico que é resultado de décadas de descaso com o desenvolvimento humano. Mas já é possível perceber melhoras significativas no cotidiano”, observa o texto.

O IDMH é composto de três variáveis: longevidade, renda e educação, que foi a que mais avançou.

O indicador é um número que varia entre 0 a 1: quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano de um estado, município ou região metropolitana.

As regiões avaliadas foram Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Distrito Federal, Fortaleza (CE), Goiânia GO), Manaus (AM), Natal (RN), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Luís (MA), São Paulo (SP) e Vitória (ES).

O avanço na Educação

No ano 2000, os índices de maior diferença em Educação estavam entre as regiões metropolitanas de São Paulo (0,592) e a de Manaus (0,414). Passados dez anos, as maiores disparidades se encontram entre São Luís (0,737), que aparece à frente, e Manaus (0,636), ou seja a diferença diminuiu para 15,9% agora, já que antes era de 43%.

“Para além de evidenciar o fato de que o país ainda tem um caminho a percorrer na redução das desigualdades em suas cidades, a intenção do Atlas é justamente ajudar no estabelecimento de políticas inclusivas que tenham como fim a melhoria das condições de vida das pessoas”, disse o representante do Pnud no Brasil, Jorge Chediek.

Em relação ao IDHM Longevidade, o maior índice é o da região do Distrito Federal e entorno, com 0,857. O DF lidera também no IDHM Renda, com 0,826.

Em 2000, as Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro e de Porto Alegre apareciam entre as cinco com maior Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2010, entraram em seus lugares o DF e a região metropolitana da Grande Vitória.

Brasil como exemplo

O levantamento ainda analisou 9.825 Unidades de Desenvolvimento Humano (UDHs), áreas menores que bairros nos territórios mais populosos e heterogêneos, mas iguais a municípios inteiros quando estes têm população insuficiente para desagregações estatísticas. Em casos de extremidade, na mesma região metropolitana há UDHs com renda domiciliar per capita mensal de quase R$ 7,9 mil, enquanto em outras  o valor não ultrapassa a R$ 170.

A esperança de vida ao nascer varia, em média, 12 anos dentro das RMs. Se consideradas todas as mais de 9 mil UDHs pesquisadas, das 16 RMs analisadas, o melhor dado corresponde a 82 anos, enquanto o mais baixo é de 67 anos. São 15 anos de diferença em termos de expectativa de vida ao nascer.

Na divulgação dos dados, Neri ressaltou que tanto a renda quanto o Produto Interno Bruto (PIB) subiram mais no Nordeste do que no resto do país, na última década.  “É verdade que as regiões com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) são as do Norte, do Nordeste, mas existe uma desigualdade dentro das regiões bastante grande. A boa notícia é que ela está em queda”, confirmou.

O relatório conclui que o Brasil é “um exemplo bem-sucedido” na redução de vulnerabilidades.
http://contrapontopig.blogspot.com.br/2014/11/contraponto-15438-atlas-do-idh-o-brasil.html

O que falta no Brasil são nacionalistas

por Marco Aurélio Mello - sociedade e poder

Do Facebook 25//11/2014"O que falta ao Brasil são nacionalistas." A frase saiu da boca de um libanês radicado aqui há mais de 60 anos. Confesso que fiquei assustado. Sempre tomei nacionalismo como palavrão, associado a regimes políticos fundamentados no ódio, no arbítrio e na exceção. Afinal, o nacionalismo serviu de base para o fascismo, para o nacional-socialismo alemão que desaguou no nazismo e que também fincou raízes aqui, com o integralismo.
O libanês, por sua vez, tomava como parâmetro pessoas que lutaram pela libertação de países próximos à realidade dele, e baseado ao certo em sua experiência de imigrante, forçado a deixar pequeno com a família seu país de origem, o Líbano. Sua história de vida permitiu que ele passasse a admirar em particular dois nomes: Gamal Abdel Nasser (15/01/1918 - 28/09/1970), primeiro-ministro do Egito e responsável pelo fim da dominação Franco-Britânica e o indiano Mahatma Gandhi (02/10/1869 - 30/01/1948), o maior líder revolucionário pacifista da história da humanidade, depois de Jesus Cristo.

Portanto, o conceito de nacionalismo forjado por meu interlocutor ía muito além das minhas amarras históricas limitadas pelos livros. Conceito que virou pergunta, depois que li o artigo do empresário e economista Ricardo Semler na Folha de São Paulo, na semana passada. Um texto que captura um "espírito do tempo" e propõe um novo paradigma logo no título, que vem a ser sua tese central: Nunca se roubou tão pouco no Brasil. Seria Semler um desses nacionalistas em falta no Brasil, aos quais se referia o libanês?

Afinal, o artigo partira de alguém cuja ficha de filiação partidária leva rubrica de nada mais, nada menos, do que a cúpula do tucanato, partido de oposição ao Governo de turno e que levou a guerra pelo poder às últimas consequências nas eleições deste ano. Ao se posicionar em favor da Petrobras, alvo de um "escândalo sem precedentes", muitos consideraram Semler como mais um desertor. Se é assim, que o empresário serre suas fileiras ao lado de outros traidores, como Luiz Carlos Bresser-Pereira, Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ives Grandra Martins e Claudio Lembo.

A menção ao "quarteto dissonante" é necessária. Todos eles levantaram suas vozes contra o golpismo midiático, sempre pela legalidade, pedra de toque de qualquer Estado dito republicano, pelo combate às profundas desigualdades sociais, fundamental para a consolidação de democracias modernas, e também por transcenderem o debate superficial imposto pela mídia: se neoliberalismo ou "bolivarianismo".

Aliás, minha ignorância não permitia alcançar que o termo bolivarianismo também tem raízes no nacionalismo, sentimento que emerge de quando em quando, sempre associado a mudanças, seja de modelo econômico, político ou mesmo social. Se foi assim na Europa pós-medieval quando da ascensão da burguesia, não foi diferente nas lutas de libertação da América Latina, nos tempos das colônias de exploração, com Bolívar, nem na África de Mandela, nem na Índia de Gandhi, nem no Oriente Médio de Nasser...

O nacionalismo a que se refere nosso amigo libanês ali de cima certamente tem a ver com identidade nacional. Esta mesma identidade que os sulistas rejeitam, quando manifestam publicamente o desejo de que nordestinos e nortistas devam ser queimados vivos no fogo do inferno.

Para voltar ao tal quarteto e recuperar nossa memória de tão curto prazo, Bresser-Pereira foi fundador do PSDB, ex-ministro do governo de Fernando Henrique Cardoso que, com coragem, anunciou em setembro último seu voto em Dilma, para espanto de seus pares. Seus critérios de escolha?

Fundamentalmente dois: "quanto o candidato está comprometido com os interesses dos pobres, e quão capaz será ele e os partidos políticos que o apoiam de atender a esses interesses, promovendo o desenvolvimento econômico e a diminuição da desigualdade."

Outro a assombrar o ninho tucano, também em setembro, foi Luiz Carlos Mendonça de Barros. Ele teve a petulância de escrever na Folha de São Paulo às vésperas do pleito que a ideia de associar o Brasil à Argentina e à Venezuela era uma grande bobagem. "A recessão que estamos vivendo é fruto de um ajuste natural e benéfico de nossa economia." O texto desmontou a tese em construção pela mídia de que o Brasil passava por uma "venezualização" ou "argentinização". No primeiro caso, pelo suposto abuso do controle do Estado sobre a sociedade e, no segundo, pela briga de Cristina Kirchner com os credores internacionais quando do anúncio da reestruturação da dívida do país vizinho.

Já Cláudio Lembo, filiado ao PSD, e ex-governador de São Paulo, é aquele que no poder cunhou a célebre expressão “elite branca”, para nomear os "pobres paulistas" tão cheios de ira. Pobres paulistas... Ira... Captou? Disse Lembo à época: “Temos uma burguesia má, uma minoria branca perversa”. Hoje, ele acusa o tucanato de não estar a serviço do Brasil. “Eles estão mais preocupados em servir a interesses de grandes grupos econômicos do que com a manutenção de programas sociais”. Mais recentemente Lembo chamou os legalistas de plantão para por um basta na mais recente tentativa de golpe que se forja, via STF.

Outra manifestação de civilidade republicana relativamente recente veio de Ives Gandra Martins, um advogado e professor especializado em "planejamento tributário". Traduzindo: sonegação fiscal legalizada. Técnica de encontrar brechas na lei para grande grupos econômicos arrecadarem menos.

Afinal, é sempre bom lembrar, quem paga muito imposto ou é pobre, ou de classe média, classe média que se inspira nos ricos das novelas, aceita doses cavalares de telejornais sanguinolentos e consome intervalos comercias cheios de glamour. Quanto tempo gasto diante da TV...

Gandra teve a insensatez de, no ano passado, acusar o STF de condenar José Dirceu sem provas, para desespero de seus iguais, na mídia e fora dela. Segundo ele, um dos alicerces do direito, o de que a dúvida é sempre em favor do réu, foi simplesmente jogado no lixo. O jurista foi duro ao criticar a adoção de uma teoria que não é aplicada nem mesmo em seu país de origem, a Alemanha: a do domínio do fato, que isenta a Justiça da necessidade de se produzir prova de materialidade antes de se condenar qualquer réu.

Portanto, pelo menos pela pequena amostra acima, acho que não faltam nacionalistas no Brasil. Eles estão bem vivos e abrem boas possibilidades de diálogo, à direita ou à esquerda do espectro político-ideológico. São homens que podem enxergar a floresta em vez da árvore e que pensam o país como nação, como um todo integrado, muito além do individualismo egoísta e preconceituoso da grande maioria. E promovem um debate de nível mais elevado ao buscar responder à seguinte questão: o que queremos para o futuro do nosso país, dependência ou soberania?
 
Marco Aurélio Mello.
Jornalista na empresa Mello e Moreira de Mello Ltda.Atual: Mello e Moreira de Mello e Rede Record
http://contrapontopig.blogspot.com.br/2014/11/15441-o-que-falta-ao-brasil-sao.html
 

11.17.2014

Campeão de cesáreas, Brasil quer resgatar parto normal


Dados mostram que 52% dos partos realizados no país são cesáreas, bem acima da média mundial (18%) e da recomendação da OMS, que é de apenas 15%.
  Deutsche Welle sociedade e saúde - 16/11/2014
Flickr / maturana
gravidez Cesáreas aumentam a necessidade de cuidados na UTI, o que mantém bebês longe das mães nos primeiros dias de vida
Há cinco meses Theo Henrique nasceu saudável, de parto normal, apesar de estar com o cordão umbilical enrolado no pescoço. "Desde o começo da gravidez eu queria o parto normal, pois achava mais seguro. Além disso, a recuperação é melhor e mais rápida, e para o bebê também é melhor, porque ele entra em trabalho de parto junto e sabe que está nascendo", explica Paola Ferrarezi, mãe de Theo Henrique.
O caso de Ferrarezi é uma exceção no Brasil, país com um dos maiores percentuais de operações cesarianas no mundo. Segundo dados oficiais, 52% dos partos no país são cesáreas. No setor privado a incidência é ainda maior: 88%.
De acordo com a médica Maria do Carmo Leal, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, é tradição da prática médica brasileira considerar a cesárea um parto sem risco e mais seguro. "Até as mulheres acreditam que o bebê sofre menos, quando na verdade é o contrário: a melhor maneira de nascer ainda é o parto normal", afirma.
Apesar de as cesarianas terem se tornado procedimentos cotidianos no Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a melhor forma de nascer continua sendo o método natural, e recomenda que a taxa de cesáreas não exceda 15% dos nascimentos. A média mundial de nascimentos por cesarianas é de aproximadamente 18%.
Leal coordenou o estudo Nascer no Brasil e acrescenta que a cesárea é um procedimento cirúrgico com riscos tanto para mãe quanto para o bebê. Estudos indicam que as cesarianas aumentam o risco de hemorragia e infecções em mulheres, podendo levar à morte. Além disso, em gravidezes futuras, aumentam as chances de óbito fetal sem causa aparente e formação anormal da placenta.
Para o bebê, como muitas cesarianas são realizadas antes das 39 semanas recomendadas, cresce a necessidade de ajuda para respirar e também de cuidados na UTI, o que deixa a criança longe da mãe nos primeiros momentos de vida.
Para tentar mudar o cenário brasileiro e adequá-lo à recomendação internacional, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Ministério da Saúde, o Hospital Israelita Albert Einstein e a ONG americana Institute for Healthcare Improvement (IHI) assinaram, no final de outubro, um acordo de cooperação técnica para ampliar a realização de partos normais em hospitais privados. O projeto piloto terá duração de três anos e utilizará metodologia desenvolvida pelo IHI.
"Entre as ações destacam-se a assistência ao parto por equipes compostas de médicos e enfermeiros obstetras, além da utilização de recursos para alívio da dor e o estímulo à presença de acompanhante", diz Teófilo Rodrigues, gerente geral de Regulação Assistencial na ANS.
A partir de fevereiro de 2015, o projeto piloto começa a ser executado em hospitais interessados, o primeiro deles é o Hospital Albert Einstein. A proposta será testada até o final de 2017. Após a fase de teste, o modelo será disponibilizado para qualquer estabelecimento de saúde que tiver interesse em ampliar a realização de partos normais.
Entre os fatores que levaram ao aumento da realização de cesarianas estão a comodidade para pacientes e, principalmente, médicos, que podem marcar previamente os horários de nascimentos. A cesárea também possibilita aos hospitais programar antecipadamente a disponibilidade de leitos.
Além disso, muitos médicos não estão mais acostumados a realizar partos normais. "Na faculdade, eles são treinados a fazer cesáreas e saem de lá com muito mais segurança para realizar essa cirurgia do que para fazer parto normal, que é muito simples, mas às vezes tem pequenas complicações que exigem algumas manobras", destaca Leal.
E como a maioria dos partos é marcada com antecedência, muitas instituições não têm mais equipes de plantonistas para atender mulheres que optam pelo parto natural.
Muitas gestantes optam pela cesárea pelo receio de ter o bebê com um médico diferente daquele que as atendeu durante o pré-natal. "No início da gravidez, eu preferia a cesárea, pois tinha medo da dor e ouvi dizer que era mais seguro para o bebê. Ao longo das consultas fui ganhando confiança de fazer o parto normal, mas como a data do nascimento era próxima do Natal e eu queria fazer o parto com meu médico e não com um plantonista, optei pela cesárea", conta Juliana Sinestri Jensen, mãe de Otto, hoje com quase dois anos.
Assim como Jensen, muitas mães de primeira viagem também têm medo da dor do parto. Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, esse é o principal fator que leva mulheres grávidas pela primeira vez a optarem pela cesariana. Já entre as mulheres que já tiveram filhos, cerca de 33% optaram pela cesárea para aproveitar o procedimento cirúrgico e fazer a laqueadura das trompas.
Além disso, entre as mulheres que já tiveram filhos, outro motivo que pesa na hora da escolha da forma de dar à luz é a experiência com o parto anterior. Ferrarezi, por exemplo, conta que o parto normal foi muito bom e deseja seguir o método para o nascimento do próximo filho.
Já Jensen ainda não sabe se deseja ter mais filhos, mas afirma que achou a cesárea frustrante. "Não senti a emoção de colocar meu filho no mundo."
  • Autoria Clarissa Neher
http://www.cartacapital.com.br/saude/campeao-de-cesareas-brasil-quer-resgatar-parto-normal-em-hospitais-privados-240.html

O abismo entre ricos e pobres cresce

Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo.
por Claudio Bernabuccisociedade e economia
Joe Klamar / AFP
desigualdade
O relatório quebra o mito da naturalidade da desigualdade entre os seres humanos
De Roma
Em um mundo angustiado pela crise econômica, aprendemos que de março de 2009 a março de 2014, exatamente o período considerado mais crítico, depois da bancarrota do Lehman Brothers, o número de bilionários do planeta dobrou: eram 793 no começo do furacão e agora somam 1.645. Os 85 mais ricos entre eles, no mesmo período, incrementaram seus capitais em 668 milhões de dólares a cada dia e sua renda equivale àquela de metade da população mundial, 3,5 bilhões de outros seres humanos. Os dados constam, entre outras “pérolas”, do recente estudo sobre a desigualdade no mundo, publicado pela Oxfam, rede internacional de 19 ONGs que combatem a pobreza. Na sequência da divulgação do relatório, originalmente chamado Even It Up: Time to end extreme inequality, foi lançada a campanha mundial de sensibilização “Equilibre o jogo”.
Crise é um termo utilizado no mundo inteiro para descrever situações diferentes, mas com um denominador comum, a desaceleração do crescimento das economias, que em média superava os 4% anuais na década passada e hoje sofre para chegar perto dos 3,5%. Para resolver os problemas provocados por esse recuo e retomar o ritmo anterior, os defensores do atual sistema econômico-financeiro indicam um caminho único, a ampliação do espaço da iniciativa privada em detrimento do setor público, com corolário de cortes nos gastos sociais e intensificação da produtividade no trabalho. Em outras palavras, salários mais baixos para criar produtos mais baratos. Essa receita, baseada numa visão brutalmente quantitativa do bem-estar da humanidade e sem nenhuma atenção à equilibrada convivência social, é rotundamente recusada pela Oxfam. Com riqueza de informações e análises, a desigualdade é descrita sob diversos aspectos, e o estudo chega à conclusão de que essa praga contemporânea não só é contrária a uma ética humanista, mas também a causa fundamental da crise econômica em curso.
O primeiro mito que o relatório se encarrega de derrubar é aquele que considera natural a desigualdade entre os seres humanos. Melhor se concentrar na redução da pobreza, afirmaram os liberais a partir da Revolução Industrial, pois a compaixão é a única maneira de mitigar a lei natural que inevitavelmente produz as diferenças. Mas a desigualdade excessiva tem comprometido o combate à pobreza, apesar dos bons resultados conseguidos nesse campo até o início dos anos 80 do século passado. O abismo entre ricos e pobres nas últimas três décadas, demonstra a pesquisa, tem clara correlação com a baixa mobilidade social. Em outros termos, nos países em que o fenômeno é mais acentuado, quem nasce rico fica rico, quem nasce pobre não tem outra alternativa além de permanecer pobre. A esperança de uma vida melhor, na evolução entre pais e filhos, é banida do horizonte de bilhões de seres humanos.
Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo. Caso particularmente emblemático, a Oxfam calcula que até na África do Sul a desigualdade é hoje maior do que no período do Apartheid. Com base em dados de 2013, 7 de cada 10 habitantes do mundo vivem em países em que a desigualdade econômica é maior do que há 30 anos.
O enriquecimento desmedido de um número restrito de indivíduos, a depender dos países, encolheu ou limitou o crescimento da classe média, comprometendo a sua capacidade de gasto e, em última análise, o motor do crescimento mundial. Desde 1990, a participação do trabalho na composição do PIB mundial é constantemente decrescente. O ataque ao valor e à dignidade do trabalho é particularmente acentuado nos países mais pobres, mas também ocorre nas nações ricas. Por consequência, o PIB mundial é composto por uma porcentagem crescente do capital, que se autoalimenta cada vez mais da especulação financeira.
As 150 páginas da pesquisa, com amplíssima bibliografia, demonstram que a desigualdade extrema também está associada à violência. A América Latina, a região mais desigual do mundo do ponto de vista econômico, reúne 41 das 50 cidades mais violentas do planeta e registrou 1 milhão de assassinatos entre 2000 e 2010. Países desiguais são lugares perigosos para viver, e a insegurança afeta tanto ricos quanto pobres.
A desigualdade econômica produz ainda diferenças em termos de oportunidades de vida. Quem está na parte baixa da escada social tem grande desvantagem em termos de escolaridade, saúde e expectativa de vida. A Oxfam demonstra com dados e gráficos que a “pobreza interage com desigualdades econômicas e de outros tipos para criar ‘armadilhas de desvantagens’ que empurram os mais pobres e marginalizados para o fundo – e os mantêm lá”. E a globalização da economia aumentou consideravelmente o número de super-ricos nos países em desenvolvimento e emergentes. Na África Subsaariana, 16 bilionários convivem com 358 milhões em pobreza extrema.
No atual cenário, o Brasil, que nos últimos 12 anos tirou da pobreza dezenas de milhões de indivíduos, é citado várias vezes no relatório como positiva exceção por ter agido na contracorrente mundial, mas também como exemplo de uma desigualdade ainda gravíssima que afeta as perspectivas de resgate econômico e de pacificação nacional. É extremamente fácil evidenciar a imediata correspondência entre o aumento de 50% no valor do salário mínimo entre 1995 e 2011 e a redução da pobreza e desigualdade no País.
Como exemplo oposto, dados de 40 países europeus e latino-americanos revelam que a capacidade redistributiva de um bom sistema fiscal, combinada com gastos sociais bem-focados, pode reduzir as disparidades de ingressos produzidas pelo mercado. A Finlândia e a Áustria conseguem reduzir pela metade essa desigualdade por meio de impostos, enquanto o sistema fiscal e o gasto social brasileiro a limitam de maneira insignificante.
O relatório da Oxfam não se restringe à análise da situação de fato, mas identifica as causas que provocaram a absurda desigualdade atual: o fundamentalismo de mercado e a captura do poder pelas elites econômicas. A ideologia neoliberal, que continua dominante, apesar das contradições que suscitou, segue a impulsionar as diferenças, que não poderão ser reduzidas enquanto os países forem forçados a engolir remédios como a desregulamentação financeira, a austeridade fiscal, as privatizações, a redução de programas sociais ou o corte de impostos para os ricos. Por outro lado, como em um círculo vicioso, o dinheiro compra a influência e o poder político, tanto nos países ricos quanto nos pobres.
Para “reequilibrar o jogo”, a Oxfam identifica uma série de medidas específicas que, acrescentamos, não poderão ser alcançadas com base em alguma milagrosa fulguração de bondade da parte de quem hoje dirige o jogo, mas apenas à medida que as relações de força e de poder entre as minorias ricas e as maiorias pobres se inverterem. O mérito do relatório é demonstrar implicitamente que a batalha deve ser combatida em cada lugar de trabalho e em cada país, mas, para ser vencida, deve incluir um pensamento e uma ação global de todas as vítimas da desigualdade e de todos os seus aliados de boa vontade. Se a economia e a riqueza do mundo são globalizadas, a resposta para redistribuir deve ter a mesma escala. O nacionalismo é uma ferramenta arcaica. O que hoje precisamos é de um novo internacionalismo.
*Reportagem publicada originalmente na edição 825 de CartaCapital, com o título "Desiguais até na crise"
http://www.cartacapital.com.br/revista/825/desiguais-ate-na-crise-6331.html

11.14.2014

O Brasil das Desigualdades

A ampliação das atividades do Estado contraria os chavões que pregam a sua ineficiência e permite enfrentar a desigualdade no país.
por Marcio Pochmann - sociedade e emprego
EVELSON DE FREITAS/FOLHAPRESS
papel do estado novembro 14Participação do Estado é essencial no estímulo ao crescimento do emprego no país. O reposicionamento do Estado foi fundamental para o estabelecimento da nova trajetória do desenvolvimento brasileiro desde o ano de 2003. Se comparado ao Estado que vigia no regime militar (1964-1985) ou durante a experiência neoliberal dos anos de 1990, podem ser constatadas mudanças consideráveis.
Inicialmente pela queda relativa no peso do emprego público no total da ocupação, de 12,2% na década de 1980 para 11,3% nos anos 2000. A diminuição da participação dos servidores públicos no total da ocupação nacional se deu paralelamente à elevação do conjunto do gasto do setor público (descontado o pagamento com juros da dívida pública), de 22,8% para 30,2% do Produto Interno Bruto (PIB), no mesmo período de tempo.
A ampliação do peso relativo do Estado no gasto total com a diminuição da participação do emprego público não resultou na piora do desempenho da administração do setor público. Pelo contrário, observa-se uma melhora geral nos anos 2000 acompanhada tanto pela ampliação no número de beneficiários dos programas de garantia de renda como da previdência e assistência social.
Entre os anos de 1980 e 2000, por exemplo, a parcela dos beneficiários atendidos pelos programas sociais passou de 6,5% para 33,1% do conjunto da população. Resumidamente, constata-se a ampliação em 5,1 vezes no contingente beneficiado pelos programas de transferência sociais, enquanto a somatória dos recursos públicos comprometidos com as políticas sociais relacionadas ao PIB foi duplicada. No mesmo sentido, registra-se também que na década de 2000 a quantidade de recursos públicos comprometidos com as transferências sociais alcançou 15,3% do PIB. Nos anos 1980, os gastos sociais representavam 7,3% do PIB.
Além dos programas sociais, pode-se destacar os avanços em atividades como educação e saúde públicas. Durante a década de 1980, havia cerca de 22 milhões de matrículas no ensino básico no Brasil, o que significou apenas três quintos do que passou a existir nos anos 2000, posto que o setor público responde por mais de 80% da oferta educacional do país. Na saúde, a função estratégica do Sistema Único de Saúde, que apresenta dimensões significativas de atendimento quantitativo e qualitativo. A incorporação de praticamente a totalidade da população é, por si só, algo jamais registrado em todo o país, ademais da diversidade de especializações no atendimento populacional.
De tudo isso, percebe-se, de imediato, que a ladainha neoliberal, que prega a ineficiência do Estado, se apresenta cada vez mais enfraquecida. Por um lado, a ampliação das atividades do Estado permitiu enfrentar a desigualdade no país, bem como a elevação do padrão de vida do conjunto da população, especialmente dos segmentos de menor rendimento.
Por outro lado, observa-se um avanço da produtividade no setor público brasileiro. Na década de 2000, verifica-se a elevação nos ganhos de produtividade frente a ampliação das funções do Estado e do gasto público paralelamente ao decréscimo relativo da quantidade de funcionários público. Para a segunda década do século 21, torna-se importante considerar novas demandas que surgem em função da transição do país para uma sociedade de serviços. Recorda-se que parcela significativa das reivindicações da sociedade em junho de 2013 localizou-se no tema dos serviços (educação, saúde, transportes, entre outros), o que exige uma reformulação do Estado em busca da matricialidade e interdisciplinaridade das funções e orçamento público.
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/101/marcio-pochamann-o-novo-papel-do-estado-6180.html

A fábula petista

  Por Frei Betto - do Rio de Janeiro - sociedade e poder

"Com o tempo, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto da cigarra. O projeto de Brasil deu lugar ao de poder."
Rep/Web
A disputa presidencial se resumiu em um verbo predominante na campanha: desconstruir. Em 12 anos de governo, o PT construiu, sim, um Brasil melhor, com índices sociais “nunca vistos antes na história deste país”. Porém, como partido, houve progressiva desconstrução.
A história do PT tem seu resumo emblemático na fábula “A cigarra e a formiga”, de Ésopo, popularizada por La Fontaine. Nas décadas de 80 e 90, o partido se fortaleceu com filiados e militantes trabalhando como formigas na base social, obtendo expressiva capilaridade nacional graças às Comunidades Eclesiais de Base, ao sindicalismo, aos movimentos sociais, respaldados por remanescentes da esquerda antiditadura e intelectuais renomados.
No fundo dos quintais, havia núcleos de base. Incutia-se na militância formação política, princípios ideológicos e metas programáticas. O PT se destacava como o partido da ética, dos pobres e da opção pelo socialismo.
À medida que alcançou funções de poder, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto presunçoso da cigarra. O projeto de Brasil cedeu lugar ao projeto de poder. O caixa do partido, antes abastecido por militantes, “profissionalizou-se”. Os núcleos de base desapareceram. E os princípios éticos foram maculados pela minoria de líderes envolvidos em maracutaias.
Agora, a cigarra está assustada. Seu canto já não é afinado nem ecoa com tanta credibilidade. Decresceu o número de sua bancada no Congresso Nacional. A proximidade do inverno é uma ameaça.
Mas onde está a formiga com suas provisões? Em 12 anos, os êxitos de políticas sociais e diplomacia independente não foram consolidados pela proposta originária do PT: “Organizar a classe trabalhadora” e os excluídos.
Os avanços socioeconômicos coincidiram com o retrocesso político. Em 12 anos de governo, o PT despolitizou a nação. Preferiu assegurar governabilidade com alianças partidárias, muitas delas espúrias, em vez de estreitar laços com seu esteio de origem, os movimentos sociais.
Tomara que Dilma cumpra sua promessa de campanha de avançar nesse quesito, sobretudo no que diz respeito ao diálogo permanente com a juventude, os sem-terra e os sem-teto, os povos indígenas e os quilombolas.
O PT até agora robusteceu o mercado financeiro e deu passos tímidos na reforma agrária. Agradou as empreiteiras e pouco fez pelos atingidos por barragens. Respaldou o agronegócio e aprovou um Código Florestal aplaudido por quem desmata e agride o meio ambiente.
É injusto e ingênuo pôr a culpa da apertada e sofrida vitória do PT nas eleições de 2014 no desempenho de Dilma.
Se o PT pretende se refundar, terá que abandonar a postura altiva de cigarra e voltar a pisar no chão duro do povo brasileiro, esse imenso formigueiro que, hoje, tem mais acesso a bens materiais, como carro e telefone celular, mas nem tanto a bens espirituais: consciência crítica, organização política e compromisso com a conquista de “outros mundos possíveis”.
Frei Betto, é assessor de movimentos sociais e escritor.
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/a-fabula-petista/739685/

11.12.2014

Por que o pensar é proibido?


A vida prega peças e faz pensar em enigmas.

Antes de haver os seres humanos, estudos e pesquisas mostram que existia sim vida na terra.

Ainda bem que existe o pensar para o bem. A cada dia se descobre alguma coisinha que não se sabia. Para entender isso, é só olhar para os que ainda sabem pensar, refletir, contemplar.

Por que o normal é agir e fazer o mais fácil?  Só se olha para o mais fácil, o que está perto. O mais fácil impede que se olhe um pouco mais além. Talvez por isso é que tem o pensamento popular que diz: "quem tem olho é rei", ou seja, poucos conseguem olhar um pouco mais longe, outros conseguem e não se percebe que olharam ou estão olhando.

Bem, mas voltando a vida na terra, pesquisas descobriram que o homem vivia nas árvores, meio parecido com os macacos, é o resultado de estudos longos, refletidos por várias/os em alguns recantos remotos da terra. É isso mesmo. Depois de tanto tempo que se anda sobre os dois pés, e que, como dizem os que pensam, descemos das árvores, perdemos a memória quanto a este estilo de viver.
Dando um grande salto no tempo até os dias de hoje, se percebeu ter ocorrido uma massificação nas cidades. Então, pelo jeito que se vive, fica muito difícil entender que o ser humano desceu de uma árvore, e o pior, acreditar nisso ou aceitar isso de bom grado, e surgem as dúvidas...a impressão que fica é que pensavamos melhor quando estavamos em cima das árvores.

Na cidade, o ser humano virou rebanho. É um tanto forte esta expressão, porém é isso mesmo, tribos altamente especializadas com tecnologia e conforto, outros e outras lutando para sobreviver, ou seja, isto é rebanho dito de forma breve e com poucas explicações.

Bem, mas ... porque rebanho? É que rebanho é dominado, marcado semelhante ao que se marca o gado, um tanto grosseiro, mas é uma forma fácil de ser direto. Cada um é controlado na sociedade moderna. Cada um tem uma certidão de nascimento, carteira de identidade, cpf, passaporte (opa, isso é mais sofisticado), conta no banco. Todos são "obrigados?" a estudarem em escola pública ou particular, só assim é possível a sociedade monitorar as pessoas.

Outro dia, alguém comentou que o horário de verão foi criado para economizar energia elétrica. E todo mundo acredita nisso, pois somos facilmente convencidos. Outros dizem que o horário de verão serve para o governo federal mostre para a população que é o "manda chuva", que é o "chapa branca", o chefe. Muitos acreditam nisso.

Mas se alguém conseguir pensar um pouco, vai entender que, com o horário de verão o dia fica mais longo. A maioria ganha mais dinheiro? Será que é a maioria? É uma teoria, uma tese.

Mas como vivemos em uma sociedade capitalista, onde poucos tem muito capital ou dinheiro e a sociedade é monitorada, alguém descobriu que esses capitalistas ou que tem grandes fortunas, ganham muito mais dinheiro, comparando com aqueles que tem pouco. Logo, com o horário de verão ganharão bem mais dinheiro. Está provado de forma científica.

Mas, é difícil se acreditar nisso, pois não temos tanto capital, dinheiro. E não se gosta de pensar, refletir sobre estas coisas. Podemos até ser mini ou micro capitalistas, mas temos algum dinheiro, ou bem pouco, comparado aos grandes capitalistas, que ganham horrrores.

E assim os dias vão passando, tocando a vida sem pensar, nem refletir. Até parece que fica mais fácil os outros pensarem por nós, principalmente os políticos.

Seguimos cantando, trabalhando, comendo e bebendo ... de preferência sem pensar ... e vivendo no meio do rebanho ...

11.07.2014

Brasil e a grande divisão de classes

7/11/2014 11:44
Por Boaventura de Sousa Santos - de Lisboa

O Brasil é hoje o exemplo internacionalmente mais importante e consolidado da possibilidade de regular o capitalismo para garantir um mínimo de justiça social.
Rep/WebAs eleições do Brasil suscitaram as atenções da comunicação social mundial. Em grande medida, fez uma cobertura hostil da candidata Dilma Rousseff, no que foi zelosamente acompanhada pela “grande mídia” brasileira. O paroxismo do ódio anti-petista levou uma revista de grande circulação, a Veja, a enveredar por uma via provavelmente criminosa. O New York Times em nenhuma ocasião se referiu à candidata do PT sem o epíteto de ex-guerrilheira. Com a mesma inconsistência de sempre, não ocorreria a este periódico, ou a tantos outros que seguem a sua linha, referir-se à ex-comunista Ângela Merkel ou o ex-maoísta  Durão Barroso, ou  mesmo ao comunista Xi Jinping, Presidente da China. Os interesses que sustentam esta imprensa corporativa esperavam e queriam que saísse derrotada a candidata do PT. O terrorismo econômico das agências de rating, do The Economist e Financial Times, da bolsa de valores procurou condicionar os eleitores brasileiros e assumiu uma virulência surpreendente, tendo em vista a moderação do nacionalismo desenvolvimentista brasileiro e o fato evidente de serem sobretudo fatores mundiais (leia-se, China) os que afetam o ritmo de crescimento de países como o Brasil.
Por que tanta e tão desesperada hostilidade?
Os fatores externos
Há razões externas e internas que só parcialmente se sobrepõem. Daí a necessidade de as analisar em separado. As razões externas são bem mais profundas que o mero apetite do capital internacional pelas grandes privatizações do pré-sal e da Petrobras ou que a violência do resposta do capital financeiro perante qualquer limite à sua voracidade, por mais moderado que seja. O Brasil é hoje o exemplo internacionalmente mais  importante e consolidado da possibilidade de regular o capitalismo para garantir um mínimo de justiça social e impedir que a democracia seja totalmente capturada pelos donos do capital, como acontece hoje nos EUA e está acontecer um pouco por todo o lado. E o Brasil não está sozinho. É apenas o país mais importante de um continente onde muitos outros países – Venezuela, Argentina, Chile, Bolívia, Equador, Uruguai – procuram soluções com a mesma orientação política geral, embora divergindo na dose de nacionalismo ou de populismo (tal como Ernesto Laclau, não condeno em bloco nem um nem outro). Para mais, estes países têm procurado construir formas de solidariedade regional que não passa pela bênção norte-americana, ao contrário do que acontecia antes.
Qual é o significado global desta rebeldia? Ela configura uma nova guerra fria, uma guerra fria já não entre o capitalismo e o socialismo, mas entre o capitalismo neoliberal global, sem vestígio nacionalista ou popular, e o capitalismo com alguma dimensão nacional e popular, o capitalismo social-democrático ou social-democracia capitalista. Este último capitalismo pode assumir muitas formas e pode vir a estar presente tanto na Rússia como na China, na Índia ou na África do Sul, ou seja, nos chamados BRICS. O fim da guerra fria histórica não foi apenas o fim do socialismo em sua versão histórica; foi também o fim da social-democracia europeia, a única então existente, pois a partir de então o capitalismo sentiu-se desobrigado de sacrificar os seus lucros imediatos para garantir a paz social sempre ameaçada pela existência de uma alternativa potencialmente mais justa. Nesse momento, terminou o capitalismo do breve século XX e procurou-se reconstruir o Eldorado, mais mítico do que real, da acumulação do século XIX. Foi então solenemente declarado o fim da história e a ausência de alternativa ao capitalismo neoliberal.
Foi assim que a guerra fria desarmou a social-democracia europeia. Mas, contraditoriamente, tornou possível a emergência da social-democracia latino-americana. Não esqueçamos que a América Latina foi uma das grandes vítimas da guerra fria histórica. Durante este período, o capitalismo só fazia concessões socias-democráticas na Europa, pois a tanto obrigava a tragédia de duas grandes guerras. Fora da Europa, as zonas de influência do capitalismo eram tratadas com a máxima violência para liquidar qualquer possibilidade de alternativa. Essa violência envolvia guerra financeira, ajustamento estrutural, desestabilização social e politica, intervenção militar. Em África, todos os países que tentaram uma solução socialista foram postos na ordem, do Gana, à Tanzânia e a Moçambique. Na América Latina, no quintal do Império, Cuba tinha sido uma distração imperdoável. A resposta foi pronta. Como dizia pouco tempo depois da revolução cubana o enviado de Fidel Castro a vários países da América Latina, Regis Debray, os EUA tinham aprendido mais rapidamente a lição de Cuba do que a esquerda latino-americana. Também aqui os mecanismos de intervenção foram vários, uns menos violentos que outros, da Aliança para o Progresso às ditaduras brasileira, chilena e argentina.
A ousadia da América Latina dos últimos quinze anos consistiu em construir uma nova guerra fria, aproveitando, tal como a anterior guerra fria, um momento de fraqueza do capitalismo hegemônico. Armadilhado desde os anos noventa do século passado no Oriente Médio para saciar o insaciável complexo industrial militar e a sua avidez de petróleo, o Império deixou que avançassem no seu quintal formas de nacionalismo e de populismo que, ao contrário dos anteriores, já não visavam as exíguas classes médias urbanas, mas a grande massa dos excluídos e marginalizados. Tinham, pois, uma forte vocação de inclusão social.
Esta emergência foi também possível graças a uma descoberta copernicana feita por um grande líder mundial chamado Lula da Silva. Essa descoberta, simples como todas as descobertas genuínas, consistiu em ver que o ímpeto democratizante que vinha desde a luta contra a ditadura tinha preparado a sociedade brasileira para uma opção moderada pelos pobres, como ele próprio em suas origens. Tratava-se de uma opção que a Igreja Católica tinha assumido durante um tempo e depois covardemente abandonado. Não se tratava de socialismo, mas tão só de um capitalismo sujeito a algum controle político com o objetivo de realizar políticas de Estado relativamente desvinculadas dos interesses diretos e imediatos da acumulação capitalista. Esta descoberta mudou a natureza da hegemonia no Brasil e tornou-se rapidamente hegemônica no continente. Digo hegemônica porque os próprios adversários tiveram de usar os seus termos para a boicotar e porque a sua vocação inclusiva se expandiu rapidamente para outras áreas, nomeadamente para área de inclusão étnico-racial. A sociedade brasileira tornava-se mais inclusiva no preciso momento em que se reconhecia, não só como sociedade injusta, mas também como sociedade racista, e se dispunha a minimizar tanto a injustiça social como a injustiça histórica, étnico-racial.
O fato de esta descoberta não ter ficado confinada ao Brasil e ter se alastrado a outros países, cada um com os seus traços específicos próprios das suas trajetórias históricas, combinado com o fato de em outros continentes, por outras vias, terem surgido formas convergentes de rebeldia ao capitalismo neoliberal supostamente sem alternativa, deu origem à nova guerra fria. Esta sofreria um golpe forte se o país que mais avançou neste domínio decidisse voltar ao redil neoliberal e comportar-se como um bom rebanho, tal como está a acontecer na Europa que resistira ainda durante algum tempo ao destino que a queda do Muro de Berlim lhe tinha ditado.
Daí o enorme investimento feito na derrota da Presidente Dilma. Afinal, a descoberta brasileira revelou uma vitalidade que, se calhar, nem os seus protagonistas esperavam. Mas obviamente não se espere que o capitalismo neoliberal global desista. Sente-se suficientemente forte para não ter de conviver com o status quo europeu anterior à queda do Muro. Recorrerá, pois, ao boicote sistemático da alternativa, por mais moderada e incompleta que seja. Talvez não envolva as formas mais violentas que no passado envolveram a intervenções de “mudança de regime” em países grandes da América Latina e hoje se limita a países pequenos como o Haiti (2004), as Honduras (2009), ou o Paraguai (2012).
Serão ações de desestabilização social e política, aproveitando o descontentamento popular, financiando  ONGs com posições “amigas”, fornecendo consultoria técnica no controle de protestos e desta forma obtendo informações cruciais. Esta intervenção vai ser mais evidente em países como a Venezuela e Argentina dada a urgência em pôr fim ao anti-imperialismo chavista ou peronista. Mas em todos os países com governos de centro-esquerda esperam-se ações de desestabilização interna.
Os fatores internos
Como referi, a sobreposição entre os fatores externos e internos existe ainda que não seja total. A agressividade da “grande mídia”, o desespero que levou alguns deles a cometer atos provavelmente criminosos assenta no interesse da grande burguesia em recuperar o pleno controle da economia e realizar os lucros extraordinários das privatizações por fazer. Nessa medida, não é mais que o braço brasileiro de uma burguesia transnacional sob a égide do capital financeiro. Não tendo podido derrotar a candidata do PT,  vai continuar a pressionar abertamente (e a ser provavelmente atendido) pela composição de uma equipe econômica instalada no coração do governo que satisfaça os  “imperativos dos mercados”.
Este braço brasileiro do capital transnacional arrastou consigo setores importantes da classe média tradicional e até da nova classe média que é um produto das políticas de inclusão dos governos do PT. E também estes setores assumiram o discurso da agressividade que transforma o adversário no inimigo. E esse discurso não se explica apenas por razões de classe. Há fatores que são específicos de uma sociedade que foi gerada no colonialismo e na escravatura. São funcionais à dominação capitalista, mas operam por marcadores sociais, formas de subjetividade e de sociabilidade que pouco têm a ver com a ética do capitalista weberiano. Trata-se da linha abissal que divide o pobre do rico e que, por estar longe de ser apenas uma separação econômica, não pode ser superada por medidas econômicas compensatórias. Pode, ao contrário, ser acirrada por elas. Na ótica dos marcadores sociais colonialistas, o pobre é uma forma de sub-humanidade, uma forma degradada de ser que combina cinco formas de degradação: ser ignorante, ser inferior, ser atrasado, ser vernáculo ou folclórico, ser preguiçoso ou improdutivo. O sinal comum a todas elas é o pobre não ter a mesma cor que o rico. Estamos, pois, a falar de colonialismo inscrito nas relações sociais que se desdobra muitas vezes em colonialismo nas relações entre regiões (sul versus norte), a forma mais conhecida de colonialismo interno (do norte da Itália em relação ao sul; do sul do Brasil em relação ao norte).
Nos termos deste colonialismo da sociabilidade, as condições naturais de inferioridade podem suscitar o que de mais nobre há nos seres superiores, mas sempre sob a condição de os inferiores em caso algum pretenderem ser iguais aos superiores. Essa subversão seria mais impensável e mais destrutiva que a subversão comunista. Claro que os seres inferiores podem acreditar no princípio da igualdade que ouvem da boca dos superiores (nunca do seu coração) e lutarem pela igualdade. Faz-lhes bem se lutarem sozinhos porque isso os torna mais civilizados, e faz bem à sociedade porque obviamente nunca conseguirão os seus objetivos e acabarão por reconhecer o carácter natural da desigualdade. O fato de o poder político da época Lula ter identificado essa linha abissal e ter tentado superá-la mediante políticas compensatórias e anti-discriminação racial que ajudam os inferiores a abandonarem a sua condição de inferioridade é um insulto à nação bem pensante e um desperdício criminoso de recursos. No caso concreto, teve ainda uma outra consequência, o encarecimento inoportuno do serviço doméstico que, na forma como está organizado no Brasil, é uma herança direta do mundo da Casa Grande e Senzala. É bom ter em conta que o ideário colonialista não é monopólio das classes dominantes e suas aliadas. Habita as mentes dos que mais sofrem as consequências dele. E habita sobretudo as mentes dos que foram ajudados a deixarem o seu estatuto de inferioridade, mas ativa e rapidamente se esquecem da ajuda para pensarem tão bem como pensa a sociedade bem pensante, a sociedade do lado de cá da linha abissal em que acabam de se integrar. Refiro-me a setores da chamada nova classe média.
A melhor resposta
As razões acima referidas não pretendem explicar as diferenças que se jogaram na disputa eleitoral. Pretendem apenas explicar a agressividade desta. Uma vez ganhas as eleições, o governo tem de se centrar nas diferenças sem se esquecer da agressividade. Não é fácil definir a melhor resposta, mas é fácil prever qual será a pior. A pior resposta será pensar que, como a vitória foi magra, o PT apenas conseguiu adiar por quatro anos a ida para a oposição e que, sendo assim, não merece a pena o esforço de mudar as políticas que se seguiram até agora e até talvez seja bom baixar o nível de confrontação com a direita. Esta será a pior resposta porque, com ela, o PT não só terá adiado por quatro anos a ida para a oposição como levará talvez muitos mais para sair dela.
Vejamos, pois, as possíveis linhas de uma resposta que não adie derrotas, mas antes consolide a hegemonia da sociedade mais inclusiva e diversa e obrigue a direita a mudar os temas e os termos da disputa eleitoral em anos futuros e em função dessa nova sociedade.
Políticas sociais
A vitória foi conseguida pelos pobres que pela primeira vez sentiram apoio para saltar a linha abissal e pela militância aguerrida dos que se solidarizaram com eles depois de terem visto a linha abissal e não terem gostado do que viram. A primeira linha consiste em não frustrar as expectativas dos que lutaram pela vitória da candidata Dilma Rousseff. Ao contrário do que pensaram alguns analistas petistas em pânico, as manifestações de junho do ano passado não foram um caldo de cultura da direita. Na frente da luta por Dilma, estiveram alguns movimentos que protagonizaram as manifestações. Isto mostra que o descontentamento foi real ainda que, por vezes, a sua intensidade tenha sido manipulada. E também mostra que o benefício da dúvida dado ao governo do PT pelos manifestantes de ontem e apoiantes de hoje não voltará a ser dado. A expectativa é agora mais forte do que nunca. Se não for atendida, sobretudo nas áreas da educação, da saúde da qualidade de vida urbana, do meio ambiente, da economia camponesa e da demarcação de terras indígenas, a frustração será irreversível e mais corrosiva.
A reforma politica
A reforma política é objetivo mais reclamado pelas forças progressistas e o mais bloqueado por um Congresso que, graças à patologia da representação gerada pelo atual sistema, não é o espelho da diversidade social, política e cultural do país. Quase 8 milhões de brasileiros e brasileiras exigiram em plebiscito popular a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva. Em situações tão distintas quanto o Equador e a Colômbia, foi essa a solução encontrada para desbloquear um impasse institucional semelhante ao que ameaça o Brasil. É muito importante acabar com o financiamento corporativo dos partidos ou aplicar efetivamente o princípio consagrado pela “lei da ficha limpa”. Mas não basta. Todo o sistema de governabilidade tem de ser mudado. Como se pode explicar que dois dos partidos que apoiaram a candidata Dilma Rousseff tenham podido ser os opositores mais acirrados do candidato a governador Tarso Genro cuja proposta de governo representava o que há de mais genuíno no horizonte petista? Sem uma profunda reforma política, não haverá uma reforma tributária e, sem esta, o Brasil continuará a ser um país injusto apesar de todas as políticas de inclusão.
A participação popular
Dado o bloqueio institucional que se avizinha, os movimentos sociais terão provavelmente de voltar à rua e fazer pressão política para que o governo Dilma se sinta apoiado nas reformas que pretende realizar. Será este o terceiro turno da Presidente Dilma. Mas para ele ser levado a cabo com êxito, são necessárias duas aprendizagens recíprocas, ambas cruciais. Os movimentos populares têm de aprender a não se deixarem manipular pela “grande mídia”, interessada em radicalizar as suas demandas desde que estas se circunscrevam ao governo e não incluam o sistema econômico e financeiro, este último, um dos mais predadores do mundo em sociedades democráticas. E têm igualmente de aprender a detectar e denunciar agitadores profissionais infiltrados no seu meio, uma realidade com que certamente há que contar dado o contexto internacional que referi acima. Por sua vez, a Presidente Dilma tem de aprender a falar com quem não fala a linguagem tecnocrática. Tem de superar a chocante distância que manteve em relação aos movimentos sociais no seu primeiro mandato. Tem de saber lidar com o fato de que a participação popular vai oscilar entre duas formas, a participação institucional e a participação extra-institucional (nas ruas e praças) e tem de ter a lucidez de saber que a segunda forma será tanto mais forte quanto mais fraca e partidarizada for a primeira.
Justiça e terras indígenas e quilombolas. O sistema judicial tem uma missão democrática a cumprir em que não cabe ao governo interferir. Mas o governo pode criar condições que facilitem ou, pelo contrário, obstaculizem essa missão. A Presidente granjeou a credibilidade necessária para assumir a sua cota parte de responsabilidade na luta contra a corrupção. Mas têm também de assumir a defesa da lei quando esta favorece setores historicamente marginalizados e excluídos, como sejam os povos indígenas, afrodescendentes e os camponeses, em geral. Manter  o atual Ministro da Justiça será um ato de frontal hostilidade aos povos indígenas cujas terras dependem de assinaturas que o Ministro tem postergado ostensivamente.
Uma política da mídia.
A direita nunca é grata aos governos que não saem da sua base socio-econômica, por mais favores que lhe façam. Ao contrário de outros governos progressistas do continente, o governo popular brasileiro não quis lutar por uma nova normativa de comunicação social que impedisse a “grande mídia” de ser o grande eleitor da direita. Se o governo esperava que essa atitude benevolente fosse interpretada como um ramo de oliveira estendido a eles para auspiciar uma convivência civilizada, estava redondamente enganado como bem mostrou a campanha eleitoral. O caso do Rio Grande do Sul é talvez um dos mais agudos deste estado de coisas que transforma a mídia corporativa nos grandes eleitores da direita. Há, pois, que avançar com tanta determinação quanto moderação nesse domínio. O apoio aos meios comunitários e alternativos será um bom começo.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/brasil-a-grande-divisao/738764/