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11.07.2016

Papa disse: é vergonhoso salvar bancos e não pessoas

Papa: para os bancos há dinheiro. Para os pobres, não!

por Rádio Vaticano, para site Conversa Afiada - Sociedade e Movimentos Populares no Mundo (fonte no final)

Foto: Rádio Vaticano
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Na tarde de sábado dia 5 de novembro o Papa Francisco encontrou-se no Vaticano, na Sala Paulo VI com cerca de 5 mil membros dos Movimentos Populares que vieram a Roma para o seu 3º Encontro Mundial subordinado ao tema “Trabalho, Teto, Terra”.

O dinheiro governa
“Terra, casa e trabalho para todos”, o Padre Bergoglio fez seu o grito dos Movimentos Populares que exprime um real sentimento de sede de justiça. Francisco recordou o encontro que aconteceu na Bolívia em 2015 e louvou o caminho percorrido até agora no diálogo entre “milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça no mundo”.

Mas, a justiça está ameaçada pelas desigualdades da violência económica, social, cultural e militar que provocam cada vez mais violência, pois é “o dinheiro” que governa – afirmou o Papa que considerou ser terrorista um sistema que “expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher”.

Neste momento da sua intervenção Francisco recordou que Pio XI na Carta Encíclica Quadrasegimo anno, de 15 de maio de 1931 previa a afirmação de uma ditadura económica global à qual chamou de “imperialismo internacional do dinheiro”. Por sua vez, o Papa Paulo VI denunciou há quase cinquenta anos na Carta Encíclica Octogesima adveniens, de 14 de maio de 1971, a “nova forma abusiva de domínio económico no plano social, cultural e também político”.

“São palavras duras mas justas dos meus predecessores que perscrutaram o futuro” – disse o Papa – “a Igreja e os profetas dizem, há milénios, aquilo que tanto escandaliza, que repete o Papa neste tempo em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério dos meus predecessores rebela-se contra o ídolo do dinheiro que reina, ao invés de servir tiraniza e aterroriza a humanidade” – afirmou o Santo Padre.

Desenvolvimento Humano Integral
O Papa referiu, assim, que está a ser alimentado o medo que para além de ser “um bom negócio para os mercadores das armas e da morte, enfraquece-nos, desestabiliza-nos, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais” – disse Francisco recordando que “quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo” Mas “a misericórdia é o melhor antídoto contra a medo” – declarou.

O Papa Francisco observou neste momento do seu discurso a viabilidade de um “projeto-ponte dos povos perante o projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral” – sublinhou o Santo Padre recordando o recém-criado dicastério para o Desenvolvimento Humano integral. “O contrário do desenvolvimento, poderia dizer-se, é a atrofia, a paralisia” – assinalou.

“Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas ‘próteses’ cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento económico, progressos tecnológicos, maior ‘eficiência’ para produzir coisas que se compra, são usadas e atiradas fora, envolvendo-nos a todos numa vertiginosa dinâmica do descarte” – declarou o Papa que afirmou que o desenvolvimento do qual temos necessidade deve ser “humano, integral, respeitoso da criação”.

A bancarrota da humanidade
Um ponto importante referido por Bergoglio foi “o drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados” que o Papa descreveu com uma palavra: “vergonha”. O Padre recordou a sua ida a Lampedusa e à ilha de Lesbos na Grécia onde, nesta última, teve a oportunidade de “ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas da sua terra por motivos económicos ou violências de todo o tipo, multidões exiladas”, que, segundo Francisco acontece “por causa de um sistema socioeconómico injusto” e por causa das “guerras”.

O Papa vê-se nos “olhos das crianças” nos campos de refugiados a “bancarrota da humanidade” pela qual se faz pouco para salvar, mas se for a bancarrota de um banco imediatamente se procura salvar – disse Bergoglio:

“O que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo, mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo transformou-se num cemitério e não somente o Mediterrâneo… tantos cemitérios próximos dos muros, muros manchados de sangue inocente.”

Formatação
O Papa falou de seguida de “formatação” e “corrupção”. Desde logo, deixou claro que há o perigo de os povos se deixarem formatar pelas ‘políticas sociais’ que são toleradas e que passam pelas microempresas, pelas cooperativas, pelos projetos assistenciais.

Contudo, segundo o Padre, é partindo do bairro, da localidade, da organização do trabalho comunitário que é possível discutir a “política com maiúscula”, indicando “ao poder um planeamento mais integral”. Mas, essa forma de intervenção – disse Francisco – não é tolerada porque, dessa forma, estariam a sair do formato “que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas” – observou.

“Assim a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa de fora o povo na sua luta quotidiana pela dignidade, na construção do seu destino” – afirmou o Papa.

Corrupção
O Padre alertou também para a corrupção que não é apenas “uma questão de políticos, a corrupção não é um vício exclusivo da política” – sublinhou – pois ela existe também nas empresas, nos meios de comunicação social, nas Igrejas e também nas organizações socias e nos movimentos populares.

“… é necessário viver a vocação de servir com um forte sentido de austeridade e humildade. Isto vale para os políticos, mas vale também para os dirigentes sociais e para nós pastores” – disse o Papa que, de imediato, esclareceu que ao afirmar a palavra austeridade refere-se à austeridade moral e humana e não àquela apontada pelas “ciências do mercado” e que significa ajuste. “Não é a isso que eu me refiro” – afirmou.

Vida de serviço e amor
No final do seu discurso o Papa Francisco exortou os Movimentos Populares a continuarem a “combater o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles que sofrem”.

“Contra o terror, o melhor remédio é o amor. O amor cura tudo” – afirmou o Padre que recomendou a leitura da sua Exortação Apostólica ‘A alegria do amor’, recordando ser este um documento não apenas “sobre o amor em cada família, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade”.
http://www.conversaafiada.com.br/economia/papa-para-os-bancos-ha-dinheiro-para-os-pobres-nao

As Fronteiras Entre o Ser e a Arte, em a Caverna, de José Saramago

·         Os problemas apontados por Saramago mostram que o ser humano não percebe o real ao seu redor

Por Felipe Matula para site Obvius - Sociedade e Literatura Inclusiva (fonte no final)

Saramago foi um dos últimos autores a colocar o dedo na ferida de uma sociedade doente e manipulada. Em “A Caverna”, percebe-se uma crítica que vai além da alegoria do mito da caverna de Platão. A massificação da arte, por exemplo, é um aspecto abordado pelo autor português, que nos alertou a partir do personagem Cipriano Algor, um oleiro, que até mesmo o artesanato está sendo substituído por máquinas. Por que deixamos de valorizar um trabalho singular e consumimos cada vez mais produtos comuns e sem valor humano?

Quando foi a última vez que você comprou um produto feito a mão? Não me refiro a uma peça de arte cara adquirida em alguma galeria, mas sim um artesanato feito por um artesão de rua.
A arte nos dias atuais vem perdendo cada vez mais espaço e vem cada vez menos sendo valorizada, não somente no artesanato, como também na literatura e no cinema.
Em “A Caverna”, do autor português José Saramago, temos como personagem principal um oleiro chamado Cipriano Algor. Ele é a representação da arte que vem sendo substituída por máquinas no mundo atual.
O enredo do romance é bastante simples: Cipriano Algor é oleiro, pai de Marta Algor que é casada com Marçal Gacho. Os três moram em uma pequena casa no interior, longe do centro comercial. A rotina do oleiro Cipriano é levar de carro Marçal (que trabalha no centro) ao centro comercial, voltar para a sua casa no interior e trabalhar na olaria, junto com a sua filha Marta. Quando Marçal tem folga do trabalho, Cipriano volta ao centro comercial para buscar o genro. A rotina da vida das personagens é modificada, a partir do momento que o centro comercial para de encomendar os objetos de cerâmica produzidos pela família e Marta fica grávida de Marçal. José Saramago mostra principalmente a visão de Cipriano Algor, pai de Marta, a respeito da falta de interesse do centro comercial em seus produtos de cerâmica e a única alternativa para continuar a ter um lar: viver com a filha e com o genro no centro comercial. Uma das soluções encontradas pela família para o sustento é a produção de outro tipo de objetos de cerâmica: bonecos. Talvez, esse seja um dos elementos utilizados por Saramago para destacar um dos aspectos que tornam a arte cada vez mais desvalorizada. A partir da criação de centenas de bonecos, José Saramago nos mostra defeitos, rachaduras e pedaços que faltam em muitos deles, que podem servir como uma metáfora de nós mesmos, já que quando um boneco apresenta algum tipo de defeito, ele é logo substituído por outro em perfeitas condições, assim como nós somos substituídos pelas máquinas. Além disso, acompanhamos a trajetória de um homem que vivia da arte e é forçado a se mudar para um centro comercial. Existe derrota maior do que essa para um artista?
a-caverna-jose-saramago-2.jpgA arte é arte por ser única, quando feita por uma máquina ela deixa de ser arte. No universo Saramaguiano, as pessoas consomem arte produzida por máquinas. Todavia, se pensarmos bem, nós também não consumimos? Quase tudo o que consumimos e é considerado arte é massificado, desde as músicas que escutamos até mesmo o que iremos assistir na tevê ou no cinema. E nós continuamos a viver as nossas vidas sem nos preocuparmos muito com isso, afinal, em nossas cabeças se lemos algum livro ou assistimos a algum filme no cinema, já nos consideramos mais “culturais”. Mas é preciso ir além, é necessário discutir e questionar o que nos é oferecido como arte nos dias atuais.
Os problemas apontados por Saramago mostram que o ser humano não percebe o real ao seu redor. Como perceber então o que realmente tem valor artístico? Isso ocorre não somente pelas inúmeras imagens que o homem é submetido diariamente nas ruas, na televisão ou na internet, como também pela alienação do ser que o afasta daquilo que é real. No mito da caverna, Platão aponta para a criação de uma alegoria moderna a respeito das indagações do ser humano enquanto elemento transformador da sociedade e dele próprio. A alegoria proposta por Saramago sugere e possibilita diversas formas de se pensar na problemática do simulacro (imagens que inventam a realidade a partir de uma realidade inexistente) na vida e na arte.
a-caverna-jose-saramago-3.jpgTrês obras são importantes para que possamos compreender melhor a massificação da arte: A Obra de Arte na Época da Reprodutibilidade Técnica, de Walter Benjamim (1936), e Perda da Aura, de Charles Baudelaire (1868) e A Arte no Século XXI – A Humanização das Tecnologias (2003), de Diana Domingues. Na primeira, Benjamim elaborou uma longa teoria a respeito da mudança de perspectiva sobre a reprodução artística com o advento das máquinas. O segundo é um poema irônico, escrito em prosa por Baudelaire, a respeito da perda da aura criativa do homem na criação artística. Tanto a Arte na Época da Reprodutibilidade Técnica, de Walter Benjamim, quanto em Perda da Aura, de Charles Baudelaire, têm um ponto em comum: ambos tratam da perda da “aura criativa” do artista e de como a massificação tem um papel fundamental nisso. Em A Arte no Século XXI – A Humanização das Tecnologias (2003), Diana Domingues traz diversas opiniões sobre a arte no século XXI, e a maneira como as pessoas passaram a utilizar as novas tecnologias para realizá-la. Percebe-se que o problema da interferência das máquinas no meio artístico é antigo. Saramago apenas nos alertou para um antigo problema sob uma nova ótica.
Ao exaltar a arte como criação, o autor português denuncia a marca aurática do artesão/artista, reveladora de gesto mimético singular, apontando o ser humano como principal elemento transformador da sociedade, por meio da criação artística contestadora e crítica.
Mas como diferenciar a arte real da arte simulada? É preciso antes de responder essa pergunta, reconhecer o que nós estamos enxergando exatamente nas sombras da realidade nas paredes de nossa imensa caverna. Precisamos antes de tudo reconhecer o simulacro antes de reconhecer o real.