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2.06.2023

Governo Federal Brasileiro Faz Remendo de Reforma Fiscal para Agradar o Capital

“mesmo que aprovada, a tal reforma fiscal priorizada pelos políticos avança pouco para solucionar o principal problema atual do sistema tributário nacional, a chamada “re-gressividade”: pobres pagando mais impostos, proporcionalmente aos ricos”...

Governo e congresso escolhem caminho mais difícil e menos efetivo para reforma tributária

Reforma dos impostos sobre a renda, que aumentaria tributação sobre ricos e aliviaria pobres, está em segundo plano

por Vinicius Konchinski no Brasil de Fato – Sociedade e Povo Sem Entender o Social e o Economico

  O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, colocou reforma tributária sobre consumo como prioridade - Luis ROBAYO / AFP

reforma tributária virou prioridade número um para a equipe econômica do novo governo e para parlamentares líderes do congresso nacional neste início de ano (2023). Eles esperam aprovar mudanças na cobrança de impostos no país ainda neste semestre, além de outros itens economicos.

Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a tarefa é muito difícil. Isso porque as alterações em discussão dependem da aprovação de uma proposta de emenda à constituição (PEC), a qual precisa ser aprovada por dois terços da câmara e do senado em dois turnos, depois de bastante negociação e “lobbys”, para ser possível ser transformada a PEC em lei federal.

Pior que isso, mesmo que aprovada, a tal reforma fiscal priorizada pelos políticos avança pouco para solucionar o principal problema atual do sistema tributário nacional, a chamada “re-gressividade”: pobres pagando mais impostos, proporcionalmente aos ricos.

Isso significa que, apesar do esforço político que a dita reforma fiscal demandará, não será suficiente para criar uma tributação mais justa, conforme prometeu o presidente atual, em diretrizes apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Que reforma fiscal é essa, que o poder executivo (presidente e ministros) apresentam ao legislativo?

A reforma tributária que governo e congresso pretendem aprovar, está rascunhada em duas PEC’s nas discussões desde 2019 entre os poderes executivo e legislativo: a 45/2019 e a 110/2019. Ambas tratam basicamente do mesmo tema. Propõem uma reforma sobre impostos vinculados ou que alteram os impostos sobre consumo.

Há diferentes tipos de impostos cobrados sobre consumo: PIS, Cofins, ISS e ICMS, entre outros. As duas PEC’s querem unificar esses tributos e suas legislações no congresso. Tudo isso para simplificar o recolhimento de tributos, facilintando principalmente para grandes empresas.

Para que isso ocorra, porém, é preciso que pelo menos uma dessas PEC’s passem pelo congresso (aprovação na câmara e senado, com 2/3 dos parlamentares). O regimento da câmara e do senado prevê regras específicas para votação dos projetos, já que eles propõem uma mudança na constituição federal, lei maior do estado brasileiro.

Nesse caso, é necessária uma quantidade maior de votos do que para aprovação de um projeto de lei simples. Obter todos esses votos é difícil, ainda mais porque o consenso sobre a reforma ainda não existe ( dependem das negociações e lobbys com os deputados e senadores).

Setores empresariais, como os planos de saúde privados, por exemplo, são contra. Estados e municípios também têm suas objeções, já que a unificação das regras de impostos tiraria a autonomia deles para taxar com impostos e encargos determinados produtos.

"Haverá um grande fluxo de grupos de interesse lá no Congresso [para discutir essa reforma]. Uma profusão de grupo de interesse muito grande", afirmou o auditor da Receita Federal Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional). "O parlamento vai ter que ouvir essas pessoas. Isso vai atrasando o ritmo de tramitação."

Mauro Silva, aliás, é cético quanto ao cronograma idealizado por governo e parlamentares: não acha que a reforma em discussão termina neste 1º. Semestre de 2023. Ressalta ainda que outra reforma, que dependeria só de um projeto de lei ordinária (número de votos simples ou mais que 50% nas duas casas), deveria ser priorizada: a reforma do imposto sobre renda, cobrada sobre salários e lucros, por exemplo, para haver verdadeiramente distribuição de rende na sociedade brasileira.

Para o auditor, além de mais fácil de ser aprovada, ela ataca a re-gressividade da tributação, o que a reforma sobre impostos no consumo não faz.

"Poderiam tratar primeiro da reforma do imposto de renda. Trabalharia a outra em paralelo para que uma votação de uma ajudasse na outra", disse Mauro Silva.

Tributando ricos e criando novos programas sociais

Marcelo Lettieiri, conselheiro do Instituto Justiça Fiscal, também acredita que os poderes governo e congresso erram em focar seus esforços na reforma de tributos sobre consumo. Assim como Mauro Silva, ele acredita que a reforma do imposto sobre renda é mais importante (aí também o imposto sobre grandes fortunas), pois essa sim torna a tributação do país mais alinhada às boas práticas internacionais.

Segundo Lettieiri, cerca de 35% dos impostos arrecadados no Brasil são sobre consumo. A média de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) é 22%. A proposta de reforma no congresso não muda isso, já que está focada principalmente na simplificação ou organização das cobranças dos impostos nos níveis federal, estadual e municipal.

Já a média da tributação sobre a renda na OCDE é 33%. No Brasil, 22% dos impostos arrecadados são sobre a renda. Isso a reforma do imposto de renda pode mudar, se houver empenho e boa vontade dos poderes executivo e legislativo.

Para o especialista, inclusive, o governo federal deveria propor um acordo para aprovar primeiro a reforma sobre a renda e depois a do consumo, que poderia ser aperfeiçoada nas negociações futuras dos poderes republicanos.

"O governo poderia na verdade fazer um grande acordo com o mercado (bancos, fundações, grandes empresas, pequenas e médias empresas entre outros), que está muito interessado nessa simplificação. Aprova a reforma sobre impostos sobre a renda, mantém-se um compromisso (ou futuro acordo) de, no segundo (2º.) semestre de 2023, aprovar a do consumo, reduzindo respectivamente a carga tributária", sugeriu, lembrando que a tributação sobre a renda abre espaço para des-oneração do consumo.

Mauro Silva, da Unafisco, afirmou que reformar o imposto sobre renda não significa apenas corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) – o que, aliás, também é promessa de campanha de Lula. É preciso rever as isenções concedidas a donos de empresas.

"Não é simplesmente aumentar as alíquotas na tabela para até 35% [hoje são até 27,5%] e dizer que está taxando ricos", disse Silva. "Se você não combater a 'pejotização' (o trabalhador que não recebe direitos trabalhistas) e tributar dividendo, não vai cobrar 35% de imposto de ninguém."

É preciso também, disse Mauro Silva, rever até a forma como impostos sobre o lucro de empresas é cobrado. Tudo isso, considerando que não se pode comprometer a competitividade de empresas brasileiras no mundo.

Reforma solidária: tributação sobre o consumo, renda, dividendos entre outras

Vilson Antonio Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), afirmou que a entidade e outros movimentos sociais já apresentaram uma emenda à PEC 45/2019 para que ela se torne mais ampla, incluindo impostos sobre renda e até patrimônio.

Só 5% dos impostos nacionais são sobre patrimônio: sobre propriedade de carro ou casa, por exemplo. No país, atualmente, também não existe imposto sobre grandes fortunas.

A criação desse tributo está prevista na chamada reforma tributária solidária, que foi sintetizada na emenda da PEC.

"Nosso projeto abarca a tributação do consumo, a tributação sobre a renda, com tributação sobre dividendos, etc", resumiu Romero.

Guilherme Mello (PT), secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, defendeu por diversas vezes a reforma solidária em textos e entrevistas antes de entrar no governo. O novo governo, porém, ainda não declarou se buscará aprovar essa proposta.

Edição: Mangue do Cachoeira (MgCh)

Publicado no BdF: 06 de Fevereiro de 2023

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2023/02/06/governo-e-congresso-escolhem-caminho-mais-dificil-e-menos-efetivo-para-reforma-tributaria