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1.07.2016

Um reporter faz uma visita ao mundo político descontrolado

  • O risco de deflagração da violência, inclusive armada, está altíssimo na Venezuela
Por Janio de Freitas* para Folha de São Paulo - Sociedade e Riscos de Violência Social
 
A vida verdadeira, com os gestos e os passos que empurram a história, está lá fora. Aqui é um canto de mundo, onde se amontoam cifrões, Bolsa, PIB, deficit, ajuste fiscal, câmbio, inflação, dólar, euro, tarifa, subvenção, taxa, lucro, ações, comissão, títulos, letras, renda, corrupção. O demais, se existe por teimosia, não interessa.
Com licença, vou ao mundo. Inquieto e, sei bem, para ver o que já vi vezes sem conta. Várias proximidades facilitam o começo pela Venezuela. Que é também o problema mais imediato e mais incandescente. Mas não é muito o que os países sul-americanos podem fazer para evitar o agravamento da situação venezuelana. O primeiro ao seu alcance, aliás, é não vir um deles a agravá-la por intromissão indevida, não importa para que lado.
O risco de deflagração da violência, inclusive armada, está altíssimo na Venezuela. Arrogantes como estão os vitoriosos eleitorais, que começaram por declarar guerra de extermínio ao adversário, até com prazo definido, e transtornados como estão os perdedores, estará na ordem natural das coisas um ato de desatino armado. Neste momento, o ódio obtuso dos líderes vencedores encontra, no outro lado, um líder que parece não perceber a situação do país. Quanto mais os descontroles. Ou então conhece como ninguém os venezuelanos.
O mais estranho é que, de todo o transmitido da Venezuela nesse período mais agudo, ninguém menciona as Forças Armadas. Não pelo próprio Maduro, mas por suas relações com os chefes cubanos, não se pode imaginar que o fator militar, e até de eventual defesa popular armada, estejam esquecidos.
A doutrina militar que os Estados Unidos fizeram aplicar na América Latina considera que confrontos internos, armados ou na iminência de sê-lo, constituem ameaça à segurança nacional, cabendo aos militares intervir e decidi-los. Explica-se: tais confrontos dão-se entre conservadores e reformistas. Hugo Chávez alterou a doutrina para a Venezuela, mas não se sabe se a nova linha perdura ou até quando perduraria. E esta pode ser a questão-chave. Coberta de silêncio, no entanto.
A situação na Venezuela é nova, mas obscura. Aos países latino-americanos justifica-se apenas defender o que seja o mais próximo do legítimo e conveniente para um futuro democrático.
Ou seja, aquilo que os grandes liderados pelos Estados Unidos não defendem, jamais, quando se trata de Arábia Saudita, como de outros aliados seus incursos em transgressões à ONU, a tratados e a princípios do direito internacional. E, em se tratando da Coreia do Norte e sua bomba de hidrogênio, nem é mais a defesa da correção que falta aos Estados Unidos. É a simples utilidade de tentar disfarçar.
Nos dois casos, a igualdade de motivo: a falta de autoridade moral. A ditadura saudita só se permite o primitivismo e as arbitrariedades do seu poder porque conta com apoio dos Estados Unidos, em qualquer circunstância. O seu petróleo vale mais do que todos os princípios de relações humanas ou entre nações. E o cinismo a tudo se sobrepõe: a imprensa e a TV americana tanto propagavam a aliança proveitosa do seu país com a Arábia Saudita, como noticiavam provir da Arábia Saudita o financiamento de Osama Bin Laden que os Estados Unidos combatiam, e que lhes tirara as duas torres novaiorquinas.
A estupidez humana explodiu mais uma vez, agora, na Coreia do Norte, sob a forma de bomba de hidrogênio. Os Estados Unidos deviam saudar seus imitadores comunistas. Porque condições morais para criticá-los, o maior poder armado do mundo não pode ter. Nem Inglaterra, França, Rússia, Israel, China, India, Paquistão, talvez mais.
O mundo é dos cínicos.
janio de freitas * Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.
http://aposentadoinvocado1.blogspot.com.br/2016/01/uma-visita-ao-mundo-por-janio-de.html

Análise positiva sobre a operação Lava Jato

"Do ponto de vista técnico e de interesse público, condenar o fortalecimento dos acordos de leniência pouco agrega à solução do problema", dizem. "Não basta trocar o governo. O país precisa de um salto de governança que exige uma mudança cultural na sociedade e os acordos de leniência certamente são um poderoso instrumento para isso", acrescentam.
Recentemente, a assinatura pela presidente Dilma Rousseff da MP 703, conhecida como MP da Leniência, gerou polêmica e críticas do Tribunal de Contas da União, que pediu explicações ao governo. Os autores do artigo são favoráveis à medida. "Em vez de longos processos, é melhor para todos que haja um final mais rápido dentro dos marcos legais e com os órgãos competentes", argumentam.
Embora apontem que a operação da Polícia Federal reduziu o PIB do Brasil em dois pontos e a massa salarial em R$ 42 bilhões, os autores do artigo, publicado nesta quarta-feira 6 no jornal Valor Econômico, afirmam que ela foi crucial para enfrentar a corrupção e deve deixar um legado de melhores práticas nas empresas e nos governos.
Abaixo a íntegra do texto:
Futuro e legado da lava-jato
O futuro da lava-jato é chave para determinar como e em que condições a economia brasileira pode superar a atual crise. Os anos de 2015 e 2016 deverão ser a primeira vez desde 1930 em que o Brasil registrará dois anos consecutivos de recessão. 2015 fechará com a maior taxa de contração do PIB desde 1990.
Ninguém questiona a legitimidade da investigação e a condenação de eventuais culpados. Há, porém, duas questões que não estão bem respondidas. A primeira é como a sociedade pode atenuar o custo que a investigação tem no curto prazo. Qual é o futuro da lava-jato?
A segunda, como os resultados da operação histórica poderão ser revertidos em ganhos institucionais duradouros que eliminem a possibilidade de malfeitos serem repetidos. Qual é o legado da Lava-Jato?
Em relação à primeira pergunta, é incorreta a tese de que a investigação não teria gerado custo em termos de emprego e produção. É claro que ela não é o único, nem o mais importante fator explicativo da crise. Mas é certamente relevante.
Mesmo sob hipóteses conservadoras, que levam em conta que uma parcela do investimento da Petrobras e de grandes construtoras nacionais teria diminuído independentemente da lava-jato, os efeitos diretos, indiretos e os impactos na renda são expressivos. Quase 2% do PIB, 2 milhões de empregos e mais de R$ 42 bilhões em massa salarial.
Quer dizer que a lava-jato deve ser inibida? Ao contrário, deve ser aprimorada para gerar mais resultados com menores custos. E isso é possível.
A redução de seus custos passa por três pontos. Primeiro, pela blindagem da capacidade de financiamento, investimento e de produção e geração de emprego das empresas envolvidas. Milhões de trabalhadores nada têm a ver com os crimes eventualmente cometidos por suas empresas. Afastados os responsáveis pelas irregularidades, a sociedade tem interesse que tais empresas continuem a produzir e gerar empregos.
Vale citar a experiência do maior caso de corrupção corporativa do mundo, envolvendo a Siemens. Autoridades alemãs e americanas promoveram, com o apoio do comitê de auditoria da empresa, ampla investigação dos desvios encontrados em várias jurisdições de diversos países. Ao final impuseram obrigações de melhoria institucional e de governança à empresa, sem puni-la de maneira desmedida e sem interromper as suas atividades.
Segundo, pela não exclusão destas empresas do mercado de obras públicas e do crédito. O país precisa de mais concorrência e, portanto, de um maior número de companhias disputando a oportunidade de fornecer bens e serviços. Excluir empresas de licitações públicas significa maiores custos ao Governo.
Terceiro, pela agilidade na negociação de acordos que estabeleçam multas adequadas à gravidade dos danos causados. Em vez de longos processos, é melhor para todos que haja um final mais rápido dentro dos marcos legais e com os órgãos competentes, como a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Cade.
O primeiro grande passo foi dado com a Medida Provisória nº 703, publicada em 21.12.2015. A medida altera a Lei Anticorrupção - nº 12.846/2013 - para dispor sobre acordos de leniência com empresas investigadas em casos de corrupção.
Há, porém, setores da sociedade que não apoiam a medida. Em 23/12/2015, o jornalista Elio Gaspari critica a MP no artigo "Dilma aderiu aos Oligarcas". Segundo ele, com a MP, a presidente estaria enfraquecendo punições às empresas envolvidas na Lava-Jato.
Do ponto de vista técnico e de interesse público, condenar o fortalecimento dos acordos de leniência pouco agrega à solução do problema. Diferentemente do que ocorria no século XIX, na Era Vitoriana, o direito penal moderno prevê instrumentos de colaboração entre investigadores e investigados, os quais têm servido em vários países como uma forma efetiva de desmantelar organizações criminosas e concluir processos rapidamente.
Mas como assegurar que no futuro não haverá novas Lava-Jatos? Como garantir um legado em termos de melhor governança ao Brasil?
A MP oferece algumas respostas ao obrigar as empresas que firmarem os acordos de leniência a implantar ou aprimorar programas de compliance. Trata-se de procedimento aderente às práticas internacionais que consideram a existência desses programas como parte das obrigações de uma companhia condenada por corrupção.
Casos internacionais mostram que a criação e a constante melhoria desse tipo de programa devem ser consideradas como atenuantes na aplicação de penas por corrupção.
Cada empresa deve criar seu programa de compliance adequado às suas características e porte, o qual deve refletir os princípios da governança: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. A aplicação efetiva do compliance diminuiria não só a chance de nova lava-jato, mas também melhoraria o desempenho das instituições.
Não basta trocar o governo. O país precisa de um salto de governança que exige uma mudança cultural na sociedade e os acordos de leniência certamente são um poderoso instrumento para isso.
Por trás da crítica contra as oligarquias empresariais não se pode embutir um ranço ideológico contrário à atividade empresarial. Dela dependem os empregos de milhões de brasileiros. Garantir tais postos passa necessariamente pela saúde financeira das empresas, que só se perpetuarão com uma política sustentável e transparente de relacionamento como governo. Forjar essa política pode ser o principal legado da lava-jato.
Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade e da Sabesp, é professor de economia (FGV) e sócio da GO Associados
Fernando S. Marcato, professor de direito na FGV-SP e sócio da GO Associados, atuou no caso Siemens, assessorando o departamento de Justiça americano
Pedro Scazufca, mestre em economia pela FEA-USP, é sócio da GO Associados
Andrea Curi, doutora em economia pela FGV-SP, é coordenadora de projetos da GO Associados
Andrea Vasconcelos é advogada da GO Associados
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/212236/A-mais-sensata-an%C3%A1lise-sobre-a-Lava-Jato.htm