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10.17.2014

Estudo apresenta alerta sobre ‘vício em Internet’ entre jovens adultos

Por Redação, com BBC - de Londres - Sociedade e Redes Sociais



Afastar-se de familiares e amigos por causa da internet pode ser sintoma de vícioAfastar-se de familiares e amigos por causa da internet pode ser sintoma de vício.
Um número significante de jovens adultos pode estar sofrendo com o vício em Internet, de acordo com uma pesquisa feita pela empresa de marketing Digital Clarity. Segundo ele, 16% dos pesquisados apresentaram sintomas do vício, admitindo gastar mas de 15 horas por dia na Internet.
O levantamento foi feito com 1300 jovens adultos, de idades entre 18 e 25 anos.
Especilistas permanecem divididos sobre o que é uma desordem de dependência da Internet.
Passar horas online.
Ficar irritado ao ser interrompido durante a navegação na Internet
Se sentir culpado após passar muito tempo na Internet
Isolar-se da família e de amigos devido a atividades excessivas na Internet
Sentir euforia quando está conectado e pânico quando está offline
Malissa Scott, uma estudante de Middlesex, diz acreditar estar sofrendo dessa desordem.
- Eu estou online na maior parte do tempo em que estou acordada e me sinto enjoada e deprimida se perder meu acesso à rede.
- Eu sei que isso saiu do controle nos últimos 12 meses e isso definitivamente afetou minha relação com amigos e membros da família.
Estudos anteriores sugeriram que ‘dependência da Internet’ seria um termo genérico para uma variedade de cenários que incluem jogar de forma excessiva ou ver pornografia obsessivamente. Eles mostram que esse vício é similar à dependência de drogas ou álcool e libera a substância química dopamina da mesma maneira.
Mas outros psiquiatras dizem acreditar que os efeitos do vício em internet são apenas sintomas de outros problemas psicológicos.
Distúrbio real
Em um relatório publicado nesta semana no jornal Addictive Behaviours, o pesquisador Andrew Doan ressalta sua opinião de que o vício na internet é algo real.
Ele descreve um caso de vício no dispositivo Google Glass, que disponibiliza em óculos o mesmo tipo de informações acessadas em um smartphone.
Um ex-militar da marinha americana de 31 anos identificado durante um programa de recuperação do alcoolismo.
Enquanto era tratado, o homem se mostrava irritado por não estar usando o aparelho.
Ele disse que usou o Google Glass por 18 horas por dia e começou até a sonhar que estava usando o aparelho.
Isso é uma evidência, segundo Doan, de que o vício na internet era um distúrbio real.
Contudo, o vício em internet ainda não consta no American Psychiatric Association’s Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, em tradução livre), um livro referência usado pelos psiquiatras como Manual de referência.
http://correiodobrasil.com.br/ultimas/estudo-apresenta-alerta-sobre-vicio-em-internet-entre-jovens-adultos/734384/

10.11.2014

Bullying: “Agredir o outro, sem nenhuma razão, é uma maneira de atenuar a dor e o estado conflitivo”

Natasha Pitts - Jornalista da Agência Adital - Sociedade e Infância
A alta prevalência de casos de bullying não é novidade nos dias de hoje. Com o advento da Internet e das redes sociais fica cada vez mais fácil intimidar, ameaçar e perseguir aqueles ou aquelas considerados mais frágeis ou que não se encaixam nos padrões de determinados grupos. Os meios eletrônicos têm sido, inclusive, usados para escolherem as vítimas, como é o caso de meninas que por serem "bonitas demais” e gostarem de se expor na Internet são agredidas e desfiguradas.
Em entrevista à Adital, o psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina (FASM), em São Paulo, Breno Rosostolato (foto), fala sobre o assunto. Um dos alertas do especialista é que, se não tratado na infância e adolescência, o bullyingpode deixar marcas profundas e a vítima pode crescer carregando traumas, ansiedades e conflitos enraizados na violência sofrida.
Nos casos da prática de assédio moral no ambiente escolar, o papel da escola é propiciar um espaço de confraternização, respeito e diálogo; trabalhar questões de cidadania e valores. Além disso, Rosostolato aponta que o envolvimento dos pais é importante para estabelecer uma parceria entre a família e a instituição. No entanto, antes de tudo isso, a prevenção continua sendo a melhor maneira de encarar o problema.
ADITAL - O termo bullying surgiu para a maior parte da população brasileira recentemente, mas vem sendo estudado em países da Europa há mais de 10 anos, quando se decidiu analisar o que estava por trás de muitas tentativas de suicídio por parte de adolescentes. Hoje, com o advento da Internet e das mídias sociais, é possível que haja mais casos de bullyingque no passado?
Bruno Rosostolato - Bullying é um termo inglês originário de bully, que significa "valentão” ou "tiranete” que, especificamente, é aquele que abusa de sua autoridade ou posição para oprimir os que dele dependem. O termo bullying designa os atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender (em).
Esse comportamento agressivo possui uma forma direta, como apelidos, xingamentos, roubos e gestos ofensivos. A forma indireta está relacionada com difamações, isolamento e indiferença, ou seja, quando a vítima está ausente.
Acredito que, com o advento da Internet, casos de bullying estão sendo mais divulgados e propiciando o cyberbulling, vídeos divulgados em redes sociais das agressões cometidas, brigas em escolas ou nas imediações das mesmas. Os casos de bullyingvêm aumentando de maneira alarmante e preocupante.
ADITAL - Todo tipo de violência que acontece dentro do ambiente escolar pode ser considerado bullying? Essa prática tem características e traços específicos? Os recentes casos de meninas agredidas "por serem muito bonitas” podem ser considerados bullying?


BR - Saber identificar o bullyingé importante. Nem todo machucado ou arranhão é sinal de que a criança esteja sofrendo agressões. É sabido que os meninos, principalmente, possuem brincadeiras um pouco mais ríspidas. Natural. As crianças disputam brinquedos e, depois que passa o conflito, brincam juntas novamente.
Para se caracterizar o bullying, as agressões devem ser frequentes, ou seja, repetidas e intencionais. A criança passa por situações que causam dor ou sofrimento todos os dias. Se há desequilíbrio de poder é bullying. Se existe uma diferença de dois anos é preciso intervir.
Outros sinais que podem denunciar o bullyingsão quando a criança começa a dar muitas desculpas para não ir à escola. Chorar, ficar ansiosa e agitada são os sinais mais evidentes. Se a criança tinha um bom rendimento escolar e, subitamente, esse aproveitamento declina, é necessário averiguar o porquê disso. O baixo rendimento escolar pode ser consequência da violência sofrida na escola.
Os casos de violência contra meninas, com a absurda justificativa delas serem bonitas, pode ser considerado bullyinge uma violência contra a integridade do outro. Nesses casos específicos, a agressão possui a finalidade de desfigurar o outro, aniquilando-o internamente e externamente.
ADITAL - O que motiva uma criança ou adolescente a promover bullying? Pode-se dizer que o problema começa em casa a partir de falhas na educação, no ensinamento da ética e na imposição de limites por parte dos pais e/ou responsáveis?
BR - O problema pode começar em casa sim. A falta de limites, referências e orientação cria na criança e no adolescente agressor um estado emocional de abandono e desamparo. Agredir o outro, sem nenhuma razão, é uma maneira de atenuar essa dor e o estado conflitivo.
ADITAL - Esses menores têm um perfil definido (agressividade, dificuldades para obedecer a regras, baixo rendimento escolar, problemas familiares etc.)?


BR - Pessoas que possuem atitudes provocativas não gostam de ser contrariadas e costumam se impor através de atitudes violentas e agressivas. A dificuldade em se colocar no lugar do outro revela pouca apatia e, possivelmente, uma relação familiar sem vínculo afetivo. Não interiorizam regras, limites, normas e figuras de autoridade, desafiando-as.
ADITAL - E sobre as vítimas, existem alvos ou grupos específicos? São sempre homossexuais, obesas/os, tímidas/os ou qualquer criança/adolescente que não se encaixe nos padrões pode se tornar um alvo?
BR - Geralmente, as vítimas do bullying são pessoas frágeis, que não conseguem reagir e ter posicionamentos. Não possuem recursos para lutarem contra a agressão e aos poucos vão se rendendo às investidas do agressor. O aspecto emocional vai definhando e procuram fugir do problema, sem confrontar.
Um sentimento conformista toma conta das vítimas que, geralmente, são aquelas mais tímidas e retraídas, de preferência as que não oferecem resistência ao agressor ou que ele julga serem diferentes e que não façam parte do grupo de amigos dele.
ADITAL - Algumas notícias dão conta de que o bullying pode ser responsável por baixa autoestima, depressão, baixo rendimento escolar, dificuldades de relacionamento, mudanças de humor e até tentativas de suicídio. É possível que essas marcas da infância causem sequelas que permanecerão durante a vida adulta?
BR - Sim, é possível sim. As consequências dobullying para a criança, num primeiro momento, são baixa autoestima, choros frequentes, agitação e ansiedade, principalmente se esses comportamentos aparecerem um pouco antes da criança ir para a escola; medos inexplicáveis, insônia, falta de apetite e urinar na cama.
Num segundo momento, a criança apresenta estresse, dores de cabeça e pode apresentar um comportamento melancólico, ou seja, isolamento. A criança não brinca mais como antes, se afasta dos amigos e fica em casa, evitando sair. Dificuldade de concentração e baixo rendimento escolar, dificuldades de relacionamento e mudanças constantes de humor são agravantes que acompanham o estado emocional dessa criança.
Num momento mais acentuado do bullying, essa criança pode apresentar síndrome do pânico, automutilação, como arrancar o cabelo, se furar ou se cortar, depressão e até suicídio.
Na vida adulta, caso não aconteça uma intervenção terapêutica na infância e na adolescência, esse adulto pode reviver traumas, ansiedades e conflitos enraizados na violência sofrida anteriormente no bullying.
ADITAL - Nos países do Reino Unido, uma medida governamental garante a aplicação de políticas anti-bullying em todas as escolas. No Brasil, o que efetivamente poderia ser feito no âmbito escolar e familiar para combater essa prática tão prejudicial a crianças e adolescentes?
BR - O papel da escola é propiciar um espaço de confraternização, respeito e diálogo. Trabalhar questões de cidadania e valores, tão importantes para conscientizarem os alunos sobre direitos e deveres. A prevenção é sempre a melhor maneira de encarar o problema do bullying que, muitas vezes, é silencioso. Quanto mais cedo for identificado, mais eficazes serão os métodos de intervenção contra o ciclo conflituoso.
A escola deve ainda convocar uma reunião com os pais dos alunos envolvidos. O trabalho deve ser feito junto à família, pois o envolvimento dos pais é importante para estabelecer uma parceria entre a família e a instituição. Os pais devem ser exemplos para os filhos e devem participar da vida deles.
O professor possui um papel primordial para o combate ao bullying, pois, além de identificar autores, espectadores e alvos, deve intervir, imediatamente, numa situação de agressões gratuitas e propositivas entre os alunos. Esse posicionamento do professor é de respeito e, portanto, exemplar. Muitas vezes, se colocar no lugar da vítima é uma maneira satisfatória para distinguir a brincadeira inocente e a brincadeira agressiva. O professor deve comunicar o ocorrido à direção.
Atividades que estimulam a solidariedade e a cooperação são os instrumentos que o professor deve se valer nesse momento de conflito. Conversar com a sala de forma clara e direta sobre a importância de respeitar o colega. O trabalho didático deve proporcionar uma discussão sobre as diferenças, logo, trabalhando a tolerância.
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=82859

10.10.2014

Houve diminuição de parlamentares progressistas e o Congresso aparentemente ficou mais conservador

O blog Conversa Afiada reproduz entrevista feita por telefone em 7/10/2014, com Antonio A. Queiroz, do DIAP, orgão a nível nacional que faz análises quanto ao desempenho e influências do Congresso Brasileiro na sociedade. Foi conversado sobre nova composições de poder dos grupos de parlamentares, reformas necessárias ao país e Congresso, relação trabalho x capital, entre outros temas. Veja a seguir o diálogo:

PHA – Eu vou conversar com Antonio Augusto Queiroz, ele é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o DIAP, uma das instituições mais respeitadas no que concerne à análise do comportamento do Congresso Nacional. Toninho, minha primeira pergunta é: houve 47% de renovação na Câmara dos Deputados. Isso significa que ela ficou mais progressista ou mais conservadora, na gestão entre 2015 e 2019?

Toninho do DIAP – Mais conservadora. A circulação que houve no poder trouxe para o Parlamento um grupo de novos parlamentares vinculados a segmentos altamente conservadores, como a bancada evangélica; pessoas da área de segurança, que tem,  como mentalidade, aquela de que “bandido bom é bandido morto”; o pessoal da bancada da bala, que vem com o objetivo de desmontar o Estatuto do Desarmamento; um grupo com uma visão muito provinciana, especialmente os parentes, que são eleitas em função do sobrenome, e não de uma proposta que tenha a defender.

De modo que é um Congresso conservador, por esses que chegam, e também em razão da pauta do momento, que, nessa eleição, se deu atenção à necessidade de se discutir temas de caráter religioso, como a união homoafetiva, temas como regulamentação da maconha, do aborto, e tudo isso vem com muita força e com a bancada conservadora muito comprometida em fazer esse enfrentamento.

  

Fonte: http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&docid=4H2S2rR6zOILPM&tbnid=yim7UsHS5ZdUPM:&ved=0CAcQjRw&url=http%3A%2F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fpolitica%2Fultimas-noticias%2F2013%2F04%2F16%2Findios-protestam-contra-mudanca-de-demarcacao-de-terras-no-plenario-da-camara.htm&ei=3_o3VNG3GNDIgwS8yYKIAQ&bvm=bv.77161500,d.eXY&psig=AFQjCNGXpkTHHgTZoa0hOuVdJTCCB5TbLg&ust=1413041216016344

PHA – E como você compararia o que aconteceu com os parlamentares que você poderia classificar, digamos, como empresários, ruralistas e sindicalistas? Quem ganhou e quem perdeu?

Toninho – A bancada sindical sofreu uma redução muito substantiva, e isso se deve em grande medida ao financiamento de campanha, que subiu a preços estratosféricos. E os sindicalistas, pela sua formação, não têm o hábito de procurar empresários para financiar a campanha. E, por isso, ele ficou prejudicado e a bancada empresarial, até mesmo em função do financiamento da campanha, tende a crescer em relação a atual, que já é muito substantiva. Então nós vamos ter, na Câmara, com certeza maioria absoluta (dos empresários em detrimento dos sindicalistas). E isso fará com que, dependendo de quem seja o próximo Presidente da República, haja ou não flexibilização ou redução dos direitos trabalhistas.

PHA – Em quanto cresceram os que você chamaria de empresários, Toninho?

Toninho – Na verdade, esse levantamento está em curso ainda, porque estamos analisando se o parlamentar tem ou não participação em empresa. Porque, nosso critério aqui é considerar empresário quem vive de renda. Então, o sujeito se declara advogado, médico, mas a gente também está analisando a composição da declaração de Imposto de Renda, que ele tem que fazer para a Receita Federal. Nós identificamos 189, mas a nossa estimativa é que passe de 270.

PHA – Isso seria uma aumento de quanto ? 20%, 30%?

Toninho – Na nossa estimativa fica muito próxima da atual, que é de 273. Mas a diferença fundamental é que na composição do Congresso atual não havia uma motivação mais objetiva dos empresários de flexibilizar direitos. Porque eles tinham, ainda, o que esperar do Governo Federal, especialmente em termos de desoneração e de incentivos fiscais e creditícios. Isso agora se esgotou. O Governo terá que fazer um ajuste. Então, certamente, a bancada empresarial se voltará para enfrentar a redução de direitos (do trabalhador), como forma de reduzir custos. Portanto, mais importante do que o próprio número (de empresários congressistas), que será muito próximo ou até maior, é o ambiente em que essa bancada se elege, e as suas prioridades.

PHA – Então quer dizer que nós teremos, provavelmente, cerca dos mesmos 280 parlamentares chamados empresários. Nesses 280 estão os ruralistas, os donos de fazenda?

Toninho – A bancada empresarial inclui a ruralista, porque ela sobrevive da sua atividade de produtor rural. Agora, a bancada ruralista tem um enfoque muito específico. Por exemplo, para a bancada empresarial, o tema da relação de trabalho e o tema da reforma tributária interessam a todos os empresários. Já quando vai se decompor a bancada do ponto de vista do agronegócio, dos interesses agrários, aí já há uma modificação. Nem todo empresário acompanha, por exemplo, o debate a respeito da reforma agrária. Então, há essa distinção. Mas, os que vivem de renda, de modo geral, estariam incluídos nessa bancada empresarial.

PHA – Então aquela frase que ficou famosa no primeiro turno, da Presidenta Dilma, de “nem que a vaca tussa” ela mexe em férias, 13º, Fundo de Garantia… você acha que isso tudo, com essa nova composição do Congresso, passa a ficar no alvo desse novo Congresso?

Toninho – Na verdade,  não havia nos períodos anteriores vontade no sentido de modificar as relações de trabalho. Quando houve a modificação da chamada “PJtização”, ou seja, da substituição do empregado pela pessoa jurídica, o Lula vetou, naquela oportunidade. E o setor empresarial não conseguiu aprovar mais nenhum projeto no Congresso flexibilizando direito. (do trabalhador). Agora, acho que a CNI fez uma lista com 101 proposições, e que essa lista vai servir de pauta. E certamente os empresários terão número para aprovar no Congresso. Se for a Presidenta Dilma, ela pode vetar. E, agora, há uma alteração que é o seguinte: o voto é aberto para apreciação de vetos. Antes era difícil derrubar. Agora, com a pressão empresarial, ficou mais fácil. Então, o risco que se tem  em relação à supressão de direitos é muito grande. Se for o Aécio, pela identidade que ele tem com o setor empresarial e resgatando o legado o Fernando Henrique, que quase aprovou a flexibilização da CLT – o Lula é que retirou do Congresso – a tendência é que isso passe com facilidade.

PHA – E essa questão da terceirização, que a Marina chegou a propor, depois não propôs, depois propôs, ficou aquele impasse… essa questão da terceirização volta à agenda?

Toninho – Esse é o tema prioritário da reforma trabalhista em debate no Congresso. Ele voltará independentemente de quem seja eleito Presidente da República. Esse é um assunto, que na minha avaliação, é inexorável. Ele vai ser aprovado lá no Congresso e regulamentada a terceirização. A dúvida é com que intensidade será feito isso, se protegendo minimamente os direitos dos trabalhadores ou se precarizando completamente. Eu acho que na hipótese da eleição de Dilma, a tendência é que haja uma regulação com mais proteção (ao trabalhador). Já na hipótese do Aécio, não acredito que ele resista a uma medida que atenda mais aos interesses dos empresários.

PHA – É mais fácil se formar uma base aliada da Dilma, ou do Aécio?

Toninho – Muito mais fácil da Dilma, porque ela já parte de um patamar, da sua coligação, com 300 votos na Câmara e 40 no Senado. Enquanto o Aécio parte com 130 na Câmara e 20 no Senado. Então, o Aécio terá que fazer negociação com um grupo muito maior de partidos e, naturalmente, fazer muito mais concessões. Então, por exemplo, há aí um universo de partidos – como o PR, PP, PTB, etc – que está ali naquele meio e qualquer governante tem facilidade para cooptar, ou trazer para a sua base a apoio. O determinante nisso será o PMDB. Acho que o PMDB, num primeiro momento, na hipótese de uma eleição do Aécio, não iria para a sua base e ele teria muita dificuldade para fazer qualquer reforma em nível constitucional sem o apoio do PMDB, já que com PT e dos partidos de esquerda ele não contará.

PHA – Uma reforma política, com esse novo Congresso que está aí, vai ser possível?

Toninho – É praticamente impossível fazer uma reforma política profunda, com vigência para a próxima eleição, com um Congresso com 28 partidos. Eram 22 e agora são 28. E uma redução dos grandes partidos. O que acontece é que os temas que tem maior consenso na sociedade, como por exemplo, o fim das coligações nas eleições proporcionais, requer alteração do texto constitucional. Ora, esses pequenos e médios partidos tiveram a bancada que tiveram porque se coligaram. Não vão ser contra o fim da coligação. Não vão concordar.

Então, se o tema com maior índice de consenso não tem chance, imagine aqueles outros mais polêmicos, como o financiamento público, fechamento da lista etc. Então, não creio muito. Acho que só haverá reforma política no Brasil se houver, em primeiro lugar, o empenho forte do Poder Executivo. Segundo, pressão forte da sociedade. E, terceiro, se houver uma consulta popular, orientando o tipo de reforma a ser feita. Porque se for feita pelo atual Congresso certamente não estará em sintonia com o que as ruas defendem.

PHA – É o plebiscito, de que fala a Dilma Rousseff. Agora, você falou que o número de partidos passou de 22 para 28. Você acha possível governar com 28 partidos?

Toninho – É uma tarefa muito difícil. Requer do Governo muita habilidade. Vai ter que fazer muita concessão e, portanto, vai requerer do Presidente muita habilidade. Então, o Governo tem que estabelecer algumas premissas para não virar refém de determinados segmentos. E esses pequenos e médios partidos podem fazer blocos, com capacidade de bloquear e impedir que haja reforma. Tem que ter todo um trabalho de articulação. E isso vai requerer muito mais habilidade dos líderes do Governo e disposição do Governo para dialogar.

Vaca pode tossir com o Congresso eleito

PHA – Com esse Congresso que está aí, com tantos empresários, aumentou a bancada da telecomunicação? O coronelismo eletrônico se instalou mais forte agora neste Congresso? Existe a possibilidade de ser aprovado um Marco para a Comunicação no Brasil?

Toninho – Eu acho que o setor de telecomunicação, o empresariado desse segmento, manteve ou mesmo ampliou a sua participação na atual e na futura Legislatura. Eu acho que a Presidenta Dilma, se for reeleita, tem a obrigação moral de enfrentar esse assunto. Não é possível que todos os setores da economia sejam regulados e esse setor da mídia não seja. Tem que ter liberdade plena para publicar, mas tem que responder pelo conteúdo, ter responsabilidade por aquilo que publica. E aí, se houver uma participação e uma iniciativa do Governo, o debate vai ser muito intenso. Agora, do ponto de vista de resultado, eu acho pouco provável que consiga (aprovar um marco) com o Congresso com essa conformação.

http://www.conversaafiada.com.br/politica/2014/10/08/vaca-pode-tossir-com-o-congresso-eleito/

10.05.2014

A urna eletrônica brasileira de votaçào é um caso para o Procon


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Você faria depósitos num caixa eletrônico que não fornecesse recibos?
Pois é exatamente isso que você faz ao votar no Brasil.
O pior resultado possível numa eleição brasileira é o empate.
Por que não há como desempatar.
As urnas eletrônicas não emitem recibo.
Isso só é possível no Brasil, e por um motivo muito simples. A justiça eleitoral concentra poderes demais.
Além dos poderes judiciários, ela detém poderes legislativos e executivos.
Os legislativos incluem definir normas sobre a produção e instalação de software na urnas eletrônicas.
Os executivos permitem que ela compre, instale e opere as máquinas.
E os judiciários significam que é ela, a própria justiça, quem vai julgar tudo isso.
Se, depois de ter instalado os códigos nas máquinas que ela escolheu, houver alguma suspeita de que alguma coisa não funcionou como devia, quem vai decidir se houve mesmo algum problema é ela própria.
É por isso, antes de tudo, que ela anuncia aos quatro ventos que nunca houve fraudes no voto eletrônico.
Nunca houve por que é muito difícil “comprovar sem comprovantes” e porque ninguém vai condenar a si próprio.
O princípio da autodefesa não permite que alguém acuse a si próprio.
O PDT e o PCdoB são os únicos partidos que se preocupam com a segurança das urnas eletrônicas.
Os demais fingem que acreditam, pois todos morrem de medo da justiça eleitoral.
O PDT, que se dedica à fiscalização do voto eletrônico desde o caso da Proconsult contra Brizola, comunicou as vulnerabilidades encontradas pelos técnicos do partido nos programas do TSE.
A propaganda do TSE, porém, sempre disse que não há vulnerabilidade alguma.
Que as urnas seriam “100% seguras”.
A ciência não admite a possibilidade da existência de máquinas perfeitas.
Só quem defende essa tese é a Justiça Eleitoral brasileira.
A mesma propaganda compara as urnas eletrônicas aos cofres de segurança bancária.
A semelhança com o sistema bancário não para por ai.
A Procomp – empresa brasileira que produziu as primeiras urnas eletrônicas – foi adquirida pela americana Diebold, que as levou para os EUA após o fiasco das eleições americanas de 2000, quando Bush venceu Al Gore por uma diferença insignificante de votos na Flórida, governada por seu irmão Jef..
Naquela ocasião o empate já despontava como um problema também nos EUA.
A Diebold também é uma empresa de segurança bancária, que começou produzindo cofres de banco, exatamente como o da propaganda do TSE. Depois passou a fabricar caixas eletrônicos, antes de produzir as urnas.
Em outubro do ano passado, a empresa reconheceu perante a Justiça que corrompeu funcionários públicos na China e Indonésia e falsificou documentos na Rússia para vender caixas eletrônicos nesse países. Foi condenada a pagar multas num total de 48 milhões de dólares.
Steven Dettelbach, promotor público do distrito norte de Ohio, acusou a empresa de “adotar um padrão criminal global”.
Foi essa empresa que adaptou as urnas brasileiras à legislação americana e hoje está atolada em muitos outros processos na Justiça americana. A começar em seu próprio estado – Ohio – onde foi acusada num dos maiores processos de fraude nas eleições americanas.
Ohio foi considerado a Flórida da reeleição de Bush de 2004. O então diretor da Diebold promoveu uma campanha de doações à campanha do republicano e prometeu entregar os votos do estado ao candidato do partido.
Nos EUA, a justiça apenas julga os processos eleitorais.
Ela não projeta, fabrica nem encomenda urnas eletrônicas, nem escreve códigos lógicos de programação.
No Brasil é fácil, por que a responsabilidade sobre o desempenho das urnas eletrônicas não é do fabricante.
É da própria justiça.
Uma urna eletrônica brazuca possui cerca de 80 mil programas instalados durante um processo de compilação, assinatura e lacração que, neste ano, começou em 26 de agosto e terminou em 4 e setembro.
Isso tudo tem que ser carregado nas urnas.
A propaganda diz que elas não têm conexão com a internet e, portanto, não podem ser invadidas.
Isso é uma meia verdade. Ou uma meia mentira.
Elas não podem ser invadidas pela internet, mas recebem cargas de programas por meios físicos – disquetes, pen-drives, CDs que são carregados conectados à internet.
É exatamente a vulnerabilidade desses meios que o PDT está apontando.
Por exemplo:
O TSE garante que as urnas são programadas para funcionar exclusivamente no horário da votação. Só que ele mesmo prepara um pen-drive que permite alterar isso. Ou seja, alguém poderia usar esse pen-drive para inserir votos na urna antes da votação. E ele não é único que é utilizado. Além do pen-drive de ajuste da hora, o TSE contrata técnicos temporários durante as eleições, que têm acesso às urnas e às mídias de carga e de resultado.
Durante a própria cerimônia de gravação das mídias de carga dos programas que vão rodar na urnas a transmissão é feita pela internet. Nada impede que um ataque seja realizado nesse momento.
Essa cerimônia é meramente protocolar, com a presença de representantes da OAB e do MPF que assinam diversos lacres sem ter a mínima ideia do que está efetivamente gravado nos instrumentos lacrados.
O mesmo processo se repete para a gravação das mídias em todas as zonas eleitorais do país.
A distribuição e instalação das urnas no dia da votação é feita por caminhões, peruas e barcos que saracoteiam pra cima e pra baixo entre o cartório eleitoral de cada zona e os locais de votação. E os disquetes contendo a relação de votos fazem o caminho de volta nas mãos dos mesários até chegar aos cartórios.
Nada parecido com os cofres invioláveis da propaganda.
O PDT apresenta evidências de que, em 2012, um programa adulterado conseguiu ser introduzido na 157ª zona eleitoral de Londrina.
Existem dezenas de casos de ataques ao sistema registrados, todos devidamente rejeitados pela Justiça Eleitoral.
A lista de vulnerabilidades também é extensa.
A possibilidade de fraude mais comum é a do mesário que, na ausência de fiscalização, habilita o voto dos eleitores ausentes no final do horário de votação.
Para evita-la, o TSE vai instalar leitores de impressão digital nas urnas. Mas a habilitação do eleitor pela digitação do seu código de identificação continuará sendo possível, pois os leitores biométricos, assim como as urnas, também podem falhar.
Testes realizados em 63 cidades atingiram um índice de 7% de erros de identificação “em média”. Em alguns municípios de Alagoas esse índice variou de 45 a 65%, segundo estudo do professor Pedro de Rezende, da Universidade de Brasília.
Se você está tão preocupado quanto eu, não adianta reclamar mais uma vez na justiça.
Talvez seja mais adequado reclamar ao Procon.
Pensando nisso, o professor de computação Diego Aranha, da Unicamp, criou o site e o app Você Fiscal.
Ele sugere que você mesmo ajude a fiscalizar o que acontece com seu voto depois que ele sai da urna.
Por que o que acontece antes, ninguém sabe.
Veja como você pode ser um fiscal do voto – com ou sem o app – em:
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=3sIE6AxJKkU
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-urna-eletronica-brasileira-e-um-caso-para-o-procon/

10.01.2014

A política brasileira atual

O fim da polarização: nada de PT ou PSDB: a verdadeira força hegemônica da política brasileira é o "compadrismo".

por Marcos Nobre - sociedade

A partir das eleições de 2006, a disputa pelo título de “melhor governo da história deste país” foi politicamente decidida a favor de Lula, contra a administração tucana anterior. Já o debate acadêmico, em sentido contrário, parecia se encaminhar para entronizar (para o bem ou para o mal, dependendo da avaliação) o plano real iniciado quando Itamar Franco estava na presidência, foi o marco de um novo período da história brasileira. O cientista social André Singer, num artigo publicado em 2009 na revista Novos Estudos do Cebrap, resolveu comprar a briga e estabelecer o lulismo como momento inaugural de uma nova era. Segundo suas análises, o governo Lula construiu um programa político ao longo de dois mandatos, cuja base social estaria na massa popular que conquistou, nesse período, substanciais melhorias em seu padrão de vida. Lula teria realizado uma operação política de troca de sua base eleitoral e de apoio entre as eleições de 2002 e de 2006. Conforme a tese, ele ampliou a base tradicional na classe média em favor de um “subproletariado”, caracterizado por um profundo e disseminado conservadorismo. Foi nesses termos que Singer deu corpo e densidade à expressão até então vaga do “lulismo”, levando a discussão a outro patamar.

Em textos mais recentes, Singer deu a esse suposto conservadorismo de massa profundidade histórica, em registro local e internacional, por assim dizer. O lado nacional conecta a nova base social de Lula a uma corrente social subterrânea que o levaria a Getúlio Vargas e à “herança populista dos anos 1940/1950” e que estaria ligada, no presente, a um “povo lulista que deseja distribuição de renda sem radicalização política”, como afirmou em artigo publicado na Folha de S.Paulo.

Já é suficientemente inquietante a aproximação com um paternalismo avesso à democracia. Tanto mais que Singer nem mesmo distingue entre o Getúlio Vargas da ditadura do Estado Novo e o presidente eleito da década de 50. Mas a complicação fica ainda maior quando aproxima o lulismo do New Deal dos Estados Unidos da década de 30, como fez em ensaio publicado na edição de outubro de 2014 na revista piauí. Essa comparação com um momento passado da história norte-americana pretende, na verdade, apontar para o futuro – para o Brasil que teria sido inaugurado pela era Lula e que teria como imagem a formação da nova classe média dos Estados Unidos depois do período do presidente Franklin D. Roosevelt.

A comparação com o New Deal parece deslocada por várias razões. A começar pelo fato de que, nos Estados Unidos, ele se seguiu a nada menos do que a crise de 1929. Ao contrário de Obama agora, Roosevelt chegou três anos depois da maior catástrofe econômica da história do capitalismo em tempos de paz e encontrou o terreno propício – não obstante a derrota histórica nas eleições legislativas de 1938 – para alcançar um novo grande acordo social. Sem falar no fato elementar de que o patamar de desenvolvimento social, econômico e democrático dos Estados Unidos pré-1929 não tem base de comparação com o Brasil de 2002. E, tudo somado, um vaivém entre o New Deal, Lula e o Estado Novo nem de longe pode ser considerado como uma operação inofensiva.

Seja como for, está ausente a referência à democracia e a uma cultura política democrática – tanto no caso dos Estados Unidos como no caso do Brasil. Como se a presença ou ausência da tradição e da prática democráticas não fosse elemento estrutural para pensar qualquer aproximação ou comparação entre situações sociais e históricas distintas. De maneira crua, o que se tem na argumentação de Singer é o suposto de que aumentar a renda da população pobre tem resultados conservadores. Um pressuposto, aliás, que não é demonstrado. Surge como um economicismo de novo tipo. Não apenas por ignorar o papel das instituições e de uma cultura política democrática – fenômenos “superestruturais”, como se costumava dizer no velho jargão marxista –, mas por reduzir a política ao reflexo de uma população que compra e consome.

Com essa redução, desaparece do horizonte também a crítica. Desaparece todo o universo de obstáculos à efetiva democratização da sociedade que caracteriza a política do país. Desaparece a imagem de uma sociedade amputada por uma representação política excludente, como é o caso da brasileira. Supor conservadorismo sem examinar as condições políticas concretas do desenvolvimento da democracia naturaliza esse mesmo conservadorismo.

A situação é outra quando se olha tanto o período FHC como o período Lula do ponto de vista mais amplo do processo de redemocratização iniciado nos anos 80, com o fim da ditadura. Dessa perspectiva, tanto o marco representado pelo plano real quanto aquele representado pelo governo Lula se apresentam como momentos de inflexão em uma linha de desenvolvimento que os precede e, em boa medida, os determina. Ao mesmo tempo, é apenas essa ampliação do horizonte que permite enxergar a cultura política mais duradoura que caracteriza a sociedade brasileira, juntamente com sua forma mais relevante e estrutural de obstrução democrática. A essa cultura política herdada dos anos 80 dou o nome de “compadrismo”.

É possível ver o desenvolvimento da política do país desde então como uma sequência de tentativas de lidar com esse fenômeno fundamental, seja para combatê-lo, seja para neutralizá-lo, seja para dirigi-lo. De maneiras diferentes, tanto o plano real como o “lulismo” foram tentativas de controlar o compadrismo de fundo da política brasileira. Por isso, por mais importantes que pareçam e de fato sejam, são momentos de inflexão em uma linha de força muito mais duradoura e consistente.

A compadrização não tem a ver apenas com o crescimento ou a eventual hegemonia de um partido dentro de um governo. Tem a ver com uma lógica. A título de exemplo, basta pensar que uma figura como Aécio Neves pode perfeitamente ser pensado nesse registro. Se tiver a oportunidade e as condições políticas para isso, certamente ele será um símbolo do compadrismo, mesmo que nunca se transfira partidariamente para o PMDB e continue no PSDB.

O compadrismo significa uma lógica, portanto. Lógica que, sim, se formou e se consolidou a partir da configuração concreta do PMDB na década de 80, nas condições específicas em que se deu a redemocratização. Mas que se autonomizou em relação ao partido, mesmo que este continue ainda hoje a ser o seu fiel depositário na política brasileira, pois se coligou com o PT e mantém apoio no congresso a administração pública petista.

Para entender esse movimento, é preciso voltar três décadas e puxar o fio da meada desde lá. O que é um exercício bem distante de ser óbvio no momento atual, em que a euforia da irresistível ascensão do país à condição de potência mundial deixa ver com dificuldade o fato elementar de que períodos de crise não foram a exceção, mas a regra, no quarto de século que vai de 1978 a 2003.

Com a reforma partidária de 1980, o MDB, já então PMDB, ganhou o importante problema de saber como não se esvaziar, de como manter dentro da mesma legenda correntes, tendências e mesmo partidos inteiros que tinham poucas afinidades além da unidade da luta contra a ditadura. Com o pluripartidarismo, parecia que o sentido do MDB também havia se esgotado.

Ocorre que não só o MDB guardava um capital político de altíssimo valor. Dispersar forças naquele momento poderia significar também colocar inteiramente nas mãos dos militares a transição democrática. Pois a antiga Arena tinha se tornado o PDS e conseguira manter a maior parte de seus quadros. Se a oposição se dispersasse naquele momento, o colégio eleitoral de 1985 poderia eleger um nome civil do PDS como presidente da República, em lugar de Tancredo Neves.

Para conseguir manter dentro de um mesmo partido correntes e tendências tão heterogêneas, a nova sigla aperfeiçoou um sistema interno de regras de disputa que já funcionara durante a década de 70 e que, a partir de 1983, precisava também incluir figuras de uma nova ordem de grandeza: governadores de estado. Esse sistema pode ser descrito de maneira simples como um sistema de vetos. (Coisa muito diferente – e ainda mais complicada – seria a de circunscrever a “base social” desse compadrismo, de tão impressionante longevidade e vitalidade na política nacional, uma tarefa que não cabe aqui).

É um modo de fazer política que franqueia entrada no partido a quem assim o deseje. Pretende, no limite, engolir e administrar todos os interesses e ideias presentes na sociedade. Em segundo lugar, garante a quem entrar que, caso consiga se organizar como grupo de pressão, ganhará o direito de vetar qualquer deliberação ou decisão que diga respeito a seus interesses. Foi assim que o PMDB se organizou a partir da década de 80. Como se o partido fosse, em si mesmo, um governo de união nacional.

Foi uma resposta tipicamente conservadora ao brutal descompasso entre uma democracia sem instituições e a altíssima participação popular nos anos 80, especialmente visível no período da Constituinte. Em lugar de democratizar aceleradamente as suas instituições, a política brasileira, liderada pelo PMDB, construiu um sistema de filtros, obstáculos e vetos que procurava represar e atender seletivamente à verdadeira enxurrada participativa que se viu naqueles tempos, inédita na história do país.

O essencial da cultura política inaugurada pelo PMDB na década de 80 é o fato de que, desde o declínio da ditadura militar, sua identidade deixa de se construir por oposição a um inimigo, real ou imaginário, e passa a ser construída com base em um discurso inteiramente anódino e abstrato, sem inimigos, cujo sentido mais importante é garantir o sistema de ingresso universal e de vetos seletivos ou simplesmente o controle do congresso.

Reafirma-se, então, a visão realista de que a democracia não passa do exercício da capacidade de bloquear o oponente, não de enfrentá-lo abertamente no espaço público. Pressupõe que maiorias não se formam positivamente em favor de políticas determinadas, mas sim porque se mostram capazes de desviar, contornar ou neutralizar vetos. No mais, é uma cultura política que aceita mecanismos de participação e deliberação democráticos. Desde que não ameacem seriamente o sistema de vetos ou o domínio congressual.

Mas essa lógica, digamos, inclusiva do compadrismo tem seus limites. A política simplesmente deixa de funcionar quando a polarização desaparece. Quando todos estão, por assim dizer, incluídos, quando estão aptos e organizados para vetar, em algum momento vem a paralisia, uma tendência inscrita no próprio compadrismo.

Na década de 80, a paralisia política coincidiu com a desorganização econômica. Produziu uma constituição que contém muitas e diferentes constituições dentro de si – o que, por razões que não vêm ao caso aqui, acabou por ser positivo para a sua consolidação. E culminou com uma inflação inteiramente fora de controle e com a humilhante derrota de Ulysses Guimarães na eleição presidencial de 1989.

A desorganização econômica tinha nome e sobrenome conhecidos. Chamava-se inflação, “inflação inercial”. Teve papel central na manutenção do pacto de desigualdade brasileiro dos anos de nacional-desenvolvimentismo, entre as décadas de 30 e 80. Nos limites rígidos de uma economia fechada e, na maior parte do século XX, de regimes autoritários e/ou coronelistas, a inflação auxiliou na promoção de desenvolvimento econômico rápido e intenso sem alterar fundamentalmente os padrões desiguais de distribuição de renda. Um pacto que pretendia se sustentar na melhoria geral dos padrões de vida. Não foi por acaso que um dos primeiros atos da ditadura militar de 1964 tenha sido o de institucionalizar a inflação sob a forma da “correção monetária”.

Em um determinado momento, entretanto, a inflação deixou de ser o mecanismo mais eficiente para a manutenção do pacto de desigualdade que caracteriza a história brasileira, revelando divisões e disputas potencialmente desagregadoras no interior dos próprios estratos sociais privilegiados da elite brasileira, tanto em poder político, como econômico. Esse foi não apenas o momento em que a inflação se tornou hiperinflação. A hora histórica coincidiu também com o declínio da ditadura militar, com a redemocratização e com o esgotamento do modelo chamado nacional-desenvolvimentista. Foi esse nó social que coube ao compadrismo não desatar.

A coincidência histórica de hiperinflação e redemocratização moldou um sistema político programado para o quanto possível impedir a formação de blocos hegemônicos capazes de impor perdas definitivas a terceiras partes principalmente no congresso nacional. E não é difícil ver que a tarefa de superar simultaneamente a hiperinflação e o modelo nacional-desenvolvimentista sem regressão autoritária não é factível em uma configuração política como essa.

Para mostrar isso, basta lembrar que, até 1994, governos estaduais tinham no Brasil relevantes instrumentos para fazer política econômica, independentemente do chamado governo central. E que os tímidos ensaios de abertura econômica da década de 80 – como a abertura para o investimento, por exemplo – foram feitos na margem e por políticas específicas de ministérios e órgãos da área econômica.

Dito de outro modo, a resposta conservadora é a do adiamento permanente de soluções definitivas. Normalmente considerada como o período do “ajuste estrutural” à nova etapa do capitalismo mundial, a década de 80 foi, na verdade, a do adiamento do ajuste mediante a manutenção da hiperinflação e do fechamento da economia. Não é de estranhar, portanto, que esse adiamento estrutural leve, mais cedo ou mais tarde, à paralisia.

O que explica também, do lado oposto, que a década tenha se encerrado com a opção de disputa com o PMDB, com a eleição de Fernando Collor do extinto partido PR. A paralisia pemedebista trouxe seu oposto para o centro da arena política: Collor, com uma única opção, queria acabar com a inflação e o nacional-desenvolvimentismo. No fundo, a oscilação entre os extremos da paralisia pemedebista e do centralismo alucinado de Collor colocou as bases para o surgimento da nova versão do pacto de desigualdade brasileiro representado pelo plano real.

A reorganização que veio com o plano de 1994 não alterou substancialmente a lógica pemedebista – o que, aliás, não surpreende, se lembrarmos que o próprio FHC se formou na política partidária dentro do MDB/PMDB. Mas o novo modelo de gerenciamento político do período Itamar Franco e FHC deu ao pemedebismo direção e sentido, submetendo essa cultura política a um sistema bipolar que o conteve em limites administráveis.

Em lugar dos dois extremos – pemedebismo ou Collor – o partido que FHC se elegeu presidente, o PSDB colocou a ponta seca do compasso em um novo centro político, estabelecendo a partir daí dois polos no sistema, um liderado pelo PSDB, o outro pelo PT. Além dos aliados históricos de cada um dos lados, a regra seria construir uma coalizão de “A a Z” sob a liderança do polo no poder.

Como já deve estar claro a esta altura, controlar a inflação significava ao mesmo tempo controlar a tendência pemedebista da política brasileira. É nesse sentido que a aliança PSDB/PFL foi, literalmente, a outra face da moeda, do real. Controlar a inflação não dependia apenas de um aprendizado técnico-econômico com os sucessivos fracassos dos planos anti-inflacionários de 1986 a 1991: Cruzado (I e II), Bresser, Verão, Collor (1 e 2). Dependia ao mesmo tempo da construção de um bloco político capaz de superar a crise estrutural de hegemonia da redemocratização que é chamada aqui de compadrismo. Ou seja, há um vínculo interno entre a “inflação inercial” e a “política inercial” que se cristalizou sob a forma de sistema político a partir da década de 80.

Ao se aliar ao PFL e, posteriormente, a quem mais estivesse disponível, o governo FHC estabeleceu um campo de forças em que ao PT só restariam duas possibilidades: permanecer indefinidamente na oposição ou fazer um movimento em direção ao centro político, com uma nova e mais “flexível” estratégia de alianças.

No caso de um movimento do PT em direção ao centro, a condição propriamente partidária imposta pelo modelo era uma só: o partido conseguiria vir a governar o país se, além dos parceiros históricos, viesse a se aliar ao PMDB. O que efetivamente aconteceu no governo Lula, ainda que somente depois do cataclismo do “mensalão”, pois naquele momento ficou claro que o PT deveria se coligar ao PMDB para dar continuidade a administração pública federal. “Mensalão”, aliás, que marca o ponto de chegada e o apogeu da engenharia política do plano real. Foi quando, pela primeira vez em 25 anos, uma crise política não afetou a economia.

Mas a história ainda não chegou a 2005. Para chegar ao primeiro mandato de Lula é preciso ainda lembrar de pelo menos mais uma das mudanças estruturais decisivas introduzidas pelo plano real e que marcou o ocaso do poder dos governadores de estado ou seu completo esvaziamento, tradicionais candidatos a gerentes do condomínio político brasileiro. O primeiro movimento de neutralização veio com a própria estabilidade da moeda, que teve um efeito devastador sobre a dívida pública. Sem o permanente adiamento representado pela inflação, os governadores se viram em dificuldades orçamentárias intransponíveis e, do outro lado, encontraram no governo federal um duro negociador na reestruturação das dívidas estaduais.

O segundo movimento foi concomitante. Retirando do âmbito dos estados praticamente toda e qualquer possibilidade de praticar política fiscal e monetária – o que era comum no período inflacionário – o governo federal garantiu o monopólio da irresponsabilidade fiscal, julgada então necessária para alcançar a estabilização econômica pretendida. A mesma irresponsabilidade que negou aos estados. Não por acaso, foi o tempo mais quente da chamada “guerra fiscal”, em que os governadores lançaram mão dos parcos e únicos recursos que lhes restaram para obter investimentos em troca de isenções e benefícios tributários e fiscais.

A concentração dos principais instrumentos de política fiscal e monetária nas mãos do governo federal foi essencial para neutralizar essa que foi uma das principais fontes de alimentação da política na década de 80. E seu episódio inaugural e mais marcante ocorreu antes mesmo da posse de FHC como presidente: a idealização do plano real pelo governo Itamar Franco. Logo após esse importante momento político, veio a intervenção no Banco do Estado de São Paulo, o Banespa, realizada às vésperas da posse do governador do estado, até então principal líder do PSDB, Mario Covas.

Depois de perder sua segunda eleição presidencial em 1994, Lula tomou a decisão de fazer mudanças significativas no PT, reorientando radicalmente sua estratégia. Tinha chegado à conclusão de que o plano real havia alterado profundamente a lógica da política brasileira, a começar pelo fato de ter resolvido o principal problema nacional, a inflação. Foi nesse momento que começou a ser construída tanto uma maioria partidária disciplinada como uma nova política de alianças partidárias e eleitorais.

O movimento inaugural nessa direção foi a eleição de José Dirceu para a presidência do PT. A partir de 1995 – e não sem conflitos com o próprio Lula, diga-se – Dirceu implementou à risca o plano, isolando ou mesmo expulsando militantes e grupos políticos inteiros que se opunham à nova orientação, construindo um sólido bloco de apoio majoritário, e buscando estabelecer pontes com partidos e figuras políticas até então consideradas como inimigos. O ápice dessa estratégia se deu na eleição de 2002 e seu símbolo é a candidatura a vice-presidente na chapa de Lula do empresário José Alencar, então senador do hoje extinto PL.

Lula ganhou a eleição sem o apoio formal do PMDB. Mas não conseguiu estabilidade para governar até o momento em que cumpriu o destino que lhe tinha sido reservado pelo arranjo imposto pelo plano real. Não que Lula não tenha tentado fugir a essa camisa de força herdada. Ao contrário, escolheu inicialmente construir novas alianças apenas com a miríade de pequenos e médios partidos à disposição e fazer acordos individuais com parlamentares do PMDB, não com o partido como um todo, ou pelo menos com a porção dele que pudesse ser atraída para a base do governo.

Nesse momento de seu primeiro mandato, Lula operava ainda como árbitro do PT e não como presidente da República. O governo estava dividido essencialmente entre facções do partido que continuavam a se digladiar por espaço como antes. E Lula continuava a ocupar a posição de “último recurso” que sempre ocupou nas disputas internas do partido, interferindo diretamente apenas quando o seu próprio prestígio estava em causa.

Essa situação fez com que as figuras de José Dirceu e de Antonio Palocci se sobressaíssem e passassem como que a canalizar todas as disputas internas ao governo em duas facções concorrentes. Dirceu apoiado no PT, Palocci como porta-voz de outras forças partidárias dentro do governo e do mercado financeiro. Por essa época, as negociações políticas eram extremamente delicadas, já que Lula não autorizava (nem desautorizava, ao mesmo tempo) ninguém a negociar em seu nome.

Foi essa instabilidade estrutural que o levou a recusar, em 2004, o acordo com o PMDB construído durante meses por José Dirceu. Entre outras coisas, porque isso significaria também, nesse contexto, dar poder demais a Dirceu na disputa interna. O resultado foi o abismo do “mensalão” que existiu tanto no PSDB quanto no PT, mas provocou prejuízos imprevisíveis no petismo. E a consequente aliança formal com o PMDB, em 2005, praticamente a solução para evitar riscos de impechiment, momento em que Lula finalmente assumiu a Presidência da República e o papel de articulador político de seu próprio governo.

E, quando parecia que o cenário traçado em 1994 estava sendo seguido à risca, Lula deu o troco. Em lugar de apenas se limitar a trazer o PMDB e o estritamente necessário para a sustentação política do governo, passou a ampliar sistematicamente o centro político estabelecido a partir do plano real e a tornar quase impossível a vida de um oposicionista. Com taxas de aprovação popular jamais vistas, Lula investiu contra a lógica da polarização PT/PSDB que organizava todo o sistema. Manteve-a apenas nos limites do necessário para alcançar os efeitos eleitorais pretendidos. Mas, de fato, roubou o chão do polo liderado pelo PSDB.

Lula esteve em condições de ampliar de tal maneira o centro político que a polarização praticamente desapareceu. Deu à oposição a alternativa de aderir ou de se encantoar na extrema-direita. Ou seja, não lhe deu alternativa. Ou lhe deu uma alternativa ainda mais estreita do que aquela que lhe tinha sido imposta pelo grupo de FHC.

Esse movimento solapou de tal maneira as bases do sistema político do plano real que é difícil imaginar como elas poderiam ser hoje recompostas. O acordo selado em torno do centro político se tornou de tal maneira amplo que toda e qualquer polarização parece artificial. Artificialismo, entretanto, que tem sua utilidade eleitoral, sem dúvida. E que explica também por que a eleição de 2010 ficou entre o chocho e o abstruso, sem nada de realmente relevante entre as duas coisas.

Em uma sociedade que – por muito boas razões, diga-se – não acredita em consensos, o primordial é tentar garantir não ser atropelado por um dos propalados “consensos” do momento. Como por toda a América Latina, as eleições da última década significaram a ascensão de pobres e remediados à condição de representados políticos.

O que talvez seja específico do caso brasileiro é a maneira como ocorre a “inclusão”. Também no caso da representação do que André Singer chamou de subproletariado, setento mostrar aqui que é o mesmo mecanismo característico da cultura política brasileira que se encontra em ação: o de igualar “estar incluído” com “ter poder de veto”.

Lula representa quem nunca teve verdadeiramente representação, não porque simbolize um conservadorismo que seria próprio aos excluídos políticos, mas porque é o fiador de que não haverá retrocesso nesse avanço democrático à brasileira. Ao contrário da ladainha conservadora, ser representado não é apenas ser objeto de políticas públicas; é igualmente acreditar que não será atropelado por mais um dos muitos “consensos” que o país produz de quando em quando.

É por tudo isso que penso que André Singer tem razão em dizer, no ensaio de piauí, que “durante um tempo longo o norte da sociedade será dado pelo anseio histórico de reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil”. Como me parece ter razão ao acrescentar em seguida: “Em que grau e velocidade, a luta de classes dirá.” Ocorre que a determinação do “grau e velocidade” depende também de análises políticas concretas, que sejam capazes de mostrar as tendências do sistema. Depende de uma análise política capaz de vincular esse movimento à própria lógica da democracia brasileira, com os potenciais e os obstáculos ao seu aprofundamento. Do contrário, a posição do lulismo como pretenso momento inaugural de uma era perde o gume analítico e seu eventual poder explicativo.

O que se tenta mostrar aqui é que há uma tendência à paralisia no sistema político brasileiro cuja lógica chamo de compadrista, cujas raízes devem ser buscadas na década de 80, no início da redemocratização brasileira. Se tenta mostrar também que essa tendência intrínseca impõe dificuldades estruturais à produção de polarizações consistentes e duradouras. E que o momento atual é de enfraquecimento da polarização, um momento em que a paralisia pode suplantar uma vez mais o sistema bipolar instituído pela lógica política do plano real.

No caso da reviravolta política de Lula examinada aqui, por exemplo, o alargamento do centro político e o enfraquecimento da polarização tiveram por consequência trazer para o primeiro plano justamente o compadrismo, até então subordinado e subterrâneo. E essa novidade é um elemento determinante do “grau e velocidade” em que poderão se dar ou não as transformações no país.

O marco do novo surto pode ser representado pela resistência de José Sarney na presidência do senado, apesar de uma saraivada de denúncias, em 2009. O apoio decisivo de Lula à permanência de Sarney na presidência do senado selou a aliança com o PMDB para a eleição presidencial de 2010 e, ao mesmo tempo, marcou a volta da disputa pela hegemonia da gramática política brasileira do compadrismo. Ao contrário de casos anteriores, que resultaram em renúncia ou cassação de mandatos, a permanência de Sarney mostrou que o centro político ganhou tal amplitude e poderio, que pode em grande medida ignorar protestos sistemáticos e generalizados da sociedade, como a ocorrida em julho de 2014.

Uma contraprova do caráter determinante dessa cultura política de fundo está em que, desde o primeiro mandato, Lula caminhou justamente por onde não encontrou vetos: nos aumentos reais do salário mínimo, na ampliação dos programas sociais, nas reformas microeconômicas do crédito. Mas isso estava ainda longe da política desenvolvimentista do segundo mandato, que induziu a criação de oligopólios nacionais com pretensões de internacionalização.

Na nova política, os grupos escolhidos pelo governo como vencedores tinham todas as razões para comemorar, assim como os demais tinham motivo de sobra para se recolherem, evitando possíveis represálias. Além disso, o crescimento econômico expressivo e praticamente contínuo tornou os reais perdedores apenas residuais. Seja por que razão for, o fato é que a nova orientação desenvolvimentista não encontrou resistência social e política relevantes. E, coincidência ou não, esse desenvolvimentismo movido a subsídios, desonerações e subvenções só deslanchou com a entrada definitiva do PMDB no governo, depois do “mensalão” pedessista e petebista.

Tão ou mais importante que isso, a chegada do PMDB ao governo Lula trouxe ainda um elemento novo ao modelo de liderança bipolar herdado da engenharia política imposta por FHC. Lula criou onde e como pôde políticas sociais compensatórias. Só que repartiu de maneira desigual os seus dividendos políticos.

O PT ficou com a formulação, com o controle dos projetos e com o crédito de paternidade (ou maternidade, como se queira em Dilma). E o PMDB recebeu a maior parte da execução das políticas – justamente a parte que contempla o poder local e abastece a política miúda. O programa luz para todos, não por acaso criado por Dilma Rousseff quando ministra das Minas e Energia, pode ser visto como caso exemplar dessa lógica lulista de repartição de dividendos políticos.

É justamente essa lógica de repartição de dividendos políticos que está ameaçada de agora em diante. E não apenas porque a própria repartição terá de ser negociada. O sucesso do plano real e a popularidade de Lula conseguiram ainda contrabalançar, conter e direcionar em alguma medida o compadrismo. Mas são eventos passados e irrepetíveis.

Quanto mais se radicalizou a polarização entre PT e PSDB, tanto mais o compadrismo se impôs. Não se trata de dizer sem mais que a polarização é falsa e que não há diferenças entre os dois polos. Mas, quanto mais essa política negativa avança, mais a polarização é amplificada artificialmente, servindo à manutenção de uma lógica política profunda que não é nem petista nem tucana.

Durante dezesseis anos, o sucesso do plano real e os altíssimos índices de aprovação do governo Lula permitiram manter sob certo controle a tendência do sistema de compadrização. Parece que não mais. A possível oposição se encontra hoje entrincheirada justamente em governos estaduais, o lugar político menos propício para enfrentar as coalizões de “A a Z” que caracterizam os governos desde FHC. Além disso, um congresso ainda mais fragmentado serve de caldo de cultura política ideal para a expansão do compadrismo.

A ironia e a tragédia da história estão em que o compadrismo encontrou na “blindagem” da economia contra “interferências políticas” o elemento que lhe faltava para voltar a disputar a hegemonia política, para sair de sua posição de relativa subordinação de mais de quinze anos para um novo protagonismo. Note-se, aliás, que o fiel depositário, o partido que lhe deu origem, procurou mesmo se mostrar fiador dessa “blindagem”, filiando quadros tão importantes e incongruentes entre si como Henrique Meirelles e Delfim Netto. O resultado regressivo desse processo é visível a olho nu: uma política que tende a se descolar da sociedade, uma política que tende a se fechar sobre si mesma. E que, no limite, pode levar à paralisia.

Tornado aliado em sentido enfático nas eleições de 2010, o PMDB vai levar a disputa entre situação e oposição para dentro do governo. É por isso também que o tamanho nominal da bancada parlamentar que apoia o governo tem menos importância do que as matérias específicas em pauta, do que o estado da disputa interna ao governo. Ou seja, a mais importante disputa política será entre o PMDB e o compadrismo, de um lado, e o PT e seus possíveis aliados, de outro.

Não será uma briga bonita de ver. As fábricas de dossiês vão se multiplicar como nunca. Já durante a eleição de 2010, a ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, foi a primeira baixa, o prenúncio do que virá. Sua queda dá uma pálida ideia de como serão os embates futuros.

A primeira das duas batalhas decisivas será uma vez mais a eleição municipal – a mesma, aliás, que esteve na origem do “mensalão”, é importante lembrar. Depois de 2012, a segunda batalha acontecerá na data limite para parlamentares trocarem de partido sem penalidades, na segunda metade de 2013. Enquanto isso, o PMDB fará de tudo para colocar sob sua órbita de influência o maior número possível de parlamentares de outros partidos.

A primeira escaramuça – que de maneira alguma será decisiva – acontecerá na eleição para a presidência da câmara e do senado, no início de 2011. Sendo que a figura de José Sarney é aqui emblemática: o atual presidente do Senado e candidato à recondução ao cargo foi justamente o presidente no auge do compadrismo da década de 80. Sabe muito bem o que significa estar nas mãos de um congresso que funciona segundo essa lógica.

Não é nem um pouco fácil imaginar o lugar que poderá ter a oposição durante o governo Dilma. Há quem confie em supostas leis da política e ache que é assim mesmo, que a oposição vai se reorganizar e acabar aparecendo. Mas não são muitos esses otimistas científicos.

Mas, mesmo reorganizado PSDB com Aécio na presidência, a oposição pode, no máximo, servir de massa de manobra na disputa entre PT e PMDB. E manter a esperança de que o compadrismo afinal vença e venha a produzir a paralisia que lhe é própria. Isso seria capaz de dar novo fôlego à oposição, talvez em aliança com o próprio PMDB. Mas também esse não é um cenário alentador para a democracia brasileira. Porque, no fundo, o jogo político não vai se dar entre situação e oposição, mas entre a crise de um sistema organizado em polos e a compadrização.

Seja como for, se não é possível prever os resultados de uma regressão política do compadrismo, é pelo menos possível dizer que, no médio e longo prazo, sua efetiva ocorrência exigirá uma reorganização de grandes proporções. Porque o sistema político não sobrevive sem polarização. E a polarização dos últimos quinze anos não tem mais densidade suficiente para organizar e estruturar o sistema.

Um sistema em estado de não polarização é o elemento do compadrismo. E, se um cenário regressivo não se deixa ver hoje em toda a sua possível amplitude e gravidade, pelo menos suas marcas mais gerais são bem visíveis: um tempo de bonança, desigualdade e pequena política. Ou até que uma nova polarização se produza para superar uma vez mais a paralisia compadrista com o surgimento de uma nova e inimaginada polarização.

Agradecimento
Maria Cristina Fernandes não tem nenhuma responsabilidade pelo que escrevi acima, mas sem suas sugestões e críticas o texto simplesmente não seria o que é.

Revista Piauí - Edição 51 > _ensaio > Dezembro de 2010  
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-51/ensaio/o-fim-da-polarizacao