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2.08.2015

A grande imprensa é golpista, sim, e está muito bem organizada

Por Gilberto de Souza - RJ8/2/2015 - Sociedade e Comunicação

Um ataque sem trégua promovido pela mídia conservadora levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio
Um ataque sem trégua promovido pela mídia conservadora levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio
No artigo do jornalista Rui Martins publicado aqui, no Correio do Brasil, ele questiona a dificuldade de encontrar outros jornalistas, em um café ou cervejaria (prefiro a segunda opção) para debater o papelão da imprensa conservadora brasileira, na evidente tentativa de golpe contra o governo dito progressista da presidenta Dilma Rousseff. Ainda que sem o conteúdo etílico, não há espaço mais perfeito para este debate do que aqui, nas páginas do jornal. Para o correspondente, que cobre para o CdB o Festival de Cinema de Berlim, os jornais, rádios e canais concessionados da TV aberta, no país, não pretendem apear a mandatária antes do tempo, apenas exercem o sagrado direito de ser contra um projeto de governo que, convenhamos, assemelha-se à tentativa atabalhoada de resgate dos brasileiros miseráveis para uma condição de pobreza e, daí, à classe média, para acessar bens de consumo e manter o capitalismo rodando. Os aeroportos servem de termômetro para esta afirmativa, embora os mais de 500 mil estudantes que ficaram no chão, com um zero absoluto na redação do Enem, digam o contrário.
O fato é, porém, que aquela redação estoica e politizada dos tempos do Última Hora – “que não era um jornal de centro-esquerda, nos moldes europeus, mas um cotidiano populista nacionalista”, segundo o articulista e editor da coluna Direto da Redação, aqui no CdB – já não existe mais. Foi no Jornal do Brasil, meu último emprego em um jornal conservador, onde ouvi pela primeira vez que notícia era uma espécie de commoditie e este entendimento era compartilhado pelas direções dos principais diários e canais de TV do país. No Correio do Brasil, posso garantir que notícia nunca foi e jamais será – enquanto eu for o editor-chefe – algum tipo de mercadoria. Notícia, para a Redação do CdB, é o retrato mais fiel da realidade que os jornalistas transmitem aos leitores, e esta não está à venda. Aqui, somente vendemos assinaturas, exemplares e espaços publicitários. Mas o que se percebe, infelizmente, é que a prática da mercantilização da notícia está disseminada, de forma letal para a democracia, nas principais redações do país.
Foi o dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, ainda na Era Vargas, que deixou a lição – hoje aplicada à larga – aos donos da mídia conservadora. Ele disse a um dos redatores que, se quisesse ter opinião, deveria fundar o seu próprio jornal. Enquanto estivesse recebendo um salário daquela empresa, publicaria apenas o que o patrão mandasse. Nunca concordei com isso, uma das razões que me levou a fundar o Correio do Brasil e garantir, com a minha palavra, a liberdade de expressão de quem escrevesse para este diário, que completou 15 anos no dia 1º deste ano. Nesses três lustros completos, avalio que o CdB seja o único, no país, a se manter firme nesta luta contra a censura imposta pela direção aos jornalistas que integram as redações. Mas, nem a censura patronal ao que é publicado nos meios de comunicação ligados à direita pode, como afirma Rui Martins, servir de argumento para classificar a mídia conservadora de golpista. Apesar de absurda, a decisão de somente publicar o que o patrão permite está protegida pela liberdade de expressão garantida na Carta Magna. O golpe não marcha por aí, no que deixam ser publicado. A arquitetura golpista é mais complexa.
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições, em 2002, precisou escrever uma carta ao mercado, dizendo que garantia os contratos em vigor, por mais leoninos que fossem; não sairia por aí reestatizando as empresas vendidas a preços vis pela turma do FHC e, nas entrelinhas, manteria o fluxo das verbas publicitárias quase que integralmente destinado ao cartel da mídia. Ou dizia isso ou fariam da vida dele, como ocorreu, de fato, um inferno tamanho que, se bobeasse, nem tomaria posse. Depois que acalmou os ânimos na Wall Street, o operário entrou no Palácio do Planalto e seus inimigos – entre eles os donos dos meios de comunicação – tiveram um tempo para se organizar, afinal, viviam uma experiência inédita que sequer na ditadura militar houve qualquer semelhança. Era o povo no poder.
Naquele momento, as grandes empresas de comunicação se viram ameaçadas, pois o ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) era o ex-guerrilheiro Franklin Martins. O desespero se intensificou mais quando perceberam que jornais recém-nascidos, como o Correio do Brasil, passaram a mostrar que um novo modelo de jornalismo, independente e libertário, era possível em meio à selva conservadora. Desde sempre, o CdB fez o contraponto às manchetes do cartel midiático e, no caso do ‘mensalão’, por exemplo, mostrou que o processo, como um todo, tratou-se de mais uma armadilha contra o governo do presidente Lula. O que não passava do execrável caixa 2 foi transformado na imprensa golpista no mito da compra de votos dos parlamentares. Apesar do esperneio dos ‘jornalões’ e da TV, Lula venceu com folga a disputa por um segundo mandato. Esta foi, é claro, a gota d’água para as maiores fortunas do país, entre elas a da família Marinho, dona das Organizações Globo. Era preciso colocar ordem no caos e unir forças para interromper o progresso da centro-esquerda. Deste entendimento nasceu o Instituto Millenium.
Uma instituição que reúne os principais dirigentes dos meios de comunicação conservadores, com apoio do capital internacional ligado aos principais credores do país, exerce atualmente o mesmo papel que o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) cumpriu durante os Anos de Chumbo. Não foi de graça que o então professor Fernando Henrique Cardoso trabalhou para um e, hoje, atua como um guru do outro. O trabalho consiste em unificar a mensagem a ser passada para a opinião pública e manter o ataque diário às forças da esquerda no país. O resultado não apareceu antes das eleições porque o candidato tucano, Aécio Neves, foi vencido pela militância aguerrida e corajosa dos brasileiros progressistas, que ganharam corações e mentes dos eleitores durante o segundo turno. Mas a bala passou raspando. Animados com a pequena diferença, nas urnas, os jornais, rádios e canais de TV que rezam na cartilha do Millenium seguiram na batida, agora com uma Operação Lava Jato inteira para azucrinar a vida da presidenta que, embora reeleita, aninha-se em um silêncio obsequioso e mantém abertos os cofres da Secom para os mesmos veículos de comunicação que integram o conjunto de meios dispostos a lhe derrubar, a qualquer preço.
Diante deste quadro, pode-se considerar que, sim, a grande imprensa é golpista. E mais: está organizada de forma a ampliar os ataques à medida que evolui o devido processo legal contra os malfeitos na Petrobras. Enquanto o PT sofre o pior desgaste de sua história, o governo ora empossado sangra, em meio a uma pancadaria midiática somente vista no tempo em que um tiro foi disparado no Palácio do Catete.
Qualquer jornalista que disser isso, no rol dos meios de comunicação ligados ao Instituto Millenium, tem a porta da rua como serventia da casa.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
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