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10.26.2015

Migrantes impulsionam a economia da Itália




Por Eleonora Camilli para Revista Carta Capital - Sociedade, Direitos Humanos e Economia (fonte no final)
Grande parte dos cerca de 1 bilhão de euros repassados a centros de recepção pelo governo acaba investida no comércio local
A recepção de migrantes é um negócio. E não apenas para aqueles que realizam atividades ilegais, lucrando com o infortúnio dos refugiados. A assistência a pessoas que chegam à costa italiana todos os dias traz uma renda honesta: estruturas de hospedagem para solicitantes de asilo e outros beneficiários de proteção internacional podem lucrar, mesmo dentro da lei e por meio de acordos assinados com as prefeituras, favorecendo autoridades locais e aumentando a receita em nível local.

  Foto: UNHCR/Sebastian Rich
Em alguns casos, esses lucros são uma verdadeira dádiva, especialmente em áreas onde a crise financeira é mais intensa. Para parafrasear um dos antigos anúncios do governo de Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro da Itália, em resumo, a recepção de migrantes “impulsiona a economia”.
980 milhões de euros por ano
Segundo os dados mais recentes do ministro do Interior, Angelino Alfano, em junho deste ano, 78 mil migrantes se hospedaram em centros italianos, incluindo instalações temporárias (48 mil), centros de recepção para refugiados (20 mil) e centros do governo (10 mil). Por sua assistência, o Estado fornece aos centros participantes uma média diária de 35 euros por dia para cada migrante (o que também inclui 2,50 euros por dia em “trocados” para despesas diárias fornecido aos hospedes). “Esses 35 euros são a média do custo calculado dos projetos do Sistema de Proteção para Refugiados e Solicitantes de Asilo (SPRAR). Mas ao longo do tempo esse valor se manteve como a média de custo também para a hospitalidade fornecida pelas prefeituras”, explica Daniela Di Capua, chefe do serviço central do SPRAR.
De acordo com os dados do Ministério do Interior, a despesa máxima diária para recepção de migrantes é de cerca de 2,7 milhões de euros, ou 82 milhões por mês. Por ano, o valor chega a 980 milhões de euros. “Esse valor nunca chegará às mãos dos migrantes em si, mas representa o custo de manutenção deles”, diz Di Capua. “Se retiramos os 2,50 em ‘trocados’, sobram mais de 32 euros por migrante para, em primeiro lugar, cobrir custos de equipe. Isso significa pagar salários, contribuições de impostos e contratos de operadores que trabalham nos centros, cuja a maioria é de jovens italianos”, completa.
Segundo Di Capua, parte do valor também é gasto na acomodação e na manutenção das instalações, que são em alguns casos de propriedade de municípios e são reformadas. “Algumas vezes, esses locais são alugados para clientes privados. Outra parte do dinheiro paga fornecedores, desde farmácias a mercados.” Este é um gasto que fica largamente nos municípios, explica. Não apenas para quem vence os contratos com o governo, mas para os municípios vizinhos. Há cerca de 400 municípios afetados diretamente pelos projetos de recepção do SPRAR.
Os acordos de financiamento para a recepção de migrantes autorizam que os gerentes dos centros estabeleçam com as prefeituras que os 35 euros diários cobrem: a compra e o fornecimento de refeições, serviços, ‘trocados’ para os migrantes, manutenção das instalações, e, em alguns casos, para a integração dos migrantes.
É preciso haver três refeições por dia com alimentos de alta qualidade e que respeitem as crenças religiosas dos solicitantes de asilo. Os migrantes ainda recebem itens de higiene pessoal, roupas, serviços de lavagem de roupas e assistência em casos de famílias com crianças.  “Além dos 2,5 para despesas diárias e a comida, os migrantes não recebem nada mais do valor”, afirma Don Vinicio Albanesi, presidente da Comunidade de Capodarco e da fundação Caritas in Veritate, que abriga 100 refugiados em um projeto de recepção em Fermo. “O resto do valor é gasto localmente. Devemos garantir uma equipe adequada: com educadores, mediadores culturais, um psicólogo e um cozinheiro. E isso significa empregos. A comida é sempre comprada na área, assim como os remédios e as roupas.”
A recepção de migrantes é positiva 

Família de solicitantes de asilo afegã na ilha de Lesvos, na Grécia. Foto: UNHCR / G. Moutafis
“A recepção é claramente benéfica, mas ninguém reconhece,” avalia Albanesi. No sul da Itália, em particular, é também uma forma de empregar a população local. Muitas áreas lucram com a recepção de migrantes, pois o retorno econômico é substancial, especialmente em tempos de crise. Albanesi rebate aqueles que criticam os altos custos de centros de recepção. “Quando ocorreu o terremoto em L’Aquila, o Estado pagava 64 euros por dia para a acomodação dos afetados pelo desastre. Muitos foram hospedados em hotéis na costa Adriática, mas não houve protestos. Por que 35 euros parecem tanto hoje em dia? Apenas porque essas pessoas são negras?”
Em Asti, a ONG Piam, que tem lidado por anos com vítimas de tráfico humano e recebido solicitantes de asilo e refugiados, até lançou uma campanha midiática intitulada “Recepção é Bom”, em tradução livre. “As regiões ganham VAT (imposto sobre valor agregado) e a segurança social é melhor (com as contribuições pagas aos empregados dos centros de recepção). Todos nos beneficiamos. Uma boa recepção é mais saudável para todos, doenças são prevenidas com um abrigo, comida e um chuveiro“, afirma um dos operadores comerciais de um dos projetos do SPRAR.
“Parte dos fundos do SPRAR devem ser usados com comunicação. Decidimos lançar uma campanha para abordar os diversos ataques e clichês aos quais sofremos”, explica Alberto Mossino, presidente da Piam, que lida com um projeto de recepção para 140 migrantes. Segundo ele, havia muito descontentamento com os trabalhadores do setor. Era preciso desmistificar algumas concepções. “Essa manhã, gastei 500 euros em roupas para migrantes que chegaram ao nosso centro. Comprei esses itens em uma loja aqui perto. Sempre compramos comida local e, quando precisamos, contratamos locais”, explica.
Mossino lembra, entretanto, que alguns centros de recepção se preocupam apenas com lucros, sem seguir padrões mínimos de qualidade. Isso ainda é possível devido ao fraco controle dos projetos. “Existem aqueles que entram nestas atividades apenas para lucrar, porque neste momento existem lucros que estão atraindo muitas pessoas.”
Nota do editor: Politike reconhece a lógica benéfica de que os repasses realizados pelo governo italiano aos centros de recepção para migrantes e outras acomodações representam um impulso na economia local, ao injetarem recursos extras nessas áreas. No entanto, é preciso pontuar que a União Europeia possui diretriz específica sobre os requisitos mínimos de qualidade e segurança que os centros de recepção no bloco devem possuir. Cabe aos Estados Membros garantir o cumprimento das mesmas. Logo, a “financeirização” ou “terceirização” dos centros de recepção não pode resultar em violação do item que define “padrões adequados de qualidade de vida” nessas instalações. 
Este artigo foi originalmente publicado na newsletter da ONG Rights in Exile Programme.
Este artigo foi editado para se adequar aos padrões de tamanho do Politike. 
http://politike.cartacapital.com.br/como-migrantes-impulsionam-a-economia-da-italia/