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9.20.2013

Ao usar o celular se fica isolado sem perceber

Homo scaenicus
Com um celular em uma ilha deserta você é autossuficiente, e não precisa de ninguém, nem da realidade

A literatura está cheia de cenas em que, no metrô parisiense, o protagonista se vê cercado de leitores, absorvidos na leitura de um romance. A má notícia é que definitivamente isso é tão passado e romântico quanto a ideia de consertar eletrodoméstico quebrado – em vez de jogá-lo fora e comprar um novo, pagando bem menos. Os parisienses, agora, como o resto do mundo, viajam de metrô olhando, absortos, para seus aparelhos celulares.

O escritor Ray Bradbury, no seu romance “Fahrenheit 451”, publicado em 1953, pensou num futuro assustador, em que as cidades estariam abarrotadas de telas gigantes, onde seriam projetadas imagens de perseguições e detenções, 24 horas por dia, que monopolizariam a atenção dos transeuntes.

Quase 60 anos depois, dá para dizer que Bradbury só errou no tamanho da tela.

A verdade é que estamos obcecados pelos nossos celulares. Amamos nossos telefones de tal forma que ninguém mais se atreve a colocá-lo no bolso da calça ou dentro da bolsa. Eles são carregados como se fossem santos de barro. Com toda a reverência. Nos restaurantes, ficam visíveis nas mesas e, se bobear, recebem mais atenção do que o amigo chato ao lado. Claro que isso tem uma explicação. Telefone hoje é entretenimento. A vida que rola aqui fora, no mundo real, com as pessoas reais, rola muito mais rápida, mais intensa e mais divertida dentro de um telefone, que baixa músicas, filmes, fotografa, manda mensagens, fotos, se conecta com Facebook, Orkut, localiza endereços, pessoas, sem jamais perder sua função básica: estar disponível para quem quiser entrar em contato.

(A teledramaturgia deu sinais de que assimilou a mudança dos tempos e se reinventou. Se tiver oportunidade, preste atenção nos seriados “Wallander” ou “The Killing”, que certamente estão fazendo sucesso por aí também. Note que as tramas acontecem por telefone. É sempre a mesma coisa: duas pessoas conversam sobre o nada em geral até que o telefone toca e revela a ação em particular, que já ocorreu. E de chamada em chamada, a história vai se construindo. Não seria de todo mal se nomeássemos essa nova dramaturgia. Aí vai minha sugestão: telefodrama).

Além disso o celular traz emoção às coisas rotineiras. Por exemplo, antigamente ir ao banheiro significava apenas isso: ir ao banheiro. Hoje, você vai ao banheiro e usa o seu celular para postar no Twitter: “No toilette.” Muito melhor do que defecar no anonimato (ops, fui mal no exemplo). E quando você come, você “tuíta”: “Almoçando frango com polenta.” Dessa forma, até a Madonna pode saber que você está comendo frango com polenta. É só ela se interessar por você. Isso não é sensacional?

Agora pense na pergunta clássica: quem você levaria para uma ilha deserta? Uma pessoa só? Para depois se aborrecer com ela? E correr ainda o risco de ganhar um inimigo?

Muito melhor levar um celular. Com ele, você é autossuficiente e não precisa de ninguém, nem da realidade. O mundo inteiro está ali, na palma da sua mão.



                                                                                                                                                             




Claro que estamos cada vez mais solipsistas, mas e daí?Já fomos comunistas, existencialistas, niilistas, materialistas, budistas, qual o problema de sermos mais um “ista”, que adora o seu próprio umbigo?

Esse é só o início de uma nova era. O telefone é entretenimento, num mundo em que, cada vez mais, a única coisa que importa é isso mesmo: entretenimento. .

Patrícia Melo é escritora

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/42_PATRICIA+MELO

Os Alimentos que a Propaganda Endeusa não Fazem Bem a Saúde

Hoje 30% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos estão com sobrepeso e 15% estão obesas. A epidemia acomete todas as regiões e classes. Se nada for feito a geração atual viverá menos do que seus pais.
por Intervozes — publicado 12/09/2013, última modificação 12/09/2013 

Nesta quinta-feira (12/09), o Instituto Alana, a ANDI Comunicação e Direitos e o LIDS, centro de pesquisa da Universidade de Harvard, lançaram o livro “Publicidade de Alimentos e Crianças – Regulação no Brasil e no mundo”. O tema tem gerado debates significativos no país, opondo, de um lado, agências de publicidade e anunciantes na defesa de sua alegada «liberdade de expressão comercial» e, de outro, pais, pesquisadores e profissionais do campo da saúde e organizações de proteção dos direitos de crianças e adolescentes. O Intervozes apoia a regulação da publicidade de produtos direcionados a crianças, e por isso convidou o Instituto Alana a tratar deste assunto tão importante em nosso blog.
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Livro coordenado por Instituto Alana e ANDI traz experiências de regulação de publicidade de alimentos para crianças em diversos países

Por Ekaterine Karageorgiadis*

Atualmente no Brasil, 30% das crianças de 5 a 9 anos estão com sobrepeso e 15% estão obesas (POF 2008-2009). Os dados revelam uma epidemia, que acomete as 5 regiões do país e todas as classes sociais. Com o excesso de peso, surgem as doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes, problemas renais e alguns tipos de câncer.
O problema não é só brasileiro. Diversos países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, preocupam-se hoje com a reversão de problemas de saúde em crianças, que antes eram característicos de idosos. Pesquisas demonstram que, se nada for feito, pela primeira vez na história a geração atual viverá menos do que seus pais.
Impossível não associar a queda da expectativa e da qualidade de vida e o aumento de gastos públicos com tratamentos de enfermidades relacionadas à obesidade (estimados em 488 milhões de reais anuais) à adoção de novos hábitos alimentares pela população, impulsionada pelas estratégias de comunicação mercadológica de produtos alimentícios industrializados e ultraprocessados, com alto teor de sódio, gorduras, açúcares e bebidas de baixo valor nutricional. Substitui-se os alimentos tradicionais da dieta brasileira (arroz, feijão, carne, verduras e legumes) pelos macarrões instantâneos, lanches, biscoitos, refrigerantes, refrescos em pó, etc, anunciados como nutritivos, convenientes e práticos, para serem ingeridos a qualquer hora, em qualquer lugar.
Televisão, rádio, páginas e jogos de internet, revistas, jornais, mídia externa, espaços públicos, e até mesmo escolas. Os anúncios estão por toda parte, e, muitos deles focam diretamente as crianças com menos de 12 anos que, em razão de sua peculiar condição de desenvolvimento biopsicológico, são vulneráveis e hipossuficientes. O mercado não desconhece essas características e, além disso, ciente de que os hábitos alimentares se formam na infância, estimula o consumo de produtos palatáveis e saborosos, com publicidades repletas de personagens infantis, animações, cores, músicas, etc., que enaltecem suas características positivas, associadas a valores distorcidos de poder, status, felicidade, liberdade.
As crianças e suas famílias, bombardeadas pelas publicidades atrativas e convincentes, consomem os produtos e, ao mesmo tempo, são culpabilizadas pelos seus problemas de saúde. São os pais que compram as guloseimas e «não exercem seu papel de educar», dizem alguns. Além disso, deveriam saber o que estão comendo, ter autocontrole, ter uma alimentação saudável e balanceada, e, ainda, exercitar-se.
As crianças são sujeitos de direito, e não simples objetos. Os pais têm o dever de cuidar e educar seus filhos, mas não podem ser responsabilizados exclusivamente pelos danos causados à saúde dessa geração de crianças. Estamos diante de um fenômeno global, que não se restringe mais às quatro paredes de uma casa. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, determina que cabe ao Estado, à família e à sociedade a responsabilidade, compartilhada e conjunta, pela proteção integral com absoluta prioridade das crianças, para protegê-las da violação a qualquer um de seus direitos.
Para viabilizar essa proteção, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor – que hoje cumpre 23 anos de sua promulgação – determina, no artigo 37, §2º, que é ilegal e, portanto, proibida, a publicidade que abusa da deficiência de julgamento e de experiência da criança. Segundo o Código cabe aos órgãos de proteção dos consumidores aplicar as sanções de multa ou contrapropaganda às empresas infratoras, o que não exclui a responsabilidade penal dos responsáveis por sua veiculação.
A interpretação sistemática dessas normas determina, portanto, a proibição da publicidade direcionada ao público infantil, uma vez que todo anúncio que fala com a criança necessariamente se vale de sua ingenuidade para convencê-la a querer, e, consequentemente, a agir como promotora de vendas das marcas perante seus pais e responsáveis.
Se a responsabilidade pela proteção das crianças é de todos, cada um dos atores deve assumir seu papel. Ao Estado, cabe criar normas claras e efetivar a fiscalização de seu cumprimento. Às empresas, respeitar o melhor interesse da criança, que deve estar acima dos seus interesses comerciais, para deixar de seduzi-la em todos os seus espaços de convivência. Os anúncios devem ser feitos para os pais, adultos com real poder de compra, para que conheçam as características dos produtos, com informações precisas e claras, e possam exercer, com mais conhecimento, seu poder familiar.
Para subsidiar esse debate, Instituto Alana, ANDI Comunicação e Direitos e LIDS, centro de pesquisa da Universidade de Harvard, produziram o livro “Publicidade de Alimentos e Crianças – Regulação no Brasil e no mundo”, publicado pela Editora Saraiva, que traz um estudo comparativo sobre como funciona a regulação do tema no Brasil, Canadá, Estados Unidos, França, Suécia, Alemanha, Reino Unido, Austrália e União Europeia. A publicação traz ainda um artigo inédito de Corinna Hawkes, que foi presidente do Grupo de Especialistas em Marketing de Alimentos para Crianças da Organização Mundial de Saúde, sobre as políticas mundiais existentes sobre o tema e seus efeitos, com base em relevantes pesquisas.
O objetivo do livro, ao analisar as leis em vigor, acordos de autorregulação, iniciativas do Poder Legislativo, políticas públicas vigentes, é debater e estimular a adoção de medidas efetivas que protejam as crianças dos efeitos da publicidade de alimentos.

* Ekaterine Karageorgiadis é advogada da área de Defesa do Instituto Alana e conselheira do CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 

 http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/e-preciso-regular-a-publicidade-de-alimentos-para-criancas-4730.html