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3.09.2017

Em busca da classe operária perdida na América Latina

O que aconteceria se a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) tivesse sido implantada como os Estados Unidos tentaram nas malogradas negociações que se prolongaram de 1994 a 2005?

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Com a Alca, pelo menos o México não estaria agora na solidão com que tem de enfrentar as ameaças imediatas do chamado “populismo de direita” que, instalado no centro do poder mundial, agrava de forma apocalíptica as incertezas da humanidade. “Voltamos aos anos 1930”, compara Fernando Cardim de Carvalho, economista brasileiro e atualmente pesquisador do Instituto de Economia do Bard College, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos.
Recuperar empregos perdidos foi uma bandeira eficaz na campanha de Trump. Ajudou-o a vencer em Estados como Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin, antes de maioria democrata, para compor o chamado “cinturão industrial”, com sua massa operária no nordeste e meio oeste do país. Envolvê-los foi decisivo e possível para o magnata Trump porque a desindustrialização nas últimas quatro décadas converteu a região no “cinturão da fome”, com desemprego, violência e fuga da população, em uma decadência que agora cobrou seu preço político ao Partido Democrata.
Detroit, capital da indústria automobilística, tinha 1,85 milhão de habitantes em 1950. Em 2010, segundo o censo, eram 714 mil. Suas ruinas urbanas incomodam. O processo vem de longe, desde a primeira crise do petróleo e da recessão econômica da década de 1970, acompanhadas da expansão japonesa nas indústrias automobilística e eletrônica. As empresas migraram em busca de menos custos dentro dos Estados Unidos e os avanços tecnológicos reduziram a mão de obra industrial.
Esse processo tirou muito mais empregos do que os tratados de livre comércio, afirmam pesquisadores. Trump atribuiu aos acordos comerciais o êxodo de empresas nacionais, justificando o protecionismo e os ataques a México e China. O Brasil duvidou da Alca até se tornar mais nacionalista a partir de 2003, sob o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), que implementou várias iniciativas para proteger as indústrias nacionais e estimular a criação de novas. Parecido com o que Trump anuncia.
“Mas é diferente. O Brasil representa menos de 1% do comércio mundial, atua em nichos e pode apoiar suas indústrias com estímulos e câmbio mais competitivo, sem impactos relevantes no exterior. Os Estados Unidos não, pois o país é o centro do mundo, não pode fechar sua economia sem gerar confusão, conflitos”, observou Cardim. O México concentra 80% de suas exportações no mercado norte-americano, apontou o professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Cardim alertou que são imagináveis os danos de medidas unilaterais do sócio de proporções esmagadoras cujo novo governo ameaça “não aceitar as regras do jogo”. No Brasil, tentativas de recuperar o setor não evitaram a crescente desindustrialização, qualificada de “precoce” por afetar um país ainda de renda média por pessoa, de US$ 15 mil, segundo a paridade do poder de compra, equivalente a apenas 26% do norte-americano, segundo o Fundo Monetário Internacional.
A indústria de transformação atingiu seu teto de 21,6% do produto interno bruto (PIB) em 1985, uma participação que caiu para 11,4% em 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sua produção despencou 9,8% em 2015. O Estado de São Paulo, o mais industrializado, chamado de “locomotiva” do país, sofreu as maiores perdas. Sua participação na produção industrial era metade do total no começo dos anos 1990, mas caiu para 38,6% em 2013.
Essa decadência não é tão visível como as ruínas do “cinturão de ferrugem” norte-americano e do norte da Grã-Bretanha que aprovou o Brexit, mas se manifesta em protestos de rua desde 2013 e em um airado rechaço ao PT, surgido das lutas sindicais paulistas em 1980. Seu fundador e principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva, operário metalúrgico e sindicalista que conseguiu ser presidente entre 2003 e 2010, mantém alta popularidade, apesar de vários processos de corrupção que ameaçam seu futuro.
Mas sua sucessora, Dilma Rousseff, foi reeleita em 2014 com um fraco apoio em São Paulo, onde conseguiu apenas 35,69% dos votos válidos. Sua destituição, em agosto de 2016 pelo Congresso, foi precedida e impulsionada por maciças manifestações paulistas. Escândalos de corrupção, que afetam políticos de quase todos os partidos, foram decisivos na queda de Dilma. Não há acusações contra ela, mas foi durante os governos do PT que ocorreu a grande rapina nos negócios da Petrobras. Sua vulnerabilidade era econômica, por ter provocado uma grave crise fiscal.
Entretanto, a perda do vigor industrial e dos bons empregos do setor contribuíram para a determinação com que os paulistas se mobilizaram pelo impeachment de Dilma e a derrota do PT. Muitos dos erros da primeira mulher a ocupar a Presidência do Brasil se deveram a tentativas voluntaristas, “populistas”, segundo seus críticos, de recuperar a indústria. Incentivos fiscais, redução forçada das taxas de juros e dos custos de energia foram algumas dessas medidas de resultados negativos.
Os governos do PT intensificaram a proteção à indústria nacional, com tarifas no máximo permitido pelas regras, e exigências de conteúdo nacional em determinados produtos. “Mas o nacionalismo econômico é condição de sobrevivência, diante da competição entre nações”, justificou Luiz Bresser Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas que alerta para a desindustrialização brasileira acentuada pela “enfermidade holandesa” (câmbio supervalorizado) desde 2005.
“Nos Estados Unidos, o nacionalismo se faz agressão imperial, perigoso porque não é só econômico como o brasileiro, pois incorpora outras dimensões, ao se tratar de potência militar”, se estendendo a temas migratórios, religiosos e étnicos, pontuou Bresser Pereira. Para ele, o Brexit (saída britânica da União Europeia), a vitória de Trump e a ascensão da ultradireita na Europa desnudam “uma crise política do capitalismo, causada pela renúncia ao nacionalismo das elites econômicas dos países ricos que agora vivem de rendas”, com ganhos também fora do mercado interno.
A debilidade da social-democracia desde 1989, com governantes que às vezes “não souberam distinguir suas políticas das neoliberais”, também atrapalha a superação da crise, que compreende uma maioria de “perdedores da globalização” cuja reação não se pode menosprezar como “mero populismo”, advertiu o professor.
A perda de peso do emprego industrial – por mudanças tecnológicas, produtivas e sociais, além da migração de empresas – tira votos da esquerda “não populista”, com seus partidos orgânicos, como o PT. E também dilui sua matriz política e ideológica, ao enfraquecer o sindicalismo e a geração de quadros e líderes. A decadência de polos industriais favorece opções radicais e nacionalistas que, aparentemente, tendem a aderir aos movimentos conservadores e de extrema direita. Envolverde/IPS
https://ninja.oximity.com/article/Em-busca-da-classe-oper%C3%A1ria-perdi-1

Juízes para a Democracia retomam atividades no RS e preparam debates com movimentos sociais

Os magistrados que integram a AJD querem enfrentar o processo de criminalização dos movimentos sociais, no qual o Poder Judiciário exerce um papel fundamental

por Marco Weissheimer para Sul 21 - Sociedade e Justiça Ativista
Em 2001, o então juiz da 1a. Vara Cível de Passo Fundo, Luís Christiano Enger Aires, rejeitou um pedido de reintegração de posse feito pelo proprietário da fazenda Rio Bonito, em Pontão, região norte do Rio Grande do Sul, permitindo a permanência de 500 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que tinham ocupado a área de 2.800 hectares. Em sua decisão, o juiz argumentou que havia a necessidade de avaliar a produtividade da fazenda. Bombardeada pelo setor ruralista e seus aliados, a decisão expôs uma corrente de pensamento minoritária no Judiciário, mas que se articulou na época e promoveu, entre outras atividades, diversas edições do Fórum Mundial de Juízes, no âmbito do Fórum Social Mundial.
Luís Christiano Enger Aires integra a Associação Juízes para a Democracia (AJD), criada em 13 de maio de 1991, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), com o objetivo de “reunir institucionalmente magistrados comprometidos com o resgate da cidadania do juiz, por meio de uma participação transformadora da sociedade, num sentido promocional dos direitos fundamentais”, como afirma o site da entidade. Após um período de desarticulação no Rio Grande do Sul, a Associação Juízes para a Democracia está se reestruturando no Estado. Uma de suas primeiras atividades públicas foi organizar uma visita de juízes, juízas, procuradores, advogados e estudantes de Direito a um acampamento do MST, em Charqueadas, e a dois assentamentos do movimento, um em Charqueadas e outro em Eldorado do Sul. Participaram da visita oito juízes e juízas (seis estaduais, um do trabalho e uma federal), uma promotora, uma procuradora do Estado, dois advogados e uma advogada da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap).
A visita foi a primeira atividade de uma série de encontros e debates que a AJD pretende promover ao longo de 2017. A próxima,  programada para o mês de maio, será um debate sobre a relação entre os movimentos sociais e a democracia.  Os magistrados que integram a AJD querem enfrentar o processo de criminalização dos movimentos sociais, no qual o Poder Judiciário exerce um papel fundamental. “Há uma formação dos magistrados que os afasta das realidades vividas pelos movimentos sociais. A elaboração teórica a respeito dos direitos não se preocupa, necessariamente, com o exame das necessidades das pessoas e de realidades que, muitas vezes, se opõem a essa conformação legal”, assinala Christiano Enger Aires.
Para o juiz, essa questão aparece de modo exemplar no debate sobre o tema da propriedade. “A Constituição de 1988, seguindo uma tradição que já vinha de constituições anteriores, estabeleceu que toda propriedade precisa  cumprir uma função social. Isso, porém, não costuma ser examinado nos debates que ocorrem na esfera judicial. Esse debate, na maioria das vezes, preocupa-se fundamentalmente com o aspecto formal da apropriação da terra e do solo urbano, sem levar em conta se está sendo cumprido o critério da função social. Neste contexto, como o Judiciário, teoricamente, foi criado para resolver conflitos no interior de uma sociedade supostamente estabelecida dentro de uma ordem, os movimentos sociais acabam funcionando como um fator de desestabilização dessa ordem”, avalia.
Em função disso, acrescenta, os movimentos sociais não são percebidos no debate judicial sob um aspecto positivo que é a luta pela reivindicação de direitos, mas sempre por um viés negativo. “Isso significa que são vistos sempre como descumpridores da lei que precisam ser reprimidos. Não são compreendidos e muito menos têm as suas reivindicações reprimidas. O que estamos propondo não é dar um cheque em branco para os movimentos sociais, mas sim tentar entender qual é a lógica que rege suas ações e avaliar, sob a ótica do Direito, se é possível atender essas demandas. A visita que fizemos aos assentamentos e acampamentos do MST não é apenas uma visita de solidariedade. Queremos discutir a questão da criminalização dos movimentos sociais e ter elementos concretos sobre essa realidade para orientar futuras decisões em ações que sejam levadas ao Judiciário”.
A Associação Juízes para a Democracia, conclui, tem uma preocupação muito concreta a respeito dos direitos humanos e de como isso deve ser efetivado por conta das promessas da Constituição de 1988. “Há uma possibilidade bastante concreta de nós avaliarmos um conflito no qual esses movimentos estejam envolvidos nesta luta pela concretização de direitos humanos”.
A visita realizada no dia 4 de março, na região metropolitana de Porto Alegre, apresentou diversas facetas da realidade vivida por pequenos agricultores sem terra em todo o país. Além da vida nos acampamentos e nos assentamentos, os convidados puderem presenciar outro fenômeno que ressurgiu nos últimos meses com o agravamento da crise econômica, o aumento do desemprego e o desmonte de políticas sociais: a volta dos acampamentos na beira de estradas. A combinação da política de criminalização dos movimentos sociais com o aumento da exclusão pode criar um ambiente explosivo ainda em 2017, avaliaram os visitantes.
http://www.sul21.com.br/jornal/juizes-para-a-democracia-retomam-atividades-no-rs-e-preparam-debates-com-movimentos-sociais/

O jeito CIA de fazer espionagem digital, segundo o Wikileaks

  • Uma das técnicas da CIA permite quebrar o sigilo do WhatsApp

do site Sul 21 - Sociedade e Espionagem da CIA na Web
É o vazamento mais relevante a respeito de espionagem digital desde aquele realizado por Edward Snowden, em 2013. O Wikileaks publicou num diretório de nome Vault 7, ontem, informações sobre programas que compõem o arsenal de ferramentas para hackers à disposição da CIA. São softwares e vírus que permitem interceptar mensagens, grampear conversas, vasculhar computadores, e que revelam fragilidades nunca documentadas em equipamentos que usamos todos os dias. Nem todos os programas foram desenvolvidos pela CIA — alguns vêm de outras agências de inteligência americanas ou de países aliados, além de empresas externas contratadas. As ferramentas circulavam com alguma liberalidade inclusive entre estes terceirizados a serviço da Agência Central de Inteligência. Foi um destes que reuniu o conjunto e o repassou para o Wikileaks. Por decisão de Julian Assange, que dirige a entidade, os códigos não foram tornados públicos. O que está à disposição, ao menos por enquanto, são os documentos escritos entre 2013 e 2016 que descrevem seu funcionamento.
Uma das técnicas da CIA permite quebrar o sigilo do WhatsApp. A agência não conseguiu romper a encriptação do app de mensagens. Trespassou, porém, a segurança tanto de iPhones quanto de Androids, o que permite interceptar textos e imagens antes do envio. Há 24 formas diferentes de violar a segurança de celulares Android na lista e 14 de iPhones. Indica que os aparelhos Apple são um quê mais seguros, embora igualmente quebráveis. Nenhum sistema operacional ficou de fora: há vulnerabilidades inéditas exploradas em várias versões do Windows, Mac OS, e até os mais profissionais, caso do Solaris, um Unix da Oracle popular em servidores da Internet. Está lá, até, um jeito de deixar o microfone das TVs inteligentes Samsung aberto mesmo quando o aparelho está desligado. Funciona como um sistema de escuta que grava tudo o que se passa no ambiente e envia pela internet para os agentes. Mas, neste caso, para implantar o vírus que permite este uso é preciso ter acesso físico à televisão. À distância, pela rede, não dá.
No pacote também estava uma coleção de memes. Parece que a turma da CIA curte.

Enquanto isso… Donald Trump passou duas horas da manhã de terça twittando ao vivo comentários sobre o que via no programa de TV Fox and Friends. Os âncoras estavam cientes da avalanche. E, em alguns momentos, pareceram até conversar.
http://www.sul21.com.br/jornal/o-jeito-cia-de-fazer-espionagem-digital-segundo-o-wikileaks/