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3.09.2017

Juízes para a Democracia retomam atividades no RS e preparam debates com movimentos sociais

Os magistrados que integram a AJD querem enfrentar o processo de criminalização dos movimentos sociais, no qual o Poder Judiciário exerce um papel fundamental

por Marco Weissheimer para Sul 21 - Sociedade e Justiça Ativista
Em 2001, o então juiz da 1a. Vara Cível de Passo Fundo, Luís Christiano Enger Aires, rejeitou um pedido de reintegração de posse feito pelo proprietário da fazenda Rio Bonito, em Pontão, região norte do Rio Grande do Sul, permitindo a permanência de 500 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que tinham ocupado a área de 2.800 hectares. Em sua decisão, o juiz argumentou que havia a necessidade de avaliar a produtividade da fazenda. Bombardeada pelo setor ruralista e seus aliados, a decisão expôs uma corrente de pensamento minoritária no Judiciário, mas que se articulou na época e promoveu, entre outras atividades, diversas edições do Fórum Mundial de Juízes, no âmbito do Fórum Social Mundial.
Luís Christiano Enger Aires integra a Associação Juízes para a Democracia (AJD), criada em 13 de maio de 1991, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), com o objetivo de “reunir institucionalmente magistrados comprometidos com o resgate da cidadania do juiz, por meio de uma participação transformadora da sociedade, num sentido promocional dos direitos fundamentais”, como afirma o site da entidade. Após um período de desarticulação no Rio Grande do Sul, a Associação Juízes para a Democracia está se reestruturando no Estado. Uma de suas primeiras atividades públicas foi organizar uma visita de juízes, juízas, procuradores, advogados e estudantes de Direito a um acampamento do MST, em Charqueadas, e a dois assentamentos do movimento, um em Charqueadas e outro em Eldorado do Sul. Participaram da visita oito juízes e juízas (seis estaduais, um do trabalho e uma federal), uma promotora, uma procuradora do Estado, dois advogados e uma advogada da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap).
A visita foi a primeira atividade de uma série de encontros e debates que a AJD pretende promover ao longo de 2017. A próxima,  programada para o mês de maio, será um debate sobre a relação entre os movimentos sociais e a democracia.  Os magistrados que integram a AJD querem enfrentar o processo de criminalização dos movimentos sociais, no qual o Poder Judiciário exerce um papel fundamental. “Há uma formação dos magistrados que os afasta das realidades vividas pelos movimentos sociais. A elaboração teórica a respeito dos direitos não se preocupa, necessariamente, com o exame das necessidades das pessoas e de realidades que, muitas vezes, se opõem a essa conformação legal”, assinala Christiano Enger Aires.
Para o juiz, essa questão aparece de modo exemplar no debate sobre o tema da propriedade. “A Constituição de 1988, seguindo uma tradição que já vinha de constituições anteriores, estabeleceu que toda propriedade precisa  cumprir uma função social. Isso, porém, não costuma ser examinado nos debates que ocorrem na esfera judicial. Esse debate, na maioria das vezes, preocupa-se fundamentalmente com o aspecto formal da apropriação da terra e do solo urbano, sem levar em conta se está sendo cumprido o critério da função social. Neste contexto, como o Judiciário, teoricamente, foi criado para resolver conflitos no interior de uma sociedade supostamente estabelecida dentro de uma ordem, os movimentos sociais acabam funcionando como um fator de desestabilização dessa ordem”, avalia.
Em função disso, acrescenta, os movimentos sociais não são percebidos no debate judicial sob um aspecto positivo que é a luta pela reivindicação de direitos, mas sempre por um viés negativo. “Isso significa que são vistos sempre como descumpridores da lei que precisam ser reprimidos. Não são compreendidos e muito menos têm as suas reivindicações reprimidas. O que estamos propondo não é dar um cheque em branco para os movimentos sociais, mas sim tentar entender qual é a lógica que rege suas ações e avaliar, sob a ótica do Direito, se é possível atender essas demandas. A visita que fizemos aos assentamentos e acampamentos do MST não é apenas uma visita de solidariedade. Queremos discutir a questão da criminalização dos movimentos sociais e ter elementos concretos sobre essa realidade para orientar futuras decisões em ações que sejam levadas ao Judiciário”.
A Associação Juízes para a Democracia, conclui, tem uma preocupação muito concreta a respeito dos direitos humanos e de como isso deve ser efetivado por conta das promessas da Constituição de 1988. “Há uma possibilidade bastante concreta de nós avaliarmos um conflito no qual esses movimentos estejam envolvidos nesta luta pela concretização de direitos humanos”.
A visita realizada no dia 4 de março, na região metropolitana de Porto Alegre, apresentou diversas facetas da realidade vivida por pequenos agricultores sem terra em todo o país. Além da vida nos acampamentos e nos assentamentos, os convidados puderem presenciar outro fenômeno que ressurgiu nos últimos meses com o agravamento da crise econômica, o aumento do desemprego e o desmonte de políticas sociais: a volta dos acampamentos na beira de estradas. A combinação da política de criminalização dos movimentos sociais com o aumento da exclusão pode criar um ambiente explosivo ainda em 2017, avaliaram os visitantes.
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