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8.30.2016

Concentração de Renda Pune População Trabalhadora no Brasil

  • Brasil, o paraíso dos ricos

  • A aplicação de várias políticas atuais garante ao Brasil a medalha de ouro em concentração de renda e injustiça
por Carlos Drummond para revista Carta Capital - Sociedade e Concentração Renda no Brasil (fonte no final)

Segundo o economista Rodrigo Octávio Orair, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do International Policy Center for Inclusive Growth, da Organização das Nações Unidas, três condições tornam o Brasil o paraíso dos ricos e super-ricos. A primeira é a taxa de juros sem paralelo no resto do mundo, garantia de alta rentabilidade para o capital. A segunda condição é a isenção tributária de lucros e dividendos, instituída em 1995 no governo FHC. A terceira são as alíquotas de impostos muito baixas para as aplicações financeiras, de 15% a 20%, quando os assalariados pagam até 27,5%.
 “A concentração de renda no Brasil não tem rival no mundo”, apontou Orair. Na pesquisa realizada com Sérgio Wulff Gobetti, também pesquisador do Ipea, utilizou a base de dados sobre os 20 países mais ricos criada pelo economista francês Thomas Piketti, autor do livro O Capital no Século XXI. O meio milésimo mais rico do País, composto de 71 mil pessoas, “uma população que cabe num estádio de futebol”, apropria-se de 8,5% de toda a renda nacional das famílias. Na Colômbia, a proporção é 5,4% e nas economias desenvolvidas fica abaixo de 2%.  
Há um movimento mundial para reduzir a desigualdade econômica. De 2008 para cá, 21 dos 34 países da OCDE tomaram medidas de aumento da tributação dos mais ricos. Os Estados Unidos elevaram as alíquotas máximas do Imposto de Renda daquela camada e o Chile tomou medida semelhante em 2013, para financiar a educação. “O Brasil é um dos poucos lugares onde não se toca no tema. A discussão está bloqueada”, descatou o pesquisador do Ipea.
Os super-ricos do Brasil têm renda média de 4 milhões de reais, dois terços dos seus ganhos, compostos de lucros e dividendos, são isentos e um quarto está aplicado no mercado financeiro com alíquotas, em média, entre 16% e 17%. 
O argumento de que não cabe taxar dividendos porque a empresa já recolhe impostos e haveria uma bitributação não procede. Segundo Orair, “quase todos os países possuem esse sistema clássico de tributação, do lucro na empresa e dos dividendos distribuídos às pessoas físicas”. O único integrante da OCDE com isenção de dividendos é a Estônia. 
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O sistema todo é regressivo, mas os mais ricos, isentos de tributação na maior parte da sua renda, costumam dizer que todos pagam o pato. “Com isso, canalizam a raiva de quem paga de fato para defender o seu próprio status quo”, criticou o pesquisador. 
Para Grazielle Custódio David, especialista em orçamento público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o problema está na receita, mas o discurso é muito focado na despesa. A partir de 1995, não houve aumento descontrolado de despesas. A receita, no entanto, caiu 50% entre o último governo Lula e o primeiro mandato de Dilma.
Prejudicada pelas desonerações, a receita do governo cai também por causa da sonegação e da elisão fiscal, realizada com um planejamento tributário “extremamente agressivo e caro”, só acessível às grandes empresas, na maior parte multinacionais, destacou Grazielle. O fim da elisão fiscal representaria um potencial de aumento da arrecadação entre 0,8% e 2% do PIB, no cálculo de Orair. 
Os principais tributos sonegados são o IPI, incidente sobre a indústria, e o Imposto de Renda. Um estudo do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional concluiu que 22,3% da arrecadação é sonegada, o equivalente, em 2015, a 454 bilhões de reais, ou 7,7% do PIB. Um valor quatro vezes superior ao déficit fiscal da União em 2015, de 111 bilhões. “O País sofreu no ano passado com um déficit fiscal apontado como a ruína das contas nacionais, quando havia um valor quatro vezes maior em tributos sonegados”, sublinhou a assessora do Inesc. 
Os débitos de impostos não pagos no prazo são inscritos na dívida ativa da União, hoje em “incrível 1 trilhão e meio de reais, acima da arrecadação total brasileira em 2015, de 1,2 trilhão”. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somente 1% da dívida ativa é resgatada a cada ano. 
Além disso, há 252 bilhões que já transitaram em julgado, valor muito maior que o déficit fiscal do ano passado e o deste ano também. “Não tem mais como recorrer, é só ir lá e recolher.   Com tanto dinheiro a receber pelo governo, fica claro que a intenção não é fazer um concerto fiscal, mas mudar a sociedade e a Constituição, destruir as políticas públicas e o princípio de solidariedade e fraternidade”, concluiu Grazielle.
Segundo o economista Bruno de Conti, da Unicamp, “a alegação é de que a taxa Selic e a sua elevação servem para combater a inflação, mas é evidente que se prestam também para garantir a remuneração dos detentores de títulos públicos”, um mecanismo de transferência assegurado pela política monetária. “Dizem que o Bolsa Família e as cotas nas universidades não são meritocráticas. Não há nada mais antimeritocrático, porém, do que uma política monetária que garante aos detentores de patrimônio o seu crescimento ao infinito. Isso é ignorado de forma intencional e estratégica.” 
A política cambial é uma das âncoras do fluxo constante de renda para os ricos. Há uma relação “muito grande” entre a taxa de juros e o dólar”, diagnosticou Laura Carvalho, professora de economia da USP. Antes de pensar em reduzir os juros, disse, é preciso tornar a taxa de câmbio menos suscetível aos fluxos voláteis internacionais, a começar pela regulação do mercado enorme de derivativos cambiais.
A transferência de renda e seus mecanismos quase sempre são camuflados por justificativas técnicas, supostamente neutras. A primeira ata do Conselho de Política Monetária do Banco Central sob a presidência de Ilan Goldfajn, sobre a decisão de manter os juros em 14,25%, põe em xeque, no entanto, a isenção do órgão, analisa a economista: “Nunca antes na história deste país ficou tão óbvio o caráter político da decisão do BC”. 
A ata anterior, a última do período de Alexandre Tombini na presidência do BC, registrou que não era possível baixar a Selic por causa do déficit fiscal muito elevado e do momento expansionista da economia. “Agora, o Copom não fala mais no déficit de curto prazo nem na situação fiscal expansionista, apesar do déficit muito maior anunciado pelo governo, de 170 bilhões de reais para 2016 e de 139 bilhões no próximo ano. Afirma apenas que aguarda a aprovação das reformas estruturais de longo prazo.” A Emenda Constitucional 241, que limita o crescimento dos gastos sociais e investimentos públicos aos valores do ano anterior corrigidos pela inflação, e a reforma da Previdência “melhorariam a percepção dos agentes e aí, sim, se pensaria em reduzir os juros”. 
Na verdade, o BC não manteve a taxa, pois, “com a inflação em queda, manter os juros significa elevá-los. E vamos combinar: mesmo se as reformas forem aprovadas, não garantem a melhora da situação fiscal, pois têm a ver com aumento de despesas, não com receitas, e não indicam nada sobre o que vai acontecer com o crescimento. Portanto, de nenhuma maneira garantem uma estabilidade da dívida pública ao longo do tempo, que depende de muitas coisas, inclusive da taxa de juros”, chama a atenção a economista. 
*Reportagem publicada originalmente na edição 915 de CartaCapital, com o título "Paraíso dos ricos"
http://www.cartacapital.com.br/revista/915/brasil-o-paraiso-dos-ricos

O Petróleo do Brasil e a Ação da Cia dos EUA em Janeiro de 2015

  • Vazou reunião da CIA no Brasil: petróleo é "nosso"

  • Primeiro, quebrar a Petrobras!
Por Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia, para site Conversa Afiada - Sociedade, Petróleo e Golpe Político no Brasil (fonte no final do texto)Chico.jpg


Reunião na CIA em janeiro de 2015 no Brasil sobre o Petróleo

Em uma sala de reuniões ampla, com cortinas fechadas em um de seus lados, vê-se no centro da sala, uma mesa retangular em torno da qual estão umas vinte pessoas acomodadas em cadeiras confortáveis. Cada pessoa tem à sua frente um mesmo dossiê. O cidadão da cabeceira começa a falar.

- Não serão feitas apresentações e não precisam se identificar ao falar. Todos sabem do que iremos tratar. Por favor, comece.

Esta última frase é dita enquanto olha para o cidadão ao seu lado. Este toma a palavra.

- Hoje, o Brasil não é somente um mercado para o consumo dos bens e serviços das nossas empresas, além de um grande fornecedor de grãos e minérios de baixo valor no mercado internacional. Com a descoberta por parte deles da enorme jazida do Pré-Sal, mais as novas províncias petrolíferas, que ainda irão ser descobertas, na área que os nacionalistas brasileiros chamam de território marítimo brasileiro, que vai além do seu mar territorial, o Brasil poderá se tornar o maior exportador mundial de petróleo, acima da Arábia Saudita e da Venezuela.

- Os nativos sabem disso?

- Não. A grande massa não sabe de nada. Pouquíssimos brasileiros nacionalistas sabem. Alguns dos nossos aliados no país sabem da possível extensão das províncias petrolíferas que o país possui, porque os informamos. Mas só demos estas informações aos confiáveis. Neste ponto, o coordenador interrompe a apresentação para dizer:

- Seria melhor se as perguntas fossem anotadas e feitas no final. Continue, por favor.

- Creio que todos aqui sabem que o petróleo ainda será vital para as economias mundiais por no mínimo uns 50 anos, os desenvolvimentos tecnológicos para fornecimento de calor e movimento para as sociedades não encontrarão competidores em custo com os derivados de petróleo, a menos que restrições ambientais sejam impostas. Sumariamente, o petróleo continuará sendo um insumo essencial para as economias mundiais. Além disso, o petróleo do Brasil terá papel primordial no futuro do mercado internacional de petróleo, porque no resto do globo só ocorrerão descobertas de petróleo caro e, quando for de petróleo acessível, elas serão em regiões conflituosas.

O coordenador da reunião agradece a exposição do último interlocutor e passa a palavra a outro presente, dizendo:

- Assim, chegamos ao objetivo principal da nossa reunião. Tenha a palavra.

- Ocorreu recentemente, no final de 2014, a eleição para presidente do Brasil e, apesar de todos os esforços por nós despendidos, que não foram poucos, a presidente Dilma foi reeleita. Não vou fazer uma análise profunda do que ocorreu, para não roubar tempo do que é principal para este reunião. Mas, faço questão de frisar, até porque será útil para qualquer ação futura nossa, que existe no Brasil hoje um fator que nos desestabiliza.

Trata-se do ex-presidente Lula. Ele é um fenômeno na capacidade de comunicação com as massas e, hoje, é muito mais perigoso que no passado. Nós erramos em 2002, quando dissemos que não importaria, se ele ganhasse a Presidência naquele ano. Não imaginávamos que o Lula de 2002 evoluiria para um político que valoriza o nacionalismo. Possivelmente, o contato com lideres da China, Rússia, Índia e de outros países, a interferência do seu chanceler Celso Amorim e o entendimento da riqueza que representa o Pré-Sal o levaram a ser mais consciente da questão geopolítica.

- Encaminhe a nossa proposta de reversão desta perda eleitoral. É preciso deixar claro que para nós é inconcebível o Pré-Sal não ficar aberto a nossas empresas.

- Obviamente, temos que recuperar o poder para as nossas mãos. Um golpe através dos militares não é mais viável porque, primeiro, eles saíram muito marcados do período recente em que estiveram no poder, pois a população guarda lembrança de torturas e assassinatos de lideranças neste período e, em segundo lugar, não sabemos ao certo como pensa, atualmente, o militar brasileiro. Temos a nosso dispor para ajudar em qualquer projeto que decidirmos a mídia comercial local, que é nossa, o empresariado brasileiro, com raríssimas exceções, a grande maioria dos políticos do país, que são sem escrúpulos e corruptíveis. Temos também parcela do judiciário local, que é uma casta complexa em que residem egos avantajados. Temos uma arma secreta que é o treinamento de pessoal da Justiça e de ocupantes do Ministério da Justiça aqui, conosco. O mote para nossas ações a ser transmitido para todos os brasileiros será a luta contra a corrupção.

A verdade é que a corrupção vem acontecendo no Brasil há anos. Por exemplo, somos conhecedores da corrupção dentro da Petrobras desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas, se tivermos que entregar a nossos aliados no Brasil, divulgaremos só os fatos dos períodos Lula e Dilma. Aliás, um ponto que precisa ser providenciado urgentemente é quebrar esta empresa, por tudo que ela representa. Ela é o próprio “vírus” nacionalista. Não podemos deixar no Brasil uma concorrente das nossas empresas querendo roubar o Pré-Sal de nós. O pior que pode nos acontecer é nosso plano ser identificado como contrário aos interesses brasileiros. Não se pode deixar o sentimento nacionalista brotar. Por isso, é recomendável não se aliar a ninguém que tenha algum compromisso nacionalista por mínimo que seja, a menos de torcer pela seleção de futebol do Brasil. Devemos reconhecer que o período neoliberal globalizante, cujo auge foi durante o governo de Fernando Henrique, alijou quase por completo qualquer sentimento nacionalista.

Trabalhamos bem, então. A partir daí, o nacionalismo foi vinculado ao atraso, ao passado distante e ao autoritarismo. Depois desta época, candidatos têm procurado reabilitar as teses nacionalistas, mas têm sido massacrados nas eleições. Naquela época, o brasileiro “foi conquistado”, em grande parte graças à nossa mídia “brasileira”, que nos ajuda muito.

- Acabou, Greg? Porque creio que chegou a hora de falarmos dos suportes financeiros para as ações que desenvolveremos. Antes, é preciso deixar claro que todas as ações de inteligência e o suporte das embaixadas serão dados sem custo algum. Mesmo o custo para corromper será rateado entre as nossas empresas beneficiadas e o nosso governo. Falará, agora, nosso especialista em compor estruturas de financiamento de projetos.

- Obrigado. Representantes de todas as grandes empresas com interesses econômicos no Brasil foram chamadas. Trata-se de investir neste projeto, agora, para podermos usufruir principalmente de recursos minerais a preços baixos por horizonte confortável, alem de usufruir com a venda de nossos produtos no mercado brasileiro.

Obviamente, não há certeza absoluta do sucesso do projeto, mas se trabalharmos de forma inteligente sem nos atrapalharmos, a grande probabilidade é que, logo, logo, fecharemos contratos de 30 a 40 anos que serão usados para garantir o processo de dominação. A qualquer época, eles serão acenados como contratos juridicamente perfeitos que precisam ser honrados. As petrolíferas, por serem grandes beneficiárias, serão as que contribuirão com maiores parcelas. Não vamos entrar em detalhes agora. Mas este material está à disposição das empresas. A boa notícia é que os deputados e senadores brasileiros eleitos junto com a presidente Dilma, na sua maioria, são nossos e não foram baratos para nós. Inclusive esta “compra” já foi feita e os senhores não precisam mais contribuir. A partir de agora, sabemos que, para cada projeto específico, eles serão favoráveis, bastando acertar algum valor adicional.

O grande projeto de retirada do poder das mãos de Dilma e entrega a pessoa de nossa confiança ainda está sendo planejado. Tudo leva a crer que será uma obra intrincada envolvendo o Judiciário, Ministérios do governo, a mídia comercial, políticos das duas Casas do Congresso do Brasil e movimentos sociais financiados por nós. Contudo, a mídia terá o papel principal, pois irá gerar a novela da deposição da presidente, consistente e compreensível pelo grande público.

- Muito bem. Acho que chegamos ao fim da reunião. Comunicaremos sempre fatos relevantes. Quaisquer informações que tenham, por favor, nos passem. Este processo será um pouco demorado. Leiam os jornais e tudo que inocentemente acontecer podem ter certeza que foi providenciado.
http://www.conversaafiada.com.br/economia/bomba-vazou-reuniao-da-cia-o-pre-sal-e-nosso

8.28.2016

Paro de tomar a pílula?

  • Em meio à divulgação de graves reações adversas ao anticoncepcional, mulheres questionam os riscos e a falta de informação sobre o contraceptivo

por Tory Oliveira para revista Carta Capital - Sociedade, Pílula e Saúde da Mulher


Foto Pixabay
Pílula anticoncepcionalAtualmente, a pílula anticoncepcional é utilizada por 100 milhões de mulheres no mundo todo. No Brasil, são 11 milhões de consumidoras
Ayubi nunca teve problemas até que, após interromper brevemente o uso por conta própria, foi ao ginecologista e voltou para casa com uma amostra grátis e com a recomendação de continuar tomando a pílula por conta dos benefícios para a pele.
Daniela tinha hipertensão e sobrepeso, mas relata que ouviu do médico que o risco de um problema mais grave era mínimo. "Hoje sei que eu tinha fatores de risco e que ele não poderia ter receitado a pílula", conta.
Em fevereiro deste ano, Ayubi teve alguns episódios de falta de ar. "Um belo dia, deitei para dormir e não conseguia respirar", conta a bacharel em Direito. Foi direto para o hospital. Na mesma noite, recebeu o diagnóstico de embolia pulmonar. Na sequência, descobriu que estava também com trombose. Ficou 10 dias internada.
"Fiquei no oxigênio, mal conseguia falar ou me mexer e, por cinco dias, não conseguia dormir direito", relata ela, que credita seus problemas de saúde ao uso da pílula anticoncepcional.
Daniela não é a única. No Facebook, a página "Vítimas dos Anticoncepcionais", que reúne relatos e promove a troca de informações sobre os possíveis efeitos adversos da pílula, tem cerca de 126 mil seguidores. Muitos dos casos viralizaram nas redes, aumentando a desconfiança de muitas mulheres com relação a um medicamento visto até então como um dos pilares da revolução sexual feminina.
A polêmica não se restringe ao Brasil. Vendida em mais de 100 países, o medicamento Diane 35 foi suspenso por três meses pela agência francesa de segurança de medicamentos em 2013, após o uso do contraceptivo ser relacionado com 125 casos e quatro mortes por trombose venosa no país desde 1987. Cerca de 315 mil mulheres consumiam o medicamento na França.
Ponta do iceberg 
Oficialmente, a correlação estatística entre o uso da pílula e a trombose é considerada pequena. Considerando uma população de 10 mil mulheres que não tomam pílula, duas ou três desenvolvem a doença por ano. Entre 10 mil mulheres que tomam a pílula, o risco aumenta em 100%, isto é, a chance passa para de quatro a seis casos.
Atualmente, a pílula anticoncepcional é utilizada por 100 milhões de mulheres no mundo todo. No Brasil, são 11 milhões de consumidoras: trata-se do método contraceptivo de preferência de 23% das mulheres em idade fértil.
Apesar de raros, os casos de reações adversas relacionadas ao anticoncepcional, quando acontecem, costumam provocar consequências graves. “A trombose pode estar localizada onde o trombo acontece, em geral nos membros inferiores", diz César Eduardo Fernandes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), se referindo aos coágulos (trombos), que podem obstruir a circulação do sangue.
"Esses trombos podem ficar no local ou migrar, levados pela corrente sanguínea. Quando eles migram, denominamos tromboembolismo - um trombo que caminha pelas veias e vai se alojar à distância. A trombose pode levar a um tromboembolismo pulmonar ou cerebral. São eventos potencialmente muito sérios, que podem levar a óbito ou deixar sequelas importantes”, diz.
Quando acontecem, os efeitos adversos da pílula atingem como um raio a vida de mulheres como a da técnica de enfermagem e gestora hospitalar Janine Cavalcante, hoje com 28 anos.
Após cinco anos de uso da pílula, Janine teve uma trombose venal cerebral aos 24 anos. “Eu achava a pílula libertadora, pois era possível controlar com ela o nosso ciclo. Não deixa de ser, mas o risco não compensa o benefício que temos com ela. É um veneno”, critica.
Portadora sem saber da condição genética trombofilia, que aumenta ainda mais as chances de complicações sérias, Janine passou a sentir fortes dores de cabeça. Levada ao hospital, ficou sete dias internada. Não toma mais anticoncepcionais orais hormonais desde 2012. “Quando você vai no ginecologista ele diz que é raro (o risco de trombose), mas no pronto-socorro a primeira pergunta foi se eu usava anticoncepcional”, critica.
De maneira geral, a pílula não é recomendada para mulheres com doenças cardio-vasculares pré-existentes, cuja família tenha tendência à formação de coágulos no sangue, obesas, com alto nível de colesterol e em fumantes acima dos 35 anos.
Ainda assim, há casos de pessoas sem predisposição que sofrem com o problema, inclusive com sequelas ainda mais graves.
Após tomar o medicamento Yasmin por cinco anos, a paulista Alessandra Fernandes Costa começou a sentir dores de cabeça fortíssimas, iniciadas em janeiro de 2011. Nas três idas ao pronto-socorro, voltou para casa com o diagnóstico de enxaqueca. Em uma madrugada, deitada ao lado do marido, começou a convulsionar. Entrou em coma imediatamente.
Com o diagnóstico de AVC hemorrágico em decorrência de uma trombose, Alessandra ficou 24 dias na UTI, 12 deles em coma. Aos 36 anos, vegetariana, não-fumante e praticante de atividades físicas regulares, Alessandra não tinha antecedentes de trombose na família. Estaria, em tese, liberada para tomar o anticoncepcional.
As lembranças deixadas pelo remédio são, porém, amargas. "Eu não posso nem ver (a pílula). Todos falam que eu nasci de novo, pois a minha lesão foi muito grande, quase morri. Hoje sou aposentada por invalidez, ando com bengala e não mexo quase meu braço esquerdo", conta ela, que resistiu durante anos à recomendação de usar a pílula, mas acabou convencida por um ginecologista a adotar a medicação por conta das cólicas fortes que sentia a cada ciclo menstrual.
"Eu me senti bem a princípio. Li a bula e lá constam os efeitos adversos, mas você nunca imagina que vai acontecer com você", diz a ex-analista acadêmica, que também relata ainda arcar com outros problemas como depressão, epilepsia e obesidade.
Assim como outras mulheres que passaram por problemas associados à pílula, Alessandra desconfia das estatísticas apresentadas pelos médicos. "Cada dia a gente vê uma reportagem nova ou um post novo de uma pessoa que faleceu, que está internada. Os médicos falam que é raro. É raro mas acontece, né?"
Subnotificação
No Brasil, entre janeiro de 2011 e junho de 2016, a Anvisa recebeu 267 notificações envolvendo anticoncepcionais orais combinados com os princípios ativos drosperinona e etinilestradiol (comercializados pelas marcas Yaz, Iumi, Yasmin, Moliere e Elani) e a combinação de gestodeno e etinilestradiol. Dentro deste universo, o número de reações graves notificadas foi de 133 no primeiro caso e 44 no segundo (veja na tabela abaixo). Também registrou-se quatro mortes.
Há subnotificação de casos, no entanto, uma vez que médicos não são obrigados a registrá-los. De acordo com dados da Organização Pan-Americana de Saúde, apenas 10% das reações adversas ao anticoncepcional são notificadas às autoridades competentes e só 5% dos médicos notificam.
“Com certeza existe a subnotificação. Só vemos mesmo a ponta do iceberg, mas por uma amostra já podemos realizar ações regulatórias”, explica Lívia Ramalho, gerente substituta da área de Farmacovigilância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Tabela da Anvisa sobre anticoncepcionaisMotivada, entre outros fatores, pela viralização dos casos nas redes sociais e pela cobertura realizada pela imprensa, a Anvisa recomendou, no início de agosto, o uso de pílulas anticoncepcional só após prescrição médica.
“Essa recomendação não é nova. Os contraceptivos orais são medicamentos de tarja vermelha, isto é, devem ser vendidos só com prescrição”, explica Ramalho. Ela admite, porém, que apesar dessa recomendação é comum a compra de anticoncepcionais sem qualquer receita em farmácias. “Mas isso é outro problema”.
A agência adverte que, antes do início do uso de qualquer contraceptivo, deve ser realizada minuciosa análise individual da mulher, seu histórico familiar e um exame físico, incluindo determinação da pressão arterial.
Além disso, exames das mamas, fígado, extremidades e órgãos pélvicos, além do Papanicolau, devem ser conduzidos. Tais exames clínicos devem ser repetidos pelo menos uma vez ao ano durante o uso de medicamentos contraceptivos.
Ainda que os médicos não sejam obrigados a fazê-lo, a comunicação de casos graves e de óbitos à Anvisa é obrigatória, desde 2013, para detentores do registro de medicamentos e para hospitais e serviços de saúde. Por meio de canais de atendimento e do sistema eletrônico de notificações de eventos adversos (Notivisa), qualquer pessoa pode comunicar o problema à agência de vigilância brasileira.
“Se você sentir uma dor de cabeça muito forte, vá ao médico”
O médico César Eduardo Fernandes, da Febrasgo, explica que é sabido que os anticoncepcionais hormonais orais, que contêm estrogênio e progesterona, aumentam o risco de tromboembolismo.
“As primeiras pílulas tinham um risco inicial 20 vezes maior do que os de hoje. De lá para cá, houve um progresso brutal com a síntese de novos compostos. As pílulas de hoje não são inócuas, mas melhoraram ao longo de três décadas”, afirma.
Nas primeiras versões da pílula, a dose de hormônios, em comparação com os medicamentos disponíveis hoje, era muito maior: 150 microgramas de etinilestradiol, o estrogênio sintético. Atualmente, a quantidade de hormônio nas pílulas de alta dosagem é 50 microgramas. A maioria dos contraceptivos de baixa dosagem contêm de 15 a 35 microgramas do hormônio.
Para as agências reguladoras, mesmo com esses riscos, os medicamentos anticoncepcionais atuais possuem um "perfil de segurança aceitável". Fernandes explica que todos os remédios carregam, em princípio, algum risco ou efeito colateral. O que é preciso saber, diz o médico, é se a incidência desses eventos adversos é aceitável.
A título de comparação, Fernandes faz uma analogia com o risco de viajar de avião: a chance de morrer em um acidente aéreo é estatisticamente baixa, mas, quando ele acontece, é um tragédia.
“Do mesmo modo, quando o tromboembolismo acontece com uma usuária da pílula, jovem e saudável, é muito preocupante”, afirma. Fernandes também diz que a própria gravidez aumenta mais o risco de desenvolver trombose do que a pílula: passa para 30 casos em 10 mil mulheres. “O anticoncepcional é eficaz para evitar filhos, porém, traz um risco e isso precisa ser dito para as mulheres”.

Médica e professora associada do Departamento de Tocoginecologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM)/Unicamp, Ilza Maria Urbano Monteiro reafirma que a probabilidade estatística é pequena, mas admite que a orientação médica sobre os riscos não é frequente.
“A orientação deveria ser: se você notar que a sua perna ou a sua panturrilha começam a inchar, vá ao médico para ver. Se você sentir uma dor de cabeça muito forte, vá ao médico. Essas orientações o médico deve reforçar”, afirma.
Além disso, Monteiro explica que a pílula não deve mais ser a primeira opção de contraceptivo, especialmente para as mulheres jovens, já que a taxa de gravidez mesmo tomando a pílula é considerada alta (8% dos casos). Segundo ela, o método mais recomendado atualmente é o DIU de cobre ou hormonal.
"Não posso prescrever uma pílula para uma adolescente que não adere ao método e toma completamente errado o medicamento. Tenho que pensar em outras alternativas, como implante ou o anel vaginal. A gravidez na adolescência é um problema mais real e com impacto enorme na sociedade. E, atualmente, é muito mais comum do que o risco para a trombose", explica Monteiro.
Ao mesmo tempo, de acordo com os médicos ouvidos pela reportagem, não há ainda exames eficazes para determinar se é seguro receitar o medicamento anticoncepcional. De maneira geral, é possível detectar apenas metade dos casos. O custo (em torno de R$ 2.500 por paciente) é outro entrave. “Não dá para o sistema de saúde absorver esse gasto”, explica a ginecologista.
Ana Luiza Antunes Faria, médica com especialização em Ginecologia e Obstetrícia pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e pelo Hospital Pérola Byington, não acha que os casos devem motivar uma condenação da pílula. Especialmente em um país em que a gravidez de 55% das mulheres não é planejada e que 12% das adolescentes entre 12 e 19 anos já tiveram pelo menos um filho.
O ideal, segundo ela, é que os médicos avaliem caso a caso: "Pesar os riscos e os benefícios e sempre valorizar as queixas das pacientes", diz a médica. "Se pensarmos em quantas mulheres tomam a pílula e quantas desenvolvem esses quadros, veremos que a proporção total é muito pequena. Mas para aquela família que foi afetada, os números não importam", diz.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/paro-de-tomar-a-pilula

Brasileiros foram feitos de palhaço, diz escritor Veríssimo no Brasil

Publicado no site Brasil 247 - Sociedade e Disputa Política Brasileira e o Olhar da Mídia (fonte no final)

Verissimo: brasileiros foram feitos de palhaços

"Depois da provável cassação da Dilma pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que la commedia è finita: a absolvição do Eduardo Cunha", diz o escritor Luis Fernando Verissimo, um dos maiores intelectuais brasileiros; "Pela lógica destes dias, depois da cassação da Dilma, o passo seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha. Manifestantes: às ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!"; neste fim se semana, Le Monde e New York Times ridicularizam o Brasil; no jornal francês, o impeachment foi chamado de golpe ou farsa; no NYT, Dilma é devorada por ratos; Verissimo faz ainda um lembrete: "evite olhar-se no espelho e descobrir que, nesta ópera, o palhaço somos nós"

247 – A tragicomédia brasileira de 2016, em que a presidente honesta é afastada por políticos corruptos, por meio de um golpe parlamentar, foi retratada na coluna escritor Luis Fernando Verissimo, no artigo Ri, palhaço, publicado no jornal O Globo.
"Depois da provável cassação da Dilma pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que la commedia è finita: a absolvição do Eduardo Cunha. Nossa situação é como a ópera “Pagliacci”, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba mal", diz ele.
"O Eduardo Cunha pode ganhar mais tempo antes de ser julgado, tempo para o corporativismo aflorar, e os parlamentares se darem conta do que estão fazendo, punindo o homem que, afinal, é o herói do impeachment. Foi dele que partiu o processo que está chegando ao seu fim previsível agora. Pela lógica destes dias, depois da cassação da Dilma, o passo seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha. Manifestantes: às ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!"
Verissimo faz ainda um lembrete: "evite olhar-se no espelho e descobrir que, nesta ópera, o palhaço somos nós."
Nesta semana, os jornais Le Monde e New York Times ridicularizam o Brasil. No jornal francês, o impeachment foi chamado de golpe ou farsa (ler no endereço eltrônico -  http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/252017/Le-Monde-impeachment-de-Dilma-%C3%A9-ou-golpe-ou-farsa.htm). No NYT  dos EUA, Dilma é devorada por ratos (ler no endereço eletrônico - http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/252056/Jornal-The-New-York-Times-desmoraliza-o-golpe.htm).
http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/252088/Verissimo-brasileiros-foram-feitos-de-palha%C3%A7os.htm









Lava Jato ofende quem preza o respeito à Constituição, e envolve pessoas inocentes

  • O procurador-geral Rodrigo Janot tem uma curiosidade. Bom sinal, nestes tempos em que temos sabido de inquisidores sem curiosidade, só receptivos a determinadas respostas

por Janio de Freitas para blog Amigos do Presidente Lula - Sociedade e Geopolítica Brasileira (fonte no final)

A crítica do ministro Gilmar Mendes aos "vazamentos" de delação na Lava Jato suscitou a reação de Rodrigo Janot registrada por Bernardo Mello Franco: "A Lava Jato está incomodando tanto? A quem e por quê?".

É uma honra, e quase um prazer, aplacar um pouco a curiosidade que a esta altura acomete ainda o procurador-geral, talvez forçando-o a alguma passividade ou omissão.

Não escapa à sua percepção o quanto a Lava Jato incomoda aos que envolve com sua malha, tenha ou não motivo real para tanto.

Mas existe outra classe de incomodados, muito mais numerosos do que os anteriores e atingidos por inquietação diferente. O procurador-geral não terá dificuldade em reconhecê-los.

É uma gente teimosa e inconformada. São os que prezam o respeito à Constituição, mesmo que não a admirem toda, e às leis, mesmo que imperfeitas.

E entendem, entre outras coisas, que isso depende não só dos governos e políticos em geral, mas, sobretudo, dos que integram o sistema dito de Justiça. Ou seja, o Judiciário, o Ministério Público, as polícias.

Perseguições escancaradamente políticas, prisões desnecessárias ou injustificáveis, permanências excessivas em cadeias, "vazamentos" seletivos —tudo isso, de que se tem hoje em dia inúmeros casos, incomoda muita gente.

Porque, além de covardes, são práticas que implicam abuso de autoridade e múltipla ilegalidade. E sua prepotência é tipicamente fascistoide.

Mas os incomodados com isso não se mudam e não mudam. Querem o fim da corrupção e de todas as outras bandalheiras, sem, no entanto, o uso de resquícios do passado repugnante.

2) Mais uma vez, às vésperas de uma decisão em procedimentos destinados ao impeachment, a Lava Jato cria uma pretensa evidência, na linha do escandaloso, que atinja Dilma Rousseff ainda que indiretamente.

Desta vez, estando os seus procuradores sob suspeita do crime de "vazamento" de matéria sigilosa, a Lava Jato passou a tarefa ao seu braço policial: o já conhecido delegado Márcio Anselmo, da Polícia Federal, indicia Lula, Marisa e Paulo Okamotto.

Os procuradores da Lava Jato pediram 90 dias para fazer a denúncia dos indiciados. Três meses? Um inquérito com as peças que justifiquem o indiciamento não precisa de tanto prazo para a denúncia.

A dedução é inevitável: o indiciamento foi precipitado, com o mesmo propósito político dos anteriores atos gritantes, e os longos três meses são para tentar obter o que até agora não foi encontrado.
3) O governo da China ofereceu ao Brasil, em junho de 2015, crédito em torno de US$ 50 bilhões para obras de infra-estrutura.

A Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, no governo Dilma, e os chineses formaram uma comissão que, por sua vez, decidiu pela criação de um fundo de investimento de US$ 20 bilhões, composto por US$ 15 bilhões da China e completado pelo Brasil. Um outro fundo elevará o financiamento ao montante proposto no ano passado.

O governo de Michel Temer reteve a formalização do acordo, e o início do primeiro fundo, para apresentá-lo como realização sua. No dia 2 de setembro, data escolhida em princípio.

4) A crítica de Gilmar Mendes aos procuradores da Lava Jato foi atribuída por muitos, nos últimos dias, ao corporativismo sensibilizado pelo "vazamento" injustificado contra o ministro Dias Toffoli.

O que houve, porém, foi a repetição, em parte até com as mesmas palavras, das críticas feitas por Gilmar Mendes em pelo menos duas ocasiões. Inclusive tratando como crimes os "vazamentos" de delações sigilosas. Os quais, na verdade, não são vazamentos, ou informações passadas a jornalistas: são jogadas com fins políticos.

A definição como crime, aliás, é motivo bastante para que a tal investigação do "vazamento" contra Toffoli, ou nem comece, ou termine em nada a declarar.

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Mestre da pergunta, Geneton, o jornalista que valorizou o jornalismo

  • O jornalismo brasileiro ficou mais obtuso, medíocre, raso, frio, casmurro e sem respostas
  • O Mestre Perguntador morre desencantado com o jornalismo
 por Luiz Cláudio Cunha * para blog Viomundo - Sociedade e Comunicação Social
(fonte no final)
Geneton Moraes Neto (1956-2016)
Captura de Tela 2016-08-28 às 07.15.20Perdemos o Geneton.
Geneton Moraes Neto morreu no Rio de Janeiro aos 60 anos, vencido pelas complicações de um aneurisma na aorta sofrido três meses antes. Na autoapresentação de seu blog, criado em 2004, ele já avisava: “Nasci numa sexta-feira 13, num beco sem saída, numa cidade pobre da América do Sul: Recife. Tinha tudo para fracassar. Fracassei”.
Bela mentira. Em quatro décadas de jornalismo, o Geneton do beco e da sexta-feira 13 tornou-se, para sorte de todos nós, um exemplo de sucesso e uma referência para todos os repórteres que tentam ser fiéis ao compromisso irrevogável de uma imprensa dedicada à verdade, à memória, à história e ao dever de consolar os aflitos e afligir os consolados.
Ele começou como repórter em sua terra, no Diário de Pernambuco e na sucursal local de O Estado de S.Paulo¸ nos duros anos do Governo Geisel, em plena ditadura. Foi estudar no exterior. Em Paris, trabalhou como camareiro do Hotel Mônaco e motorista de uma família rica enquanto estudava Cinema na Sorbonne.
Voltou ao jornalismo, e ao Brasil, para trabalhar no Grupo Globo a partir de 1985. Ali, o repórter que se dizia fracassado foi chefe e mestre nos principais postos de jornalismo da casa: editor-executivo do Jornal da Globo e do Jornal Nacional, correspondente em Londres da GloboNews e do jornal O Globo, repórter e editor-chefe do Fantástico.
Nenhuma mesa poderosa da burocracia da redação, porém, deslumbrou o ex-fracassado do beco: “Não troco por nada o exercício da reportagem — a única função realmente importante no jornalismo”, definia Geneton no seu blog. E foi na função seminal de repórter, não como executivo de redação, que Geneton imprimiu sua marca indelével na imprensa brasileira. As provas estão guardadas para sempre no seu blog, geneton.com.br, que devia ser tombado como patrimônio cultural e leitura obrigatória para estudantes, repórteres, jornalistas e todos aqueles que respeitam a inteligência e o conhecimento. Ali, Geneton passeia sua intimidade, seu talento e seu ofício de repórter exemplar e humilde diante da notícia e de gente que, como ele, fez História. Presidentes e ex-governantes, generais e guerrilheiros, escritores e cineastas, atletas e poetas, astronautas e políticos, cantores e compositores, jornalistas e repórteres, grandes repórteres como ele, passaram pelo crivo de sua inteligência e argúcia.
Os bastardos
As duas sobreviventes do Titanic, o copiloto da bomba de Hiroshima, o assassino de Martin Luther King, o produtor dos Beatles, o promotor britânico do tribunal de Nuremberg, o agente secreto que tentou matar Hitler, os três astronautas que pisaram na Lula, o confessor de Bin Laden nas montanhas de Bora-Bora, o professor do líder dos terroristas do 11 de Setembro, o homem que encarou o ‘Setembro Negro’ nas Olimpíadas de Munique, o filho do carrasco nazista de Auschwitz que ataca o próprio pai, o guerrilheiro brasileiro que recrutou a mãe para a luta armada, o repórter de Watergate que derrubou o presidente da Casa Branca, o relato dos 11 jogadores brasileiros da derrota na final da Copa de 1950 num Maracanã estufado com 10% da população do Rio de Janeiro na época, mais de 200 mil torcedores.
Todos fazem parte deste universo mágico que Geneton esquadrinhou e trouxe para perto de nós, para nos recontar, com detalhes inéditos, a saga da espécie humana, nos seus bons e maus momentos. “Que se faça a louvação da reportagem. O papel de todo repórter é produzir informação a curto prazo. E memória, a longo prazo – de preferência, nas páginas de um livro, hoje transformado em espaço nobre a reportagem no Brasil”, escreveu Geneton na orelha do penúltimo de seus onze livros, Dossiê História (2007).
Ali, Geneton se define modestamente como um “pequeno tarefeiro da memória porque, em última instância, a memória é a grande matéria-prima do jornalismo”. Nessa tarefa, ele seguia com
devoção o mandamento de um velho jornalista do inglês The Times, que ensinava:
Toda vez que estiver entrevistando alguém, anônimo ou famoso, rico ou pobre, o repórter deve sempre fazer a si mesmo, intimamente, a seguinte pergunta:
‘Por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?’
O blog de Geneton se define como ‘jornal de um repórter’ e tem até uma padroeira, uma tal de ‘Nossa Senhora do Perpétuo Espanto’. Ele explicava:
Para que possam contribuir com esse ‘mundo real’, os jornalistas têm que ter uma atitude de permanente espanto. Precisam ser ‘levantadores’, não ‘derrubadores’ de matéria.
É aí que entra em cena, gloriosamente, a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Quando criou esta ‘entidade’, Kurt Vonnegut [1922-2007, escritor, EUA] não estava se referindo ao jornalismo, mas essa ‘santa’ deveria ser proclamada padroeira plenipotenciária da nossa profissão.
O jornalista precisa manter, em algum ponto de suas florestas interiores, aquela chama, aquela faísca, aquele espanto que se vê no brilho dos olhos de um estagiário – ou de uma criança.
Quando você se guia pelo entusiasmo das pessoas que estão fora da redação, o resultado do trabalho é melhor do que se você se guiasse pelo tédio dos que estão dentro.
Geneton ensinava que o mundo real é mais interessante do que o mundo dos jornalistas: “Cansei de ver, ouvir e encontrar leitores e telespectadores mais interessados pelos fatos do que jornalistas.
Não estou falando de algo abstrato, mas de uma situação real, palpável, comprovável no dia a dia dos jornais. Cansei de ver em redações um clima de tédio total entre os jornalistas. Se você atravessar a rua, for à padaria e comentar que entrevistou uma velhinha que foi passageira do Titanic, provavelmente os ‘ouvintes’ farão perguntas e se interessarão pelo assunto, enquanto muitos jornalistas dirão, com os olhos semicerrados de tédio: ‘Ah, mas já faz 100 anos que o Titanic afundou…’.”
Esse diagnóstico levou Geneton à descoberta de uma terrível doença que ataca as principais redações brasileiras: a SFE, a ‘Síndrome da Frigidez Editorial’, que ele batizou e, com ar divertido, ameaçava registrar na Organização Mundial da Saúde. Definição da síndrome, segundo Geneton: “É a doença do jornalista que, depois de anos de profissão, perde a capacidade de se espantar diante da realidade. Se perde esse fogo, o jornalista deve mudar de profissão”.
E jornalista que não se espanta, é claro, nem pergunta mais.
O crédito do general
Perguntar é o que Geneton sabia fazer como ninguém na imprensa brasileira. Como já se disse, “o jornalismo é a atividade humana que depende essencialmente da pergunta, não da resposta. O bom jornalismo se faz e se constrói com boas perguntas”.
Inimigo juramentado do terno e gravata, fiel ao seu negro blusão de gola rolê que fazia contraste com o branco da barba e dos cabelos desgrenhados e cada vez mais ralos no alto da cabeça, Geneton não se intimidava diante das luzes e câmeras da GloboNews, muito menos diante de seus entrevistados. Preocupado menos com a forma, o penteado ou o traje, ele não descuidava nunca do conteúdo, a partir da pauta que ele mesmo escrevinhava, em letras grandes, em folhas de papel almaço que brandia e consultava sem constrangimentos em suas entrevistas. Com sua fala mansa e firme, no doce sotaque recifense que preservou até o fim, Geneton encarava as respostas enganosas com mais perguntas — rápidas, incisivas, cirúrgicas —, repelindo as mentiras com outras perguntas que conduziam à verdade.
Quando o notório Paulo Maluf negou ser sua a assinatura de uma conta no exterior, mesmo diante do documento exibido pelo entrevistador, Geneton disparou:
— O sr. nega então que este Paulo Maluf, aqui, seja o senhor?
— Nego.
— Mesmo com a assinatura de Paulo Maluf?
— Nego.
— Então, existe outro Paulo Maluf?
O Maluf à sua frente ficou em silêncio.
Como todo bom repórter, Geneton era teimoso. Tentou uma, duas, três vezes, até convencer o general Leônidas Pires Gonçalves (1921-2015), ministro do Exército do Governo Sarney, a lhe dar uma histórica entrevista em 2010. Nos créditos da telinha, supreendentemente, o general não aparece identificado como o primeiro ministro militar da democracia, mas como o chefe da repressão da finada ditadura, a quem Leônidas serviu com espartana e rígida fidelidade. Por isso, na entrevista da GloboNews, o general é creditado apenas como ‘chefe do DOI-CODI, 1974-1977′.
O general falou com uma fluência inédita e uma sinceridade desconcertante, levantando temas que beiravam a fantasia, a leviandade e a arrogância.  Ironizou as denúncias (“Hoje todo mundo diz que foi torturado para receber a bolsa-ditadura”) e duvidou até do assassinato do jornalista Vladimir Herzog sob torturas no DOI-CODI de São Paulo, em 1975: “Eu não tenho convicção de que Herzog tenha sido morto… Um homem não preparado e assustado faz qualquer coisa. Até se mata”.
Leônidas desafiou qualquer um a dizer que foi torturado no DOI-CODI do I Exército, no Rio de Janeiro, que ele comandou como chefe do Estado-Maior durante quase três anos, na fase mais turbulenta do governo Geisel. ‘Não houve tortura na minha área’, garantiu Leônidas.
Devia ser uma bolha milagrosa, porque ali mesmo no I Exército, comandado pelo general Sylvio Frota entre julho de 1972 e março de 1974, o DOI-CODI carioca era um centro de morte, conforme apurou O Globo. Naquele espaço de 21 meses, contou o jornal, morreram 29 presos nas masmorras da afamada rua Barão de Mesquita, onde funcionava o centro de torturas do Exército, comandado pelo notório major Adyr Fiúza de Castro, um dos radicais mais temidos da ditadura. Bastou chegar ali e assumir o DOI-CODI carioca, fantasiava o general Leônidas, e a paz dos anjos se instalou.
Sem arrogância, Geneton enfrentou o general Leônidas com perguntas precisas, enxutas, minimalistas, que iluminaram a história e conseguiram arrancar o melhor (e o pior) do chefe da repressão política que se orgulhava de seu trabalho na ditadura. Preocupado com a edição do programa na TV, Leônidas se apressou em ensinar jornalismo a Geneton:
— Que minhas ideias não sejam suprimidas na edição. Se houver um corte, você me deixa mal — avisou o general, esquecido de que o regime de força que ele defendeu se esmerava em cortes sistemáticos pela censura burra que suprimia ideias e fatos que sempre deixam mal as ditaduras. Geneton não cortou, e ainda assim o general Leônidas ficou muito mal pelas ideias que exprimiu, livremente.
Sempre educado, mas incorrigivelmente firme, Geneton questionou a exótica versão do general de que líderes do regime deposto – como Arraes, Brizola, Jango, Prestes – saíram do Brasil, a partir de 1964, ‘porque quiseram’. Leônidas mirou no ex-governador Miguel Arraes, conterrâneo de Geneton, pregando:
– Ele [Arraes] podia ter ficado em casa…
– Deposto – emendou Geneton.
– E qual é o problema? – admirou-se o general.
– Todo – encerrou Geneton, com a sintética sabedoria que o general, já nos seus 90 anos, ainda não apreendera. – Não havia condições de exercer a política no Brasil, naquela época, general.
O ex-chefe do DOI-CODI desdenhou toda uma fase de arbítrio e violência, dizendo que o país não teve exilados pelo golpe de 1964, mas apenas ‘fugitivos’.
– Eles que ficassem aqui e enfrentassem a justiça – pregou Leônidas.
– General, num regime de exceção, a justiça não é confiável – replicou o repórter, com a altivez e a dignidade devidas.
Eu destaquei esse luminoso desempenho de Geneton x Leônidas num texto — A arte de perguntar —, publicado pelo site Observatório da Imprensa em 7 de abril de 2010, quatro dias após a exibição do programa pela GloboNews, num sábado.
Geneton, o mestre e amigo a quem eu tratava nos e-mails pelo carinhoso título de Master Asker (Mestre Perguntador), me agradeceu pelo texto com o bom humor de sempre:
Olá. Com um cabo eleitoral como você aí, considero-me eleito para o Comitê
Central do PPB, Partido dos Perguntadores do Brasil. Obrigado!
No dia seguinte, ainda mais feliz, Geneton me repassou uma mensagem do diretor da GloboNews, César Seabra, que redistribuiu pelo correio interno o meu texto do Observatório a toda a equipe da TV, com a seguinte determinação:
Caros,
o texto do link abaixo faz elogios merecidíssimos ao nosso Geneton.
Mas também nos faz um alerta precioso, sobre como conduzir uma entrevista.
É leitura obrigatória para todos – apresentadores, repórteres, editores, produtores, chefes… Aproveitem. Beijo e bom dia,
César
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=584FDS016>
Bolt da garotada
O incansável Geneton não desistiu do general, que ficou satisfeito com o que viu no ar, com todas as suas ideias bizarras respeitadas, como cabe numa democracia. “Devo ter recebido uns 400 telefonemas…”, disse o eufórico Leônidas a Geneton, num encontro casual num final de manhã de junho de 2014 num shopping do Leblon. Em março de 2015 Geneton pensava num lance mais ousado. Colocar o general da repressão no estúdio diante de um guerrilheiro da luta armada. O general piscou. Perguntou quem seria seu oponente. Geneton pensava no ex-guerrilheiro Cid Benjamin, um dos integrantes do grupo que sequestrou o embaixador americano Burke Elbrick em 1969. “Vou dizer uma coisa que você não sabe: o Cid foi prisioneiro meu”. O encontro épico sonhado por Geneton nunca aconteceu: Leônidas morreu três meses depois, aos 94 anos, exatamente um ano depois do encontro dos dois no shopping.
Geneton esmerou-se na arte das perguntas por que esta é a missão central do repórter: “Não faça jornalismo para jornalista. Faça para o público”, repetia ele ao público, embevecido como eu, nas duas vezes em que nos encontramos, em 2011 e 2014, no tradicional SET Universitário promovido pela Famecos (Comunicação Social) da PUC de Porto Alegre. É o mais longevo (29 anos em 2016) evento de comunicação do sul do país, atraindo gente da Argentina, Uruguai e outros países. Geneton era o Usain Bolt da garotada, que ele conquistava com a rapidez e o brilho de um raio.
Mesmo diante da crise econômica que vive a indústria da comunicação e da crise existencial que abate os jornalistas atropelados pelo desafio da tecnologia, Geneton nunca abdicou de seus princípios. Fidelidade absoluta à reportagem e ao seu ídolo maior, Joel Silveira (1918-2007), “o maior repórter brasileiro”, um sergipano autodidata que Geneton frequentava todo dia, até a sua morte, com a reverência de um fã.
Joel foi correspondente de guerra na campanha da FEB na II Guerra Mundial, escalado para cobrir o conflito em 1944 pelo dono dos Diários Associados. Assis Chateaubriand lhe deu a ordem final:
— O senhor vai para a guerra! E vou lhe pedir um favor, senhor Silveira: não me morra! Repórter não é para morrer, repórter é para mandar notícia!
Joel embarcou e voltou. Mas, contrariando as ordens de Chateaubriand, morreu um pouco.
— Fui para a Itália com 27 anos, passei dez meses e voltei com 40 anos. A guerra me tirou 13 anos — confessou o ídolo Joel ao fã Geneton, que a partir desses 20 anos de convivência e confidências, juntando fitas K7 e imagens amadoras, acabaria produzindo um documentário fundamental de 90 minutos sobre o maior repórter brasileiro: Garrafas ao mar — A víbora manda lembranças, exibido pela GloboNews em 2013.
Geneton se divertia contando as relações de seu ídolo com os magnatas da mídia. De Chateaubriand, Joel ganhou o apelido de ‘víbora’. De Adolpho Bloch, dono da revista Manchete, onde Joel publicou suas últimas reportagens, ele ganhou um bilhete. Bloch aproveitou uma viagem de seu repórter a Jerusalém e lhe pediu que colocasse o bilhete, como manda a tradição judaica, numa das frestas do Muro das Lamentações, acompanhado de um pedido. Joel cumpriu a pauta do patrão, que lhe perguntou na volta:
— E aí, Joel, fez o pedido?
— Fiz, Adolpho. Pedi para você me dar um aumento de salário…
O porta-estandarte
Um dos mantras preferidos do sergipano Joel Silveira — “Jornalismo é ver a banda passar, não é fazer parte da banda” — reproduz bem a visão que seu fã pernambucano tinha de boa parte da mídia atual, em que o jornalismo cede espaço ao partidarismo, a razão é acuada pela paixão, a isenção é atropelada pela facção. Geneton também deplorava o engajamento até de jornalistas experientes em uma ou em outra banda partidária, no calor de uma luta político-eleitoral cada vez mais acesa que rebaixou parcela da imprensa ao jogo abrutalhado de um Fla-Flu de caneladas e mútuo xingamento, tão estridente que nem dava para ouvir a banda passar.
Geneton, com a serenidade que nunca lhe permitiu desfilar nessas bandas, definia:
— Fazer jornalismo é não praticar nunca, jamais, sob hipótese alguma, a patrulha ideológica.
Geneton via em Joel o seu ideal cada vez mais romântico do repórter que sobreviveu à ‘ditadura da objetividade’, imposta para combater pragas como subliteratura, beletrismo e academicismo, e sucumbiu à maldição dos tempos atuais, com textos áridos, chatos, anêmicos, soporíferos, iguais. “Lástima, lástima, lástima”, lamentava Geneton.
Geneton sonhava com alguém pichando os muros da cidade, proclamando: “Chega de objetividade! As notícias eu já vi na internet e na TV! Quero vivacidade, imaginação, arrebatamento, ousadia!”. No seu devaneio, Geneton achava que Joel poderia ser o porta-estandarte do resgate desse tipo de jornalismo, segundo ele exilado para a Sibéria.
— A luta por um jornalismo mais vívido, mais atraente, mais iluminado faz parte da luta por um Brasil menos medíocre. Por que não? — perguntava-se Geneton, mais uma vez.
Para sustentar sua teoria, ele usava a prática inigualável de Joel, dando como exemplo este texto em que o velho sergipano descrevia um menino morto no Bogotazo, uma revolta popular na Colômbia de 1948 que se seguiu ao assassinato de um candidato liberal da oposição, Jorge Gaitán, abatido na rua com três tiros. Os protestos, desordens e a repressão desatada em Bogotá, num único dia, deixaram um saldo de 500 mortos só na capital. Trecho do texto de Joel:
Estive no Cemitério Central de Bogotá, em afazer de repórter, para ter uma ideia aproximada do saldo de mortos deixado pela explosão popular. Nunca, em toda minha vida, nem mesmo nos meses de guerra, estive diante de mortos tão mortos. Somente aquele menino – não mais de oito anos – morrera cândido, de olhos abertos, um começo de sorriso nos lábios. Os olhos vazios fixavam o céu de chumbo. As mãos de unhas sujas e compridas pendiam sobre a laje dura – como os remos inertes de um pequeno barco. Um funcionário qualquer se aproximou, olhou por alguns segundos o menino morto, procurou sem achar alguma coisa que ele deveria trazer nos bolsos. Tentou em seguida fechar com os dedos os olhos abertos, mas não conseguiu. Abertos e limpos, os olhos do menino morto pareciam maravilhados com o que somente eles viam, com o que queriam ver para sempre.
Geneton fez a pergunta, que insinuava a resposta:
— Os jornais de hoje publicariam textos assim? O grande poeta Ferreira Gullar fez uma vez, num verso, uma pergunta que a gente bem que poderia repetir, contra o cinzento da mesmice: ‘Onde escondeste o verde clarão dos dias?’. Ah, Jornalismo: onde escondeste o clarão?
Geneton, sempre amigo e solidário, acompanhou solitário o final de vida dos últimos 20 anos da víbora da reportagem. Ninguém mais frequentava aquele apartamento deserto no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana, habitado apenas por livros, lembranças, história e Joel Silveira.
— Estou morrendo, Geneton, estou morrendo! — suspirava o velho repórter, que já não saía de casa e já não tinha amigos. Só Geneton. Joel desprezou o tratamento de um câncer na próstata para morrer em casa em 2007, na amarga mansidão de seus 88 anos. Na companhia fiel de seu último amigo.
Um dissidente
O fim melancólico de Joel Silveira, que Geneton definia como precursor do New Journalism que fez a fama de profissionais festejados como Gay Talese e Truman Capote, explica um pouco a visão cada vez mais pessimista que Geneton tinha do próprio jornalismo na atualidade.
Geneton criava, produzia, executava, editava e apresentava suas próprias reportagens na GloboNews, com a doída convicção de que, como Joel, ele se tornava uma avis rara do jornalismo, um exemplar de dinossauro condenado à extinção imposta pelo cometa brilhante da inevitável modernidade tecnológica. Geneton parecia, agora, uma víbora que já não confiava nem na peçonha de suas perguntas, por mais venenosas que fossem.
Aqui e ali, sem alarde, Geneton deixava fluir aos poucos sua melancolia, fazia vazar sua desilusão.
Na véspera do réveillon de 2010, ele publicou em seu blog uma nota sem destaque, quase escondida, sugerindo um ‘Teste para Seleção de Jornalistas’. Era uma azeda reflexão sobre o jornalismo:
Uma sugestão aos responsáveis pelos departamentos de pessoal das empresas jornalísticas: depois de pesquisas que se arrastaram por meses, os especialistas conseguiram montar um teste infalível para seleção de candidatos a vagas nas redações.
O candidato ao emprego deve ficar imóvel durante três minutos, diante de um fiscal da empresa.
Se, ao final deste prazo, o candidato não latir nem relinchar deve ser sumariamente eliminado, porque não serve para a profissão jornalística.
Se, no entanto, o candidato emitir latidos e relinchos terá provado que é jornalista legítimo. Deve ser imediatamente contratado.
Porque mostrou estar preparado para ingressar nas redações brasileiras e produzir os jornais, revistas e programas de TV mais chatos do mundo.
Cinco anos depois, em 24 de agosto de 2015, inspirado numa definição de Winston Churchill para a União Soviética de Stálin (“É uma charada envolvida num mistério dentro de um enigma”),
Geneton voltou a filosofar com amargura em seu blog, numa nota impiedosa sob o título ‘Entrevista de Emprego’, que seria cômica, se não fosse trágica:
Se eu fosse enfrentar hoje uma entrevista de emprego e se me pedissem para dizer em trinta segundos o que penso do jornalismo, eu diria, com toda sinceridade:
‘Depois de décadas na estrada, tenho a nítida, nitidíssima sensação de que, no fim das contas, como escolha profissional, o jornalismo foi um equívoco envolvido num engano dentro de um grande erro. Mas agora é tarde para voltar atrás. Bola pra frente, então! Faz de conta que é a melhor profissão do mundo!
E é — para os que se descobrem tecnicamente incapazes de fazer alguma coisa que seja de fato útil ao avanço da humanidade!”.
Nem preciso dizer que eu seria imediatamente dispensado pelo burocrata do Departamento de Recursos Humanos encarregado de selecionar os candidatos.
Eu ouviria o aviso de dispensa sumária, me levantaria, cumprimentaria o dispensador e diria: ‘Parabéns! Você nunca tomou uma decisão tão acertada!’.
Cinco anos antes, na mesma mensagem de 8 de abril de 2010 em que me agradecia pela louvação à sua ‘arte de perguntar’, o e-mail privado de Geneton traía sua desilusão já na linha seguinte, com uma inesperada autodefinição em tom de confissão:
Pode parecer pretensão, mas acho que realmente o jornalismo se mediocrizou.
O exibicionismo toma o lugar da substância, especialmente na TV.
Modestamente, considero-me um dissidente.
O dissidente Geneton Moraes Neto, meu amigo Master Asker, nosso grande Mestre Perguntador, nos deixou de repente, envolto num manto diáfano de desencanto, deixando no ar uma última pergunta, que cabe a todos nós responder:
— Por quê?
*Luiz Cláudio Cunha é jornalista, autor de Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (ed. L&PM, 2008). cunha.luizclaudio@gmail.com
 http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/luiz-claudio-cunha-mestre-da-pergunta-geneton-morre-desencantado.html

8.26.2016

O ataque à Petrobras e a liquidação de empresas estatais brasileiras

  • Os resultados da rodada de privatizações de Temer provavelmente repetirão o fracasso da etapa de FHC

  • A dilapidação de patrimônios como o pré-sal e o estímulo ao rentismo são o núcleo da política econômica interina, perfeita para afundar o país

por Carlos Drummond para revista Carta Capital - Sociedade e Privatização das Empresas Estatais  (fonte no final do texto)


Foto de Geraldo Falcão
Navio da PetrobrasAs medidas aceleram a liquidação da estrutura produtiva relevante do Brasil




As medidas aceleram a liquidação da sua estrutura produtiva relevante, a consequente perda de autonomia no contexto mundial e o fortalecimento de um modelo centrado no rentismo, o nacional e o internacional.
No balcão de negócios da nova política econômica, a Petrobras, presidida pelo tucano Pedro Parente, vendeu no dia 28 o primeiro campo do pré-sal, o de Carcará, na baía de Santos, e ofereceu no mercado a BR Distribuidora, a maior do País, com peso decisivo na receita do grupo. Outros reservatórios daquela camada marítima deverão ser vendidos, ao lado de alguns bens que podem ser alienados sem danos à empresa e ao País.
Aprovado no Senado e prestes a ser votado na Câmara, o projeto do senador José Serra, o atual ministro das Relações Exteriores, de eliminar a obrigatoriedade de a companhia participar do pré-sal há de ser visto como o deflagrador do desmonte do que sobrou da privatização devastadora do período FHC, nos anos 1990.
Outros congressistas participam da grande liquidação com projetos para facilitar a venda de terras a estrangeiros e à ação das mineradoras globais, entre outros. A queima de ativos inclui ofertas feitas pelos estados, asfixiados com a queda contínua da arrecadação provocada pela recessão e a austeridade do governo, iniciada na gestão de Joaquim Levy na Fazenda, no segundo mandato de Dilma Rousseff.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quer privatizar 60% do Metrô paulistano, mas ainda não informou como serão contabilizados os prejuízos de 800 milhões de reais, segundo a Promotoria, causados pelo sobrepreço pago a um cartel de empresas para reformar 98 trens, nem as perdas com as 46 composições novas estacionadas por tempo indefinido por causa do atraso na construção de três linhas.
Pedro ParentePedro Parente acelera a venda de ativos a preços aviltados, 
fraciona a Petrobras e facilita a privatização (Foto: Stefferson Faria)

Destituída de partes crescentes da sua base material, a economia gravita cada vez mais em torno do rentismo, o jogo lucrativo e sem risco para instituições financeiras, empresas e famílias aplicadoras de recursos em títulos da dívida pública e ativos correlatos. A rentabilidade acima do retorno dos investimentos produtivos e da inflação, a segurança e a liquidez são garantidas pelo governo.
O amplo interesse nesse parasitismo do Estado, com rendimentos da aplicação em títulos da dívida pública, contribuiu para reverter, em 2012, a redução recorde da taxa de juros para 7,25%. Ninguém quer ganhos na faixa de um dígito quando está habituado a abocanhar juros no patamar dos 14,25% atuais.
Os rentistas internacionais encontram no Brasil o último paraíso de juros extremamente elevados, quase sempre os mais altos do mundo, bancados há décadas por um Estado Nacional. Eles ganham com a diferença entre as taxas de juro internas e as externas, as oscilações das moedas e manobras no mercado cambial local, um dos mais voláteis do mundo.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica investiga há um ano a manipulação da taxa de câmbio do real por um cartel de 15 bancos estrangeiros, de 2007 até 2011, com perdas de 200 bilhões de reais para 800 grandes indústrias responsáveis por 90% das exportações.
O governo interino apresenta o seu programa de privatização como indispensável ao equilíbrio fiscal. “A verdade é outra. Foi uma oportunidade que apareceu para venderem ativos públicos que agradam ao mercado. Dizer que é por problema fiscal é uma fraude, um ilusionismo, pode chamar até de pedalada fiscal”, rebate a economista Laura Carvalho, professora da USP.
Quando vende uma empresa, o Estado deixa de arrecadar no futuro os respectivos dividendos e lucros e, se o comprador for estrangeiro, ainda é obrigado a remetê-los eternamente para o exterior. O próprio FMI classifica o expediente como manobra fiscal, diz a professora. Foi muito utilizado por vários países desde a crise de 2008, sob regras fiscais rígidas, “para criar a sensação de que a situação melhorou, à custa de uma piora futura”.
A queima de ativos públicos “foi a solução para o governo ilegítimo e com situação política difícil no Congresso reforçar sua posição no mercado sendo extremamente pró-business, analisa o economista Ricardo Carneiro, professor da Unicamp e ex-representante do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Carneiro pediu demissão do cargo de diretor-executivo da instituição em maio, pouco depois da aprovação, pelo Senado, do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
A venda do reservatório de Carcará à empresa pública Statoil, espécie de Petrobras da Noruega, por 2,5 bilhões de dólares, é um escândalo. Ao contrário do alegado pela administração de Pedro Parente, não há urgência na venda. “Vergonhosa e criminosamente, estão vendendo 1 bilhão de barris por um preço de dois dólares o barril. Isto precisa ser contestado na Justiça”, clamou Ildo Sauer, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras e professor da USP, em depoimento na quarta-feira 10, na Comissão de Energia da Câmara, convocada pelo deputado Carlos Zarattini para discutir o projeto de Serra.
José SerraSerra quer acabar com o protagonismo da Petrobras no 
pré-sal e barrar a Venezuela no Mercosul. As múltis e os EUA agradecem (Foto: Evaristo Sa/AFP)

“O que se quer fazer agora é abrir a porta de entrada para a entrega total. Aparentemente, não há uma compreensão da dimensão do problema a que está se submetendo o povo brasileiro, titular dos recursos do petróleo. Este projeto que aí está ignora isso completamente e envergonha a nação”, acrescentou Sauer.
“A Petrobras não pode ter o direito, na minha opinião, de negar-se a ser operadora única do pré-sal. A empresa tem compromisso com o desenvolvimento nacional em uma área extremamente sensível, o desenvolvimento tecnológico, e trabalha na faixa de limite do conhecimento científico. O pré-sal representa isso”, alertou Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Produção que integrou as equipes que fizeram as grandes descobertas no Iraque e no pré-sal, em 2007, no governo Lula.
“O pré-sal veio completar a base energética que o Brasil precisa para se desenvolver autonomamente. Nisso, a operação única da Petrobras é um fator preponderante”, disse o geólogo.
Em um trecho do seu depoimento, esclareceu a razão dos ataques de potências estrangeiras, grupos multinacionais e seus auxiliares locais: “O pré-sal brasileiro talvez seja a mais importante área no mundo que contém uma grande quantidade de reservas e dá um protagonismo na cena geopolítica global ao País, que o contrapõe aos grandes países hegemônicos, principalmente no Ocidente”. 
A comemoração da compra pelo presidente da petroleira nórdica, Eldar Sætre, evidencia um negócio excepcional. “Com esta aquisição, estamos acessando um ativo de classe mundial e reforçamos a nossa posição no Brasil, uma das áreas estratégicas da Statoil... O Campo de Carcará vai melhorar significativamente os volumes de produção internacional nos anos 2020 e posteriores.
Estamos desenvolvendo um negócio sólido no Brasil, com um amplo portfólio, produção material, oportunidades de exploração de alto impacto e excelente potencial de criação de valor de longo prazo e fluxo de caixa”, disse o executivo.
Os objetivos da estatal nórdica, muito além do curto prazo, contrastam com o sepultamento da estratégia anterior da Petrobras, de se tornar uma das cinco maiores empresas de petróleo integradas do mundo até 2030, e a instauração de um esquema imediatista de negócios centrado na venda de ativos em um ambiente mundial de preços rebaixados.
“O ponto fundamental é como fica o futuro do País. Quando se fala em privatização, abertura comercial, desregulamentação, a grande pergunta que falta é: “Tudo isso para quê? Onde está o projeto? Qual é a estratégia por trás disso?”, questiona o economista Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo.
O País saiu de uma grande lavoura de café para ser uma das maiores economias industriais na segunda metade do século XX, com uma estratégia. É possível questioná-la, mas havia uma linha muito clara.
Ildo SauerCriminosamente, diz Sauer, venderam 1 bi de barris por
 2 dólares o barril e isso precisa ser contestado na Justiça (Foto: Valter Campanato/ABr)

A partir da crise dos anos 1980, o Brasil embarcou na onda neoliberal vinda do exterior. Lacerda chama atenção: “O período representado por Lula e Dilma significou uma tentativa de retomada de um projeto de nação, e agora, com o governo Temer, nós temos um retrocesso no sentido de um açodamento de medidas de cunho neoliberal sem um projeto por trás”.
A consequência, alerta o economista, é a perda de autonomia e de capacidade de articulação, sem outro objetivo além de agradar aos mercados, em um processo influenciado por uma interpretação da valorização do real e da elevação da bolsa como sinais de confiança, “mas você olha os indicadores reais da economia e constata que todos estão despencando. É um grande contrassenso”.
Vítima da queda mundial dos preços do petróleo, do saque perpetrado por uns poucos, da dilapidação da sua cadeia produtiva pela Lava Jato, da recessão e da crise política, a Petrobras talvez seja hoje a presa mais vulnerável na disputa geopolítica e militar entre Oriente e Ocidente, ignorada no Brasil. O acesso às fontes de energia está no centro do conflito entre blocos de superpotências e megaempresas petrolíferas.
Os Estados Unidos e as petroleiras americanas não gostaram do leilão do Campo de Libra, no pré-sal, sob o regime de partilha, em 2013, no governo de Dilma. Cinco telegramas do consulado americano no Rio de Janeiro enviados a Washington, o primeiro deles em 2 de dezembro de 2009, descobertos pelo site WikiLeaks, detalham como “a missão americana no Brasil acompanhou a elaboração das regras para a exploração do pré-sal e faz lobby pelos interesses das petroleiras”. 
As mensagens evidenciam a insatisfação das petroleiras estadunidenses com a lei de exploração aprovada pelo Congresso e sua irritação, “em especial, com o fato de a Petrobras ser a única operadora”, e como aquelas companhias “atuaram fortemente no Senado para mudar a lei” da partilha do pré-sal. Segundo Patricia Padral, diretora da Chevron no Brasil, José Serra teria prometido mudar as regras se fosse eleito presidente. 
Ocupante do ministério das Relações Exteriores no governo interino, o tucano está em uma posição-chave para mexer peças nesse tabuleiro. Neste momento, tenta impedir que Nicolás Maduro ocupe a presidência do Mercosul, no sistema de rodízio adotado pelo organismo.
O veto ajudaria a realizar o sonho dos Estados Unidos de mudar o comando da Venezuela, dona da maior reserva petrolífera do mundo, uma das mais cobiçadas alternativas ao distante e conflagrado Oriente Médio e ao esgotamento, nos próximos anos, da exploração do xisto, ou shale. 
O projeto de Serra para enterrar o protagonismo da Petrobras no pré-sal e o papel de Pedro Parente como corretor das reservas de petróleo são a melhor oportunidade para os tucanos realizarem um objetivo perseguido há duas décadas. O plano foi revelado em 1996 em um artigo da revista especializada Offshore sobre a quebra do monopólio estatal do petróleo no ano anterior, no primeiro mandato de FHC.
O governo manteve 51% das ações com direito a voto, um “choque para os homens de negócios do setor petrolífero”, para os quais o fim do monopólio significaria também a privatização da empresa pública: “Aqueles que acompanham a política petrolífera brasileira mais de perto estão cientes de que, apesar de neste estágio a privatização da Petrobras não ser contemplada, existe uma forte facção no governo, no Congresso e nos círculos de negócios que gostaria de introduzir uma legislação com esse efeito em uma data posterior”.
Naquele ano, a petroleira brasileira era a 17ª em produção, destacou o artigo. Em 2014, ocupou a 14ª posição, segundo o ranking da revista Forbes.
A aceleração, por Pedro Parente, da venda de ativos iniciada pelo antecessor Aldemir Bendine encaixa-se no figurino clássico das privatizações de grandes grupos, de primeiro desmembrar a empresa e depois se desfazer dos fragmentos. “As grandes petroleiras, os bancos e os escritórios de advocacia estão salivando”, revelou em junho Nick Butler, do Financial Times, com “aquilo que pode ser uma rodada muito substancial de privatizações, a começar pelo setor de petróleo.
FHCA privatização de Fernando Henrique Cardozo não reduziu 
a dívida pública, aumentou as remessas de lucros e tornou o país mais vulnerável 
(Foto: Aloisio Mauricio/Foto Arena)

Uma mudança de governo na Venezuela ou no Brasil pode ser o gatilho”, prevê Butler, que destaca o aumento das probabilidades de o processo acontecer com Temer. “Pedro Parente veio para esquartejar a companhia e deixar a carcaça aí para quem quiser”, acusa Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, a Aepet.
A indicação de Nelson Silva, ex-presidente da petroleira britânica BG no Brasil, para a recém-criada diretoria de Estratégia, Organização e Sistema de Gestão da Petrobras é vista como uma evidência da promiscuidade entre os interesses público e privado e os objetivos das organizações nacionais e estrangeiras.
A BG foi comprada no ano passado pela Shell e a aquisição a tornou a maior empresa estrangeira exploradora do pré-sal. “É mais uma raposa no galinheiro”, critica Siqueira. “A situação é grave. O País está correndo um risco enorme.”
A economia brasileira sob a condução da equipe de Temer se resume, em grande medida, a uma coleção de negócios, boa parte deles lesiva ao País, conclui-se dos fatos e das análises acima. O governo limitou-se a assistir à venda da CPFL à State Grid, da China, no mês passado e prepara a alienação de outras seis companhias do setor.
Prevê-se o predomínio do país asiático na área de energia elétrica dentro de alguns anos. “Estão comprometendo a base para uma retomada futura da economia. Vendem empresas a estrangeiros que não precisam investir aqui porque encontram ativos prontos para gerar dinheiro destinado ao pagamento dos juros da dívida e, em geral, só exploram o nosso mercado interno, não exportam”, diagnostica o economista Carlos Alonso Barbosa de Oliveira, da Unicamp.
“O problema é que o Brasil chegou à decadência antes de alcançar os países que saíram do subdesenvolvimento. Havia um longo caminho a ser percorrido na indústria, na infraestrutura, mas venceu um rentismo precoce que governa tudo”, julga o professor.
Segundo Luiz Gonzaga Belluzzo, no período da economia primário-exportadora havia uma espécie de rentismo, o da renda da terra, semissepultado pela industrialização. O Brasil foi o país subdesenvolvido mais bem-sucedido dos anos 1950 até a década de 1970 porque tinha uma estrutura institucional de relação entre empresas públicas e empresas privadas.
“Funcionou até os anos 1980, quando aconteceu o desastre da crise da dívida e os mortos-vivos do rentismo renasceram. Vieram com a arma dos especialistas formados no exterior, que jogaram o jogo do rentismo brasileiro, que só serve para predar o País. O resultado foi a destruição dos sistemas de articulação e de propulsão do desenvolvimento. Havia uma relação de interdependência entre o setor privado e as empresas públicas que os chineses copiaram da gente e mantêm até hoje.”
Na biografia política do presidente provisório, constará a continuidade da infausta privatização de FHC, no total de 68,6 bilhões de dólares entre empresas federais e estaduais, mais 16,5 bilhões em dívidas transferidas ao setor privado, entre 1991 e 1998. O governo interino quer faturar 120 bilhões de reais, cerca de 40 bilhões de dólares, com a desmobilização de ativos públicos.
Um balanço daquela liquidação mostra estragos de grandes proporções. Os tucanos consideraram um sucesso a privatização das telecomunicações. Marcadas por transações alarmantes protagonizadas pelo ex-ministro das Telecomunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, incluíram o próprio presidente da República, segundo revelaram grampos de conversas telefônicas travadas principalmente no BNDES.
Gráfico
Previa-se o eventual uso da bomba atômica, isto é, a intervenção de Fernando Henrique Cardoso para atingir os objetivos inconfessáveis da operação. Tudo isso para entregar ao País um sistema de telecomunicações entre os mais caros e ineficientes do mundo, mostram comparações mundiais e recordes de reclamações de usuários.
A única versão correta desses grampos foi dada por CartaCapital e precipitou a demissão de Mendonça de Barros.
Produziram também o desastre da privatização do setor elétrico, marcada pelo apagão inédito de 2001. Transformaram o BNDES, de agência indispensável ao desenvolvimento do País, em um banco de investimentos igual a qualquer instituição privada. Venderam a Vale do Rio Doce por um valor escandalosamente baixo.
Manobraram para entregar o Banespa, o maior banco estadual, por uma quantia risível, sob acusações infundadas de dilapidação do patrimônio da instituição por seus diretores. Dano nenhum foi constatado, entretanto, pelo comprador Santander e esta é a maior prova da manipulação empreendida diretamente pelo Banco Central sob comando tucano.
Uma CPI criada para investigar a intervenção mostrou as manobras em detalhes e pediu a cabeça dos altos funcionários do BC envolvidos. Reestruturaram a Caixa Econômica Federal e só não a venderam por pretenderem utilizar os recursos de fundos administrados pela instituição, inclusive o FGTS, para viabilizar as demais privatizações. O governo Temer estaria preparando uma nova tentativa de vender a Caixa, comentava-se na semana passada entre funcionários.
A campanha de difamação do Banespa, apresentada pela mídia como um covil de dilapidadores, lembra em muito o ataque sem trégua à Petrobras, embora a estatal do petróleo tenha sido vítima de saqueadores.
O problema surge, porém, quando os malfeitos de uns poucos são usados para justificar uma cruzada de desmoralização da empresa, útil para os megagrupos globais interessados em adquirir os seus ativos, únicos no mundo, ao menor preço possível.
Eficiente na defesa dos interesses externos e dos seus aliados locais nas privatizações de FHC, a mídia mantém a mesma atitude na liquidação de empresas públicas comandada por Temer e empenha-se em irradiar otimismo. Variações positivas mínimas de alguns indicadores são apresentadas como evidências da superação da recessão.
Na quarta-feira 3, o Valor Econômico saudou o “bom desempenho do setor de bens de capital”, forte o suficiente para interromper “uma sequência de oito quedas trimestrais da indústria”, que voltou a crescer no segundo trimestre. A maior parte da mídia e dos economistas de bancos assumiu a mesma interpretação.
O coro otimista “não se justifica”, garante o empresário Mario Bernardini, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos. “A situação neste momento está bastante crítica no setor. Há uma parada nos investimentos”, confirma Alberto Machado, diretor-executivo da Abimaq para os setores de petróleo, gás, bioenergia e petroquímica.
Negócios
A única explicação para o tom positivo do noticiário sem correspondência nos fatos é “a necessidade de ter boas notícias”, afirma Bernardini. O subgrupo máquinas e equipamentos, do setor de bens de capital, cresceu 0,4% em junho sobre maio. “Foi uma flutuaçãozinha, não dá para soltar rojões.” A queda acumulada no primeiro semestre ficou entre 16% e 18%, segundo o IBGE.
O acompanhamento da Abimaq mostra um declínio ainda maior, de 29% no primeiro semestre sobre o mesmo período do ano passado, e de 40% no mercado interno. “Percebe-se que o governo e o setor financeiro estão desesperados por boas notícias. Porque, afinal, precisam dizer: ‘Graças ao Temer, este país está andando. Então vamos tirar a Dilma de uma vez’. É esse o jogo.”
Os resultados da rodada de privatizações de Temer provavelmente repetirão o fracasso da etapa de FHC. “As receitas das vendas de estatais no auge do processo, entre 1997 e 1998, corresponderam em média a 3% do PIB e contrastam com os resultados da dívida pública e do desequilíbrio fiscal, que prosseguiram como se uma privatização de tal envergadura não estivesse em curso”, concluem Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida no livro Depois da Queda.
Alguns números dão ideia da dimensão dos estragos se a atual rodada de privatizações avançar. Só a Petrobras e sua cadeia produtiva contribuem com 10% do PIB, 15% do investimento total e 50% do investimento da indústria, setor responsável pela criação dos melhores empregos e salários e fundamental ao avanço dos serviços, da agroindústria e do comércio. Uma liquidação de ativos talvez extensiva ao País, é para lá que leva a ponte do futuro do governo interino. 
*Reportagem publicada originalmente na edição 914 de CartaCapital, com o título "A liquidação do futuro".
http://www.cartacapital.com.br/revista/914/a-liquidacao-do-futuro