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2.09.2017

José Rivais Macedo Analisou Pensadores da África do Século 20

  • “O pan-africanismo é a ideologia política africana mais importante do século XX”, afirma o organizador da publicação, José Rivair Macedo / Ramon Moser (DEDS/PROREXT/UFRGS)

por Juliana Gonçalves para Brasil de Fato Sociedade e Cultura das Letras

José Rivair Macedo é organizador de publicação da editora Expressão Popular sobre o pensamento africano do século XX

Pesquisadores brasileiros e africanos realizam uma leitura crítica dos principais pensadores africanos do século 20, no livro “O pensamento africano no século XX”. A publicação, organizada por José Rivair Macedo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG) e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, será lançada nesta quinta-feira (9/fev/2017) na livraria da editora Expressão Popular, na capital paulista.
A obra aborda temas importantes da história africana e seus desdobramentos nos países da diáspora. Entre os teóricos explorados no livro, estão Frantz Fanon , Léopold Sédar Senghor, Achille Mbembe e Aimé Césaire, Cheikh Anta Diop.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o professor José Rivair Macedo destaca como os fenômenos políticos e culturais do modo de pensar dos africanos, adquirem sentido e ganham significado “no coletivo e não no plano individual”.
Do ponto de vista de movimentos importantes que influenciaram o cenário africano, Macedo ressalta o pan-africanismo e o afrocentrismo. Além disso, explica a diferença presente na construção de um pensamento africano tradicional – “pautado pelos saberes acumulados pela experiência ancestral e oralidade” -  e o não tradicional – marcado por conhecimentos “formais transmitidos pela escrita”.
O professor explica ainda que faz parte da expressão do pensamento africano não estabelecer “comparações ou hierarquias entre essas instâncias do conhecimento, mas reconhecer suas diferentes formas de expressão, suas diferentes finalidades”.
Sobre a revolução africana, Macedo lembra a importância de Kwame Nkrumah, Frantz Fanon e Amílcar Cabral, pensadores que consideravam que o processo revolucionário não devia se limitar ao plano político ou econômico, “mas sim propor uma reestruturação mental, cultural, que permitisse aos colonizados recuperar sua humanidade plena, a capacidade de decidir os rumos de sua existência”.
“Foram homens de ação, empunharam armas em defesa da liberdade”, aponta o professor.
Leia entrevista na íntegra.
Capa do livro O pensamento africano do século XXBrasil de Fato: A obra está dividida de acordo com períodos e processos que trouxeram grandes transformações ao continente africano. Pode falar um pouco sobre essa escolha?
José Rivair Macedo: O livro é estruturado em torno da interpretação de obras e autores que se identificam como africanos e desenvolvem leituras sobre problemas comuns que afetaram os africanos durante três períodos específicos. Primeiro, o período colonial, onde se discute sobretudo o ideário do pan-africanismo e da negritude. Depois, o período da descolonização, marcado por alternativas revolucionárias para a libertação nacional e a reorganização social, econômica, política e cultural. E, por fim, o período pós-colonial, quando o problema passou a ser a gestão interna dos recursos disponíveis, a superação do legado colonial e a distribuição do poder político-econômico.
Como foi o processo de construção da publicação?
A concepção do livro deve muito aos eventos e debates promovidos desde 2014 pela Rede Multidisciplinar de Estudos Africanos do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da (Ilea–UFRGS) e pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neabs). Resulta do acúmulo de discussões do ciclo de conferências ocorrido em 2014-2015 chamado “A produção do saber na África contemporânea”, e das apresentações, discussões e debates da Semana da África na UFRGS ocorrida em 2015 cujo tema central foi “Pensamento africano contemporâneo”.
Alguns textos que integram o livro constituem versões ampliadas e revistas de trabalhos monográficos realizados como requisito final para a disciplina “O pensamento social africano: questões, debates e tendências de abordagem”, ministrada no segundo semestre de 2014, junto ao Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Outros capítulos foram elaborados por docentes e jovens pesquisadores africanos convidados especialmente como colaboradores da obra.
O senhor cita ainda nas primeiras páginas, um provérbio em língua bambara cuja tradução é: “A verdade não cabe numa só boca’’. O continente africano ainda sofre com as histórias únicas contadas sobre ele?
Sim, por isso procuramos tanto quanto possível respeitar o modo de pensar dos africanos, para quem os fenômenos adquirem sentido e ganham significado no coletivo e não no plano individual. A formulação que melhor explica esse traço cultural é o axioma que fundamenta a ética do unbunto, “eu sou porque nós somos”, bastante difundido nas áreas central e austral do continente entre os povos falantes de línguas bantu e que encontra correspondência em outros lugares. A influência dos elementos tradicionais é notada, por exemplo, no discurso político de Amilcar Cabral, onde a base teórica do marxismo é forçada a dialogar com expressões originais dos saberes populares, ancestrais, conforme o pesquisador José Carlos Gomes dos Anjos aponta em nosso livro.
Os autores selecionados são em sua maioria brasileiros que fazem uma leitura da contribuição de grandes pensadores africanos. Qual é a importância disso, tendo em vista que a história de África é constantemente contada por não-africanos?
Entendemos os “estudos africanos” como um campo não consensual, constituído por diferentes tendências cujo perfil depende dos fundamentos epistemológicos considerados válidos pelos pesquisadores - em seus respectivos âmbitos de produção, difusão e recepção, na África e fora dela. O problema foi levantado há décadas pelo sociólogo Fábio Leite, da Universidade de São Paulo, ao sublinhar a existência de pelo menos duas formas gerais de percepção da realidade africana: uma “visão ocidental”, constituída em torno de uma África-objeto; e uma visão que vai de dentro para fora do continente e revela a África-sujeito. Tal proposição não sugere a existência de uma oposição binária entre interpretações feitas fora ou dentro da África, a separar autores não-africanos de autores africanos – em benefício dos últimos.
O que está em causa não é necessariamente quem estuda, ou de onde estuda, mas como estuda e a partir de quais referências. Em nosso livro, ao lado dos pesquisadores brasileiros estão pesquisadores de origem cabo-verdiana, angolana, guineense, moçambicana, senegalesa. O que justifica a autoria desses últimos não é serem “autenticamente” africanos, mas portadores de conhecimentos e experiências que os autorizam a tratar dos assuntos escolhidos para seus respectivos textos com pertinência e relevância para o conhecimento das realidades sociais e culturais africanas.
Como, em linhas gerais, o livro traça as diferenças entre o pensamento africano tradicional e o não tradicional? Chama a atenção o cuidado na distinção entre pensamento africano e pensamento diaspórico, pode falar um pouco dessa diferença e necessidade de pontuá-la?
Trata-se de uma distinção metodológica importante. Em linhas gerais pode-se dizer que o pensamento africano tradicional é constituído por um vasto e diversificado conjunto de saberes acumulados pela experiência ancestral, alimentado e transmitido por meio da oralidade, através dos tradicionalistas. O pensamento africano não tradicional, por sua vez, diz respeito ao conjunto de saberes formais, eruditos, transmitido através da escrita, empregado para explicar os fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais relativos ao continente e aos seus povos.
A intenção não é estabelecer comparações ou hierarquias entre essas instâncias do conhecimento, mas reconhecer suas diferentes formas de expressão, suas diferentes finalidades e seus eventuais pontos comuns. Tomamos também o cuidado de distinguir e separar pensamento africano de pensamento diaspórico. Não porque sejamos partidários da ideia de uma “essência africana” ou de uma “autenticidade africana”. Ocorre que, embora a substância que anima essas correntes de ideias diga respeito, praticamente, aos mesmos sujeitos, isto é, aos povos africanos ou de origem africana, os deslocamentos decorrentes dos fenômenos associados à Diáspora Negra promoveram reconfigurações espaciais, temporais e culturais, com consequências inovadoras no plano identitário.
De modo que, não obstante a origem africana seja comum aos nascidos no continente e aos afrodescendentes, neste último caso a ruptura e o deslocamento promovidos pela condição do cativeiro fendeu a identidade étnica originária e promoveu uma dupla desterritorialização (na África e  no Novo Mundo), forçando movimentos de recomposição sociocultural que capacitaram os cativos e seus descendentes a resistir em situação de profunda opressão e recriar sua existência em outros termos – onde a África torna-se poderosa referência de ancestralidade.
         Cheikh Anta Diop foi um historiador e antropólogo senegalêsComo a revolução africana contribuiu ou foi parte do processo da construção desse pensamento africano não tradicional?
Poucos expressaram com tanta eloquência a violência inerente ao colonialismo como o poeta antilhano Aimé Césaire. A dominação colonial impunha inevitavelmente ou a aniquilação ou a assimilação dos povos dominados, negando-lhes de todo modo sua capacidade de gerir seu próprio destino. A ruptura reivindicada por teóricos africanos da descolonização como Kwame Nkrumah, Frantz Fanon e Amílcar Cabral não se limita ao plano político ou econômico, mas impunha uma reestruturação mental, cultural, que permitisse aos colonizados recuperar sua humanidade plena, a capacidade de decidir os rumos de sua existência.
A construção do conceito de negritude dentro do continente africano é explorado no livro a partir dos ideias do senegalês Leopold Sédar Senghor, pode falar um pouco a respeito disso?
No primeiro capítulo do livro Gustavo de Andrade Durão apresenta-nos um panorama histórico da gênese, desenvolvimento e crítica do movimento da negritude a partir da interpretação de Leopold Sédar Senghor. Visto como movimento estético de valorização da cultura negra, ou como movimento político de contestação ao colonialismo, a negritude, junto com o pan-africanismo e o ideário da “personalidade africana”, constitui o marco inicial da emergência de uma identidade negra transcontinental.
Como o movimento pan-africanista e o afrocentrismo aparecem no livro?
Os dois movimentos ganharam forma inicial em contexto colonial e vieram a desempenhar papel diferencial na segunda metade do século XX, durante o processo de emancipação e reorganização política dos atuais países africanos. O pan-africanismo é, sem dúvida, a ideologia política africana mais importante do século XX, ao postular a existência de uma solidariedade entre africanos e afrodescendentes de todo o mundo, e seu grande defensor foi Kwame Nkrumah – conforme é estudado em um dos capítulos do livro. Quanto ao afrocentrismo, coube ao pensador senegalês Cheikh Anta Diop suas primeiras formulações, em termos absolutamente científicos, pelos quais se procurava provar a anterioridade do processo civilizatório mundial na África negra em suas interações com o Egito. Em última instância, reivindicava o reconhecimento da capacidade de produzir conhecimento, ciência, pelos próprios africanos, assim como sua capacidade de organização política autônoma em escala nacional e continental.
Em um dos textos, o autor localiza um Egito negro, bem diferente desse Egito embranquecido constantemente explorado pelo cinema e televisão brasileiros. Essa tentativa de embranquecer o Egito faz parte de uma ação muito recorrente de desqualificar a África e seus frutos? O que o Egito significou para a África?
As publicações de Cheikh Anta Diop, a começar por Nations nègres et culture (Nações negras e cultura - 1954) inovaram ao levantar a discussão sobre a anterioridade africana na história da humanidade e ao reivindicar o vínculo matricial entre o Egito e a África negra, e a influência do Egito sobre a Grécia e o mundo clássico – considerados matriz cultural do ocidente. Até então, o Egito era visto como uma civilização eminentemente branca. Diop problematizou essa visão racista e eurocêntrica e foi além, apontando em outras obras de sua autoria, como A identidade cultural da África negra, similaridades entre determinadas instituições, estruturas sociais, registros linguísticos, sistemas de valores e costumes de origem egípcia e aquelas observadas em outras partes do continente. Ao fazê-lo, ofereceu aos africanos uma referência histórica para uma releitura positiva do seu passado.
  Psiquiatra, filósofo, cientista social e revolucionário, Frantz Fanon é um dos pensadores mais instigantes do século XXQual a importância da figura de Franz Fanon e de Amilcar Cabral na construção de um pensamento africano libertário?
O que estes dois grandes nomes de revolucionários africanos têm em comum é o fato de que, mais do que intelectuais e teóricos da libertação, foram homens de ação, empunharam armas em defesa da liberdade. Para ambos, a alternativa libertária supunha o dever da violência contra a violência maior praticada pelos agentes do colonialismo. Suas interpretações da realidade não constituem simples decalque das teorias sociais e políticas que aprenderam fora de seus lugares de origem, nas metrópoles europeias. Provinham igualmente da experiência social adquirida na práxis revolucionária e na consideração das realidades locais em que atuaram. Muito provavelmente por causa disso, seus textos continuam a fazer sentido e a servir de referência para as teorias críticas no mundo contemporâneo.
O senhor acha que o pensamento africano, mesmo o não tradicional, se vale ou valoriza das contribuições ancestrais, inclusive dos saberes tradicionais que versam sobre um mundo metafísico?

Sim. Para o filósofo congolês V. Y. Mudimbe, um dos intelectuais estudados no livro, a gnose africana, isto é, o conhecimento profundo sobre a África e os africanos resulta de sucessivas interações entre tradições, formas de conhecimento nutridos pela tradição oral, e o saber formal de tipo ocidental. Por outro lado, o filósofo marfinense Paulin Hountondji desenvolveu diversos seminários e orientou projetos de investigação sobre o que ele denomina de “conhecimentos endógenos”.
São formas de apreensão dos fenômenos em que os conhecimentos escritos, a tradição ancestral e a ciência não são colocados em confronto e sim em interação. Para esses autores, os processos de aquisição, acumulação e transmissão de conhecimento não são isolados, mas se encontram em constante circulação, sendo apropriados e utilizados de acordo com diferentes interesses e finalidades.
Qual é a relação que existe entre o pensamento africano atual e a busca por liberdade em seu sentido mais amplo? Os impactos do colonialismo e marcas do processo revolucionário para muitos, inconcluso, ainda impedem essa liberdade? 
As formas de expressão do ser africano são eminentemente periféricas, subalternas, enquadradas segundo critérios de distinção étnico-racial, impostos de fora para dentro do continente. O próprio campo de estudos do africanismo resulta de sucessivas camadas discursivas elaboradas em contexto colonial, e nesse sentido, a valorização da palavra dos africanos assume caráter descolonizador e antirracista. Ao divulgar suas ideias, poderemos conhecer melhor o seu modo de conceber o mundo e de oferecer respostas aos seus problemas a partir de perspectivas endógenas, mediante alternativas próprias.
Há um longo caminho para que isso seja plenamente atingido no continente, onde a própria estrutura educacional em geral reproduz os modelos ocidentais. Seria preciso buscar alternativas científicas e epistemológicas inovadoras, e algumas delas tem sido colocadas em prática pelo Conselho para o Desenvolvimento das Ciências Sociais na África (CODESRIA), o mais importante núcleo de pesquisa acadêmica do continente, conforme assinalado em nosso livro.
https://www.brasildefato.com.br//2017/02/09/pensar-africano-ganha-sentido-no-coletivo-e-nao-no-individual-diz-professor-da-ufrg/

Hora do chá

  • Além de saborosas, as ervas podem ser uma ótima opção para curar desconfortos e auxiliar tratamentos de doenças


Costume milenar pode ajudar na saúde, se seguido com disciplina / reprodução Brasil de Fato
Eles podem servir para aliviar azia, indisposição, inflamações na pele, TPM, queda de cabelo, depressão, gases, dor de cabeça e mais uma infinidade de problemas. Com receitas que sobrevivem há gerações, os chás estão presentes na cultura popular brasileira e fazem muito bem à saúde se tomados com disciplina. Quem explica é a jovem Natalia Souza, dona de uma pequena empresa especializada em ervas medicinais e produtos naturais chamada Gaia.
Influenciada pelas benzedeiras e raizeiras, Natalia, que trabalhava na área de tecnologia da informação, decidiu largar o emprego para se dedicar ao poder das plantas quando se viu com crises graves de ansiedade. E foi por sentir os benefícios dos chás em seu próprio corpo que ela decidiu fazer disso uma profissão.
“Quem quer a ajuda das ervas medicinais deve usá-las de forma eficaz. Por exemplo, se você precisa de mais ânimo, é indicado consumir a bebida no café da manhã e depois do almoço. Já se você precisa se acalmar, ter uma noite tranquila, o melhor é tomar no fim da tarde ou antes de dormir”, explica. Os efeitos mais efetivos são sentidos a longo prazo, por isso é indispensável estabelecer a rotina de consumo no dia a dia, dependendo do resultado desejado.
Mil e uma utilidades
Na Gaia, são utilizados 50 tipos de ervas e 15 misturas de chás. O Chá da Lua, por exemplo, que leva calêndula, mentrasto e camomila, deve ser consumido durante o período menstrual e auxilia no controle das cólicas, TPM e limpeza do útero. Também tem o afrodisíaco, ideal para aqueles que querem apimentar a relação ou simplesmente adoram um toque a mais de energia. Ele leva catuaba, ginseng e marapuama, atua na circulação e aumenta a sensibilidade da pele. E quando algo não cai bem no almoço, por que não substituir aquela pausa para o café pela pausa pelo chá? Para a ocasião, Natalia indica o mix de espinheira santa, melissa e capim limão, que diminuem os incômodos da gastrite, úlcera e atuam como calmantes para o estômago.
Quem também é adepta dos chás é a pedagoga recém-formada Daniela Cardoso, de 25 anos, que leva durante toda a semana sua garrafa térmica para o trabalho, uma escola na cidade de Nova Lima, região metropolitana de BH. Ela conta que aprendeu com a avó, Dalva, que para qualquer mal-estar tinha uma receitinha “tiro e queda”. “Tomo porque acho gostoso, hidrata e acabei pegando isso de tomar como remédio. É interessante que quase nunca fico doente. Eu adoro o chá de erva cidreira, é ótimo para dor de cabeça”, declara.
Natalia também chama a atenção para outra vantagem das plantas: o preço. Cada combinação de chazinho vendido por ela tem o valor de R$ 5. “É importante que as pessoas voltem a saber se curar com a natureza, ter em mente que existe essa opção, e evitem o uso abusivo de medicamentos químicos. Esse costume também pode ser moderno”, avalia.
Origem do chá
Segundo uma lenda chinesa, o chá foi descoberto por acaso, pelo personagem mítico Shennong, conhecido como o pai antigo da agricultura. Conta a história que em uma tarde de outono, Shennong aquecia água enquanto descansava embaixo de uma árvore. As folhas secas da árvore caíram na água fervendo, criando a primeira infusão da folha do chá. Intrigado pela fragrância, ele tomou um gole e achou refrescante.
https://www.brasildefato.com.br//2017/02/09/hora-do-cha/

Poder é serviço público ou privado, com humildade e luta

  • Sandálias da Humildade e da Luta
por Selvino Heck para Sul 21 - Sociedade e Administrador Público e Privado Exemplos
À Dona Marisa Letícia e Lula
“Eu vim para servir e não para ser servido”, disse Jesus à mulher de Zebedeu, quando ela lhe apresentou os filhos Tiago e João, pedindo a Jesus que cada um se sentasse em cada lado seu em seu reino. “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva. E quem quiser ser o primeiro entre vós, será esse o vosso servo.” Foi a forma de Jesus dizer que poder é serviço.
Foi o gesto de Edegar Pretto, quando chegou no meio do povo na Praça da Matriz, recém eleito presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul: tirar o paletó, a gravata, tirar os sapatos, para que o ex-governador Olívio Dutra lhe calçasse, como anunciou Eliane de Moura Martins, do MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados), ‘as sandálias da luta’. E, acrescento eu, calçando também ‘as sandálias da humildade’.
Não foi apenas um gesto simbólico. No seu pronunciamento, já como presidente do Poder Legislativo, Edegar Pretto, filho do lutador social, militante do MST e da agricultura familiar, e ex-deputado Adão Pretto, falecido em 2009, disse: “Assumo compromisso com algumas causas que devem fazer dos grandes debates desta Casa: a democracia e a participação popular, o papel do Estado, a eqüidade de gênero, a agricultura e soberania alimentar.”
Fui deputado estadual constituinte gaúcho com Adão Pretto, que conheci na primeira metade dos anos 1980, como sindicalista em Miraguaí, Norte gaúcho, participante das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da CPT (Comissão Pastoral da Terra). Agora, seu filho Edegar, 30 anos depois, assume a Presidência da Assembleia, para fazer cumprir e valer aquela que é considerada uma das Constituições mais progressistas do país na garantia de direitos, na participação social, na democratização do Estado e da sociedade, fruto de muita luta e mobilização social.
O lema de Adão Pretto era ‘um pé na luta, outro no Parlamento’, como agora de novo compromete-se Edegar, já eleito presidente. Ou seja, nunca tirar o pé da luta e a favor das mobilizações por direitos e democracia, ainda que o outro pé esteja no Parlamento ou em algum espaço de poder. Nunca deixar de ser movimento, mesmo quando se é ou se está na instituição. Mesmo sendo presidente de um Poder.
Estamos em tempos em que militantes sociais, lutadoras e lutadores do povo, especialmente aqueles que estão em governos, Parlamentos ou espaços de poder, mais que nunca precisam vestir as sandálias da humildade, da luta e do serviço. Lembrar de onde se veio, lembrar dos ideais que se defende, lembrar do compromisso de vida com os pobres, os lascados, os oprimidos, não afastar-se dos valores da justiça, da solidariedade, da igualdade, reavivar a cada dia e em todos nos lugares o sonho da mudança, da transformação, da liberdade, da democracia, do bem comum, hoje traduzidos no BEM VIVER indígena latino-americano.
Na manifestação e celebração de alegria e apoio ao novo presidente da Assembleia na Praça da Matriz, cantavam os Cantadores do Povo: “Capitalismo nunca foi de quem trabalha. Nossos direitos, só a luta faz valer.”
Poder é serviço, com humildade e luta.
PS. É preciso ser amigo dos amigos, companheiro dos companheiros. Sempre. Foi como conheci e convivi com Dona Marisa Letícia ao longo de décadas. Ela nunca transigiu. A bandeira do PT costurada por ela à mão permaneceu na sua mão, na sua alma, no seu coração a vida inteira. Tenho comigo, guardado, Boletim da Pastoral Operária de 1980. Na foto de capa, a Marcha das mulheres de Primeiro de Maio de 1980, Marisa na linha de frente, ladeada pelas mulheres, por D. Cláudio Hummes, Frei Betto, exigindo a libertação de Lula e companheiros, presos na greve dos metalúrgicos e com intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, ações e repressão da ditadura militar. Guerreira, corajosa, companheira, Dona Marisa Letícia Lula da Silva calçou as sandálias da humildade e da luta. A vida inteira.
Selvino Heck é deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).
 http://www.sul21.com.br/jornal/sandalias-da-humildade-e-da-luta/

Pablo Ortellado: ‘a comunicação social precisa ser pautada pelos boatos’

As escolhas pessoais quanto a informações de país e do globo, são difíceis, pois envolve muitos parâmetros que consciente ou (in)consciente, tem influência através de pequenos ou grandes fragmentos pessoal/coletivo.

Separar "o joio do trigo", superficialmente até é simples. Mas, dependendo da situação que se está envolvido física ou emocionalmente, pode passar "batido", e acabamos "engolindo" o falso como verdadeiro.

Esse é o tema do artigo/entrevista que segue abaixo:

Há pessoas que têm visões morais de mundo mais punitivistas e outras tem visões morais de mundo mais compreensivas

    Professor de Políticas Públicas da USP, Pablo Ortellado também coordena o Monitor do Debate Político no Meio Digital
    Fernanda Canofre 
    “Relacionado ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência na formação da opinião pública, do que aqueles que apelam à emoção ou crenças pessoais”. Assim o dicionário de Oxford define a palavra do ano de 2016: pós-verdade. É oficial, vivemos a era da pós-verdade. O termo foi utilizado pela primeira vez, em 1992, pelo dramaturgo Steve Tesich, em um ensaio publicado na revista The Nation. No ano passado, especialmente com a campanha presidencial norte-americana, virou o núcleo do debate político.
    No Brasil, entre as dez notícias de política mais compartilhadas diariamente, pelo menos duas se enquadram nisso. Essa é também a matéria-prima de análise do Monitor do Debate Político no Meio Digital, uma iniciativa do Grupo de Políticas Públicas em Acesso à Informação (GPoPAI), que reúne professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadores de diversas áreas. O grupo mapeia notícias de política nacional em 82 veículos de comunicação e 112 fontes. Um levantamento que analisa a interação de 10 milhões de pessoas discutindo política no Brasil todos os dias.
    O mapeamento do Monitor se baseia, principalmente, nas notícias com maior número de compartilhamentos nas redes, através de palavras-chave e de fatos que estão “quentes” no dia. A medição do público interagindo através delas é feita em outro levantamento, que leva em conta veículos de comunicação e páginas de política, e cruza perfis de pessoas que as curtem. Deles, no universo atual da internet brasileira, só dois pólos emergem: os anti-petistas e os anti-anti-petistas. A análise é do professor Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas da USP e coordenador do Monitor.
    “Eu tenho dois circuitos completamente independentes. Tem um campo onde estão os grupos anti-corrupção, os grupos militaristas, tem os grupos liberais e os políticos de direita. Esse é um campo. E tem um outro campo onde tem os políticos de esquerda, os movimentos feministas, negro, LGBT e movimentos sociais como MST. E é isso. Quem curte e comenta um circuito, não participa do outro. Nós estamos falando do comportamento de um universo muito grande de pessoas”, avalia Ortellado.
    Ortellado conversou com o Sul21 sobre notícias falsas, o comportamento das redes sociais em torno do debate político e o papel do jornalismo diante disso. Em um ano que começa com a guerra nas redes alimentadas por fatos quentes – as mortes do ministro do STF, Teori Zavascki, e da ex-primeira-dama Marisa Letícia, a prisão de Eike Batista e a delação do “fim do mundo”, com a Odebrecht – se você nunca tinha ouvido falar de pós-verdade, é bom ir se acostumando. Ela parece ter vindo para ficar.

    Gráfico mostra as palavras mais usadas em manchetes na época da votação do impeachment, na Câmara dos Deputados | Foto: Monitor do Debate Político/Reprodução
    Sul21: “Pós-verdade” foi escolhida a palavra do ano, em 2016, pelo Dicionário de Oxford, e a gente começa 2017 com o governo dos EUA criando o discurso de “fatos alternativos”. Qual o significado simbólico disso? São coisas realmente dessa época?
    Pablo Ortellado: A gente está vivendo um tempo de polarização política no Brasil e em vários países do mundo, mas é uma polarização política de um tipo diferente. É uma polarização política baseada em visões morais de mundo. Como ela é orientada por visões morais de mundo, ela faz com que as perspectivas políticas que são indissociáveis das perspectivas morais tenham muito pouco espaço para compromisso. Isso gera uma polarização onde o diálogo fica muito difícil. Os campos ficam muito apaixonados e por conta dessa paixão política, e do embate político que está sendo acentuado, a difusão de informações entra em uma espécie de guerra, na qual informações que corroboram, que confirmam a perspectiva de quem já está engajado passa a ser mais difundida. Sejam elas verdadeiras ou não. Esse é um fenômeno que faz com que informações não-verificadas – algumas delas flagrantemente falsas, outras são hipóteses, só boatos – sejam difundidas amplamente nos dois campos.
    É um fenômeno que nasceu no final dos anos 1980 e vem crescendo. Nos Estados Unidos, é um fenômeno um pouco mais antigo. Os Estados Unidos foram o primeiro país a sentir isso, mas a partir dali se difundiu para o mundo inteiro. Mesmo países que são muito hostis aos valores e à influência americana, como por exemplo a França, estão sofrendo fortemente a influência dessa nova gramática política.
    Sul21: Na semana da votação do impeachment na Câmara, 3 das 5 notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas, segundo levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso a Informação, da Universidade de São Paulo (USP). Com a eleição de Donald Trump, muitas pessoas passaram a culpar o Facebook pela circulação de notícias falsas que teriam ajudado sua campanha. Mas essa circulação em massa de notícias falsas diz mais sobre quem as produz ou sobre os leitores?
    Pablo Ortellado: Acho que isso tem a ver com a polarização política. É sobretudo, sobre o campo político. Porque o campo político está estruturado de uma forma polarizada e apaixonada. E é uma paixão amparada em visões morais que são de difícil negociação, talvez impossível negociação. Essas divergências morais, extremamente acentuadas pelo conflito político, porque nós estamos em uma guerra contra o outro campo, que é inaceitável porque ele tem valores que são incompreensíveis e inaceitáveis, gera um processo de difusão de informações que é muito difícil de controlar. Para sair do abstrato, vou te dar um exemplo concreto. No campo “de esquerda”, as pessoas vão falar: “olha essas pessoas insensíveis, cruéis, que estão fazendo de tudo para desmontar as conquistas sociais pelas quais emancipamos os mais pobres, tiramos eles da miséria, trouxemos um pouco de dignidade para o povo brasileiro”. Do outro lado, as pessoas estão falando: “olha esses safados, essa quadrilha que tomou conta do Estado brasileiro e roubou como nunca antes na História, se a gente não tomar cuidado eles vão voltar em 2018, a gente precisa destruir essa bandidagem”. Essas duas narrativas não têm nenhum tipo de mediação. Quando elas estão nesse modo belicista, de guerra, isso só faz com que qualquer informação que corrobore o ponto de vista de cada um dos grupos seja disseminada sem verificação e sem nenhum tipo de questionamento crítico. Então, esse é um campo em que informação não-verificada, ainda que seja flagrantemente falsa, se difunde. Mais ainda quando o momento político está quente. Um pouco antes da votação do impeachment, na morte do Teori [Zavascki], qualquer momento político quente, a gente faz um levantamento das matérias mais difundidas no Facebook, sempre dá, pelo menos 2 ou 3 no top 10 que são não-verificadas. Isso nos dois campos, tanto no da “esquerda”, quanto “na direita”.

    Manifestante em ato pedindo “Fora Dilma”, em Porto Alegre| Foto: Guilherme Santos/Sul21
    Sul21: Em um texto assinado por ti, no El País, na época da votação do impeachment na Câmara, falas sobre como as campanhas #NãoVaiTerGolpe e #ForaDilma produziram um efeito que gerou “comportamentos beligerantes” nas redes. Qual o papel das redes sociais nesta polarização? 
    Pablo Ortellado: Elas acentuam esse problema por meio do efeito bolha. Porque as redes sociais são organizadas de maneira que o teunewsfeed privilegia pessoas que pensam como você. O algoritmo do Facebook seleciona pessoas que pensam mais como você porque sabe que se ele expuser pessoas que pensam diferente de você, ele afasta da ferramenta. Isso faz com que você fique sempre falando com pessoas próximas de você, o que termina acentuando as convicções que você já tem. Você já tem uma convicção, está num processo de polarização, você fica ali exposto a pessoas que pensam como você e que referendam seu ponto de vista. Então, esse processo não é das redes sociais, mas as redes sociais o acentuam.
    Sul21: No dia da posse de Donald Trump, as redes sociais se encheram de comentários agressivos contra o filho do novo presidente, de 9 anos. Aqui no Brasil, depois que a esposa do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, Marisa Letícia, sofreu um AVC – e agora com sua morte –  as redes também reviveram esse “clima de guerra”. São duas questões pessoais, mas que foram usadas pelo jogo político. A maneira como o debate político está posto afeta nossa empatia?
    Pablo Ortellado: Com certeza afeta, porque essa crueldade é mútua, ela acontece nos dois campos. As pessoas estão em guerra, elas se veem como soldados e acham que a postura do outro é completamente inaceitável. Ela tem um fundamento moral. Uma pessoa que é anti-petista não consegue entender “como alguém consegue compactuar com a roubalheira, é inaceitável, eles roubaram, se alguém compactua com isso é ladrão”. Do outro lado falam assim: “não é possível que você não tenha visto que o Brasil estava melhorando, pessoas que estavam passando fome deixaram de passar fome, quem não valoriza esse processo de emancipação social é um canalha, insensível”. Quando as pessoas estão presas em visões de mundo assim, que desqualificam umas às outras, que espaço de diálogo existe? O outro foi completamente demonizado, é uma pessoa completamente errada. No nosso levantamento a gente mapeia 10 milhões de pessoas. São 10 milhões de pessoas completamente polarizadas. Quando elas estão polarizadas nesse nível, elas veem como missão política, até como missão ética, combater esse inimigo. Eu estou pegando só a questão política, mas ela vale sobre a questão do aborto, das drogas, dos LGBTs, a penalidade contra a criminalidade. O Brasil está inteiramente rachado nesses temas morais. Acho que o tem de novo é que a divergência agora não tem meio termo. Não é só um meio termo entre as duas coisas, ela não tem diálogo e não tem posições independentes.

    “No Brasil, neste momento histórico, a primavera se chama, em primeiro lugar, democracia, em segundo lugar, democracia, em terceiro lugar, também democracia”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
    Sul21: É aquela coisa de que o “isentão” não pode ser aceito? 
    Pablo Ortellado: O isentão é sempre um enrustido, para os dois lados. Um acha que ele é um petista enrustido, o outro acha que é um coxinha enrustido. Ele é atacado pelos dois e a gente que faz o mapeamento vê: não existe o campo dos isentões. Ele é engolido pela polarização política. O que tem são dois campos bem organizados e não tem nada no meio.
    Sul21: Que informações mais chamaram a atenção de vocês no mapeamento do Monitor do Debate Político? 
    Pablo Ortellado: Não tem nada no meio, mas, por exemplo, a questão do ambientalismo. Não é porque o ambientalismo está no meio, é porque ele é um consenso. Então, os dois grupos, defendem e apoiam o ambientalismo, por isso que páginas como a do Greenpeace ou a SOS Mata Atlântica ficam no meio, porque são curtidas pelos dois grupos. Mas tirando ambientalismo, todos os outros assuntos dividem os brasileiros. E é bem acentuado. Um lado é liberal, conservador e anti-corrupção e o outro lado defende o legado do PT, defende um país diverso, movimentos sociais e com mais direitos. Não é o Brasil, são pessoas no Brasil que se interessam por política. Elas estão completamente divididas.
    Sul21: Existe uma porcentagem, alguma estimativa sobre quanto das notícias que circulam entre essas redes são falsas? 
    Pablo Ortellado: Para ter uma ideia, a gente levanta 3.500 notícias por dia, é muita coisa e não dá para verificar. O Brasil produz por dia, entre 3 mil e 3.500 notícias de política nacional. Está excluído notícias internacionais, notícias locais e entretenimento. Dessas 3.500, tem 200 que são muito lidas, depois delas o número de compartilhamentos vai caindo e tem, praticamente, mil matérias com um número muito pequeno de compartilhamentos. No fundo, embora o Brasil produza muitas matérias, lê muito poucas, lê 200. A medida que a gente vai subindo no ranking, vai concentrando o número de compartilhamentos. A posição mais baixa tem em torno de 200 compartilhamentos e o topo do ranking tem em média 20, 30 mil compartilhamentos. No top 10, num dia de algum fato político quente, a gente sempre encontra notícias falsas ou não-verificadas, pelo menos 2 ou 3. Num dia frio, que não aconteceu nenhum fato político que serve ao jogo político polarizado, a gente ainda encontra. Mas morreu o Teori, teve uma nova delação na Lava-Jato, teve a votação do impeachment, qualquer coisa política quente, joga essas posições polarizadas lá para cima e junto com elas informações não-verificadas. Sempre ocupam o topo da lista.
    Sul21: Então isso também mostra que as pessoas compartilham pela manchete, pelo que vai aparecer na timeline delas? 
    Pablo Ortellado: Com certeza, as pessoas não leem. As pessoas não compartilham notícias, elas compartilham manchetes. A leitura de notícias foi completamente “tuiterizada”. Porque é uma guerra e o Facebook não põe o sumário das notícias, não é o suficiente para as pessoas saberem do que se trata. Não é nem um tuíte, porque as manchetes são mais curtas que tuítes. Elas estão compartilhando uma frase.

    Gráfico mostra páginas políticas com maior número de curtidas e compartilhamentos no Brasil | Foto: Reprodução
    Sul21: Em um texto falas que a grande imprensa também se “submete a estratégias discursivas” para alcançar compartilhamento em massa de matérias. Qual a responsabilidade destes veículos, teoricamente neutros, no debate que está no meio digital?
    Pablo Ortellado: Eu acho que essa estrutura não tem um culpado, digamos assim. Acho que ela é difícil. Eu acho que um dos grandes problemas é que a gente tem muitos atores que não fazem verificação, que reproduzem informação que ou é falsa ou é especulativa porque não ligou, porque não verificou o documento, porque não fez o bê-a-bá do jornalismo. Uma parte é porque faz jornalismo de má-qualidade e tem outros que fazem isso de maneira deliberada, porque isso faz parte da guerra política em curso. Um outro fenômeno, que vários veículos da imprensa engajada fazem deliberadamente, mas os da imprensa que busca o equilíbrio também fazem, é [produzir] manchetes que agradem a cada um desses grupos. Então, por exemplo, um veículo que não é engajado, que faz um jornalismo mais convencional, ele produz manchetes – não estou falando do texto – que vão agradar um dos dois lados e o compartilhamento dessa matéria vai lá pra cima. Isso acontece muito porque é a maneira que funciona o consumo do jornalismo hoje.
    Sul21: Então, tu dirias que os veículos estão submissos a isso?
    Pablo Ortellado: Os veículos estão jogando o jogo do consumo da mídia num cenário polarizado. Isso não significa tomar um lado, até porque se você tomar muito abertamente um lado, você perde metade do mercado. Muitos veículos vão distribuindo manchetes que agradam um lado e outro e vão conseguindo manter o consumo. Eles são compartilhados pelos dois lados, mas são matérias diferentes que são compartilhadas pelos dois.
    Sul21: Em um artigo recente, tu falas sobre a postura equivocada da grande imprensa na cobertura da morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, ao não tratar seriamente boatos que se espalharam pelas redes e que pareciam expressar uma preocupação nacional. No texto, tu falas em “arrogância”. É isso mesmo ou a imprensa tradicional ainda não entendeu algo novo que se dá a partir das redes sociais?
    Pablo Ortellado: Acho que as duas coisas. Ela é arrogante e ela ainda não entendeu. Acho que uma das tarefas da imprensa, não estou falando necessariamente da grande imprensa, mas da imprensa que faz verificação, pouco importa se ela é grande ou pequena, engajada ou com discurso de equilíbrio, é que ela precisa ser pautada pelos boatos. O que acontece é que o nível de aceitação de boatos e notícias falsas é muito elevado, ele é majoritário nesses grupos políticos. A gente fez pesquisa, por exemplo, “Lulinha é dono da Friboi”, tem um nível de aceitação que entre 85% das pessoas no campo anti-petista acreditam nessa informação. Ela é flagrantemente falsa. Do mesmo modo que um número bastante elevado de pessoas acredita que Sérgio Moro é filiado ao PSDB, que também flagrantemente falsa. O que acontece quando uma informação dessas falsas vem e um jornalista recebe? Ele vai apurar, ver que aquilo é falso e não vai dar. Como tem outros veículos que vão difundir essa informação, as pessoas falam “tá vendo, é verdade, eu li aqui”, e o veículo jornalístico é tratado como vendido. As pessoas acham que os veículos escondem informações que só aparecem nesses campos polarizados. Por isso que eu acho que uma das tarefas hoje é ser pautado pelos boatos, para desmenti-los. Enquanto a imprensa não fizer isso, ela só perde credibilidade. Porque os boatos circulam com muita força e eles formam opinião política.

    Gráfico produzido pelo Monitor mostra polarização durante votação da PEC 55 no Congresso: do lado verde, postagens em apoio ao projeto do governo Temer; no campo rosa, postagens contra medida | Foto: Monitor do Debate Político/Reprodução
    Sul21: Google e Facebook anunciaram recentemente medidas para tentar combater a disseminação de notícias falsas nas redes. O Google banindo anúncios de sites ligados a elas, o Facebook ao mudar algoritmos na parte dos trending topics – que reúne os assuntos mais comentados na rede – e também com opção de denunciar posts. Qual a eficiência dessas medidas?
    Pablo Ortellado: Acho difícil dizer porque as notas dos dois são muito genéricas. Não dá para saber exatamente como elas vão ser implementadas. Mas me parece que com essa polarização política todas as notícias vão ser bombardeadas. Você olha a polarização do campo, ela está tão beligerante que nada passa. Então, se uma notícia desagrada um campo, ele denuncia. Se você tiver que analisar, como eu falei, 3.500 notícias por dia, é impossível. Mesmo se você pensar que dessas 3.500 só 200 são muito lidas. Quem consegue fazer a verificação todos os dias de 200 matérias? É impossível fazer isso. Falo abstratamente porque não sei como vai ser implementado, mas te dou como certo que vai ter uma guerra de denúncias.
    Sul21: Qual seria então a saída para ter um pouco de “paz” nesse meio das redes?
    Pablo Ortellado: Não é apenas polarização, é que essa polarização de visões morais de mundo, onde não há espaço para diálogo. Ela não é só socialistas versus liberais, é muito mais do que isso. Ela é de pessoas que têm visões morais de mundo mais punitivistas e visões morais de mundo mais compreensivas. Uma considera as outras pessoas cruéis, desumanas, e a outra considera as outras pessoas condescendentes com o erro. Isso gera um processo de batalha entre os dois campos onde se demoniza o adversário e não existe espaço para diálogo. Isso não é um processo brasileiro, é mundial. As redes publicizaram fenômenos que a gente não podia ver, não podia medir. Hoje eu consigo falar o número de pessoas que estão envolvidas, consigo ver o grau de polarização.
    Mas acho que esse processo de polarização é das pessoas engajadas. O Brasil não é polarizado. O Brasil tem 200 milhões de pessoas: eu tenho 10 milhões de pessoas razoavelmente polarizadas, depois tenho 2 milhões de pessoas radicalmente polarizadas. Quanto mais as pessoas se interessam por política, quanto mais elas participam de política, mais polarizadas elas estão. O Brasil é cheio de posições intermediárias, quanto menos elas participam, menor a polarização. Você abre sua timeline, porque hoje o Facebook é a segunda fonte de informação política dos brasileiros, perdendo só para a televisão, mas em poucos anos vai ser a primeira. Você não segue um veículo, pouca gente vê a Folha, o Estado, a Veja, [as pessoas] veem o Facebook e ele te dá um pouco de cada coisa, te dá um número de manchetes que corrobora o que você já pensa. Para não criar incômodo, porque quando cria incômodo você sai da ferramenta.
    http://www.sul21.com.br/jornal/a-imprensa-precisa-ser-pautada-pelos-boatos-afirma-pablo-ortellado-pesquisador-que-monitora-noticias-politicas/

    Jânio de Freitas: Brasil passa por um dos piores períodos de caos da sua história

    Os últimos dias proporcionaram um espetáculo que pode mudar rumos. Caso não seja interrompido o fluxo de equívocos e insensatez dos Poderes, o descontrole pode tomar conta. Este é o diagnóstico de Jânio de Freitas frente às últimas manifestações e a violenta reação das forças policiais. O articulista da Folha vê um Temer como joguete entre pressões, fraco e covarde diante de todos, nas mãos de um Meirelles ambicioso e ganancioso. Todos fora da racionalidade e do equilíbrio.
    Para Janio, o país tornou-se um supermercado de interesses, com Congresso acatando medidas que desestabilizam mais ainda o país e as instituições. Criou-se uma usina de compensações, onde a irresponsabilidade prevalece. E o otimismo? Está longe de ser sentido, pressentido ou vivido. Qual é o futuro do Brasil?
    por Janio de Freitas para Folha e GGN - Sociedade e Caos Socio-Econômico Brasileiro
    Dentro e fora dos prédios, a Praça dos Três Poderes proporcionou, nas últimas 48 horas, razoável amostra do que se pode esperar daqui para a frente, se não for interrompido o acúmulo de equívocos, irresponsabilidades e insensatez que conduzem a mixórdia atual. No lado de fora, manifestantes e policiais perdiam-se em descontroles e fúrias. No de dentro era discutida, e por fim aprovada altas horas, a loucura de um aprisionamento dos governos por 20 anos, quatro mandatos presidenciais, em violenta camisa de força financeira.
    Michel Temer é um joguete entre pressões, fraco e acovardado diante de todas, mas Henrique Meirelles extravasa uma pretensão sobre os tempos e os fatos vindouros que não cabe nos domínios da racionalidade e do equilíbrio. O Congresso propenso a segui-lo, feita já no Senado a primeira aprovação da camisa de força, é um supermercado de interesses. Se há compensação para aprovar seja o que for, e o Planalto e São Paulo são usinas de compensações, a irresponsabilidade prevalece.
    Mas na praça de Brasília e nas ruas do Rio, simultaneamente, a sobrecarga de novos ônus para a população, com o desemprego efetivado e o esperado, a queda da "renda" familiar e demais apertos, traz uma resposta com raiz própria. Em 2013, os ataques ao Congresso e a ministérios foram extensões desordeiras, por falta de metas claras e de controle, das manifestações pacíficas. Os recentes ataques ao Congresso e a ministérios; no Rio, a invasão da Assembleia Legislativa e as tentativas de repeti-la, exprimem a indignação que não é mais satisfeita em protestos pacíficos: necessita da violência. É o que se vê, com diferentes graus, em muitas partes do país. A camisa de força vem aumentar essa outra força, vulcânica.
    É coerente com o momento a divergência que se acirra entre Judiciário e Legislativo, a poder de equívocos e de insensatez. Com alta contribuição inflamatória. Portadora de um espírito de classe por tantos anos insuspeitado, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, faz um diagnóstico temerário: "(...)busca-se mesmo criminalizar o agir do juízes brasileiros". É sua reação às discussões, no Câmara, do projeto de medidas contra a corrupção e, no Senado, contra o abuso de autoridade.
    O primeiro dos dois nem nasceu na Câmara ou no Senado. Foi criado na Lava Jato. Com ajuda de igrejas evangélicas ativadas por procuradores, colheu as chamadas assinaturas populares. E afinal entregue ao Congresso com a exigência da Lava Jato de que fosse aprovado sem alteração alguma. Até o fim do governo Figueiredo, poderia sê-lo. Depois, não há mais como se admitir, por exemplo, a validação de provas colhidas ilegalmente pela "boa-fé" de procuradores e policiais. Como não há por que conceder mais privilégios, neste país que já paga tanto por eles.
    Uma observação paralela: os juízes estão incluídos nos dois projetos só por necessário formalismo. Não os motivaram. Exceto Gilmar Mendes, não é preciso dizer por quê, e Sergio Moro, cujo arbítrio agrada aos ressentidos mal informados, mas, para os outros, suscita preocupação com a legalidade democrática.
    São até poucas as manifestações hostis ao Judiciário. O que espera a ministra Cármen Lúcia da soberba com que seu tribunal recebe a publicação de que um processo, como o do senador Valdir Raupp, descansa ali há 18 anos? Não há uma satisfação a dar aos cidadãos? Ou, por outra, não há no Supremo um ministro com a humildade ao menos residual para dá-la? E não são poucos os casos assim.
    Nenhum otimismo se justifica, pelo que se vê, ouve, sente.
    http://jornalggn.com.br/noticia/o-pais-em-tempos-de-insensatez-por-janio-de-freitas