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12.31.2022

O Brasil vai ser uma Coisa Nova em 2023

Seguimos inconformados e esperançosos, juntos com aqueles que aceitam a aventura brasileira de tornar o país aquilo que pode ser por meio da luta política: uma coisa nova, que nunca existiu. Darcy Ribeiro

 por André Cardoso* e Cristiane Ganaka** no Instituto Tricontinental de Pesquisa Social  - Sociedade e Pós-golpe 2016, um novo Brasil está nascendo


 Ataques cotidianos aos nossos direitos não nos encontram inertes, mas em luta, aprendizados e resistência constante - Matheus Alves . Entre prazeres e derrotas, seguimos em águas turbulentas

Nos despedimos de 2022 com os versos de ‘Novas Auroras’, da Nação Zumbi: 

Feliz pelo que ainda não veio

E saudades do que nem foi

Esperando o melhor dos agoras

Nem temos o antes e já queremos o depois

Em poucos dias, não apenas mais um ano irá se findar, mas também chegará ao fim uma visão de Brasil, ou pelos menos parte dela. E como estamos? Exaustos! 

Também não é para menos: a alta nos preços dos alimentos fez muitas fontes de nutrientes virarem vilões, itens básicos como o café, o tomate, a carne, o leite, a cenoura desfilaram entre inimigos do bolso do brasileiro pobre. Mas o que está por trás dos altos preços é o modelo de produção de alimentos. Segundo a própria Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), foi o aumento no custo dos agrotóxicos e rações vindos de fora que pesou. Essa forma de produzir dependente de insumos estrangeiros, além de nos envenenar, agora nos empobrece. Os combustíveis também não ficaram para trás e tiveram altas históricas. A explosão dos preços é resultado da política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que reajusta o valor dos combustíveis no país de acordo com a variação do petróleo no mercado internacional em dólar; isso traz o encarecimento em toda economia devido a circulação da mercadoria, e ainda garantiu  lucros extraordinários aos acionistas privados da Petrobras. 

O saque dos bens comuns seguiu gerando destruição. O desmatamento na Amazônia já tinha atingido a pior marca da série histórica faltando ainda mais de dois meses para acabar o ano, segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) apurados até 21 de outubro deste ano. Já o avanço do garimpo e mineração ilegal, além de abrir estradas e levar máquinas a territórios que deveriam ser protegidos, trazem também mortes e mazelas aos povos da floresta. 

O negacionismo científico trouxe consigo não só o terraplanismo, mas também legitimou o discurso anti- vacina para além da Covid-19. Vivemos ameaças sanitárias por conta do baixo nível de vacinação da população, de acordo com a Fiocruz. E a fome segue se agravando. Conforme o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, 33,1 milhões de pessoas não têm garantia se vão comer, isso significa que 58,7% da população brasileira convive com algum grau de insegurança alimentar cotidianamente. Diante desse cenário de tamanha vulnerabilidade, o povo teve que esperar o uso eleitoral do Auxílio Brasil para usufruí-lo. 

Os ataques golpistas à democracia e suas instituições promovidos pelo atual governo não são de hoje, eles só escalaram durante a corrida eleitoral e não deram trégua após a derrota de Bolsonaro nas urnas. O questionamento da integridade das urnas eletrônicas foi o mais expressivo, mas não podemos esquecer todos os demais ataques, como o crime eleitoral cometido pela deputada Carla Zambeli. A violência crescente promovida pelo discurso de ódio se reflete não só no campo político, mas também nos altos índices de feminicídio, como aponta o estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública: o número de feminicídios registrados no primeiro semestre deste ano é 10,8% maior em relação ao mesmo período de 2019. 

Já o alto endividamento das famílias, com destaque para os mais pobres, junto a uma taxa Selic que voltou aos dois dígitos, será outro desafio do próximo governo. O endividamento bateu o  recorde de 68,4 milhões de pessoas inadimplentes em setembro deste ano, conforme a Serasa Experian. Já a taxa básica de juros que está na casa dos 13,7% tem uma previsão de cair apenas dois pontos em 2023, devendo ficar em 11,7%, segundo o Relatório Focus. Também houve aumento da população em situação de rua, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na última década, a população de rua cresceu 200%. O empobrecimento e o endividamento da população, duramente afetada pela crise sanitária, também é reflexo do alto patamar de desemprego e da queda dos rendimentos da classe trabalhadora. 

Mas a vida é movimento, e como dizia o poeta Guimarães Rosa, tudo que ela nos exige é coragem. Os ataques cotidianos aos nossos direitos e a vida não nos encontram inertes, mas em luta, aprendizados e resistência constante. Nossa exaustão não é de derrota, mas semelhante ao atleta que coloca todas as suas forças para superar os desafios da prova que vê à frente. As ruas não foram abandonadas pelos diversos movimentos populares e organizações políticas, pelo contrário, o ano inteiro eles se mantiveram na luta em defesa do povo e pedindo justiça, como no caso do jovem congolês Moise Kabagambe, o ato em defesa da Terra e contra o pacote de destruição, em Brasília. A mobilização nacional “Bolsonaro nunca mais”, que denunciou o aumento dos preços dos alimentos, dos combustíveis e da corrupção do governo, foi um desdobramento das jornadas de luta de 2021. Isso, sem falar das tradicionais datas de luta e mobilizações, como o 8 de março, o abril vermelho, o 1º de maio, o dia do estudante em agosto e o Grito dos Excluídos em setembro, entre outras. 

Mais do que ocupar as ruas, as ações de solidariedade como uma política de garantia de uma vida digna para o povo foram permanentes, tanto no desenvolvimento e construção das cozinhas solidárias, na doação de milhares de toneladas de alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade, ações coletivas de combate a fome e marmitaços, quanto nos debates e formações sobre soberania alimentar e alimentos saudáveis. Fomos aprendendo e desenvolvendo com os movimentos populares organizados a não apenas resistir, mas criar novas formas de sociabilidade, em comunhão e igualdade.

Como uma forma de organização popular, foram criados os comitês populares, que tinham como tarefa mais imediata a luta pela vitória dos candidatos e candidatas comprometidos com as mudanças políticas e sociais e na vitória do Lula à presidência da República. À longo prazo, os comitês cumprem a tarefa manter de pé a luta e a manutenção dos direitos do povo, garantindo a posse do novo presidente, resistindo às tentativas de golpe e defendendo as mudanças necessárias para a população. 

A vitória de Lula foi um banho de esperança. Após um longo processo de perseguição política, midiática, judicial e o encarceramento injusto por 580 dias, ele foi eleito à presidência pela terceira vez, com 60,3 milhões de votos, conseguindo unificar as forças populares, resgatar a confiança de sua base militante e contagiar a sociedade. A luta e organização dos comitês populares, dos movimentos sociais e dos partidos políticos ligados à Frente Ampla pela Democracia foram vitoriosas. 

O horizonte ainda é de muitos desafios. A equipe de transição do governo Lula parece ter aberto um armário onde toda a bagunça dos últimos anos estava sendo escondida. As projeções econômicas para 2023 sinalizam para mais um ano de baixo crescimento e desemprego elevado para o Brasil, e para o mundo já se fala em uma recessão no horizonte. Sem contar o desequilíbrio emocional do mercado, que a cada anúncio reage de forma irracional. 

Entre a sensação de um caldo atrás do outro nesse mar de devastação, depois de muitas braçadas, conseguimos colocar o pé no chão, tomar um fôlego e continuar a travessia da vida. Entre prazeres e derrotas, seguimos em águas turbulentas.

Vamos romper o ano trazendo uma bagagem que não vem apenas do governo anterior, mas também da formação social do Brasil interrompido. "O povão tá aí, com uma fome que é espantosa. Por que há fome nesse país?", escreveu Darcy Ribeiro há quase 30 anos. Dia primeiro de janeiro estaremos juntos na posse do presidente Lula, ao mesmo tempo em que comemoramos e nos fortalecemos para mais um ano que virá nesse grande Festival do Futuro, colocando mais uma vez em prática o que este último período nos ensinou: a solidariedade, a construção coletiva e a união nos acampamentos temporários ali montados, nas cozinhas comunitárias e na cultura popular de resistência e criatividade. Seguimos inconformados e esperançosos, juntos com aqueles que aceitam a aventura brasileira de Darcy Ribeiro de tornar o país aquilo que pode ser por meio da luta política: uma coisa nova, que nunca existiu

*André Cardoso é economista e coordenador do escritório Brasil do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

**Cristiane Ganaka é economista e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Edição: Vivian Virissimo

Publicado no BdF: 23 de Dezembro de 2022

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2022/12/23/conto-do-ano-sem-fim

 

12.28.2022

Brasil: quais armadilhas os EUA colocaram em nosso país ?

Por Carolina Vásquez Araya no Diálogos do Sul - Cidade da Guatemala – Sociedade e América Latina Dominada

Bob K – Flick, a livre determinação dos povos não é mais que um desejo possível de realizar

Após Peru, Chile e Bolívia, Brasil será o próximo a cair, novamente, nas armadilhas dos EUA?

O maior cinismo dos Estados Unidos é seu hipócrita discurso pelos direitos humanos, valor que viola reiteradamente cada vez que lhes convém poder militar e domínio econômico

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Nos últimos dias, voltamos a experimentar as falhas de um sistema imposto por governos poderosos, aliados de corporações multinacionais, cujas cabeças se ocultam nos meandros de um marco aparentemente legal de aplicação forçosa.

Já vimos antes, durante a dura história de golpes de Estado patrocinados pela Casa Branca e seus serviços de inteligência, mas seguimos sonhando com que esses ataques arteiros do passado são, vale a redundância, coisas do passado.

As imagens de Pedro Castillo e de sua família saindo do palácio trazem à memória as de Jacobo Arbenz, presidente anterior ao golpe na Guatemala. Nelas, fica estampado o ódio às castas mestiças, cujo desprezo ancestral para qualquer tentativa de organização política, com assento na busca do desenvolvimento social e econômico, se traduz de imediato em um plano de emergência, para deter com um golpe violento as possibilidades de uma transformação social, econômica e política capaz de aproximar aos anseios do povo oprimido pelas elites do atraso. 

Pedro Castillo tinha os dias contados, era evidente. Sua formação de professor não lhe deu acesso ao aprendizado das nuances utilizados durante décadas pelos políticos da oligarquia e isso lhe pôs data de validade. Se a isso for agregado a influência decisiva do Departamento de Estado para reverter – país por país – o giro continental para a esquerda, o pacote estava pronto, amarrado e com plano definido.

Também no Chile, começou-se a pressionar o governo legitimamente eleito, centrando seus tiros no texto constitucional e, sem dúvida, maquinando estratégias para incidir em todo o marco político deste novo governo. A Bolívia já passou pela experiência e também a Venezuela, com suas contas embargadas e a economia destruida. Agora falta que direcionem seus tiros ao Brasil, através de suas armadilhas ardilosas e violentas.

Cinismo dos Estados Unidos

O mais ilustrativo do cinismo com o qual se movem os Estados Unidos em nosso continente, com a OEA como seu fiel representante, é seu hipócrita discurso pelos direitos humanos e a democracia, valores que viola reiteradamente cada vez que convém à sua política e a seus aliados corporativos como alguns países da Europa (Inglaterra, Alemanha, França, Espanha, Itália, Suíça e Suécia) Austrália, Canadá e Japão.

O caso mais ilustrativo dessa política perversa se manifesta em suas relações com a Guatemala: um narco- estado cujos dirigentes destruíram, peça por peça, todo o marco institucional arrasando de passagens com seu sistema de justiça, mas ao estar o controle em mãos de uma oligarquia ignorante, obsoleta e de atuação colonialista – o que ao sistema liberal lhe vem bem – olha para o outro lado, ignorando governos anti-democratas. 

Através da falsa propaganda na mídia tradicional, venderam a preeminência dos direitos humanos, da democracia e da auto-determinação como uma aspiração legítima, mas enquanto os países latino-americanos agem na suas lutas econômicas e sociais para conquistá-los, vem o golpe judicial-parlamentar-militar-empresarial para recordar qual é a verdadeira realidade desses países.

Quer dizer, o engano descarado e a anti-política que ocorre em longos períodos da história latina. Os que não toleraram Castillo no Peru por exemplo, aplaudiram Zelenski na Ucrânia, demonstrando que tudo depende de que cor ou interesses dos protagonistas. 

Não podemos seguir ignorando a sombra funesta dos EUA, com seus aliados conforme acima citado, capazes de utilizar a grande mídia conservadora para divulgar suas mentiras e convencer a sociedade ocidental do falso conto da liberdade democrática dos povos.

A realidade ensina, a golpes de Estados e bloqueios econômicos como ocorre atualmente na Venezuela, Cuba, Irã, Rússia e China, os verdadeiros interesses de algumas nações que se auto-denominam desenvolvidas. Dependem do subdesenvolvimento dos países que irão cair nas armadilhas dos países industrializados. 

A livre determinação dos povos é uma luta utópica, que se distancia a passos largos da verdadeira democracia.

Tradução: Beatriz Cannabrava

Publicado no Diálogos do Sul: 16 de dez de 2022

Fonte: https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/permalink/78201