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2.23.2024

Brasil: Grande Produtor de Grãos e Carnes, mas com Muita Pobreza e Desigualdade

No caso do Brasil, a principal contribuição em emissões que causam mudança climática vem do agronegócio, sem dúvida um dos maiores produtores mundiais de grãos e carnes do mundo. No entanto, temos fome e miséria no Brasil! E apostar em nos tornarmos um pais com grande presença petrolífera é assumir mais responsabilidade pela mudança climática. É isto que queremos ou precisamos?

Brasil: e possível combinar questão ecológica, extrativismo do petróleo e agronegócio

por Cândido Grzybowski* no Sentidos e Rumos – Sociedade, Desenvolvimento, Combate a Mudança Climática e Desigualdade de Renda

Desastre na natureza, foto do Uol na internet

De um ponto de vista político, combinar tais questões no exercício do governo é, talvez, uma “geringonça”[i] ao estilo brasileiro. Boaventura Souza Santos definiu como geringonça um governo passado de alianças centro-esquerda com direita de esdrúxulas em Portugal, mas que bem ou mal foi uma saída política engenhosa para a continuidade da democracia. É esta a armação política do Governo Lula para a governabilidade e tirar o pais da ameaça autoritária e ultra-liberal que emergiu no Brasil

O Lula, como líder democrático habilidoso, reconhecido aqui e além fronteira, está fazendo ver o Brasil como um pais emergente e presente no enfrentamento da mudança climática. Gostar ou não, o fato é que isto, no fundo, cria um clima político de que, afinal, emerge um líder de origem popular que recuperou a auto-estima brasileira.

É um bom caminho e que seja assim!

Afinal, chega de sermos tratados como uma grande “república de bananas”, para lembrar o modo como o país imperialista EUA, olha para o seu grande quintal de países latino-americanos, incluindo o Brasil.

Mas, objetivamente sabemos que a combinação de combater a crise climática e ao mesmo tempo, continuar  com o agronegócio predador e tentar ser um pais com forte presença petroleira no planeta é se dar uma agenda econômica que nada muda e torna a economia ainda mais ameaçada. Para “cuidar de gente e da natureza” como disse o presidente na posse. Sei que 99.9% dos economistas vão dizer que não há outra possibilidade, pois somos um país que precisa do desenvolvimento para combater a fome, a miséria, a pobreza e principalmente a desigualdade, criando uma sociedade mais igualitária. Será que o tal desenvolvimento gera isto ou vai repetir o “milagre” que a ditadura produziu? Concentração de renda e aumento brutal da desigualdade. Ou melhor, a nossa questão é “crescer” a qualquer custo ou mudar os fundamentos de uma economia capitalista estruturalmente marcada pela colonialidade (dependência de tecnologias do exterior) e exportação de matérias primas para os polos capitalistas dominantes,  apostando no extrativismo destruidor da generosa base natural, a mãe comum de todas e todos nós?

Sei que a questão é espinhosa e que a estrutura de classes e a correlação de forças políticas é um limitante concreto para o governo e a sociedade como um todo. Mas, afinal, se a cidadania se engajou para dar a vitória eleitoral para Lula foi porque quer mudanças e que sejam substantivas e consistentes, para que ameaças de retrocessos que vem de dentro e de fora, não tenham chance de voltar e continuar sua tarefa de destruição do pais.

O centro da questão de construção da cidadania com democracia

Para mudar estruturalmente, em termos simples e concretos, precisamos de vontade política para tal. Aqui a referencia e buscar mudanças inspiradas em uma perspectiva ecos-social transformadora e inclusiva, em busca de direitos iguais na diversidade, mais do que índices de crescimento econômico. O PIB nunca foi e nunca será indicador de qualidade democrática de direitos humanos e civis. Longe de dizer que não precisamos de economia, pois economia é a base, é o chão de qualquer sociedade. Afinal, viver é se relacionar com a natureza, em sua diversidade de territórios e possibilidades, e daí extrair vida, mas sem destruir a natureza. Também não se pensa que a questão seja fácil, como mera sinalização de uma direção democrática ecos-socialmente transformadora. Seria suficiente e possível, sem um árduo trabalho político de construção de cidadanias ativas e relações de forças que a adotem, que disputem hegemonia de tais propostas na sociedade como um todo, independente de classe, gênero ou condição social.

Voltando ao ponto inicial, claro que algo importante está feito no Brasil. Afinal, o Lula e a equipe na administração federal, com aliados não teriam o reconhecimento de possível potência ecológica, só pelo tamanho do território brasileiro. O desmatamento caiu e existe vontade política nesta direção. Mas está num impasse, por enquanto, a questão social e ecológica estratégica do direito dos povos das florestas, águas e campos, aos seus territórios de vida, contra o agronegócio predador, extrativismo energético e mineral. Aqui e apontada a necessidade de derrotar a tese “marco temporal” o mais breve possível.

Na questão de parar o extrativismo energético e manter a integridade de territórios, existem outros países maiores até do que o Brasil, mas que não vem apresentando a mesma intencionalidade de mudar. Basta ver EUA, Rússia, Canadá. A China – grande em território e população – é hoje o maior país vilão nas emissões de gazes de efeito estufa, que provocam a mudança climática no planeta. Mas, ao mesmo tempo, a China é que mais avançou até agora em investimentos em energia renovável, liderando de longe nesta questão. E tem o fato real das emissões de gazes de efeito estufa acumuladas no tempo, onde a responsabilidade do Norte Global é de longe a maior. Ou seja, todos os países são responsáveis, mas de modo diferenciado ou proporcional. Isto não quer dizer que se trata de uma justificativa para continuar tendo uma economia insustentável, em nome do combate à miséria e à pobreza, que é sem dúvida uma questão central. Será que não existe outra forma? Ou é falta de vontade política dos países desenvolvidos?

Transformação ecológica e social que saia do convencional

Estamos diante de uma questão que é política e econômica ao mesmo tempo, um projeto de país democrático, de direitos ecos-sociais iguais na diversidade e sustentável, fazendo a sua parte para outro modo de se viver. Assim, estamos diante de uma outra questão, talvez estrategicamente ainda mais fundamental, uma direção que combine democracia com busca de transformação ecos-social, que saia do convencional. Agronegócio, extração petroleira e, de forma mais abrangente, mineral, são um “pé de barro” no financiamento da transformação necessária que o Brasil e o mundo precisam, fazendo justiça social e evitando a destruição da integridade dos sistemas ecológicos do Planeta Terra, que nos dão a vida, para nós e principalmente as gerações futuras.  Mas, mesmo para algo menos ambicioso, como criar condições de garantir bem estar e igualdade de direitos aqui e agora para as grandes maiorias das periferias, rurais e urbanas, de nosso Brasil, o agronegócio e o extrativismo não tem como gerar, dado o modelo “colonial” e sub-serviente que carrega para abastecer os mercados centrais ávidos por matéria prima, que  movem suas economias voltadas à acumulação neoliberal sem limites. Os dados de concentração de riqueza nas mãos de 1% da população mundial são cada vez mais absurdos e vergonhosos. Como defender a continuidade de uma economia assim?

O curioso é que o agronegócio e o extrativismo são mais vistos como indispensáveis para o Brasil, ao menos pelo modo como a grande mídia e os poderes políticos os tratam. E falar de seus problemas é correr o risco de ser taxado como contrário ao povo brasileiro. Na verdade a disputa de ideias na sociedade, para promover mudanças na lógica destrutiva embutida no agronegócio e no extrativismo, tende a ser genuinamente mais comprometido com o futuro do país e seu povo, do que os argumentos e interesses dos gananciosos das classes dominantes. Os que defendem incondicionalmente o agronegócio e o extrativismo de todo tipo, são os mesmos que não querem nenhuma interferência do Estado na economia e apoiaram a destruição da “Lava Jato” e o próprio golpe contra Dilma em 2016, abrindo o caminho para a ameaça autoritária que se abateu sobre o país.

O interesse estratégico, como analista e ativista, é alimentar o debate entre cidadanias ativas para que assumamos mais e mais o papel único que só cabe a nós, pela participação engajada em todos os espaços possíveis, do chão da sociedade: na vizinhança e nas comunidades, local de trabalho, organizações e movimentos sociais, redes, coalizões e fóruns. Mas, participação que deve buscar incidir estrategicamente nos espaços do poder, ministérios, conselhos, legislativo, do local ao estadual e chegando no “planalto” em Brasilia. É neste processo de disputa política que se define a hegemonia, influindo nas propostas e formulações políticas para gerir a economia do país – dever do Estado em democracias intensas – chegando aos espaços sociais e políticos mundiais. Fazer propostas, debater e pressionar é tarefa nossa, gostem ou não  os detentores de mandatos conseguidos pelo nosso voto ou os poderosos “donos” da economia que destrói, voltada especialmente para alimentar o mercado neoliberal sem respeito à integridade natural do planeta. 

Como conciliar a agenda ambiental e climática com distribuição de renda

Aqui e feito um alerta sobre uma questão contraditória, tensa entre nós mesmos que apostamos nas virtudes e possibilidades de construção democrática de um país de mais igualdade de direitos humanos e civis, com respeito a diversidade, de cuidado, convivência e compartilhamento, tanto de gente como da natureza. Há, sem dúvida, o mantra do desenvolvimento – como foi refletido em postagens anteriores – que contaminou e continua bloqueando muito do que e possível pensar sobre economia. E há o tabu de que a agenda ambiental e climática é coisa de quem não sofre as urgências do cotidiano: trabalho decente, transporte, renda, comida, casa, filhos, escola e saúde. Na verdade, quem ainda pensa assim, parece que não está vendo e sentindo o drama vivido por enormes contingentes de nossa população – especialmente dos mais pobres e vulneráveis, vivendo em periferias urbanas e rurais – com os eventos climáticos extremos que vem se tornando cotidianos em nosso país tropical. No caso do Brasil, a principal contribuição em emissões que causam mudança climática vem do agronegócio, sem dúvida um dos maiores produtores mundiais de grãos e carnes do mundo. No entanto, temos fome e miséria no Brasil! E apostar em nos tornarmos um pais com grande presença petrolífera é assumir mais responsabilidade pela mudança climática. É isto que queremos ou precisamos?

[i][i] Segundo Houaiss, trata-se de algo malfeito, com estrutura frágil e funcionamento precário.

*Cândido Grzybowski, foi um dos membros do comitê que iniciou o Fórum Social Mundial, em 2001, no Brasil. De 2002 a 2004, participou do Fórum de Diálogos de Cooperação Internacional, promovido pelo Ministério de Cooperação da França. Em 2005, participou do International Forum on Globalization (IFG), na Califórnia, Estados Unidos. Durante 20 anos, de 1987 a 2007, foi do Conselho Administrativo do Institute for Agriculture e Trade Policy (IATP). Atualmente, é associado à Fase, ao Instituto de Estudos Socio-economicos (Inesc), vice-presidente do Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip) e membro do Grupo de Referência Global da organização internacional Pão para o Mundo. Desde XXXX, integra a Great Transition Iniciative.



Publicado no site Sentidos e Rumos: 7 de fevereiro de 2024

Fonte: https://sentidoserumos.blogspot.com/2024/02/e-possivel-combinar-questao-ecologica.html?m=1