Páginas

9.04.2015

As grandes corporações dão sinais de que há uma "guerra comercial" hoje no planeta


O fantasma do ultra-capitalismo: sobre salas blindadas e seus segredos do Congresso dos EUA de hoje.

Até parece artigo de ficção, mas a realidade algumas vezes passa pelas sombras da verdade...é só decifrar o artigo abaixo do sociólogo Michel Lowy...
Por Antonio Martins, no site Outras Palavras - Sociedade e Guerra Comercial Global

1. Sobre salas blindadas e seus segredos
Num texto publicado há dias 02/set/2015, pelo site Outras Palavras, o sociólogo Michel Löwy expõe, em termos teóricos, a crescente tensão entre a voracidade do capitalismo e a fragilidade da democracia, acossada por um sistema que deseja reduzir todas as relações sociais a mercadoria. Para um exemplo concreto, considere este relato, feito pelo jornalista Robert Smith e publicado em 14/ago/2015 pelo jornal diário britânico The Independent.

“No porão do Capitólio [a sede do Legislativo dos EUA], há uma sala, blindada e a prova de som, e as únicas pessoas autorizadas a entrar são os senadores norte-americanos; e eles não podem levar seus assistentes, não podem levar seus telefones, eles não podem sequer tomar notas no interior da sala. Dentro desta sala, não estão os códigos para as armas nucleares, nem os arquivos da CIA, nem os documentos que nos contam que um alienígena aterrissou em Roswell. Não: nesta sala está o texto de um acordo comercial”.

Não é ficção, mas algo muito concreto (ainda que desconhecido do público), contou The Independent. Dias antes, restrições idênticas haviam sido estabelecidas do outro lado do Atlântico. A Comissão Europeia determinou que o texto, em negociação, do Tratado Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP, em inglês) só permaneça disponível, mesmo para os membros do Parlamento Europeu, numa “sala de leitura”, onde enfrentarão restrições idênticas às impostas aos senadores norte-americanos.

Que são estes acordos comerciais, tramados tão secretamente por governos e grandes corporações, quase sem cobertura alguma por parte da velha imprensa? Quais suas consequências? De que maneira eles podem afetar o Brasil? Responder a estas questões será cada vez mais importante, para os que desejam compreender as configurações atuais do capitalismo – e enfrentar seu poder.

À margem de qualquer debate democrático e da própria Organização Mundial do Comércio (OMC), três grandes acordos sobre trocas internacionais estão em debate, em fóruns restritos, neste momento. Seu principal motor é o governo dos Estados Unidos. São eles:

- Acordo Comercial Transpacífico (TTP, ou Transpacific Trade Partnership, em inglês). Unirá, se aprovado, os Estados Unidos a dez países asiáticos (entre eles, Japão e Coreia do Sul), quatro latino-americanos (México, Chile, Peru e Colômbia), mais Austrália e Nova Zelândia. A China, hoje a nação que mais movimenta o comércio internacional, está propositalmente excluída.

- Acordo Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP, ou Transatlantic Trade and Investiments Partnership). Reúne a nata do capitalismo: Estados Unidos e União Europeia (UE). Debatido sigilosamente ao menos desde 2006 (versões anteriores da mesma proposta datam do final do século passado), só teve seu rascunho revelado em março de 2014, graças a um vazamento do jornal alemãoDie Zeit.

- Acordo sobre Comércio de Serviços (TiSA, ou Trade in Services Agreement). É o mais opaco de todos – e também o mais abrangente e perigoso. Inclui 53 países: Estados Unidos, toda a União Europeia (UE), a maior parte dos membros do TTP (inclusive Japão e Coreia), mais nações como Turquia, Paquistão, Suíça e, talvez surpreendentemente, Uruguai). A partir de junho de 2014, uma série devazamentos do Wikileaks revelou seus primeiros rascunhos. Talvez por seu caráter secreto, o acordo encarna abertamente, como se verá a seguir, cláusulas de bloqueio à democracia. Nenhum membro dos BRICS foi convidado.

Mas qual o conteúdo e o sentido político dos acordos? Embora as informações disponíveis sejam muito fragmentárias, devido à natureza ultra-sigilosa das negociações, os vazamentos permitem, aos poucos, compreender o essencial. Fala-se, na fachada, em facilitar circulação de riquezas e conhecimentos. Mas impõe-se um preço amargo: favorecimento das grandes corporações transnacionais; restrição severa da democracia, com bloqueio da capacidade das sociedades e Estados para definir suas próprias leis; ataques aos direitos sociais e ao ambiente. Como este passo é possível?

2. O setor mais vasto da economia mundial

TiSA, TTP e TTIP tratam, todos, do comércio de serviços – daí sua abrangência e alcance. É há décadas, em praticamente todo o mundo, o setor mais vasto das economias: 80% do PIB, nos EUA e UE; 65% no Brasil; 46,8% na própria fábrica do mundo – a China, onde superou pela primeira vez, em 2013, a indústria. Ao contrário da agricultura e atividade fabril, aqui não se produzem bens materiais, mas relações sociais. Conhecimento, Cultura, Comunicação, Afetos: um universo amplo de atividades cada vez mais central em todas as economias, que inclui o projeto de engenharia, a canção, o programa de computador, o atendimento psicanálitico, a campanha publicitária, o corte de cabelo, o restabelecimento de uma rede elétrica ou hidráulica.

Por sua natureza imaterial e relacional, este vasto arquipélago foi menos atingido, até agora, pela globalização e ultra-concentração empresarial. Grandes corporações são capazes de abrir os mercados externos à importação de sementes Monsanto ou de IPads. Mas como dominar num país, cultura e idioma estrangeiros, os escritórios de advocacia, as empresas de construção civil, as escolas secundárias, as redações de jornais e revistas, as oficinas mecânicas?

Esta dificuldade objetiva é um dos dois fatores que têm mantido o setor de serviços razoavelmente nacionalizado, na maior parte do mundo. O segundo são as legislações: quase todos os países estabelecem proteções à produção nacional. As duas grandes tentativas de quebrar estas barreiras fracassaram na virada do século, porque as sociedades reagiram, em ações memoráveis. Em 1998, naufragou, após três anos de negociações secretas, o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Um ano depois, sucumbiu a “Rodada do Milênio” da Organização Mundial do Comércio. A debacle deu-se em Seattle (EUA), sob pressão, então inédita, de movimentos sociais de todo o mundo, em protestos de rua que dariam origem ao chamado “altermundismo” e, em seguida, aos Fóruns Sociais Mundiais.

TiSA, TTP e TTIP buscam reverter esta derrota, num cenário político global transformado. Desde 2008, o mundo vive crise financeira prolongada. A partir de 2009, ela tem resultado, no Ocidente, em intensa ofensiva contra os direitos sociais e a democracia: começou na Europa, espalhou-se para a América do Norte e bate, agora, às portas da América do Sul. Quebrar as defesas que protegem o setor de serviços, abrir às corporações internacionais a imensa economia do imaterial, é o objetivo declarado dos três acordos. Quando forem adotados, os países que os firmarem deverão tratar como se fossem nacionais as empresas prestadoras de serviço com origem em qualquer outra nação signatária do mesmo acordo.

Em alguns ramos, as consequências podem ser imediatas. Há décadas, por exemplo, as poderosas corporações de abastecimento de água e saneamento dos EUA e França lutam para se expandir internacionalmente, derrotando empresas locais. Ao analisar o texto do TiSA, vazado pelo Wikileaks, a pesquisadora mexicana Silvia Ribeiro, do grupo ETC, chamou atenção para sua abrangência. Ele requer o fim das proteções nacionais a um leque de atividades que inclui “desde água e alimentação a saúde, educação, pesquisa científica, comunicações, correios, transportes, telecomunicações, comércio eletrônico, vendas no varejo e atacado, serviços financeiros e muito mais – incusive os mal-chamados ‘serviços ambientais’ relacionados a florestas, sistemas hidrológicos e outras funições dos ecossistemas”.

Além de derrubar barreiras alfandegárias, os Estados Nacionais envolvidos nos três acordos devem fazer uma concessão a mais. Precisam renunciar até mesmo ao direito de estimular a produção nacional, dando-lhe preferência nas compras governamentais. Sob, tais regras, seriam anuladas, por exemplo, as normas que fizeram renascer a indústria naval brasileira, ao torná-la fornecedora preferencial de sondas para a extração de petróleo no país.

3. Democracia encurralada e tribunais de exceção

Mas TTP, TTIP e TiSA não buscam apenas abrir, em todo o mundo, o setor de serviços às corporações planetárias. Um segundo objetivo épadronizar as legislações dos países signatários sobre temas cruciais como sistema financeiro, seguridade social, produção e circulação do conhecimento, liberdade na internet, segurança alimentar. Adotada a pretexto de facilitar a “livre circulação” de serviços, esta uniformização tem, curiosamente, mão única. Em todos os casos, atende a reivindicações das transnacionais e atinge direitos sociais e meio-ambiente.

Num texto sobre o TTP disponível na edição original do Le Monde Diplomatique, a jornalista Martine Bulard destaca a ameaça aos medicamentos genéricos. Os vazamentos revelam que, apoiadas pelos Estados Unidos, as transnacionais farmacêuticas reivindicam ampliar a vigência das patentes que lhes garantem exclusividade na produção das drogas que registram. Há muito criticado pelos movimentos que lutam pelo Direito à Saúde, este monopólio, que hoje em geral estende-se por vinte anos, passará a oitenta ou mesmo 120, caso o texto entre em vigor. Além disso, alerta Bulard, seriam patenteáveis – ou seja, passíveis de controle monopolista – as plantas, os métodos de diagnóstico, de tratamento e de operações cirúrgicas…

No altar da chamada “propriedade intelectual”, sacrifica-se também o direito à livre circulação de cultura e produções artísticas. Em, 31/jul/2015, Michael Geist, advogado e ativista da Eletronic Frontier Foundation (EFF), alertou em sua coluna do Huffington Post para as pressões conjuntas da Casa Branca e indústria cultural norte-americana estão fazendo sobre os demais países envolvidos nas negociações. . Segundo revelam rascunhos vazados do TTP, tanta-se exigir dos países envolvidos nas negociações que inscrevam, em suas legislações nacionais, medidas ainda mais duras contra quem compartilhar, via internet, música, filmes, vídeos, livros, artigos ou outros bens culturais.

Em todos os novos acordos, seções especiais são consagradas ao sistema financeiro. A pedido do Wikileaks, a jurista Jane Kelsey, da Universidade da Auckland (Nova Zelândia) analisou a parte do rascunho do TiSA, que trata deste tema. Num vasto relatório, ela demonstra que os bancos e instituições financeiras são, provavelmente, o setor mais favorecido pelo acordo – e o que ganha mais poderes para confrontar sociedades e governos. Os Estados nacionais ficam proibidos de estabelecer qualquer restrição ou exigência aos grupos financeiros internacionais que desejem instalar-se em seu território. Não podem limitar seu tamanho. Não podem, sequer, controlar os fluxos de capital – privando-se, portanto, de um instrumento decisivo contra ataques especulativos a suas moedas. Perdem o dirieto de impedir a entrada e saída de recursos para “instituições offshore”, ou paraísos fiscais. É uma espécie de contra-ataque preventivo. Num momento em que cresce a consciência sobre estes locais à margem da lei e seu papel na lavagem de dinheiro e sonegação de impostos pelas elites, o TiSA procura assegurar, aos super-ricos, uma proteção contra conquistas sociais futuras da democracia.

Ameaças ao meio-ambiente estão claras no texto vazado de outro dos três acordos: o TTIP.Tim Smedley, jornalista inglês especializado em Energia e Sustentabilidade, escreveu para o Guardian sobre as consequências, para a matriz energética dos países europeus, da eventual adoção do tratado. As barreiras legais que garantem a geração solar e eólica na União Europeia, diz ele, poderão ser questionadas pelos produtores de petróleo norte-americanos que usam fragmentação de rochas, ou fracking. Trata-se do método mais poluente que se conhece; no entanto, sob o TTIP, os que o praticam poderão alegar que as energias limpas europeias constituem uma “barreira artificial ao livre comércio”.

Talvez o dispositivo que melhor esclareça o verdadeiro sentido dos três tratados seja, porém a Resolução sobre Disputas entre Investidores ou Estados (ISDS, ou Investor-States Disputes Settlement), em inglês. Trata-se de uma barreira geral construída em favor das corporações transnacionais contra futuras decisões das sociedades e Estados em favor de direitos sociais e do meio-ambiente.

O ISDS é um claro limite à própria democracia. Ele permite que empresas (tratadas como “investidores”) processem Estados Nacionais sempre que julgarem que uma nova decisão política provocou redução de lucros – mesmo que não tenha atingido nenhum direito adquirido. A redução da jornada de trabalho, ou a demarcação de uma terra indígena, que interrompe a extração de minérios ou madeira, são casos típicos. Segundo os novos acordos, o julgamento das ações judiciais movidas como base no ISDS não se faz nos tribunais nacionais, como revela o site FullFact – mas sim em cortes de exceção. Trata-se de “tribunais arbitrais”, onde os processos não são públicos e os “juízes” são, frequentemente, advogados de grandes empresas.

Alguns casos concretos esclarecem como agem tais cortes. Desde 2011, a Philip Morris, empresa transnacional de tabaco, processa o governo da Austrália, e quer forçá-lo a revogar lei sobre embalagens de cigarro, que inclui advertência quanto aos malefícios do produto à saúde. A Philip Morris levou a demanda até a Suprema Corte australiana e foi derrotada. Ainda assim, pôde reabrir a questão num “tribunal arbitral” internacional, servindo-se do dispositivo ISDS presente num acordo de “livre” comércio entre a Austrália e Hong Kong. Ainda não há decisão final.

Em caso igualmente revelador, a Lone Pipe, uma empresa norte-americana de extração de petróleo por fracking, abriu processo, em 2013 contra o Estado canadense do Quebec. Exige indenização de 250 milhões de dólares, porque Montreal decidiu suspender a exploração petrolífera no subsolo do Rio São Lourenço, considerando-a nociva ao meio-ambiente, às fontes de água e à própria saúde da população… A ação da Lone Pipe é possível porque o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), do qual Canadá e EUA são signatários, inclui dispositivo ISDS.

4. “Livre” comércio ou ultra-capitalismo?

É impossível examinar a relação dos países envolvidos na negociação dos três acordos sem surpreender-se, de cara, com cinco ausências notáveis. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul estão excluídos simultaneamente do TTP, TTIP e TiSA. As cinco nações reúnem quase metade (42%) dos habitantes do planeta e 20% do PIB global. Suas reservas externas superam 5 trilhões de dólares. Todas são participantes destacados do comércio internacional. Juntas, criaram um bloco que representa uma das grandes novidades geopolíticas do século e estão avançando para constituir alternativas ao FMI e ao Banco Mundial. Por que curioso motivo os 59 participantes(1) do esforço para estabelecer os três acordos preferiram o Paraguai ao Brasil; Brunei à China; o pequenino Liechtenstein à Rússia; o Panamá à África do Sul?

O sociólogo Immanuel Wallerestein começou a explorar a resposta num texto recente sobre o tema. Ele desfaz um mito. Ao contrário do que gostam de dizer seus ideólogos, tratados como TiSA, TTP e TTIPnão estebelecem, argumenta Wallerstein, cenários de “livre” comércio. Esta condição só poderia ser alcançada se a redução de barreiras comerciais beneficiasse todos os países participantes do sistema de trocas internacionais. Não é disso que se trata, porém. Tanto os tratados em negociação agora quanto todos os de mesmo tipo que os precederam excluem certas nações. Seu caráter é, portanto, deprotecionismo – seja por interesse comercial, seja por razões geopolíticas.

No artigo do Le Monde Diplomatique citado acima, Martine Bulard, arrisca um passo a mais. Para ela, a própria geografia das três áreas de “livre” comércio estabelecidas pelos acordos expõe o interesse e a ação norte-americana, expressa em dois grandes movimentos. O primeiro é ocupar o centro do cenário, na negociação de três tratados que terão, se forem adiante, importância capital para o capitalismo do século XXI. Não é à toa que os EUA são, além de principais impulsionadores do TTP, TTIP e TiSA, o único país presente ao mesmo tempo nas três negociações.

O segundo movimento – ligado ao anterior porém mais específico – é isolar a China. Com o TTIP, Washington reforça sua aliança secular com a Europa Ocidental. Mas tanto TTP quanto TiSA visam reforçar o objetivo geopolítico e militar central acalentado pelos EUA nos últimos anos. Implica deslocar-se do Oriente Médio para a Ásia, onde, consideram os estrategistas norte-americanos, vai se dar a disputa crucial pela hegemonia planetária no século XXI.

Os novos tratados são também, portanto, elementos de uma nova “Guerra Fria”. Porém, algo mudou, em relação ao conflito que opôs,entre 1946 e 1989, Estados Unidos e União Soviética. Naquele período, Washington procurou aparecer como defensora da democracia e das liberdades. Estava alarmada com a posição de destaque que Moscou assumiu após a II Guerra e com o apelo que os ideais de igualdade social suscitavam, num mundo marcado por pobreza e subdesenvolvimento.

Agora, as máscaras caíram. Como frisa Michel Löwy e como mostra o que vimos até agora, vivemos um tempo em que o capitalismo procura livrar-se da democracia. Immanuel Wallerstein construiu uma narrativa ainda mais sofisticada para dar conta do novo cenário. Para ele, o capitalismo vive uma crise sem saída; mas este fato não deve alimentar esperanças vãs. Porque o que sucederá ao sistema hoje hegemônico pode ser tanto algo muito mais democrático e igualitário quanto o contrário. TTP, TTIP e TiSA são a prova deste argumento: sinais de um ultra-capitalismo distópico e assustador.

5. Onde se fala de Dilma, Aécio e Eduardo Cunha

Nada garante que TTP, TTIP e TiSA entrarão em vigor um dia. O próprio caráter sigiloso das negociações sobre os três acordos é um sinal de fraqueza: revela incerteza e temor sobre como reagirão as sociedades. Vivemos tempos contraditórios. No Ocidente há, de fato, forte ofensiva do capital contra os direitos sociais e a democracia. Mas conquistas mantidas por séculos não são apagadas facilmente. E paira no ar, como admitiu há poucos dias Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, um “estado de espírito talvez não revolucionário, mas de impaciência”.

Em seu artigo sobre os três novos acordos globais, Immanuel Wallerstein descreve em detalhes as dificuldades para aprová-los. Depois de ponderar os obstáculos políticos que dezenas de governos ainda enfrentam, para empurrar os tratados a suas sociedades, o grande sociólogo vaticina: “Mesmo se um acordo fosse fechado agora, o TTP não poderia ser votado no Congresso dos EUA antes [das eleições presidenciais] de 2016. Este limite é ainda mais nítido nas negociações para um TTIP, que estão num estágio anterior de discussões”. Por enquanto, TTP, TTIP e TiSA são, nos países que os debatem diretamente, distopias muito ameaçadoras – porém, estão longe de ser certezas.

Paradoxalmente, o cenário é muito mais difícil no Brasil, que a princípio, por não participar da negociação de nenhum dos acordos, estaria livre dos efeitos de todos. Aqui, a agenda ultracapitalista proposta por TTP, TTIP e TiSA manifesta-se de duas maneiras. Em termos programáticos, vastos setores da mídia, e do conservadorismo político – localizados tanto na oposição quanto no governo – propõem “livrar” o país das “amarras” supostamente representadas pelo Mercosul, Unasul e BRICS. Desejam que o país “abra-se para o mundo”, “aproxime-se dos Estados Unidos e União Europeia”, “pegue o bonde dos novos acordos comerciais”… Este discurso está presente nas falas de Aécio Neves e no portal do PSDB na internet, mas também em incontáveis editoriais e comentários da mídia (1 2 3 4 5 6 etc etc etc) e até mesmo – com idêntica ênfase! – em declarações de ao menos um ministro do governo Dilma…

Mas o pior é que em surdina, muito pragmaticamente e sem nenhum debate, a mesma agenda já invadiu os corredores e salões atapetados do Congresso Nacional. Faz parte da “ofensiva conservadora”, da qual muitas vezes falamos sem ter noção exata de suas consequências. Já se concretizou em medidas como a abertura da prestação de serviços de Saúde a empresas estrangeiras – assegurada por meio de uma lei esdrúxula, que alterou ao mesmo tempo dezenas de aspectos da legislação, sem que nenhum deles tenha sido debatido com a sociedade brasileira. Ameaça agora, por iniciativa de um senador da bancada governista, convidar as maiores empresas de aviação transnacionais para operar as rotas aéreas brasileiras. Está presente em medidas de repercussão profunda e prolongada, como o projeto de lei que autoriza a terceirização generalizada e selvagem do trabalho assalariado ou os anúncios recentes, por parte de ministros, de que haverá uma (contra-) reforma da Previdência, ainda em 2015.

Acrescentar perspectiva internacional a fatos que acompanhamos diariamente pode ser revelador e mobilizar energias. Permite constatar que há, também, pressões globais agindo sobre personagens que, de outra forma, enxergaríamos como provincianos ou mesmo bizarros.

Tome-se Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Muito mais que um religioso conservador, ou um articulador das piores energias do “baixo clero” do Congresso, ele é, hoje, o político com maior poder de levar adiante as pautas do ultra-capitalismo. Daí vêm sua força e suas esperanças de se manter vivo, apesar do envolvimento profundo com os crimes da Operação Lava-Jato. Observe-se os movimentos, aparentemente oscilantes, da oposição a Dilma. Se ela alterna-se entre pedir o impeachment da presidente e emparedar seu governo, obtendo dele todas as concessões possíveis, é porque outra agenda, muito mais poderosa, sobrepõe-se ao obsessivo desejo de Aécio Neves pela faixa presidencial…

Veja-se a própria situação dos partidos de esquerda, de quem se esperaria, a princípio, que resistissem à ofensiva anti-democracia e anti-direitos. Se deixam de fazê-lo, paralisados, não é por traição ou claudicância moral – mas por verem-se irremediavelmente divididos entre as antigas intenções de sua alma rebelde e as conveniências concretas de sua presença em espaços de poder.

“Olhar nos olhos de nossa tragédia é o primeiro passo para vencê-la”, escreveu certa vez Oduvaldo Vianna Filho, um dramaturgo genial cuja obra, embora quase desconhecida, permanece viva e pulsante. Em poucos países do mundo, a luta por direitos e democracia foi tão potente quando no Brasil das últimas quatro décadas. Nesse período, ela recuou diversas vezes – acossada pela brutalidade da ditadura ou surpreendida pela intensidade do choque neoliberal – e ainda assim regressou mais forte. Responde à necessidade de um resgate de séculos. Conhecer com precisão os processos globais que nos ameaçam ajudará a tramar a contra-ofensiva.

Nota
(1) - A relação inclui os 53 Estados envolvidos no TiSA mais Brunei, Filipinas, Malásia, Singapura, Tailândia e Vietnã, que não integram o grupo mas participam do TTP. O TTIP não acrescenta membros à relação, pois é negociado diretamente por Estados Unidos e União Europeia.

Postado por Miro - http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/09/o-fantasma-do-ultra-capitalismo.html
Por que a Europa está diante da maior crise humanitária do século?

Depois de ajudar a invadir e destruir países; equipar terroristas que deram origem ao EI; apoiado o engodo da Primavera Árabe; a Europa colhe o que plantou.

E a "galinha que acompanha pato acaba morrendo afogada"...

por Mauro Santayana - Sociedade, Guerras e Comércio Internacional Injusto

Ivor Prickett/ACNUR
Refugiados Turquia Fonte: Jornal do Brasil para o site Brasil Atual
– Embora não o admita – principalmente os países que participaram diretamente dessa sangrenta imbecilidade – a Europa de hoje, nunca antes sitiada por tantos estrangeiros, desde pelo menos os tempos da queda de Roma e das invasões bárbaras, não está colhendo mais do que plantou, ao secundar a política norte-americana de intervenção, no Oriente Médio e no Norte da África.
Não tivesse ajudado a invadir, destruir, vilipendiar, países como o Iraque, a Líbia, e a Síria; não tivesse equipado, com armas e veículos, por meio de suas agências de espionagem, os terroristas que deram origem ao Estado Islâmico, para que estes combatessem Kadafi e Bashar Al Assad, não tivesse ajudado a criar o gigantesco engodo da Primavera Árabe, prometendo paz, liberdade e prosperidade, a quem depois só se deu fome, destruição e guerra, estupros, doenças e morte, nas areias do deserto, entre as pedras das montanhas, no profundo e escuro túmulo das águas do Mediterrâneo, a Europa não estaria, agora, às voltas com a maior crise humanitária deste século, só comparável, na história recente, aos grandes deslocamentos humanos que ocorreram no fim da Segunda Guerra Mundial.
Lépidos e fagueiros, os Estados Unidos, os maiores responsáveis pela situação, sequer cogitam receber - e nisso deveriam estar sendo cobrados pelos europeus - parte das centenas de milhares de refugiados que criaram, com sua desastrada e estúpida doutrina de "guerra ao terror", de substituir, paradoxalmente, governos estáveis por terroristas, inaugurada pelo "pequeno" Bush, depois do controvertido atentado às Torres Gêmeas.
Depois que os imigrantes forem distribuídos, e se incrustarem, em guetos, ou forem - ao menos parte deles - integrados, em longo e doloroso processo, que deverá durar décadas, aos países que os acolherem, a Europa nunca mais será a mesma.
Por enquanto, continuarão chegando à suas fronteiras, desembarcando em suas praias, invadindo seus trens, escalando suas montanhas, todas as semanas, milhares de pessoas, que, cavando buracos, e enfrentando jatos de água, cassetetes e gás lacrimogêneo, não tendo mais bagagem que o seu sangue e o seu futuro, reunidos nos corpos de seus de seus filhos, irão cobrar seu quinhão de esperança e de destino, e a sua parte da primavera, de um continente privilegiado, que para chegar aonde chegou, fartou-se de explorar as mais variadas regiões do mundo.
É cedo para dizer quais serão as consequências do Grande Êxodo. Pessoalmente, vemos toda miscigenação como bem-vinda, uma injeção de sangue novo em um continente conservador, demograficamente moribundo, e envelhecido.
Mas é difícil acreditar que uma nova Europa homogênea, solidária, universal e próspera, emergirá no futuro de tudo isso, quando os novos imigrantes chegam em momento de grande ascensão da extrema-direita e do fascismo, e neonazistas cercam e incendeiam, latindo urros hitleristas, abrigos com mulheres e crianças.
Se, no lugar de seguir os EUA, em sua política imperial em países agora devastados, como a Líbia e a Síria, ou sob disfarçadas ditaduras, como o Egito, a Europa tivesse aplicado o que gastou em armas no Norte da África e em lugares como o Afeganistão, investindo em fábricas nesses mesmos países ou em linhas de crédito que pudessem gerar empregos para os africanos antes que eles precisassem se lançar, desesperadamente, à travessia do Mediterrâneo, apostando na paz e não na guerra, o velho continente não estaria enfrentando os problemas que enfrenta agora, o mar que o banha ao sul não estaria coalhado de cadáveres, e não existiria o Estado Islâmico.
Que isso sirva de lição a uma União Europeia que insiste, por meio da OTAN e nos foros multilaterais, em continuar sendo tropa auxiliar dos EUA na guerra e na diplomacia, para que os mesmos erros que se cometeram ao sul, não se repitam ao Leste, com o estímulo a um conflito com a Rússia pela Ucrânia, que pode provocar um novo êxodo maciço em uma segunda frente migratória, que irá multiplicar os problemas, o caos e os desafios que está enfrentando agora.
As desventuras das autoridades europeias, e o caos humanitário que se instala em suas cidades, em lugares como a Estação Keleti Pu, em Budapeste, e a entrada do Eurotúnel, na França, mostram que a História não tolera equívocos, principalmente quando estes se baseiam no preconceito e na arrogância, cobrando rapidamente a fatura daqueles que os cometeram.
Galinha que acompanha pato acaba morrendo afogada.
É isso que Bruxelas e a UE precisam aprender com relação a Washington e aos EUA.
http://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2015/09/por-que-a-europa-esta-diante-da-maior-crise-humanitaria-do-seculo-1448.html

A maior ameça do planeta Terra: o ser humano, por Leonardo Boff

Estão se acabando os recursos na dispensa da "Casa Comum'', ou "Mãe Gaia"ou "Terra", nossa sobrevivência começa a mudar e dar sinais de fraqueza...
 
por Leonardo Boff - Site de notícias Adital - Sociedade e Sobrevivência no Planeta

A Terra é um planeta pequeno, velho, com a idade de 4,44 bilhões de anos, com 6.400 km de raio e 40.000 km de circunferência. Há 3,8 bilhões de anos surgiu nele todo tipo de vida e há cerca 7 milhões, um ser consciente e inteligente, altamente ativo e ameaçador: o ser humano. 
Preocupante é o fato de que a Terra já não possui reservas suficientes em sua dispensa para fornecer alimentos e água para seus habitantes. Sua biocapacidade está se enfraquecendo dia a dia.

O dia 13 de agosto foi o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshooting Day). 

É o que nos informou a Rede da Pegada Global (Global Footprint Network) que, junto com outras instituições como a WWF e o Living Planet, acompanham sistematicamente o estado da Terra. A pegada ecológica humana (quanto de bens e serviços precisamos para viver) foi ultrapassada. As reservas da Terra estão se esgotando e precisamos de 1,6 planeta para atender nossas necessidades, sem ainda aquelas da grande comunidade de vida (fauna, flora, micro-organismos). Em palavras de nosso cotidiano: nosso cartão de crédito entrou no vermelho e estamos todos falidos, será que alguém sobreviverá?
Até 1961 precisávamos apenas de 63% da Terra para atender as nossas demandas. Com o aumento da população e do consumo, já em 1975 necessitávamos de 97% da Terra. Em 1980 exigíamos 100,6%, a primeira Sobrecarga da pegada ecológica planetária. Em 2005 já atingíamos a cifra de 1,4 planeta. E atualmente, agosto de 2015, 1,6 planeta.
Se hipoteticamente quiséssemos, dizem-nos biólogos e cosmólogos, universalizar o tipo de consumo que os países opulentos desfrutam, seriam necessários 5 planetas iguais ao atual, o que é absolutamente impossível além de irracional (cf. R. Barbault, Ecologia geral, 2011, p.418).
Para completar a análise cumpre referir a pesquisa feita por 18 cientistas sobre "Os limites planetários: um guia para o desenvolvimento humano num planeta em mutação” publicada na prestigiosa revista Science nos EUA, de janeiro de 2015 (bom resumo em IHU de 09/02/2015). 
Aí se elencam 9 fronteiras que não podem ser violadas, caso contrário, colocamos sob risco as bases da vida no planeta (mudanças climáticas; extinção de espécies; diminuição da camada de ozônio; acidificação dos oceanos; erosão dos ciclos de fósforo e nitrogênio; abusos no uso da terra como desmatamentos; escassez de água doce; concentração de partículas microscópicas na atmosfera que afetam o clima e os organismos vivos; introdução de novos elementos radioativos, nanomateriais, micro-plásticos).
Quatro das 9 fronteiras foram ultrapassadas, mas duas delas – a mudança climática e a extinção das espécies –, que são fronteiras fundamentais, podem levar a civilização a um colapso. Foi o que concluíram os 18 cientistas.
Tal dado coloca em xeque o modelo vigente de análise da economia da sociedade mundial e nacional, medida pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Este implica uma profunda intervenção nos ritmos da natureza e a exploração dos bens e serviços dos ecossistemas em vista da acumulação e, com isso, do aumento do PIB. 
Este modelo é uma falácia ou uma análise falsa, sem fundamentos científicos, pois não considera o tremendo estresse a que submete todos os serviços ecossistêmicos globais que garantem a continuidade da vida e de nossa civilização. De forma irresponsável e irracional considera tal fato, com suas graves consequências, como "externalidades”, vale dizer, fatores que não entram na contabilidade nacional e internacional das empresas.
E assim "gaiamente", ou quem vive na Terra, vamos ao encontro de um abismo que se abre logo aí à nossa frente.É a falência que foi citado acima.
Curiosamente, nas discussões sobre temas econômicos que se organizam semanalmente nas TVs (por exemplo, o Painel da Globonews, da rede Globo, canal fechado, aos sábados e domingos) nunca ou quase nunca se faz referência aos limites ecossistêmicos (exploração das riquezas do planeta) da Terra. Com raras exceções, os economistas parecem cegos e cegados pelas cifras do PIB ou do ganho fácil, reféns de um paradigma velho e reducionista, de analisar a economia concreta que temos, como se a natureza não existisse ou a Terra fosse igual a uma simples máquina que quando quebra é só trocar...
Se todas as fronteiras forem violadas, como tudo parece indicar, que acontecerá com a Terra viva e a Humanidade? Temos que mudar nossos hábitos de consumo, as formas de produção e de distribuição, como não se cansa de repisar o Papa Francisco, ausente nos analistas de O Globo, Folha, Veja, Band, SBT, Época, etc., que sequer fazem uma referência a um tema tão fundamental como os limites do planeta Terra, ou são completamente ignorantes quanto ao assunto. 

Mal imaginam que podemos conhecer um "armagedom”  (é só lembrar desse filme) ecológico-social sem precedentes.

Imaginemos o planeta Terra como um avião de carreira da Gol, TAM, American Line, Alitalia ou outro qualquer. Possui limites de alimentos, de água e de combustível. 1% viaja na primeira classe; 5% na executiva e os 95% na classe econômica ou junto às bagagens num frio aterrador, dentro do compartimento de cargas, isso mesmo. Chega um momento em que todos os recursos se esgotam.

O avião fatalmente se precipita, vitimando todos e de todas as classes. 

Queremos este destino para a nossa única Casa Comum, Gaia ou Terra, e para nós mesmos? 
Não temos alternativa: ou mudamos nossos hábitos ou lentamente definharemos como os habitantes da ilha de Páscoa até restarem apenas alguns representantes, talvez invejando quem morreu antes, isso mesmo, somente sobraram as estátuas na ilha de Páscoa, cadê a vida?
Efetivamente, não fomos chamados à existência para conhecermos um fim tão trágico. Seguramente "o Senhor, soberano amante da vida” (Sab 11,26) não o permitirá. 
Não será por um milagre, mas pela nossa mudança de hábitos e pela cooperação de todos, ou todos podemos escolher irmos viver em Marte, que não tem água, nem oxigênio... 
Leonardo Boff escreveu Proteger a Terra-cuidar da vida: como escapar do fim do mundo, Record, Rio 2010.
Fonte: Blog do autor Leonardo Boff
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=86406

Frei Betto: ou concentramos a luta política na redução da desigualdade social ou vamos todos para o brejo

O sistema financeiro é a "síndrome de tio Patinhas", personagem tão idolatrada no Tio Sam. Pouquíssimas pessoas que controlam o dinheiro da população mundial, em que, cuidaram até com armas para que a fortuna dos 10% mais ricos crescesse de 64% para 71%, entre 1970 e 2010, no mundo globalizado.
 
Livro "O Capital", do autor Thomas Piketty, desvenda mais este "mistério"...
 
Frei Betto - Site de notícias Adital - Sociedade e o domínio pelo dinheiro
 
Thomas Piketty, em seu clássico "O capital no século XXI”, já demonstra que a concentração da riqueza mundial em mãos de poucas famílias (84 pessoas físicas dispõem de renda equivalente à que possuem 3,5 bilhões de pessoas – metade da humanidade, segundo a entidade internacional Oxfam) se deve ao aumento da especulação financeira agravado por um injusto sistema de transmissão de heranças em todo o planeta.
Agora, François Bourgnignon, em "A globalização da desigualdade”, reforça a tese de Piketty. O aumento da precarização do trabalho (terceirização, dessindicalização etc., comum nas grandes corporações tanto indústrias, como bancos ou serviços) e a redução de salários, somados ao fato de a economia "globo-colonizada" não obedecer a normas internacionalmente aceitas (haja paraísos fiscais, verdadeiras cavernas de Ali Babá em alguns países como por exemplo Ilhas Caiamã, Suiça, etc.) fazem com que a diminuta elite apropriadora da riqueza supere toda a fantasia de Walt Disney, ao criar a bilionária e gananciosa figura do Tio Patinhas, na história infantil criada nos EUA, na década de 1960.
Bourguignon não é nenhum esquerdista. Foi economista-chefe do Banco Mundial entre 2003 e 2007. Pena que só admita o que escreve no livro, após deixar o banco e se livrar de sua carreira questionada. Enquanto no poder, o bolso falava mais alto...
Há vinte anos, demonstra ele, o padrão de vida em países como a França e a Alemanha era 20 vezes maior do que na China e na Índia. Hoje, apenas 10 vezes. O leitor dirá: "Que bom! Menos desigualdade!” 
Bom nada. O crescimento da China e da Índia segue os mesmos parâmetros da França e da Alemanha – o voraz e piramidal capitalismo, mesmo com uma sociedade pouco conhecida no Brasil e Américas . E isso resulta em 3 bilhões de pessoas sobrevivendo com menos de US$ 2,5 (= R$ 8) por dia, é possível imaginarmos isto?
Ao abordar medidas que foram celebradas como positivas na América Latina, como privatizações e redução de gastos sociais do governo (vide o ajuste fiscal no Brasil), o autor conclui: "Muitas dessas reformas quase certamente tiveram efeitos de desigualdades. De fato, entre 1980 e 1990, ocorreu um aumento substancial na desigualdade dos países mais afetados por esses programas: Argentina, México, Peru, Equador e até aqui no Brasil.”
E as privatizações, tão exaltados pelo governo Fernando Henrique Cardozo e, então, criticada pelo Partido do Trabalhadores no poder atualmente no Brasil, que agora faz o mesmo? Leia o que ele diz: "A transformação de monopólios públicos em privados, com regulação insuficiente, permitiu o surgimento de novos rentistas e, em alguns casos, a acumulação de imensas fortunas. Hoje a elite política e econômica brasileira repete o que aconteceu a 20 anos atrás no Brasil”.
Nos EUA, onde a suposta democracia política em nada combina com a total falta de democracia econômica ou são iguais, a queda real do salário mínimo entre 1980 e 1990, e a debilidade dos sindicatos, causaram aumento de 20 a 30% na desigualdade social da população estado-unidense. A fortuna dos 10% mais ricos (os conhecidos antigamente por Tio Sam ou Tio Patinhas) cresceu de 64% para 71% entre 1970 e 2010, nos EUA e na média mundial.
Em suma: ou concentramos no Brasil e América Latina a luta política e econômica na redução da desigualdade social ou vamos todos para o mesmo brejo que hoje acontece em parte do Oriente Médio e parte da África (fome, migrações, criminalidade, terrorismo, guerras, etc.), enquanto a diminuta elite política e econômica, que tudo comanda, festeja na isolada ilha do privilégio social, cultural e econômico a farra e a ganância da mesquinha individualidade humana desumanizada.  
Frei Betto -Escritor e assessor de movimentos sociais no Brasil
Twitter @freibetto
Frei Betto é escritor, autor de "Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=86363