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9.04.2015

Frei Betto: ou concentramos a luta política na redução da desigualdade social ou vamos todos para o brejo

O sistema financeiro é a "síndrome de tio Patinhas", personagem tão idolatrada no Tio Sam. Pouquíssimas pessoas que controlam o dinheiro da população mundial, em que, cuidaram até com armas para que a fortuna dos 10% mais ricos crescesse de 64% para 71%, entre 1970 e 2010, no mundo globalizado.
 
Livro "O Capital", do autor Thomas Piketty, desvenda mais este "mistério"...
 
Frei Betto - Site de notícias Adital - Sociedade e o domínio pelo dinheiro
 
Thomas Piketty, em seu clássico "O capital no século XXI”, já demonstra que a concentração da riqueza mundial em mãos de poucas famílias (84 pessoas físicas dispõem de renda equivalente à que possuem 3,5 bilhões de pessoas – metade da humanidade, segundo a entidade internacional Oxfam) se deve ao aumento da especulação financeira agravado por um injusto sistema de transmissão de heranças em todo o planeta.
Agora, François Bourgnignon, em "A globalização da desigualdade”, reforça a tese de Piketty. O aumento da precarização do trabalho (terceirização, dessindicalização etc., comum nas grandes corporações tanto indústrias, como bancos ou serviços) e a redução de salários, somados ao fato de a economia "globo-colonizada" não obedecer a normas internacionalmente aceitas (haja paraísos fiscais, verdadeiras cavernas de Ali Babá em alguns países como por exemplo Ilhas Caiamã, Suiça, etc.) fazem com que a diminuta elite apropriadora da riqueza supere toda a fantasia de Walt Disney, ao criar a bilionária e gananciosa figura do Tio Patinhas, na história infantil criada nos EUA, na década de 1960.
Bourguignon não é nenhum esquerdista. Foi economista-chefe do Banco Mundial entre 2003 e 2007. Pena que só admita o que escreve no livro, após deixar o banco e se livrar de sua carreira questionada. Enquanto no poder, o bolso falava mais alto...
Há vinte anos, demonstra ele, o padrão de vida em países como a França e a Alemanha era 20 vezes maior do que na China e na Índia. Hoje, apenas 10 vezes. O leitor dirá: "Que bom! Menos desigualdade!” 
Bom nada. O crescimento da China e da Índia segue os mesmos parâmetros da França e da Alemanha – o voraz e piramidal capitalismo, mesmo com uma sociedade pouco conhecida no Brasil e Américas . E isso resulta em 3 bilhões de pessoas sobrevivendo com menos de US$ 2,5 (= R$ 8) por dia, é possível imaginarmos isto?
Ao abordar medidas que foram celebradas como positivas na América Latina, como privatizações e redução de gastos sociais do governo (vide o ajuste fiscal no Brasil), o autor conclui: "Muitas dessas reformas quase certamente tiveram efeitos de desigualdades. De fato, entre 1980 e 1990, ocorreu um aumento substancial na desigualdade dos países mais afetados por esses programas: Argentina, México, Peru, Equador e até aqui no Brasil.”
E as privatizações, tão exaltados pelo governo Fernando Henrique Cardozo e, então, criticada pelo Partido do Trabalhadores no poder atualmente no Brasil, que agora faz o mesmo? Leia o que ele diz: "A transformação de monopólios públicos em privados, com regulação insuficiente, permitiu o surgimento de novos rentistas e, em alguns casos, a acumulação de imensas fortunas. Hoje a elite política e econômica brasileira repete o que aconteceu a 20 anos atrás no Brasil”.
Nos EUA, onde a suposta democracia política em nada combina com a total falta de democracia econômica ou são iguais, a queda real do salário mínimo entre 1980 e 1990, e a debilidade dos sindicatos, causaram aumento de 20 a 30% na desigualdade social da população estado-unidense. A fortuna dos 10% mais ricos (os conhecidos antigamente por Tio Sam ou Tio Patinhas) cresceu de 64% para 71% entre 1970 e 2010, nos EUA e na média mundial.
Em suma: ou concentramos no Brasil e América Latina a luta política e econômica na redução da desigualdade social ou vamos todos para o mesmo brejo que hoje acontece em parte do Oriente Médio e parte da África (fome, migrações, criminalidade, terrorismo, guerras, etc.), enquanto a diminuta elite política e econômica, que tudo comanda, festeja na isolada ilha do privilégio social, cultural e econômico a farra e a ganância da mesquinha individualidade humana desumanizada.  
Frei Betto -Escritor e assessor de movimentos sociais no Brasil
Twitter @freibetto
Frei Betto é escritor, autor de "Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=86363

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