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7.13.2022

Movimento Feminino Popular: o direito ao aborto e a assistência à saúde mulher

O Movimento Feminino Popular (MFP) e sua luta contra as instituições brasileiras ditatoriais em relação ao direito das mulheres

por redação de A Nova Democracia – Sociedade e a Opressão sobre a Mulheres

Foto Brasil de Fato – luta das mulheres

Causou indignação em todo o País, o caso da criança de 11 anos vítima de estupro que foi inicialmente impedida pela Justiça de Santa Catarina de realizar o aborto legal. Devida a pressão popular, o aborto foi realizado. Mesmo sendo prevista pela legislação vigente a interrupção da gravidez em casos de estupro, risco à vida da mulher e fetos anencefálicos, uma portaria ilegal do Ministério da Saúde restringe a realização do aborto a partir da vigésima semana de gestação e, apoiando-se nela, o Hospital Universitário Professor Polyodoro Hernane de São Tiago (Ufsc) recusou-se a realizá-lo sem autorização judicial.

Além da flagrante violação a um direito estabelecido (que colocou em risco a vida desta criança), no curso das audiências ela foi alvo de pressão psicológica por parte da juíza Joana Ribeiro e da promotora Mirela Dutra Alberton, que fizeram de tudo para coagi-la e à sua mãe a não interromper a gravidez. Neste afã, inclusive a menina foi separada de sua família e internada de forma compulsória em um abrigo. No curso de um interrogatório, a magistrada chegou a indagar à criança se ela já havia “escolhido o nome do bebê”, e se o pai da criança, isto é, o abusador, “concordaria em enviá-la para a adoção”. Consta, nos autos, que a juíza nomeou um defensor para a função de “curador do feto”, que, como se vê, recebeu mais proteção que a própria vítima.

Este modus operandi não é exceção, mas corriqueiro nas entranhas do sistema de justiça brasileira – melhor seria dizer injustiça – quanto às mulheres do povo, ultrapassa o cúmulo do absurdo e de violência. É evidente que uma jovem nascida em berço de ouro, ou mesmo em uma família com poder aquisitivo elevado, jamais seria submetida a esse ritual, simplesmente porque, neste caso, ela não precisaria recorrer ao judiciário para assegurar o aborto legal. Que o dinheiro compra de fato este direito é flagrante atraso de nossa sociedade. Como na maioria dos países oprimidos, manifestação de atraso e da falta de democracia, que cria situações de risco de vida ao povo.

Para além da indignação, devemos nos perguntar o que esses ataques aos direitos das mulheres - dentre as quais se destaca a recente revogação, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, do direito ao aborto de acordo com as normas legais neste país – nos esclarece sobre a realidade dos direitos humanos e civis, na atual época de crise geral.

Há um século, quando do triunfo da Revolução Popular Rússia, primeiro Estado do mundo a assegurar a plena igualdade de direitos entre mulheres e homens, Lenin dizia que “em todos os países civilizados, mesmo nos mais avançados, é tal a situação das mulheres que, com razão, são consideradas escravas domésticas. Em nenhum dos estados capitalistas, nem mesmo na mais livre das repúblicas, as mulheres gozam de plena igualdade de direitos”. (Discurso no Primeiro Congresso Pan-Russo das Operárias, novembro de 1918, grifo nosso).

Ou seja, a mesma ação “democrática” e “liberal” que avança sobre as liberdades individuais é, no mínimo, inconsequente, e no máximo abertamente hipócrita, quando se trata da situação concreta das amplas massas trabalhadoras, nas quais se insere a esmagadora maioria das mulheres. Ao contrário do que pregam estes filisteus oportunistas, no sistema capitalista não reina a extensão gradativa dos direitos. O cientista social Marx já falava no seu tempo, da tendência “tirânica do capital”, isto é, a sua sede implacável por sobre-trabalho, que só pode ser freada pela resistência ativa popular*, tendência que cresceu na época do domínio do capital monopolista, que se caracteriza pela busca do lucro máximo. Assim que, sobretudo em épocas de crise, é uma necessidade dos Estados impor sobre as massas populares a retirada dos mínimos direitos conquistados a duras penas pelas gerações passadas.

O trabalho doméstico feminino não pago é decisivo, para o rebaixamento geral dos salários, e essa dupla exploração das mulheres integradas na produção. Uma considerável parcela da sociedade sustenta-se em uma série de preconceitos sobre o papel da mulher e numa visão dela como “cidadão de segunda categoria”. Portanto, se fazem necessárias reformas sociais profundas. Somente a conscientização popular poderá estender os direitos democráticos elementares à maioria da sociedade, e, por decorrência, à maioria das mulheres. Sem o triunfo desta reforma social, não se pode quebrar o ciclo vicioso que tanto oprime as classes populares.

Por isso não devemos nos iludir com as instâncias deste Estado. Sob alguns governos desta “republica das bananas”, as mulheres seguiram vitimadas não só pela tutela oficial sobre os seus corpos, como pelo desprezo institucionalizado, que destroem a elas e aos seus familiares na cidade e no campo, pela carestia de vida que empurra muitas destas mulheres para a prostituição e as condições de existência degradantes, pelo sucateamento dos já precários serviços públicos de saúde, educação e assistência, tão bem descritos na “Constituição Cidadã”, que as torna escravas “do lar”, as únicas responsáveis pelo cuidado das crianças, idosos e enfermos.

Diante disso, convocamos as mulheres do povo a se unirem!

Nossa tarefa é mudar esta ordem social que mantém as mulheres na prostituição e na escravidão doméstica e assalariada. Isto não significa que as mulheres devam abdicar da luta imediata, por todos os seus direitos, em particular, nosso direito a viver com dignidade, de interromper uma gravidez indesejada, enfim, a decidir sobre nosso próprio corpo. Contudo, devemos entender que a única forma de garantir plenamente estas reivindicações é através da nossa participação ativa na Reforma de Nova Democracia ininterrupta aos direitos humanos e civis em nosso país, que forma parte inseparável da Reforma das Estruturas Sociais em nível mundial. De fato, a incorporação das mulheres trabalhadoras ao processo reformista e libertário é condição indispensável não só para a sua própria emancipação, como para o triunfo desta profunda reforma social.


Nota

* “Nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à sua antiga duração racional, ou, onde não podem exigir a jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o trabalho excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que não basta esteja em proporção com o sobre-trabalho que os exaure, e que deve, sim, estar numa proporção maior, os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles mesmos e à sua classe. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas da exploração do capital sobre o trabalho. O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das refeições etc., está toda ela absorvida para o trabalho para o capitalista, é um ser humano plenamente explorado. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente submissa, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio, lutará sempre, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a este nível de extrema degradação”. (K. Marx, “Salário, preço e lucro”. Grifo nosso). E, às mulheres trabalhadoras, que arcam, ademais, com o peso da servidão doméstica, é retirada de modo ainda mais cruel a possibilidade de dispor de tempo livre para intervir na política, nas artes, para exercitar, enfim, para lutar por seus direitos na sociedade em geral.

Edição: Mangue do Cachoeira

Publicado em A Nova Democracia: 04julho2022

Fonte:  https://anovademocracia.com.br/noticias/17790-mfp-o-direito-ao-aborto-e-a-situacao-da-mulher-no-capitalismo