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4.26.2018

A imprensa e os trabalhadores


Gramsci: “Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária, eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento”

por Antonio Gramsci do Desacato e blog LUIZ MÜLLERSociedade e Luta de Classes na Imprensa
Desenho de Gianluca Costantini para o Instituto Gramsci de Turim
 É a época da publicidade para as assinaturas. Os diretores e os administradores dos jornais burgueses arrumam as suas vitrines, passam uma mão de tinta na tabuleta e chamam a atenção do passante (isto é, do leitor) para a sua mercadoria. A mercadoria é aquela folha de quatro ou seis páginas que todas as manhãs ou todas as tardes vai injetar no espírito do leitor a maneira de sentir e de julgar os fatos da atualidade política que mais convém aos produtores e vendedores de papel impresso.
Iremos tentar discorrer, para os operários especialmente, sobre a importância e a gravidade daquele ato aparentemente tão inocente que consiste em escolher o jornal que se pretende assinar. É uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão.
Antes de tudo, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja a sua tinta) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir à classe dominante, o que se traduz num fato: combater a classe trabalhadora. E, realmente, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação.
Mas o pior reside nisto: em vez de pedir dinheiro à classe burguesa para subvencionar a obra de defesa feita em seu favor, o jornal burguês consegue fazer-se pagar pela própria classe trabalhadora que ele combate sempre. E a classe trabalhadora paga, pontualmente, generosamente.
Centenas de milhares de operários contribuem regularmente todos os dias com seu dinheiro para o jornal burguês, aumentando a sua potência. Por quê? Se perguntarem ao primeiro operário que encontrarem no bonde ou na rua, com a folha burguesa desdobrada à sua frente, ouvirão esta resposta: “porque preciso saber o que há de novo”. E nem sequer lhe passa pela cabeça que as notícias e os ingredientes com as quais são cozinhadas podem ser apresentados de uma forma que dirija o seu pensamento e influa no seu espírito num determinado sentido. E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, que o outro é interesseiro, que o terceiro, o quarto e o quinto estão ligados a grupos políticos que têm interesses diametralmente opostos aos seus.
Todos os dias, pois, ocorre a este mesmo operário a possibilidade de constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Estoura uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre os desordeiros, os partidários, os vândalos. O governo aprova uma lei? É sempre boa, útil e justa, ainda que seja o oposto. Desenvolve-se uma campanha eleitoral, política ou administrativa? Os melhores candidatos e programas são sempre os dos partidos burgueses.
E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou omite ou distorce ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disto, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês não tem limites. É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente na mão do jornaleiro é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária.
 Se os operários se convencessem desta elementaríssima verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais dos operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pelas campanhas de assinaturas feitas por todos os jornais burgueses. Boicotem, boicotem, boicotem.
Antonio Gramsci, no Avanti! em 1916
Lá se vão 102 anos deste artigo do Gramsci e tudo continua tão igual…
Tem que desenhar?
https://luizmuller.com/2018/04/25/os-jornais-e-os-operarios-por-antonio-gramsci/

O Poder do WhatsApp de Divulgar Fofocas


O WhatsApp amplificou nossa capacidade de fofocar

por Edson Pistori* para GGN e Contexto Livre – Sociedade e Comunicação Social Dominante

Atualmente, o Whatsapp é o aplicativo dominante na comunicação instantânea. Ele é uma das principais ferramentas de interação entre pessoas e de distribuição de conteúdos de todos os tipos.
O app foi desenvolvido por uma empresa estadunidense que leva o mesmo nome do produto que criou, fundada em 2009 pelos veteranos do Yahoo, Brian Acton e Jan Koun.
Em 2014, o Facebook adquiriu a empresa por $ 16 bilhões de dólares e incorporou os fundadores do Whatsapp ao Conselho de Administração da gigante das redes sociais.
Segundo dados de maio de 2017, o aplicativo de mensagens instantâneas chegou a marca de 120 milhões de usuários mensalmente ativos no Brasil e mais de 1,2 bilhões em todo planeta.
As funcionalidades de mensagens escritas, envio de áudios, vídeos, imagens e documentos, além das ligações também por áudio e vídeo via internet alteraram o uso da telefonia móvel. E, praticamente, eliminaram as mensagens de SMS (Short Message Service), assim como reduziram as ligações telefônicas convencionais.
Apenas no tocante a ligações de vídeo, o whatsapp registrou uma média de 55 milhões de chamadas por dia. São números impressionantes.
Essa abrangência de número de usuários deu uma enorme relevância ao WhatsApp, pois ele tem sido um recurso importante para dinamizar as relações de convivência, criando novas formas de interação, organização e produção social, especialmente devido as funcionalidades de criação de grupos e de listas de transmissão (envio massivo de mensagens individuais).
Há quem diga que a praticidade introduzida pelo WhatsApp pode vir a levar ao desuso do e-mail como instrumento de troca de mensagens institucionais ou laborais.
No Brasil, já há casos de tribunais que fazem comunicações oficiais por meio do aplicativo. Há jurisprudências que consideram a troca de mensagens no WhatsApp como provas jurídicas válidas em processos civis e criminais.
Vários analistas têm apontando que o WhatsApp será uma ferramenta crucial na ação política nos próximos anos.
Seus diversos usos podem potencializar a difusão de discursos e narrativas, a organização de ativistas e de bases eleitorais e a interação direta entre eleitores e candidatos.
Por isso, entender a dinâmica de funcionamento do WhatsApp será fundamental para quem deseja influenciar os processos políticos contemporâneos.

A Teoria da Fofoca e os grupos de WhatsApp
No livro Sapiens, o israelense Yuval  Harari defendeu a ideia de que a fofoca ajudou os nossos ancestrais arcaicos a formarem bandos maiores e mais estáveis. Por meio dela (a fofoca), construíam-se amizades e hierarquias que viabilizaram a caça, a proteção e a luta pela vida em grupos.
Harari também apontou os limites da fofoca para a sociabilidade. Segundo ele, pequisas demonstram que o tamanho natural de um grupo unido por fofoca é em torno de 150 indivíduos.
Esse número mágico, ainda hoje, vale para as dimensões das organizações humanas funcionais tais como: comunidades, negócios, unidades militares e de aprendizado.
O WhatsApp adotou essa premissa. No início, o app possibilitava apenas 99 membros num grupo. Depois esse número aumentou para 149. Em nova atualização foi para 199 e agora fixou o limite é de 249.
O que se percebe na prática é que num grupo de WhatsApp numeroso há uma quantidade de indivíduos que nunca conseguem participar ativamente das conversas. No dia a dia, as discussões giram em torno de 30 a 40 pessoas que interagem com mais frequência.
Não há estatísticas confiáveis divulgadas, mas se estima que adultos com um circulo social de raio médio tem cerca de 10 grupos temáticos no seu smartphone: família, igreja, trabalho, amigos e outros interesses diversos.
O WhatsApp amplificou nossa capacidade de fofocar
As dinâmicas de interação em cada um são distintas, mas elas mais ou menos definem certos perfis de usuários:
O postador frenético (spanner) que dispara conteúdo sem parar. Ele acha que o app é uma metralhadora de informação.
O comentarista que está sempre a postos para dar um feedback aos posts dos outros.
O provocador de polêmica (troll) que em todo assunto encontra um jeito de inflamar uma discussão, muitas vezes pelo prazer de “causar”.
O distraído que não presta atenção nas postagens e está sempre replicando o conteúdo já postado. Esse também vive barriquelando as discussões, ou seja dando opiniões quando o assunto já saiu de pauta.
O sem noção que posta conteúdo nada a haver com o tema ou perfil do grupo.
O carente que reclama de ninguém prestar atenção no que ele posta.
O voyeur que lê tudo, mas raramente expõe sua opinião.
O magoado que por uma mera desavença se retira do grupo. Uma atitude muitas as vezes infantil, pois o autoexilado espera ser convidado a voltar.
É claro, que esses perfis são apenas ilustrativos, pois o universo de psiquês humanas é ilimitado, contudo os padrões de comunicação vão se aproximando de determinados tipos, especialmente nas redes sociais.
O tipo de interação dos grupos também varia com o propósito do usuário.
Há quem sinta apenas vontade de postar conteúdo próprio ou alheio, sem se preocupar com o feedback dos que lêem. Usa o grupo como terapia para a ansiedade.
Há aqueles que usam a ferramenta para a promoção pessoal com diversos objetivos. Para esses, em geral, o estímulo é o exibicionismo ou narcisismo. Muito comum em políticos que ocupam posições de destaque, que postam apenas conteúdos sobre si.
Há outros que usam o espaço como ambiente de convivência, desenvolvendo identidades e afetos em meio a troca de informações.
Independentemente do tema ou vínculo que gerou o grupo, basicamente os bandos de humanos organizados no WhatsApp giram a sua comunicação em torno de fofocas, sejam elas sobre notícias do mundo político, situações do cotidiano da família, relacionamento entre colegas de trabalho, participantes de uma festa ou admiradores de uma tipo de arte, dentre outros.
Os grupos de whatsapp tem tido uma grande audiência e passaram a ser uma referência de informação diária aos seus usuários, mesmo para aquelas notícias mais relevanates.
Há estudos recentes que apontam os grupos de famílias no whatsapp como sendo os maiores propagadores de fake news, memes de humor sarcástico e imagens de degradação humana.
Capa do Livro, O Novo Poder: Democracia e Tecnologia. Alê Youssef. 2017
A Interação política via whatsapp
A virtualidade é uma realidade em expansão. As mídias sociais serão cada vez mais influentes na socialização das pessoas e comunidades.
A profusão de informações atingiu níveis de alcance e velocidade nunca antes imaginados pela humanidade.
O futuro dessas interações comunicativas são especulados de diferentes formas, mas a relação humano-máquina se aperfeiçoa a passos largos.
No campo da disputa do poder, a internet traz o paradoxo da liberdade para a difusão de ideias a um custo reduzidíssimo e, por outro lado, é o mecanismo de localização e controle de indivíduos mais sofisticado já existente.
Para uso em campo aberto, ou seja, para fins públicos e democráticos, a internet tem servido de ambiente de competição das narrativas em que vencem os grupos que mais difundem e engajam usuários nas suas teses discursivas e nas representação de signos imagéticos.
Ao tempo que em se crítica o Facebook pelo algorítimo que induz acesso ao conteúdo por afinidade, formando “as bolhas”, também intensificam os questionamentos sobre o uso de micro dados de perfil para influenciar a comunicação por técnicas psicológicas e psicométricas de criação de nano targets (alvos minúsculos), o que não ocorre com o WhatsApp.
Nessa seara vale ressaltar que um dos efeitos da virtualidade é a profusão de informações e a consequente dispersão.
A sensação que se tem é de estar a deriva numa maré de notícias. Por isso, os grupos de Whatsapp formados entres pessoas com afinidades equivalentes servem de mecanismo de produção de confiança nas informações que circulam na rede mundial.
Neste sentido, o recurso de “moderação das interações” tem crescido como ferramenta que ameniza essa tendência a dispersão e torna mais efetivos os grupos de Whatsapp que se formam dirigidos a ação política.
Sem dúvida, o ativista político dessa quadra do século XXI terá que assimilar no seu rol de habilidades algumas técnicas de curadoria de grupos virtuais e desenvoltura em se comunicar nesse ambiente.
Manejar bem o WhatsApp é um ativo político. Se no início do século 20, o panfleto e o rádio foram os grandes meios de convocação e informação, no século 21, o post de WhatsApp é que tem o poder de influenciar e organizar as massas.
Edson Pistori* é advogado
http://www.contextolivre.com.br/2018/04/o-poder-do-whatsapp.html