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12.26.2015

Cultura brasileira é o caminho do país, diz escritor italiano De Masi em entrevista

Por Gilberto Cruvinel do site jornal digital GGN (Leonardo Cazes de O Globo) - Sociedade e Cultura Popular (fonte no final)

Sociólogo escritor De Masi
O sociólogo italiano Domenico de Masi está lançando um novo livro sobre o Brasil, chamado “2025 – Caminhos da cultura no Brasil”, nos quais ele faz previsões para o país baseado num questionário respondido por personalidades brasileiras de diferentes áreas.
O jornal O Globo entrevistou De Masi. O sociólogo afirmou que o país, por suas características culturais únicas, é capaz de oferecer um modelo alternativo de sociedade para a Europa e os Estados Unidos.
Ele enxerga o conflito entre os grupos de poder como um problema, mas acredita que as características culturais do povo brasileiro continuam presentes “apesar de suas elites políticas, e continuam a oferecer um exemplo precioso que perpassa o pacifismo, a miscigenação, a estética e o ecletismo cultural”.
“O mundo, que agora ganhou um profundo apreço pelo Brasil, se pergunta por que a classe dominante tem demonstrado tamanha miopia para destruir esse tesouro, o progresso socioeconômico que tornou o Brasil tão admirado no grupo dos BRICs

Rio de Janeiro - Domenico de Masi é um otimista incorrigível. Dois anos após lançar “O futuro chegou” (Casa da Palavra), em que mergulhou nas interpretações do Brasil feitas por nomes como Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, o sociólogo italiano volta a escrever um livro sobre o país, mas agora apontando para o futuro. No livro “2025 — Caminhos da cultura no Brasil” (Sextante), ele faz previsões sobre a cultura brasileira daqui a uma década. Seu diagnóstico foi baseado num questionário respondido por 11 representantes de diferentes áreas: Caio Túlio Costa, Cláudia Leitão, Cléber Eduardo Miranda dos Santos, Cristovam Buarque, Fábio Magalhães, Gloria Kalil, Jaime Lerner, Leonel Kaz, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Paulo Werneck e Tárik de Souza.
De Masi afirma que o mundo vive uma crise cultural pela falta de projetos capazes de orientarem o futuro. E, apesar do momento difícil pelo qual passa o Brasil, o sociólogo acredita que o país, por suas características culturais únicas, é capaz de oferecer um modelo alternativo de sociedade para a Europa e os Estados Unidos. Em entrevista ao GLOBO, por e-mail, ele explicou suas decisão de consultar 11 intelectuais antes de formular o seu prognóstico para os próximos dez anos.
— A ideia para esta pesquisa surgiu de críticas que recebi por causa do meu último livro. Fui acusado de superficialidade intelectual e de não conhecer a estrutura e a cultura do país. Então, eu queria ouvir a opinião de 11 intelectuais para entender como as coisas realmente são — afirma o sociólogo.
O senhor tem uma visão otimista sobre o Brasil, ao contrário de grande parte dos brasileiros. De onde vem o seu otimismo?
Nelson Rodrigues disse que o “Brasil não é popular no Brasil”. Mas, na verdade, poucos países no mundo são tão amados por seus habitantes. Pessimistas, no Brasil assim como em qualquer país no mundo, são a maioria dos intelectuais. Noam Chomsky é pessimista em relação aos Estados Unidos. Pessimistas somos Umberto Eco e eu em relação à Itália. Meu otimismo vem do fato de que eu conheço bem o Brasil, suas enormes diferenças naturais e antropológicas, sua história, seus talentos. E eu conheço bem o resto do mundo para fazer uma comparação embasada.
 A economia do Brasil encolhe, a instabilidade política é grande. Mesmo nesse cenário, o senhor continua acreditando que o Brasil pode oferecer um modelo alternativo para a Europa, os Estados Unidos, Ásia e Africa?
Vista de fora, a situação brasileira nos últimos anos se caracterizou por uma impressionante disputa autodestrutiva entre os grupos no poder e na oposição. Os dois lados fizeram o possível para levar o Brasil à falência. E, ao menos em parte, eles tiveram sucesso. O mundo, que agora ganhou um profundo apreço pelo Brasil, se pergunta por que a classe dominante tem demonstrado tamanha miopia para destruir esse tesouro, o progresso socioeconômico que tornou o Brasil tão admirado no grupo dos BRICs. Mas as qualidades antropológicas do povo brasileiro continuam presentes, apesar de suas elites políticas, e continuam a oferecer um exemplo precioso que perpassa o pacifismo, a miscigenação, a estética e o ecletismo cultural.
O senhor afirma nos seus dois últimos livros que o Brasil é o país do futuro e que esse futuro chegou. Por que então o sentimento do brasileiro é de uma crise sem fim?
Todos os países no mundo estão em uma crise profunda: em alguns, a crise econômica, em outros, a crise da guerra. Mas em todos há uma crise cultural, uma crise de identidade. Nenhum país tem um modelo que inspire seu destino no médio e longo prazo. As duas únicas forças que têm um modelo a oferecer são a Igreja do Papa Francisco e o Estado Islâmico.
E como isso afeta o Brasil?
O Brasil ganhou sua identidade apenas no século XX, graças ao trabalho de grandes cientistas sociais, os chamados “inventores do Brasil”: Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda, que mostraram ao mundo sua cultura. Graças a esses intelectuais, que “revelaram o Brasil aos brasileiros”, o povo brasileiro se tornou consciente da sua própria cultura e de suas pragas endêmicas: a corrupção, a violência, a desigualdade, o analfabetismo. Ao mesmo tempo, o PIB cresceu em média 1,6 ponto nos anos 1980, 2,6 pontos nos anos 1990 e 3,9 pontos na primeira década dos anos 2000. Por causa das políticas social-liberais desde FHC até Lula e Dilma, a classe média cresceu e a riqueza foi redistribuída. No entanto, desde 2013 há uma reação neoliberal, sustentada pelos erros e a corrupção da esquerda, que está alimentando esse sentimento de crise, que dá a sensação de um país rico como o Brasil se sentindo pobre e sem futuro.
O livro “2025 — Caminhos da cultura no Brasil” parece um desdobramento de “O futuro chegou”. Agora, o senhor tenta antever o futuro. Que traços do passado vão continuar presentes em 2025?
O passado do Brasil é marcado por duas características incríveis. A primeira é sua vocação para a paz demonstrada ao longo de 500 anos de boas relações com seus 11 vizinhos no continente, com exceção da guerra com o Paraguai, enquanto os países europeus ficam brigando entre si indefinidamente. A segunda característica é a miscigenação, que permite uma coexistência quase pacífica entre dúzias de grupos étnicos de todo o mundo. Essas duas características estão sedimentadas no curso da história do Brasil e vão marcar o futuro também. Em um mundo dilacerado por conflitos e ondas de migração, o Brasil já é um modelo de coexistência pacífica tanto externamente quanto internamente.
Um dos pontos centrais para se pensar a cultura em 2025 é a inter-relação entre o local e o global. Como a cultura brasileira vai se inserir nesses circuitos globais?
A terceira característica única da cultura brasileira é sua habilidade sensacional para pegar, digerir e assimilar diferentes culturas. Nada pode ser mais oposto, por exemplo, do que as culturas indígenas e a dos portuguesas, que ainda assim se juntaram e permitiram a criação de outra cultura, mameluca, original e frutífera. O Brasil está assimilando a cultura global sem perder as características positivas da sua cultura local. É aí que reside a superioridade do Brasil em relação à Europa, que, ao contrário, é muito mais americanizada, como em uma cultura tecnológica pós-revolução industrial.
http://jornalggn.com.br/noticia/apesar-das-elites-politicas-cultura-brasileira-e-o-caminho-diz-de-masi