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1.25.2017

Estudo da USP embasa lista dos 10 maiores sites de notícias falsas através do Facebook no Brasil

40 ameaças do Congresso brasileiro aos direitos humanos

  • Parte das iniciativas já foi aprovada em 2016, parte ainda está em tramitação

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Padre João (PT-MG), apresenta uma lista de 40 ameaças aos direitos humanos que partem do legislativo. Parte das iniciativas já foi aprovada em 2016, parte ainda está em tramitação.
O levantamento foi elaborado em parceria com o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) e com apoio de pesquisas realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Conectas Direitos Humanos e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
Temas como direitos trabalhistas, Educação, demarcações indígenas e reforma agrária estão sob ataques. / Reprodução 
O documento integrará adendo do presidente da CDHM e da presidenta da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, Erika Kokay (PT-DF), ao Relatório Periódico Universal do Brasil à Organização das Nações Unidas (ONU).
Temas como o fim dos direitos trabalhistas, retrocessos na reforma agrária, liberação ainda maior dos agrotóxicos, fim do licenciamento ambiental, fim das demarcações indígenas, proibição do casamento homoafetivo, restrição ao atendimento de vítimas de estupro, restrição à laicidade do Estado, restrição da liberdade de ensino, redução da maioridade penal, revogação do estatuto do desarmamento estão entre as leis enumeradas. Confira a lista:
Direitos Trabalhistas
1. Reforma Trabalhista. O Projeto de Lei 6787/16, de autoria do Presidente Michel Temer, apresentado em regime de urgência, deve ser aprovado no primeiro semestre de 2017, segundo o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Entre as iniciativas do PL, estão a formalização da jornada diária de trabalho de até 12 horas e a prevalência de acordos entre empresas e sindicatos dos trabalhadores sobre a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
2. Terceirização. O Projeto de Lei 4302/1998, que permite a terceirização das atividades-fim, e não apenas limpeza, segurança e outras atividades-meio, como atualmente ocorre, foi aprovado pela Câmara e está na ordem do dia do Senado.
3. Trabalho escravo. Em 2014 foi aprovada a Emenda Constitucional de n° 81, que determina expropriação de áreas nas quais for utilizado trabalho escravo. A emenda precisa ser regulamentada por lei para ser efetiva. Entretanto, a nova regulamentação proposta pelo PLS 432/2013 inviabiliza a atuação exercida atualmente pelos fiscais do Ministério Público do Trabalho no combate a essa prática.
Meio ambiente, acesso à terra e à alimentação
4. (Des)Reforma Agrária. O governo apresentou a Medida Provisória 759/2016 com duas propostas principais:
A primeira tem por finalidade liberar terras para o mercado. A proposta prevê o pagamento em dinheiro de terras adquiridas para a reforma agrária. Ela pretende ainda dar título de propriedade aos assentados, o que é uma janela para a reconcentração fundiária. Hoje, os títulos concedidos aos beneficiários são inegociáveis.
A segunda linha é a de fragilizar a organização social no campo. A proposta desconsidera a existência de acampados organizados em movimentos sociais, e prevê abertura de editais amplos para candidatos a beneficiários.
5. Rotulagem de Transgênicos. A Câmara aprovou o PLC 34/2015 que põe fim na exigência do símbolo “T” nos produtos que contêm até 1% de componentes transgênicos. O projeto fere o direito à informação e à escolha a uma alimentação saudável. A proposta está pendente de apreciação pelo Senado.
6. (DES)FUNÇÃO SOCIAL. O Projeto de Lei 5288/2009, que está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça, restringe os requisitos da função social da propriedade.
Pela proposta, além de a propriedade não precisar cumprir os critérios ambiental e trabalhista, passa a não ser mais necessário o cumprimento simultâneo dos requisitos de “utilização da terra” e de “eficiência na exploração” para comprovação da produtividade da propriedade rural.
7. Venda de terras para estrangeiros. Desde 2015, a proposta que permite a venda de terras para estrangeiros está com urgência aprovada, para que possa ser apreciada pelo Plenário da Câmara. Defendido pela bancada ruralista, o PL 4059/2012 viola a soberania nacional.
8. Monopólio das Sementes. Está prestes a ser votado, em comissão especial, a proposta de proteção de cultivos. O PL 827/2015 restringe a possibilidade de multiplicação de sementes protegidas e exige autorização do detentor da patente para que o agricultor comercialize o produto da colheita. Trata-se de projeto que favorece multinacionais do agronegócio, que concentrarão mais poder sobre a reprodução de sementes.
9. Agrotóxicos.  Comissão especial da Câmara se debruça sobre proposta de fragilização do processo de controle dos agrotóxicos no Brasil, que já ocupa, mesmo sem essa inovação legislativa, a primeira posição no consumo mundial de veneno na comida.
As propostas dos PL 6299/2002 e 3200/2015 alteram o nome de agrotóxicos para defensivos fitossanitários, restringe a ação do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
10.Mineração. O projeto de Código da Mineração (PL 37/2011) vai no sentido contrário ao das necessidades indicadas pelo maior desastre ambiental da história do Brasil, provocado pela mineração empresarial: a tragédia de Mariana.
O código mais incentiva que regula a mineração. Os substitutivos apresentados – um dos quais escrito no computador de uma mineradora – fragilizam o controle estatal e a capacidade de o Poder Público atuar no planejamento desse setor estratégico.
11. Fim do licenciamento ambiental. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária anunciou que acordou com o Governo Federal a aprovação do “auto-licenciamento” ambiental, com o PL 3729/2004, que permite às empresas obter o licenciamento com o simples preenchimento de um formulário, retirando do Estado o poder de controlar os empreendimentos em prol do meio ambiente.
Direitos dos povos indígenas
12. Fim das demarcações indígenas. A Proposta de Emenda à Constituição 215, que já foi aprovada em Comissão Especial e está pronta para o Plenário da Câmara, prevê a competência do legislativo para demarcar terras, o que impossibilitará, na prática, futuras demarcações.
Além disso, transforma as terras tradicionais em equivalentes da propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida do agronegócio e das mineradoras sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de tradicionalidade.
13. CPI do Incra e da Funai. Tramita, desde novembro de 2015, Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados para investigar as atividades da Fundação Nacional do Índio e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária na demarcação de terras indígenas e quilombolas. Seu maior objetivo é paralisar o processo de reforma agrária e a demarcação de terras.
Direitos das Mulheres e das Pessoas LGBT
14. Estatuto da Família. Foi aprovada por Comissão Especial a proposta (PL 6583/2013) que retira os casais homoafetivos do conceito de família. Casais formados por pessoas do mesmo gênero, pela proposta, não podem se casar ou estabelecer união estável, tampouco podem adotar. O Brasil já permite o casamento e a adoção por casais homoafetivos, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal.
15. Restrição no atendimento em casos de estupro. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou o PL 5069/2013 que criminaliza quem instiga ao aborto ou quem preste qualquer auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da gravidez.
16. ABORTO COMO CRIME HEDIONDO. Quatro PLs em tramitação pretendem tornar o aborto um crime hediondo (PL 4703/1998, PL 4917/2001, PL 7443/2006 e http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=389698). A prática seria considerada tão grave quanto homicídio praticado por grupo de extermínio e estupro de criança, por exemplo.
17. NASCITURO. A proposta dá uma pensão à mãe de filho gerado a partir de um estupro, além de prever direitos de paternidade ao agressor. A (PL 478/2007) já foi aprovada em duas comissões – Finanças e Tributação e Seguridade Social e Família.
18. Contra o reconhecimento das pessoas LGBT. Além do Estatuto da Família, tramitam projetos que propõem a vedação de adoção por casal homoafetivo (PL 4508/2008); a criminalização da “heterofobia” (PL 7382/2010); a criação do “Dia do Orgulho Heterossexual” (PL 1672/2011); a criação de nova causa de anulação do casamento — “a ignorância, anterior ao casamento, da condição de transgenitalização, que por sua natureza, torne insuportável a vida do cônjuge enganado com a impossibilidade fisiológica de constituição de prole” (PL 3875/2012); o cancelamento do decreto sobre o reconhecimento do nome social e da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais (PDC 395/2016); entre outros.
19. (Não) Diversidade nas escolas. O Projeto de Lei 2731/2015 pretende vetar o debate sobre a igualdade de gênero, ou a promoção da ideologia de gênero,  por qualquer meio ou forma do sistema de educação.
Direito à laicidade do Estado
20. Educação. Tramitam na Câmara algumas propostas dispondo da obrigatoriedade do ensino religioso, da Bíblia ou do criacionismo nas escolas. Entre elas, estão PL 309/2011, PL 943/2015 e PL 8099/2014.
21. Ação de inconstitucionalidade por entidades religiosas. Foi aprovada por comissão especial a PEC 99/2011 que diz que as Associações Religiosas podem ajuizar ações de inconstitucionalidade no STF.
Direito à Educação
22. Reforma Educacional. A maior reforma educacional em décadas foi apresentada por meio de Medida Provisória. Quanto ao método, a proposta foi desenhada sem discussão com a sociedade civil organizada, que inclui professores, estudantes, pesquisadores e gestores. Quanto ao conteúdo, apesar do recuo anunciado pelo Ministério da Educação, a MP de fato retirou a obrigatoriedade das disciplinas de sociologia e filosofia. Apenas matemática e português continuaram como matérias obrigatórias nos três anos do ensino médio.
23. Escola sem partido. O projeto de “Programa Escola sem Partido” (PL 867/2015) inclui, como diretriz da educação nacional, o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”.
A proposta viola, por isso, a Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância. Foi criada uma comissão especial para analisar o projeto. (PL 867/2015, PL 7180/2014)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606722
Direitos das crianças e dos adolescentes
24. Redução da maioridade penal. Foi aprovada pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Agora a PEC 115/2015 está no Senado.
A idade penal de 18 anos é um direito humano previsto na Constituição e por isso é cláusula pétrea. A Convenção sobre Direitos da Criança da ONU de 1989 também afirma que 18 anos é o marco da idade penal.
25. Aumento da internação para adolescentes no sistema socioeducativo. O Senado aprovou e a Câmara agora aprecia, em comissão especial, proposta de aumento do tempo de internação para adolescentes em conflito com a lei.
O texto do PL 7197/2002  eleva o tempo máximo de internação de adolescentes de três para dez anos em casos de homicídio doloso (com a intenção de matar) e de atos descritos na lei de crimes hediondos, sempre que cometidos com violência ou grave ameaça (como estupro e latrocínio). A partir dos 18 anos, o adolescente nessa situação deverá ser transferido para uma unidade ou ala separada dos demais”.
26. Exposição de criança e adolescente em conflito com a lei. A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou o PL 7553/1 que permite a divulgação de imagem de criança ou adolescente a quem se atribui ato infracional.
27. Redução da idade de trabalho. Está pendente de deliberação a apreciação da PEC 18/2011 que pretende autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). A proposta fere a Constituição e tratados internacionais sobre proteção à adolescência.
Direito à vida
28. Armamento. Comissão especial aprovou o que significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de armas, hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá ser conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. O projeto está pronto para apreciação pelo Plenário da Câmara.
Direitos sociais e bem-estar
29. Desmonte do Estado. Foi promulgada, em dezembro, a Emenda Constitucional nº 95 proposta pelo Presidente Michel Temer, que institui um novo regime fiscal que congela os gastos públicos por 20 anos.
30. Reforma da Previdência. O governo apresentou proposta de reforma da previdência, através da PEC 278/2016, na qual o trabalhador precisará contribuir por 49 anos para assegurar o recebimento do teto do regime geral da previdência. A proposta ainda estabelece paridade entre homens e mulheres e entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.
31. Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Governo para o ano de 2017 tem a redução de R$ 430 milhões nas políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos e as comunidades tradicionais (estudo da Liderança do PT). A proposta estabelece um teto de 110 milhões de reais para despesas discricionárias da Funai. Trata-se do menor valor orçado para a Fundação nos últimos 10 anos (de acordo com A Pública).
32. Programa de Parcerias de Investimento (PPI). Foi aprovada a medida provisória de Michel Temer que instituiu o programa de privatizações de seu governo. A proposta, segundo o Deputado Nilto Tatto (PT/SP), é orientada “à expansão da infraestrutura mediante parcerias com a iniciativa privada e às privatizações de empresas e instituições financeiras federais, institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente da República, e negligencia os princípios que regem as licitações públicas”.
33. Entrega do Pré-sal. O legislativo aprovou a proposta de autoria do atual Ministro das Relações Exteriores, Senador licenciado José Serra (PSDB/SP), que retira a participação obrigatória da Petrobrás em pelo menos 30% da exploração do Pré-Sal – provavelmente a maior reserva energética do mundo.
Conforme apontou a Federação Única dos Petroleiros, trata-se de entregar a reserva às multinacionais, o que significará menos recursos para políticas públicas “e o fim da política de conteúdo nacional, que gera empregos, renda e tecnologia para o nosso país”. (Lei Ordinária 13365/2016)
34. Renegociação das dívidas dos estados. O Congresso Nacional aprovou o projeto de renegociação da dívida dos Estados. Para aderirem ao programa, os estados devem se submeter, por dois anos, aos requisitos da Emenda do teto de gastos.
Direito à comunicação
35. EBC. Com a Medida Provisória 744/16 Michel Temer acaba com a autonomia da Empresa Brasileira de Comunicação. Ela permitirá que o Planalto indique e demita livremente o presidente da EBC.
Tal medida vai na contramão das práticas democráticas de comunicação pública mundo afora, segundo as quais se criam empresas públicas de comunicação que não são estatais, ainda que prestem contas ao governo.
36. 100 bilhões às operadoras. Foi aprovado, em sete dias corridos, com apoio do governo Temer e sem debates, em caráter terminativo pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado, um projeto que “transforma as concessões de telecomunicações em autorizações e transfere uma infraestrutura estratégica da União, avaliada em R$ 100 bilhões, para o patrimônio privado das operadoras”.
Processo legal
37. Exceção legalizada. Foram apresentadas pelo Ministério Público Federal “dez medidas contra a corrupção”.
A PL 4850/2016, na prática, legalizava medidas de exceção como admissão de provas ilícitas, restrição ao habeas corpus, restrição grave à prescrição dos crimes e limitação à defesa e teste de integridade, ampliação excessiva do rol de crimes hediondos, etc.
38. Terrorismo. O legislativo aprovou a lei que tipifica o terrorismo no Brasil. Apesar da ressalva que exclui de seu texto a atuação de movimentos reivindicatórios, a lei é perigosa pois traz conceitos indeterminados.
39. Criminalização dos movimentos sociais. Hoje ao menos dois projetos de lei (PLS 272/2016 e PL 5065/2016) pretendem agravar a legislação antiterror. Um deles resgata os dispositivos vetados pela então Presidenta da República, Dilma Rousseff. Assim, criminaliza os atos de ato de incendiar, saquear, depredar meios de transporte, agências bancárias, lojas e prédios públicos – o que implica em pena excessiva a condutas contra o patrimônio.
Outro inclui a finalidade política como elemento a caracterizar o terrorismo, com o intuito de restringir movimentos reivindicatórios, ferindo a liberdade de expressão e a democracia.
Direito ao voto
40. Parlamentarismo. O Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a adoção do parlamentarismo, ainda não instalada.
Tramita no STF um mandado de segurança (MS 22.972) que questiona se é possível a mudança de um sistema de governo via emenda Constitucional. O MS foi pautado em março, mas não foi ainda julgado.
Nas informações que prestou ao STF, o Presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, manifestou-se favorável ao parlamentarismo. Por esse sistema, os cidadãos não têm o direito de voto direto para o cargo de Presidente da República.

Edição: Camila Rodrigues da Silva
https://www.brasildefato.com.br/2017/01/24/40-ameacas-do-congresso-nacional-aos-direitos-humanos/

Onu diz que Combate à sonegação no Brasil é suficiente para cobrir gastos com Previdência

  • Empresas deixam de pagar cerca de R$ 500 bilhões ao Estado anualmente, mesmo valor gasto na Previdência Social

Evasão fiscal impede que governo tenha acesso a recursos que poderiam ser usados em serviços públicos / USP Imagens
A evasão somada à sonegação fiscal de empresas brasileiras chega a 27% do total que o setor privado deveria pagar em impostos no Brasil, o equivalente a cerca de R$ 500 bilhões. O alerta faz parte do informe anual da Organização das Nações Unidas (ONU) que destaca que o fenômeno presente em toda a América Latina impede que governos tenham acesso a recursos que poderiam ser usados para financiar serviços públicos.
Na avaliação da entidade, para que os ganhos sociais possam ocorrer até 2030, os governos latino-americanos terão de investir mais. E, para isso, terão de elevar sua capacidade de arrecadação. Em alguns países da região, porém, a receita com impostos ainda representa menos de 20% do PIB.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a especialista em orçamento público do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David, aponta que os principais motivos para a sonegação fiscal no Brasil ser tão elevada está nas leis flexíveis e na ausência de investimentos no combate ao problema.
Segundo a especialista, os impostos mais sonegados no país são Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias que, se arrecadados, poderiam ser destinados à Previdência Social, por exemplo.
“Em 2015, a sonegação chegou a R$ 500 bilhões, o equivalente a 5 vezes o orçamento da Saúde ou todo o orçamento da Previdência Social. Em um momento que se fala que a Previdência precisa ser completamente reformada e os direitos negados, se todo o valor da sonegação fosse recuperado, toda a Previdência poderia ser paga”, diz David.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: Quais as principais origens da sonegação fiscal no Brasil?
Grazielle David: Existem alguns estudos nacionais e internacionais, além desse da ONU, que aprofundam um pouco essas questões da evasão e da sonegação fiscal. Um grande grupo que sempre pesquisa sonegação fiscal no Brasil é o Sinprofaz, o Sindicato dos Procuradores da Fazenda. Há uns 10 anos eles divulgam anualmente uma avaliação da sonegação no país. É interessante ver que esse número da ONU está bem próximo das análises que o Sinprofaz já fazia. O último estudo deles, em relação ao ano de 2016, diz que a sonegação fiscal fica em torno de 25% a 28% da arrecadação, o que fica na mesma linha da ONU. Além disso, quando se pensa, não por proporção da arrecadação, mas pela proporção do PIB, o estudo do Sinprofaz diz que a sonegação chega a 10% do PIB nacional. Nesse mesmo estudo foi identificado ainda que os tributos mais sonegados são o ICMS, o principal tributo estadual, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias.
Outro grupo, que é internacional, o TX Justice Network, uma rede de justiça tributária, utiliza dados do Banco Mundial e observou que o Brasil era vice-campeão mundial na sonegação de impostos, com algo em torno de 13% do PIB. Um valor bem considerável.
Já o estudo do GFI, Global Financial Integrity, que trabalha com informações de fluxos financeiros, conseguiu captar quais os mecanismos utilizados para promover evasão fiscal. Eles observaram uma questão muito interessante: a priori, sempre se pensava que o dinheiro que saía de um país para um paraíso fiscal era fruto de corrupção ou dinheiro puramente ilícito. Porém, eles puderam observar que grande proporção - cerca de 80% dos fluxos financeiros - desse dinheiro tem relação com o setor privado e que o principal mecanismo utilizado é o sub-faturamento.
Isso significa que quando as empresas vão fazer as notas fiscais, ou seja, informar seu faturamento, elas informam com um valor inferior e, assim, conseguem pagar tributos menores, já que muitos deles são sobre o valor de faturamento. Um grande exemplo prático disso é a Vale, que está como uma das grande devedoras do país, inscrita na dívida ativa da União. O Inesc fez um estudo sobre a Vale e observou que a empresa vendia o ferro, que é seu principal minério exportador, a um preço abaixo do mercado internacional. Depois exportava para ela mesma, normalmente para um paraíso fiscal, e, a partir dali, revendia. Ganhando, dessa forma, duas vezes: primeiro, porque deixou de pagar os tributos sobre o faturamento e, depois, porque revende com o valor de mercado lucrando muito.
Como esse valor que não é arrecadado poderia contribuir para os investimentos públicos?
A ONU realiza alguns estudos para analisar a melhor forma de financiar os antigos Objetivos do Milênio, atualmente, denominados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Até então, eles contavam muito com as doações dos países mais ricos e mais desenvolvidos que ajudavam os países em desenvolvimento. Com o cenário de crise econômica global, desde 2008, eles perceberam que talvez isso não seria mais viável. Então, começaram a pensar em alternativas estudando os fluxos financeiros. Com isso, observaram que os países em desenvolvimento sofrem muito com a sonegação fiscal, tanto das empresas nacionais quanto, principalmente, das multinacionais. Por isso começaram essa campanha contra a sonegação, o que poderia ser eficaz na arrecadação para o financiamento dos ODS.
Essa lógica é a mesma que diversos movimento sociais, organizações e universidades seguem no Brasil. Assim que o governo anunciou diversos cortes necessários e o déficit fiscal no país, vários grupos começaram a apresentar alternativas e a rejeitar as medidas de austeridade, porque seria o mesmo que a ONU dizer que no cenário de crise os investimentos nos ODS iam parar.
Aqui no Brasil, estamos indo no sentido contrário da ONU. No lugar de pensarmos em alternativas que poderiam financiar os direitos e as políticas públicas, como diminuir as desonerações tributárias e investir no controle da sonegação fiscal, estamos implantando medidas de austeridade.
Em 2015, por exemplo, a sonegação chegou a R$ 500 bilhões, o equivalente a 5 vezes o orçamento da Saúde ou todo o orçamento da Previdência Social. Em um momento que se fala que a Previdência precisa ser completamente reformada e os direitos negados, se todo o valor da sonegação fosse recuperado, toda a Previdência poderia ser paga.
Quais as principais medidas a serem tomadas para um combate efetivo da sonegação no Brasil?
O primeiro passo é revogar todas as leis que extinguem a punição de quem comete crimes tributários caso o pagamento do tributo seja realizado. Assim como qualquer outro crime, a sonegação deve ser punida adequadamente, ao ponto de que não seja benéfico cometê-la. Enquanto for mais lucrativo sonegar e cometer um crime tributário vai haver grande motivação para que isso aconteça. Tanto é verdade que a sonegação entra dentro do planejamento tributário das empresas, principalmente das grandes, que tem capacidade de pagar caro por advogados, economistas e contadores que conseguem, com um planejamento tributário mais agressivo, incluir a sonegação como uma estratégia. Porque se eles deixam de pagar os tributos ao longo do ano investem esse valor e rende muito. E após cinco anos, se a sonegação não for descoberta, prescreve.
Além da questão legal, também seria muito importante trabalhar a questão da fiscalização. Temos a Receita Federal e os fiscos estaduais, muitas vezes, com pouca estrutura. A gente vive hoje em um mundo extremamente tecnológico, com uma capacidade de integração entre as cidades altíssima, mas diversas administrações estão com seus equipamentos completamente defasados. Por mais que sejam criados softwares interessantes de cruzamento de dados e de controle de integração, os equipamentos não têm capacidade para suportá-los. Precisaria ser investido um pouco mais na administração e sua infraestrutura e na contratação de pessoal.
Se a gente for pensar, por exemplo, na Procuradoria da Fazenda Nacional, que faz o controle da dívida ativa, responsável por cobrar os sonegadores, estão extremamente sobrecarregados. São pilhas e pilhas de documentos para cada procurador, que não consegue cobrar adequadamente. Eles, inclusive, soltaram uma nota dizendo que ao ano eles arrecadam apenas 1% da dívida ativa, uma porcentagem extremamente pequena.
Na sua opinião, há uma má-vontade política em aprimorar os mecanismo de combate à sonegação?
Parece que sim. Sempre que a gente traz essa possibilidade, ela é encarada como impossível de ser realizada. É interessante como todas as medidas de austeridade são consideradas embasadas cientificamente e as medidas alternativas - combate à sonegação, repensar as exonerações realizadas e melhorar a eficiência da cobrança da dívida ativa - são consideradas utópicas. Isso demonstra algumas ideologias e interesses envolvidos.
Os crimes tributários, como a sonegação, deixaram de ser crime de fato porque perderam a punição a partir de 1996, um ano de grandes medidas de austeridade no país. Podemos perceber, então, que nos ciclos de medidas de austeridade e de liberalismo econômico, temos cenários que cortam investimentos públicos, se amplia o valor do orçamento público que vai para o que podemos chamar de financismo e se beneficia grandes grupos econômicos, que normalmente são capazes de realizar grande sonegações. Se a gente observar os 500 maiores devedores inscritos na dívida ativa da União, percebemos que são grandes corporações. Percebe-se um interesse em beneficiar exatamente esses grupos. O poder econômico está muito ligado com o poder político, existe uma troca de favores ali.
https://www.brasildefato.com.br/2017/01/25/combate-a-sonegacao-e-suficiente-para-cobrir-gastos-com-previdencia-diz-especialista/